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sábado, 25 de julho de 2015

A origem da educação intelectual

Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim.” (Jo.5.39)

Ao contrário do que alguns pensam, a educação intelectual não é criação dos filósofos gregos nem dos humanistas pós-medievais. Muito antes disso, o homem vem buscando o saber, organizando seus estudos e ensinando o conhecimento. Isso ocorreu naturalmente na história humana, pois diferente de todos os demais seres vivos, Deus fez o homem um ser racional, capaz de conhecer, estudar, investigar e ensinar. A Terra entregue ao homem para ser administrada, governada e utilizada é um mundo “conhecível”, feito para ser estudado e desenvolvido pelo homem; cenário para o desenrolar da história humana, palco para a revelação de Deus. Por isso, desde o inicio, a história do homem está intimamente relacionada com a busca pelo saber, aplicando-o nas mais diversas áreas da vida pessoal e social, preservando o conhecimento para as gerações futuras. Desejamos, aqui, demonstrar que encontramos nas Sagradas Escrituras a origem da educação intelectual, presente, principalmente, entre aqueles que receberam o importante papel de guardar os registros históricos da revelação de Deus.

Já nas primeiras páginas das Escrituras, encontramos o termo hebraico da ̔at (conhecimento) utilizado 90 vezes no Antigo Testamento e traduzido pela Septuaginta (LXX) por diversos termos gregos que compõe o campo semântico do conhecimento em geral: gnostós (conhecido), guinósko (conhecer), epistéme (conhecimento), oîda (conhecer, saber), epígnosis (discernimento), sünesis (compreensão), gnôsis (conhecimento), aísthesis (discernimento), sofía (sabedoria), epistamai (entender), epignómon (inteligente), frónesis (compreensão), analogízomai (considerar), bulé (propósito). O termo hebraico é amplo e pode se referir à observação mais simples (Jó.10.7), ao conhecimento das técnicas de trabalho (Ex.31.3) e, também, pode designar o conhecimento estrito, acadêmico, buscado sistematicamente (Ec.1.16,18). 

Não é sem razão que encontramos da ̔at principalmente nas literaturas sapienciais do período do reinado de Salomão: 10 ocorrências em Jó, 40 ocorrências em Provérbios e 7 no livro de Eclesiastes, totalizando 57 ocorrências, ou seja, 63% de seu uso no Antigo Testamento. Durante o reinado de Salomão, Israel viveu seu período clássico, a era de ouro política, econômica e também literária, pois além da conservação dos livros Sagrados outras literaturas foram produzidas (1Rs.4.30-34; Ec.12.12). Neste período, a busca pelo conhecimento ganha seu apogeu hebraico, apesar de haver na época apenas parte do Antigo Testamento.

A primeira ocorrência de da ̔at se encontra em Gênesis 2.9, fazendo parte do nome dado à árvore que produzia um fruto proibido, o único que não poderia ser comido: a árvore do “conhecimento” do bem e do mal. Isto não significa que o conhecimento estivesse associado ao pecado nem muito menos ao mal, pois Adão e Eva possuíam conhecimento do bem. Ao comer do fruto proibido, Adão e Eva teriam um conhecimento a mais, o conhecimento do mal. Em sua finitude, o homem deveria se contentar com o conhecimento do bem, dando graças a Deus, pois somente Deus é capaz de conhecer o bem e o mal sem, contudo, se inclinar para o mal. Por meio da árvore, Deus provou o coração deles, pois eles deveriam confiar na Palavra de Deus e obedecê-la. Contudo, ao surgir a dúvida no coração, a incredulidade curiosa conduziu Adão e Eva ao pecado, tendo desejado ser como Deus, conhecedor de todas as coisas. O conhecimento do bem e a Palavra de Deus não foram suficientes para nossos primeiros pais.

Mas, voltando um pouco à história da criação, antes da queda de Adão e Eva, a Escritura nos diz que após Deus ter criado o homem, Ele lhe deu a tarefa de nomear os seres vivos. Talvez pareça simples o primeiro trabalho dado ao homem, mas devemos lembrar que ainda em nossos dias ele é realizado por cientistas. Para desenvolvê-lo bem, o homem precisava observar as características de cada animal, conferindo para eles um nome que lhe fosse adequado. A inteligência do homem estava em perfeito estado, pois o pecado não havia entrado na criação, ainda. Adão possuía conhecimento revelado, desta forma a observação de Adão era límpida e precisa. Ainda no sexto dia da criação, o homem estava dando seus primeiros passos no conhecimento de seu próprio intelecto. 

O fato de ter sido criado em fase adulta, portador da fala e compreensão da linguagem, capaz de observar com precisão os fenômenos e denominá-los, demonstra que o conhecimento de Adão foi revelado, ou seja, dado por Deus. Adão não passou por qualquer processo de aquisição do conhecimento, apenas o articulou, pois já o possuía. Ele também era capaz de lavrar a terra de forma adequada, com toda a técnica necessária para o bom desempenho agrícola. Além desse, Adão possuía uma ampla gama de outros saberes, notados em seus filhos que aprenderam com o pai. Em Gênesis 4, Abel oferece sacrifício ao Senhor, demonstrando que o instrumento cortante e o fogo já eram dominados desde o princípio (Gn.4.4). Os descendentes de Caim desenvolveram ainda mais as técnicas com metais, fabricação de tendas, criação e uso de instrumentos musicais (Gn.4.17-24). Adão, durante longos anos, os ensinou aquilo que havia recebido por revelação de Deus. Ele havia sido criado em perfeito estado e seu conhecimento era bastante amplo.

É interessante notar que a prática de conferir nome de acordo com as características visíveis é também encontrada na nomeação de filhos. Nem sempre o nome dos filhos era escolhido aleatoriamente. Jacó e Esaú, por exemplo, receberam o nome após o nascimento, levando em consideração a observação dos pais a respeito das características vistas nos filhos (Gn.25.24-26): Esaú foi assim chamado, ao verem sua pele de cor avermelhada e seu corpo coberto de cabelos. Seu nome parece ser proveniente do verbo  ̔asah (fazer, pressionar, compelir) que tem sua forma bastante semelhante ao nome de Esaú no tronco piel  ̔aqev (calcanhar), por isso foi chamado de Jacó (ya ̔aqov, mão no calcanhar) que significa aquele que segura o calcanhar. Essa forma de nomear tem origem no primeiro trabalho científico de Adão, nomear os seres vivos de acordo com suas características.

Portanto, desde cedo o homem desenvolveu o saber e, também, o ensinou para a geração seguinte. O conhecimento de Adão foi passado adiante para os filhos: Caim, Abel, Sete etc. Eles escolheram desenvolver o que melhor aprouve para eles: Caim e sua descendência desenvolveram diversas técnicas que lhes proporcionaram segurança, conforto e lazer (Gn.4.17-24). Abel e Sete preferiram o conhecimento de Deus e preservaram toda a revelação inicial do Senhor, vivendo pela esperança da concretização da promessa redentora (Gn.4.26). A geração de Sete é composta de historiadores, arquivistas, sacerdotes, além de diversas outras profissões relacionadas com a sobrevivência (Gn.5.29; 6.14-17; 8.20; 9.20; 11.3-4). Não sabemos quando nem como nem em que forma a escrita teve início, mas considerando que Adão possuía o domínio da linguagem e outros saberes, não deveríamos subestimá-lo com respeito à escrita. 

A necessidade de se preservar os dados históricos e revelados fez com que o homem utilizasse os melhores meios de preservação: a escrita e a música. A Epopeia de Gilgamesh foi escrita aproximadamente 3 mil anos antes de Cristo e conta a história do dilúvio sob a visão de um povo pagão, mostrando quão antiga é a escrita. O dilúvio, as guerras entre os povos e diversos fenômenos naturais esconderam muito da história das nações. Contudo, o cuidado do povo de Deus, descendentes de Sete, em preservar a história e revelação de Deus fez com que tivéssemos em nossas mãos todas as informações necessárias com precisão.

Adão havia recebido conhecimento revelado, mas seus filhos deveriam adquirir o conhecimento por meio do ensino. A educação intelectual se torna necessária para que todo o conhecimento de Adão não se perdesse com sua morte. Os filhos, portanto são instruídos intelectualmente, motivados a transmitir o conhecimento para as gerações seguintes. Tanto na genealogia de Caim quanto na de Sete, encontramos a transmissão intelectual do conhecimento de forma que diversos saberes se propagam: o conhecimento da história, das técnicas e a preservação do conhecimento de Deus. O homem forma cidades, constrói com técnicas especiais, cria instrumentos diversos e luta pela sobrevivência numa terra hostil.

Além de tudo isso, a descendência de Sete precisava estar atenta aos perigos de um mundo em pecado, não se conformando com o mundo pecador, antes renovando a esperança por meio da constante reflexão acerca da redenção. O ensino teológico era necessário para preparar a geração seguinte frente aos desafios de um mundo hostil pecador. Encontramos tal reflexão na vida de Enos, filho de Sete, sacerdote do culto ao Senhor (Gn.5.26); na vida de Enoque, um homem íntegro que “andou com Deus” (Gn.5.22); na vida de Lameque, homem que perseverou em sua esperança, demonstrando sua fé ao colocar o nome de seu filho de Noé, que significa: o Senhor é consolo (Gn.5.28-29); e, também, na vida de Noé, um homem justo e íntegro que andava com Deus, na contramão de um mundo completamente perdido (Gn.6.8-9).

A educação intelectual fez parte da vida do povo de Deus desde o princípio da criação. Sua necessidade se vê frente aos desafios de preservar a história e a revelação divina, ensinar às gerações a vontade de Deus para que andem diante do Senhor com fidelidade e rejeitar a influência de um mundo em pecado, perigo constante para aqueles que esperavam na salvação do Senhor. O homem não partiu da estaca zero até desenvolver o conhecimento por meio da observação. Ao contrário disso, o homem havia recebido todo o conhecimento necessário, a fim de aplica-los nas diversas áreas da vida, desenvolvendo as vertentes do saber que havia recebido de Deus como conhecimento imputado em sua mente e coração. Portanto, nenhum saber humano surgiu ex nihilo (a partir do nada), mas do próprio Deus que o criou.

No decorrer das Escrituras, a educação intelectual será desenvolvida pelo povo de Deus; e geração após outra uma linhagem se dedicará em preservar e propagar tal conhecimento. Esse é um antigo e fundamental papel do povo de Deus e deve ser praticado ainda hoje. Os escritores da Palavra de Deus demonstram um fantástico domínio da arte de escrever, fazendo uso dos mais diversos recursos literários para registrar a Palavra do Senhor com fidelidade histórica e teológica. Hoje, não registramos mais Escritura Sagrada, pois Deus já completou sua Palavra, mas Ele nos exorta a estuda-la com dedicação e nos move pelo Espírito Santo para que a compreendamos e ensinemos para a geração seguinte. O mundo, à semelhança dos descendentes de Caim, não está preocupado com o conhecimento de Deus, pois busca apenas o que lhe proporciona conforto, riquezas e prazeres. No entanto, o povo de Deus se satisfaz em conhecer ao Senhor em quem tem todo seu deleite (Sl.119.174), afinal diz o Senhor: “o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o SENHOR e faço misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o SENHOR” (Jr.9.24).

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