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sábado, 18 de novembro de 2017

Pastoreio bíblico - Abnegação completa da vida

Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus.” (At.20.24)

Desde minha infância até o chamado ao ministério pastoral, sonhei em ser cientista da tecnologia e aperfeiçoei o sonho com o passar do tempo almejando ingressar no estudo da robótica, mecatrônica ou afins. Sempre gostei de matemática e física e ficava fascinado com cada avanço da tecnologia. Todavia, sem que eu tivesse planejado ou mesmo desejado, minha vida mudou completamente de direção. A princípio recusei a possibilidade de ser chamado para o pastorado, mas fui vencido pela vontade de Deus e, então, comecei uma nova jornada. Da área de exatas fui para humanas, deixando o curso de eletrônica fui direcionado para o seminário presbiteriano. Em vez de criar e cuidar de máquinas, fui designado para dedicar a vida ao pastoreio das ovelhas de Jesus. Um grande redirecionamento da vida, pelo qual agradeço a bondade do Senhor.

Para percorrer a jornada proposta pelo Senhor foi preciso negar sonhos e projetos, foi necessário negar a si mesmo. Foi preciso aceitar que além de ter sido comprado pelo precioso sangue do Cordeiro, também havia sido destinado para uma tarefa especial que exigiria a abnegação completa da vida: pastorear a igreja de Jesus. Como disse acima, recusei a ideia durante um tempo. Não encontrei em mim mesmo qualquer qualificação que pudesse justificar tal chamado, todavia não consegui resisti ao chamado por muito tempo, pois Deus tomou cativos mente e coração e os prostrou aos pés de Seu Filho, a fim de que eu executasse todo seu querer.

Deus não precisava de minhas competências, mas queria minha obediência. Como barro, eu deveria esperar pela modelação proveniente das poderosas e habilidosas mãos do Oleiro. Entendi o medo de Moisés (Ex.3-4) e o sentimento de miséria presente em Pedro (Lc.5.1-11). Vi o mudo falar, pois Deus me abriu a boca; vi o cego ver, pois Cristo me capacitou a entender melhor a Escritura; vi o surdo ouvir, pois o Espírito do Senhor me tornou apto a entender as pessoas e suas reais necessidades, a fim de que estivesse apto para pastorear o rebanho do Senhor com fidelidade a Escritura e excelência na dedicação.

Foi necessário deixar sonhos para trás. Vimos em capítulo anterior que os escolhidos por Deus sempre deixam algo para trás e isso incluía sonhos, também. Tentar conciliar sonhos e ministério pastoral sempre dividirá o coração do ministro de forma que estará diante do dilema entre fazer sua vontade ou a vontade do Senhor. Essa é uma das razões para que haja uma grande concentração de pastores em metrópoles, onde o ministro e sua família podem usufruir algumas vantagens acadêmicas e trabalhistas. Eles estão divididos entre a necessidade real de pregar o Evangelho ao mundo e o desejo, tão real quanto, de desfrutarem de uma vida mais confortável com a família.

Não conhecemos os planos e sonhos do apóstolo Paulo, anteriores a sua conversão e chamado para o apostolado. Mas, sem conjecturar demais, podemos inferir que estavam relacionados a seu estudo aos pés de Gamaliel (At.22.3), a seu conhecimento artístico-empreendedor como fabricante de tendas (At.18.3) e a sua participação na seita dos fariseus (Fp.3.5). Em nenhum de seus propósitos para a vida encontrava-se: ser apóstolo de Cristo. E mesmo que Paulo não tenha esquecido o conhecimento adquirido sobre as coisas passadas, ele deixou para trás a velha jornada que percorria, os antigos desejos do coração, abrindo mãos de sonhos e planos para começar uma nova jornada com o coração completamente abnegado, pronto para fazer a vontade de seu Senhor; por isso, disse: “em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus” (At.20.24).


Aptidão para sofrer por Cristo

O versículo mencionado acima expressa bem a visão de Paulo sobre seu chamado e, dentro do contexto textual de Atos 20, pretendia ser um exemplo para os demais líderes, a fim de que a igreja de Jesus estivesse em boas mãos e fosse bem guardada por aqueles que foram chamados para pastoreá-la (At.20.17-38). Conforme Atos 20.24, a missão do apóstolo envolvia dois elementos importantes para o bom exercício do ministério: 1) abnegação completa da vida; 2) e, foco preciso de seu papel como pregador do Evangelho da graça de Deus.

Paulo estava ciente da necessidade de abrir mão da própria vida, a fim de executar a vontade de Deus sem empecilho. Ele não estava preso a suas vontades nem se frustrava caso precisasse negar seus planos. Às vezes em que foi impedido de realizar sua vontade, não desanimou nem desobedeceu (At.16.6-10; Rm.1.13; 15.22). Cooperando com a necessidade de abnegar suas vontades, Paulo mantinha seu foco sobre a missão para a qual fora designado: pregar o Evangelho. Ter a convicção do propósito do chamado é fundamental para que o pastor não se perca pelo caminho, distraindo-se em muitas outras ideias aparentemente atraentes e pragmáticas. Sua missão não é encher igrejas locais, mas pregar fielmente a Escritura, cuidando do rebanho a ele confiado. Convicto disso e pronto para negar a si mesmo, o ministro de Jesus seguirá sempre em frente quer passando por pastos verdejantes ou vales da sombra da morte (Sl.23).

Para entender melhor a necessidade da abnegação completa da vida, precisamos recorrer a alguns testemunhos de Paulo acerca de sua caminhada como apóstolo de Jesus. Os dois textos mais fortes encontram-se na segunda carta de Paulo aos Coríntios (2Co.6.1-10; 11.23-33). Para que o apóstolo pudesse passar por todas aquelas tribulações e, ainda, permanecer firme no propósito de exercer o ministério apostólico, foi necessário abnegar a própria vida, estando pronto a sofrer e morrer por Jesus:

E nós, na qualidade de cooperadores com ele, também vos exortamos a que não recebais em vão a graça de Deus  2 (porque ele diz: Eu te ouvi no tempo da oportunidade e te socorri no dia da salvação; eis, agora, o tempo sobremodo oportuno, eis, agora, o dia da salvação);  3 não dando nós nenhum motivo de escândalo em coisa alguma, para que o ministério não seja censurado.  4 Pelo contrário, em tudo recomendando-nos a nós mesmos como ministros de Deus: na muita paciência, nas aflições, nas privações, nas angústias,  5 nos açoites, nas prisões, nos tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns,  6 na pureza, no saber, na longanimidade, na bondade, no Espírito Santo, no amor não fingido,  7 na palavra da verdade, no poder de Deus, pelas armas da justiça, quer ofensivas, quer defensivas;  8 por honra e por desonra, por infâmia e por boa fama, como enganadores e sendo verdadeiros;  9 como desconhecidos e, entretanto, bem conhecidos; como se estivéssemos morrendo e, contudo, eis que vivemos; como castigados, porém não mortos;  10 entristecidos, mas sempre alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo (2Co.6.1-10).

Contrapondo as muitas acusações contra ele, tendo em vista ser o último apóstolo, que não andou com Cristo nem fez parte do colegiado, Paulo reivindica sua autoridade e integridade expondo sua vida perante a igreja. Ninguém poderia acusa-lo de nada, pois em tudo havia sido fiel, “na muita paciência, nas aflições, nas privações, nas angústias...”. Seu sofrimento, portanto, não lhe era vergonhoso, mas glorioso, pois, unido à perseverança e fidelidade, testemunhava sua dedicação e abnegação na obra de Cristo Jesus. E diante da imensa lista de lutas presentes em sua jornada, os acusadores deveria se envergonhar por buscar glória em sinais e milagres.

É bem verdade que o ministério apostólico de Paulo não é padrão para todo ministério pastoral, no que diz respeito a seu sofrimento. A história cristã testifica que muitos pastores cuidaram bem de suas ovelhas, mas foram privados do privilégio de sofrer por Cristo (Fp.1.29). Todavia, o sofrimento do apóstolo nos aponta para o fato de que o fiel exercício do ministério pastoral pode atrair muitas angustias, tendo em vista que o mundo, o pecado e o diabo são afrontados por meio da fiel pregação da Escritura Sagrada, poder de Deus para a salvação.

Desta forma, o sofrimento é muito possível e bastante provável no curso do exercício do pastoreio. Será necessário, portanto, a abnegação completa da vida, para que o homem de Deus não fuja das angústias nem abandone o ministério a ele confiado. Fica evidente, então, que o ministério pastoral não pode ser exercido como uma profissão, pois o salário mais certo, nesta vida, é a tribulação, ainda que Deus jamais desampare seus servos, pois aqueles que o Senhor chama, também recebem dEle o cuidado necessário durante a vida.

Mais adiante, em 2 Coríntios, Paulo fala, novamente, das lutas presentes em seu ministério, mostrando, assim, que carregava, em sua história e corpo, as marcas de suas lutas enfrentadas por Cristo:

São ministros de Cristo? (Falo como fora de mim.) Eu ainda mais: em trabalhos, muito mais; muito mais em prisões; em açoites, sem medida; em perigos de morte, muitas vezes.  24 Cinco vezes recebi dos judeus uma quarentena de açoites menos um;  25 fui três vezes fustigado com varas; uma vez, apedrejado; em naufrágio, três vezes; uma noite e um dia passei na voragem do mar;  26 em jornadas, muitas vezes; em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos entre patrícios, em perigos entre gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre falsos irmãos;  27 em trabalhos e fadigas, em vigílias, muitas vezes; em fome e sede, em jejuns, muitas vezes; em frio e nudez.  28 Além das coisas exteriores, há o que pesa sobre mim diariamente, a preocupação com todas as igrejas.  29 Quem enfraquece, que também eu não enfraqueça? Quem se escandaliza, que eu não me inflame?  30 Se tenho de gloriar-me, gloriar-me-ei no que diz respeito à minha fraqueza.  31 O Deus e Pai do Senhor Jesus, que é eternamente bendito, sabe que não minto.  32 Em Damasco, o governador preposto do rei Aretas montou guarda na cidade dos damascenos, para me prender;  33 mas, num grande cesto, me desceram por uma janela da muralha abaixo, e assim me livrei das suas mãos (2Co.11.23-33).

Observemos que o desejo vaidoso do coração humano não é novidade de nossos dias. Nos dias do apóstolo Paulo, muitos queriam glória e fama, semelhante ao tempo atual, e se gabavam por seus dons. Outros criaram partidos enaltecendo figuras proeminentes (1Co.1.12). Todavia, Paulo afirma que a glória do obreiro não se encontra nas grandes coisas que faz, já que é sua obrigação fazê-las (1Co.9.16), mas na perseverança manifesta nas mais profundas tribulações e angustias sofridas por causa do ministério recebido do Senhor Jesus. É interessante que Paulo não mencione seus muitos dons, como o faz em outro momento (1Co.14.18), nem faça alusão às revelações especiais recebidas do Senhor (2Co.12.1-5). Ele não se gaba de suas origens (Fp.3.4-5) nem de seu preparo acadêmico, tendo estudado aos pés de Gamaliel (At.22.3). Sua glória encontrava-se no privilégio de sofrer por Cristo e permanecer íntegro tanto no testemunho de vida cristã quanto na fiel pregação da Escritura Sagrada, sem procurar glória humana alguma (1Ts.2.5-6).

A profissionalização do ministério pastoral retirou a glória do sofrimento por Cristo. O pastor profissional vive para manter seu ministério, cumprindo obrigações de forma semelhante a qualquer funcionário de uma empresa. Por isso, preocupa-se muito mais em agregar pessoas dentro da denominação do que conduzir pecadores a Cristo, por meio da fiel pregação; costuma promover atividades sociais agradáveis para manter o interesse das pessoas em participarem da vida eclesiástica local, mas pouco exorta o povo a abandonar a religiosidade infrutífera, tantas vezes hipócrita, que mascara a dureza do coração que vive não para Cristo, mas para si mesmo; e está sempre sorridente, fazendo o povo sorrir, pois tem medo de desagradar seus clientes, fruto de uma geração que acha ter sempre razão, a fim de não ser “demitido”.

Se você não está pronto para negar completamente sua vida, também não está pronto para ser ministro de Cristo Jesus nem muito menos cristão. A abnegação da própria vida faz parte do ser discípulo de Jesus e será absolutamente necessária no curso do exercício pastoral: “Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me” (Mt.16.24). Paulo entendeu o desafio e o aceitou consciente das dificuldades e, também, da eficácia do poder de Deus que opera naqueles que vivem em plena dependência do Senhor:

De tal coisa me gloriarei; não, porém, de mim mesmo, salvo nas minhas fraquezas.  6 Pois, se eu vier a gloriar-me, não serei néscio, porque direi a verdade; mas abstenho-me para que ninguém se preocupe comigo mais do que em mim vê ou de mim ouve.  7 E, para que não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi-me posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte.  8 Por causa disto, três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de mim.  9 Então, ele me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo.  10 Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte (2Co.12.5-10).

Interessante observarmos que o apóstolo não tem vergonha de expor suas próprias fraquezas como temos em nossos dias. Costumamos mostrar somente o que temos de bom para que as pessoas nos amem e nos queiram. Essa é uma das implicações de uma geração superficial, alimentada por heróis de quadrinhos. As pessoas não querem o fraco, o pobre, o pequeno, pois tais características não estão presentes nos heróis. Elas menosprezam pessoas assim, pois o humanismo idealizou o homem perfeito e o exaltou para que todos vivam na busca por alcançar tal ideal. Desta forma, até mesmo o pastor tem dificuldades para depender exclusivamente do Senhor, confiando que toda capacidade para realizar a obra que lhe fora designada encontra-se em Deus que, pelo Espírito e Palavra, opera eficazmente nos que lhe obedecem.

O que torna possível o exercício do ministério pastoral por parte de cristãos, homens falhos e pequenos, é a presença de Deus que atua no pastor e por meio do pastor. Por essa razão, quando pastores passam a olhar para si mesmos, sua família e circunstâncias, começam a sucumbi diante das tribulações que advém ao ministério. A condução do ministério pastoral não pode ser determinada por interesses ou ocasiões, mas deve submeter-se completamente à vontade de Deus que chama com propósito bem definido, a fim de ser glorificado na vida/ministério daquele que ele escolheu para pastorear sua igreja. E, para que isso ocorra, será necessária abnegação completa da vida.

Faço referência ao pastoreio como “vida/ministério”, porque o chamado do Senhor torna o ministério pastoral parte integral da vida do ministro. Nesse sentido, não estamos pastores, mas somos pastores. Ou seja, o pastoreio não é uma profissão conferida ao homem e que, portanto, pode ser abandonada, trocada ou encerrada com a aposentadoria. O chamado de Deus confere ao homem escolhido um novo status de vida e somente a morte pode encerrá-lo. Em Apocalipse, a Jerusalém celestial tem “doze fundamentos, e estavam sobre estes os doze nomes dos doze apóstolos do Cordeiro.” (Ap.21.14). Ou seja, nem mesmo a morte apagará ofício conferido por Deus àqueles que Ele escolheu. Todavia, isso não significa que o pastor deva ser chamado de “ungido do Senhor”, pois o último ungido de Deus é Cristo[1], mas que a vida do verdadeiro chamado por Deus não pode ser divorciada de seu chamado pastoral.

Devemos lembrar que a vida dos profetas fazia parte do ministério profético deles, razão pela qual Oséias teve que casar com uma prostituta (Os.1.2), Isaías “andou três anos despido e descalço” (Is.20.3), um profeta de Judá foi morto por um leão como garantia de que sua profecia provinha de Deus (1Rs.13.1-34), Jeremias viveu solitário no meio de Jerusalém (Jr.16) etc. A vida/ministério desses, entre outros, homens de Deus não podia ser desassociada, pois o chamado profético tornou-se parte da vida integral deles. E ainda que o ministério pastoral não seja um equivalente exato do ofício profético, possui o mesmo principal elemento: separação e destinação para pregação da Escritura ao povo de Deus, parte do projeto redentor.

Outro texto em que Paulo relaciona suas desventuras referentes ao ministério encontra-se em Filipenses 4.10-16. Neste texto, o apóstolo nos conta que a capacidade para viver as lutas presentes na jornada ministerial provinha de Deus que o fortalecia, ou seja, que o capacitava para cumprir cabalmente a missão a qual fora destinado, o que incluía muitas privações na vida:

Alegrei-me, sobremaneira, no Senhor porque, agora, uma vez mais, renovastes a meu favor o vosso cuidado; o qual também já tínheis antes, mas vos faltava oportunidade.  11 Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação.  12 Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez;  13 tudo posso naquele que me fortalece.  14 Todavia, fizestes bem, associando-vos na minha tribulação.  15 E sabeis também vós, ó filipenses, que, no início do evangelho, quando parti da Macedônia, nenhuma igreja se associou comigo no tocante a dar e receber, senão unicamente vós outros;  16 porque até para Tessalônica mandastes não somente uma vez, mas duas, o bastante para as minhas necessidades (Fp.4.10-16).

Não devemos omitir que o fato de haver muitas tribulações na vida ministerial, não significa que o pastor apenas sofrerá o tempo todo, mas estará sujeito a muitos sofrimentos, caso seja fiel na pregação da Escritura Sagrada, pois o “mundo inteiro jaz no maligno” (1Jo.5.19). Observemos que o apóstolo Paulo não faz referência apenas a momentos ruins de sua vida, mas, também, a boas experiências. O cerne da questão, nesse texto, é sua capacidade de lidar com toda e qualquer situação, pois sua abnegação completa da vida está relacionada à sua plena satisfação em Cristo Jesus e total disposição em viver para cumprir o chamado a ele conferido. O sofrimento, então, não lhe era demasiadamente penoso, para que o fizesse desistir, nem os momentos bons suficientemente tentadores, para que Paulo quisesse se acomodar.


Abnegação da própria vontade

Todo ser humano tem sonhos, gostos e vontades, pois eles fazem parte da busca pela felicidade. E mesmo que o cristão tenha em Cristo sua felicidade, também almejará o bem-estar próprio relacionado à suas peculiaridades. Ou seja, um gosta de pizza e deseja comê-la, pois lhe faz bem; outro prefere a cor azul, pois lhe agrada mais a vista; e outro gostaria de ser médico para cuidar das pessoas, pois sentir-se útil lhe faz muito bem. Desta forma, as escolhas são feitas visando o próprio bem-estar, tantas vezes confundido com “querer fazer a vontade de Deus”.

Observe-se, então, que os sonhos, gostos e vontades estão relacionados ao bem-estar próprio. Por essa razão, as pessoas escolhem o que lhes parece melhor e, tantas vezes, lutam ferrenhamente para alcançar seus propósitos. Quando essa busca pelo bem-estar próprio torna-se maior que o amor a Deus, então os pecados aparecem como atalhos que viabilizam a “fuga da dor e busca por prazer”. De acordo com Sigmund Freud, a “fuga da dor e busca por prazer” é a força motriz que move o ser humano em toda sua vida. Essa é uma das raras vezes em que Sigmund Freud teve uma correta percepção da realidade dos pecadores. Mas, o que ele não observou é que essa triste realidade está relacionada ao vazio do homem sem Cristo que, não tendo propósito eterno para sua vida nem a satisfação da alma pela presença do Espírito, vive, então, para alcançar seu bem-estar momentâneo.

Em outra de suas cartas, Paulo elogia a igreja de Tessalônica pela presença de três importantes marcas que indicavam uma real operação do Espírito e Palavra de Deus na vida daqueles irmãos (1Ts.1.3-4): 1) fé operosa; 2) amor abnegado; 3) esperança firme. Como nosso propósito não é expor o texto, destacamos apenas a segunda marca: amor abnegado. Aqueles irmãos estavam abrindo mão de suas vontades, tantas vezes, para abençoarem uns aos outros, de forma semelhante ao que foi narrado sobre os dias iniciais da igreja cristã em Jerusalém: “Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade.” (At.2.44-45). Portanto, uma vida abnegada não deve ser algo exclusivo do pastor, tendo em vista que assim deve ser o amor de todo cristão. Isso significa que o cristão deve estar disposto a negar suas vontades por amor a Jesus e, também, aos irmãos, demonstrando, assim, que não é escravo das próprias paixões.

Diante disso, somos instigados a questionar: Se o cristão deve proceder assim, como deveria agir aquele que fora chamado para exercer o ministério pastoral? A abnegação da própria vontade deve acompanhar o pastor e, quando necessário, a família do pastor, também, tendo em vista ser ele o líder da casa, por instituição divina. Por esta razão, sonhos e planos pessoais, e familiares, deverão sempre estar em segundo plano. Às vezes, eles serão possíveis, pois estarão em pleno acordo com a obra que Deus lhe confiara; outras vezes o pastor deverá abrir mão de suas vontades, para que nada atrapalhe o bom desempenho do trabalho que foi designado a executar.

Lembro-me de certo diálogo com um pastor que estava cursando mestrado em Universidade Federal, na área de humanas. Ele contou com empolgação sobre seus estudos, mas não vi o mesmo com respeito ao ministério; contou sobre planos de fazer parte de seu curso fora do país, mas não demonstrava empenho no conhecimento teológico nem boa prática na arte da pregação. Diante disso, perguntei: “- Seus sonhos e planos cooperam com o chamado que Deus lhe confiou?” Seu histórico, suas pregações e modo de tratar o ministério pastoral demonstravam falta de interesse ou preocupação com a necessidade de se esmerar no exercício da obra do Senhor. Ele queria se dedicar a um estudo paralelo sem que tivesse se dedicado o suficiente no estudo da Escritura Sagrada. E mesmo com todas as dificuldades que demonstrava, em vez de querer se aprimorar naquilo que realmente importava para o exercício do ministério, estava gastando tempo, esforço e dinheiro em coisas desnecessárias, dividindo o coração entre o ministério e seus sonhos.

Qual deveria ser a prioridade acadêmica do pastor? Qualificar-se para melhor pregar a Escritura, a fim de pastorear o rebanho com maior convicção e maturidade. Portanto, o pastor deve procurar cursos que realmente o qualifiquem para melhor servir ao Senhor, dedicando-lhes prioridade em detrimento de qualquer outra qualificação acadêmica, afinal não se pastoreia uma igreja por meio de teorias e conjecturas, mas por intermédio do fiel ensino da Verdade que é a Escritura Sagrada. De que servirá para o Reino de Deus ter pastores que conhecem bem filosofia, mas não teologia; que sabem bem letras, mas não são capazes de fazer uma boa exegese e teologia bíblica; que manejam bem diversos saberes acadêmicos, mas não ensinam com destreza e fidelidade a Palavra de Deus, poder de Deus para salvação? Como disse Paulo:

Conjuro-te, perante Deus e Cristo Jesus, que há de julgar vivos e mortos, pela sua manifestação e pelo seu reino:  2 prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina.  3 Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos;  4 e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas (2Tm.4.1-4).

Outros pastores estão passando por problemas com o ministério ao adequá-lo aos anseios e sonhos da família. A esposa quer ganhar bem, alimentar suas vaidades e ter uma vida social interessante; querem boas escolas para os filhos ou estes querem boas universidades; e todos os membros da família querem uma vida confortável e próspera. Então, o pastor sente-se tentado (ou obrigado) a morar em algum lugar que atenda a estes anseios e sonhos da família, tornando seu ministério subordinado aos planos familiares. Para não deixar o ministério, tais pastores procuram alguma igreja para pastorear ao redor dos sonhos da família. E para tirar o peso da consciência, justificam-se sobre a ideia de que a família está em primeiro lugar. Mas, foi para isso que Deus chamou homens? O ministério pastoral se resume a um emprego eclesiástico? Essas perguntas devem ser respondidas para o bem do pastor e da igreja.

Para por em prática a abnegação necessária ao ministério pastoral, será preciso que o coração do pastor encontra-se profundamente envolvido com a obra de Cristo. Quanto mais prazer houver em satisfazer a Deus, maior será sua prontidão em abrir mão de suas vontades pelos interesses da obra do Senhor. Nem sempre será fácil deixar muitas coisas para trás e, ainda, conduzir a família ao propósito de viver uma vida para a glória de Deus, em completa dedicação à obra do Senhor. Todavia, já que Deus nos chamou para este fim, então Ele mesmo nos dará força, sabedoria e graça para colocar em prática a abnegação completa da vida em prol do ministério conferido por Cristo.


Propósito de vida definido por Deus

Acredito que você já tenha ouvido sobre a importância da ordem correta de prioridades em sua vida: 1) Deus; 2) família; 3) igreja. A ordem é bonita e proveitosa para exortar os cristãos a não abandonarem a família por uma instituição eclesiástica, mas essa sequência não consegue expressar com exatidão o ensino bíblico, pois a igreja de Jesus não é sinônima de “instituição eclesiástica organizada”, mas, sim, o povo de Deus, aqueles que Jesus chamou de família (Mc.3.31-35) e Paulo diz que compõe a família de Deus (Ef.2.19).

Tem ocorrido um problema na aplicação dessa sequência de prioridades. Em vez de aplicarem a ordem de preferências ao cuidado que se deve ter com a família, passaram a fazer da sequência uma razão para conduzir o ministério pastoral segundo a vontade da família, mesmo quando não é justificado por necessidades reais. Por causa do interesse dos filhos em fazer uma boa universidade, pastores querem morar em grandes centros urbanos que favoreçam esse desejo. Por causa do interesse da esposa em algum trabalho, o pastor finca residência na cidade escolhida pela esposa, a fim de satisfazer-lhe a vontade. Ou seja, a família decide o rumo do ministério e não o ministério a direção da família.

Portanto, precisamos responder a importante pergunta: Quem define a direção do ministério pastoral? Vamos pensar na vida militar. Meu pai é militar aposentado e esteve a serviço do exército até meus cinco anos de idade. Eu nasci em Recife, mas aos dois anos de idade, aproximadamente, precisei morar em Brasília, pois meu pai foi transferido para lá. Depois, fomos morar no Rio de Janeiro, pois, mais uma vez, meu pai foi transferido. Ou seja, quem dá a direção para o militar é a instituição. Mesmo que a família não queira, caso o exército ordene a transferência do militar para alguma outra cidade, ele deverá ir junto à família inteira. Portanto, a família deve estar preparada para os desafios da vida de um oficial das forças armadas.

Algo semelhante acontece com o ministério pastoral. Aquele que arregimenta o pastor, também destina seus soldados para onde desejar. É evidente que essa destinação possui um caráter subjetivo, mas não impossível de ser compreendida. A maior dificuldade de um pastor para compreender a hora de sair de uma igreja ou a necessidade de pastorear em outro lugar é sua indisposição. O coração é o primeiro a colocar os obstáculos, tendo em vista incertezas sobre o novo ou medos de perder confortos. Observemos uma narrativa de Atos dos Apóstolos:

E, percorrendo a região frígio-gálata, tendo sido impedidos pelo Espírito Santo de pregar a palavra na Ásia,  7 defrontando Mísia, tentavam ir para Bitínia, mas o Espírito de Jesus não o permitiu.  8 E, tendo contornado Mísia, desceram a Trôade.  9 À noite, sobreveio a Paulo uma visão na qual um varão macedônio estava em pé e lhe rogava, dizendo: Passa à Macedônia e ajuda-nos.  10 Assim que teve a visão, imediatamente, procuramos partir para aquele destino, concluindo que Deus nos havia chamado para lhes anunciar o evangelho.  11 Tendo, pois, navegado de Trôade, seguimos em direitura a Samotrácia, no dia seguinte, a Neápolis  12 e dali, a Filipos, cidade da Macedônia, primeira do distrito e colônia. Nesta cidade, permanecemos alguns dias (At.16.6-12).

Paulo tinha planos missionários para a Ásia e não contava com o impedimento promovido pelo Espírito do Senhor, afinal, por que Deus impediria a obra da pregação de sua Palavra? Todavia, o Senhor tinha outros planos para Paulo e o impediu de seguir seus próprios planos. Após o impedimento, Paulo recebeu orientação divina sobre o lugar para onde deveria se destinar. Diante disso, o destino do apóstolo estava certo e, então, Paulo seguiu rumo a Macedônio onde plantou diversas igrejas no decorrer de alguns anos. O destino certo o levou aos frutos certos.

A narrativa sobre o ministério de Paulo não deve ser tomada como padrão, mas nos serve de exemplo sobre a direção divina para aqueles que Ele chamou para o ministério da pregação da Palavra. O pastor deve estar interessado e sensível à necessidade de direção para o ministério pastoral. Consequentemente, o pastor deverá lutar contra o próprio coração tão tendencioso a querer conforto e facilidades. Por falta de interesse e sensibilidade para seguir novos rumos, muitos pastores estão brigando dentro de igrejas ou abrindo mão da fidelidade, a fim de permanecerem por toda a vida em uma igreja local. Todos já perceberam que o tempo dele acabou naquele lugar, porém ele não reconhece a necessidade de partir para servir em novos campos nem a família aceita a perda de privilégios. Desta forma, tanto o pastor se desgasta quanto a igreja sofre a falta de percepção daquele que deveria ser dirigido por Deus, não por seu próprio coração.

O pastor deve orar ao Senhor para que seu próprio coração esteja sensível ao direcionamento divino. Também deve orar para que sua família coopere com o ministério a ele confiado, por meio da concordância e acompanhamento, a fim de tornar mais fácil a caminhada pastoral. O pastor deve estar atento às necessidades a seu redor. Ou seja, ao observar que há muitos pastores na região que podem fazer o mesmo trabalho que ele está realizando, então, talvez, seja o momento de ir para algum lugar, direcionado por Deus, que tenha real necessidade de pastores. Se isto ocorresse naturalmente, havendo um investimento humano e financeiro mais abrangente, haveria um número maior de cidades brasileiras com igrejas bem pastoreadas.

É importante realçarmos o fato de que Deus chamou pastores para edificar a igreja, ou seja, para atender à necessidade de aperfeiçoar o povo de Deus (Ef.4.1-16). Isso deve conduzir o ministro a buscar o lugar onde melhor possa ser útil na edificação do povo de Deus. Ao contrário disso, como já dissemos, muitos estão saturando metrópoles por simples conveniência familiar. A escolha por pastorear as igrejas tem sido determinada por interesses particulares e esse fenômeno contraria o propósito de Deus para o ministério pastoral. O pastor deve ser instrumento para alcançar vidas e cuidar do rebanho de Jesus, atendendo às necessidades da igreja; não o contrário. Enquanto pastores não se virem como instrumentos divinos, separados e chamados para cumprir propósito definido por Deus, então farão das igrejas meios para sustento pessoal ou patrocínio para o alcance de planos particulares.


Uma família dentro do ministério

Qual a relação de sua família com o ministério pastoral conferido a você? Não estou dizendo que a esposa do pastor deva ser chamada de pastora (porque ela não é) nem que os filhos do pastor devam ser líderes na igreja. O pastor é você, mas sua família terá que se envolver com o ministério por meio da compreensão e acompanhamento, pois onde você estiver ela deverá estar e para onde você for enviado sua família deverá ir, também. Portanto, a família do pastor deve ser amadurecida para ajuda-lo por meio do apoio contínuo, tornando a vida pastoral mais fácil, ou menos difícil.

O pastor é o líder da família, assim como todo homem, e tem o direito/dever de educar a família, conduzindo-a conforme a Palavra do Senhor. Essa educação envolverá a submissão feminina, o respeito e obediência dos filhos e o prazer de todos em fazer a vontade de Deus (Ef.5.18-6.9). Nesse ponto, o pastor deve ser exemplo na liderança familiar, afinal “se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?” (1Tm.3.5). Portanto, não é adequado ao pastor a incapacidade de conduzir a família conforme a direção divina para o ministério pastoral.

A família do pastor precisa se enquadrar no ministério que Deus confiou ao chamado. Isso exigirá uma caminhada íntima com o Senhor, ou seja, piedade da parte da família para aceitar a direção divina e submeter-se à vontade do Senhor. Portanto, a abnegação completa da vida terminará por envolver a família, exigindo-lhe que abra mão de muitas coisas por amor à obra divina. Desta forma, ela deverá confrontar a si mesma por meio da Palavra de Deus, a fim de que haja sempre plena satisfação em Cristo em toda e qualquer circunstância.

Contudo, reações possíveis por parte tanto da esposa quanto dos filhos são a murmuração e a indisposição, sentindo-se prejudicados por culpa do marido e pai. Tal sentimento dividirá a família, transformando-a num peso para o pastor. Este ambiente não é adequado para o bom exercício do ministério pastoral, pois ainda que o homem seja o líder responsável pelo cuidado, sustento, ensino e proteção do lar, não é um mártir da família. A esposa não foi dada ao homem para ser um peso em seus ombros, mas um auxílio em suas responsabilidades (Gn.2.18-25). Os filhos não são problemas confiados aos pais, mas “fechas nas mãos do guerreiro” (Sl.127.4). O que fazer diante disso? Oração e ensino da Escritura sempre serão soluções para os problemas pessoais e familiares, pois tanto Deus é poderoso para quebrantar cada coração quanto a Palavra do Senhor é poderosa para convencer-nos de todos os nossos pecados (Jo.3; 16).

Tentar resolver problemas com shoppings ou presentes ou outras vantagens materiais somente “colocará a sujeira para debaixo do tapete”. O que a família precisa não pode ser encontrado no comércio nem alcançado por qualquer dádiva material. O problema do ser humano está em seu coração e somente Deus pode resolvê-lo. O convencimento superficial apenas adia o problema, pois as murmurações virão à tona outra vez. Todavia, se pela Palavra de Deus e pelo Espírito do Senhor sua esposa e filhos forem convencidos sobre a necessidade de se submeterem à vontade de Deus e encontrarem em Cristo plena satisfação para a vida, então o pastor encontrará aliados de seu ministério para toda a jornada pastoral a ele confiada.

É fundamental que o pastor seja firme o bastante para não ceder às pressões das pessoas, quer família, igreja ou sociedade em geral, pois caso não tenha postura sólida diante das adversidades e oposições, será manipulado por todos, perdendo, então, a utilidade, pois Deus o chamou para conduzir pessoas pela Escritura, independentemente da vontade do povo. Com tal firmeza, o pastor desenvolverá um longo processo de ensino da vontade divina, mostrando o caminho pelo qual seu lar deverá percorrer a jornada cristã. Isso lhe exigirá, também, paciência e perseverança, pois o coração humano é volúvel por natureza (pecadora).


Andando com Deus

Por fim, é fundamental que falemos sobre a caminhada do pastor junto a Deus, por meio de sua contínua vida devocional. Mais que qualquer outro cristão, o pastor deve andar com Deus como Enoque andou (Gn.5.22,24) e ter alegria em Cristo, nosso salvador, como o apóstolo Paulo tinha (Fp.4.4; At.16.25). Ou seja, o pastor é apresentado como exemplo de vida de comunhão com Deus para que toda a igreja tenha um modelo palpável que a conduza a Cristo Jesus (1Co.11.1; 1Pe.5.3).

O fato de que precisamos abnegar completamente a vida significa que há algo errado em nós. Se nosso coração, mente e corpo tivessem plena satisfação em Deus, não haveria qualquer necessidade de lutar contra eles. No entanto, o pecado tornou todo nosso ser indisposto a Deus, de tal forma que o coração, a mente e todo o corpo mostram constante rebeldia contra a vontade de Deus, conduzindo-nos para longe de tudo que é bom e agradável ao Senhor (Gl.5.16. Rm.7). Por isso, é necessário dominar a si mesmo (Gl.5.23), lutar contra si mesmo (Hb.12.1,4) e se esforçar “muito para guardardes e cumprirdes tudo quanto está escrito no Livro da Lei de Moisés, para que dela não vos aparteis, nem para a direita nem para a esquerda” (Js.23.6; Lc.13.24; Rm.12.17).

Portanto, a comunhão plena com o Senhor não é algo natural da vida, nem mesmo da vida cristã. Ou seja, caso o cristão não se cuide, fazendo uso dos meios de graça (Escritura, Sacramentos e Oração), estará sujeito a muitas quedas e ao desânimo. É necessário muito esforço e contínua luta contra a carne para que todo nosso ser torne-se cativo à vontade de Deus. O homem acorda bem cedo, trabalha o dia todo e, ainda, estuda a noite, suportando o cansaço e a fome para ser bem-sucedido em sua vida profissional e financeira. Todavia, um simples abrir a Bíblia, a fim de ler alguns poucos capítulos da Palavra de Deus parece ser o mais penoso, difícil e cansativo exercício humano. Por que é tão difícil buscar uma vida devocional mergulhada na leitura da Escritura e constante oração? Porque tudo em nós tornou-se indisposto a Deus.

Por essa razão, Cristo veio ao mundo, tornou-se um de nós, morreu em nosso lugar e enviou o Espírito Santo para habitar com sua igreja. Ou seja, Jesus veio restaurar o que se perdeu, a fim de que o homem encontre plena satisfação em Deus outra vez, como foi no jardim do Éden. A conversão, então, é o marco inicial do processo de restauração que Deus opera naqueles que creem no Senhor Jesus. Inicial porque a conversão não nos torna perfeitos, mas dá início à caminhada rumo à perfeição progressiva operada pelo Espírito e Palavra de Deus, que será alcançada na ocasião da volta de Jesus (1Co.15.50-58). Isso significa que poderão ocorrer acertos e erros, altos e baixos, momentos bons e ruins ao longo de toda a jornada cristã.

Então, não devemos pensar que o fato de sermos pastores nos torna iguais a Enoque ou imunes ao esfriamento espiritual. A mesma necessidade que todo cristão tem de buscar a Deus, constantemente, também se faz presente na vida do pastor. Porém, a profissionalização do ministério tem esfriado muitos pastores por causa do ativismo a que foram sujeitos os ministros. Ou seja, o excesso de reuniões político-eclesiásticas, as visitas superficiais para comer e beber, os constantes trabalhos manuais para manutenção do prédio da igreja e o exercício administrativo da igreja local tanto exaurem o pastor quanto criam uma falsa impressão de que seu ativismo é sinônimo de vida produtiva com Deus e para Deus. Com o tempo, tal pastor estará negligenciando o estudo da Escritura antes de pregá-la para a igreja; trocará o fiel ensino da Palavra por programações divertidas e se contentará com a presença numérica de pessoas dentro da denominação.

Mas, o que significa andar com Deus? A expressão não apenas caracteriza a vida de Enoque (Gn.5.22,24), como, também, a vida de Noé (Gn.6.9). Josué adverte “os rubenitas, os gaditas e a meia tribo de Manassés” (Js.22.1) a “guardar com diligência o mandamento e a lei” (Js.22.5), andando, assim, em todos os caminhos do Senhor. Salomão abençoa Israel, admoestando a nação a andar com Deus (1Rs.8.61); e, muito depois, Paulo afirma perante o Sinédrio que andava com o Senhor desde sua mocidade (At.23.1). Além disso, o profeta Miquéias exorta o povo a que ande “humildemente com o teu Deus” (Mq.6.8). Como, então, o cristão anda com Deus? Como se expressa a caminhada de um cristão com o Senhor?

Andar com Deus significa viver em acordo com sua vontade como Jesus andou, fazendo sempre o que agrada o Pai, mesmo em meio a um mundo que jaz na escuridão (Jo.4.34). O cerne da caminhada com Deus é a obediência, conforme disse Jesus: “aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me manifestarei a ele” (Jo.14.21). Porém, devemos observar que a prática dos mandamentos não deve ser apenas mecânica ou ritual (Mt.19.16-23), antes deve ser motivada pelo temor e amor a Deus, pela satisfação de viver para agradar àquele que nos amou e “a si mesmo se entregou” por nós (Gl.2.20). E para cultivar essa caminhada com o Senhor, será necessária a abnegação completa da vida, a fim de que os prazeres da carne sejam substituídos pelo alimento celestial.


Gostaria de concluir relembrando que não apenas estamos pastores, nós somos pastores. O ministério pastoral é a vida do pastor, não apenas parte dela nem muito menos apenas uma profissão dada por Deus. O fim do ministério se dá com a morte, pois o propósito da vida do pastor é cumprir a missão para a qual foi chamado (2Tm.4.7). Portanto, antes de enveredar por esse maravilhoso caminho, reflita sobre as características dele. E se você realmente foi chamado, ponha em prática a abnegação completa de sua vida, pois está destinado a viver e sofrer por amor a Jesus e sua igreja.





[1] Recomenda-se, para tornar mais clara essa afirmação, a leitura do ensaio intitulado: CRISTO, o último UNGIDO de Deus, disponível em www.voxscripturae.blogspot.com.br. Neste artigo, será demonstrado que a prática da unção e o termo ungido, amplamente presentes no Antigo Testamento, tinham um propósito profético messiânico que, naturalmente, cumpriu-se em Jesus. Por essa razão, o termo “ungido” é utilizado no Novo Testamento apenas para se referir ao Filho de Deus, também chamado de Cristo (“ungido”).

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