“Quero, entretanto, que saibais ser Cristo o
cabeça de todo homem, e o homem, o cabeça da mulher, e Deus, o cabeça de Cristo.”
(1Co.11.3)
Boa parte da igreja cristã brasileira dispensa o uso do véu nos cultos. Cabe,
então, a pergunta: Por que se dispensa o véu? A resposta é praticamente
unânime: O uso do véu era um elemento cultural. Contudo, a compreensão de que o
véu foi um elemento cultural está, basicamente, associada à inviabilidade de
usá-lo hoje em dia. Por
isso, outra pergunta precisa ser feita: Quais foram os critérios utilizados
para a definição de que o texto é socialmente condicionado? Além disso, será
que o texto está se referindo realmente ao uso do véu? O termo utilizado por
Paulo para introduzir o assunto é traduzido por tradições (paradóseis),
usado tanto para se referir a más tradições transmitidas por religiosos e/ou
hereges quanto para apontar as tradições que o próprio apóstolo ensinava às
igrejas (1Co.11.2; Gl.1.14; Cl.2.8; 2Ts.2.15; 3.6). Mas, estas tradições são
necessariamente ensinos culturais de uma época, ou também podem se referir aos
mandamentos Sagrados estabelecidos e praticados pela igreja? Para alicerçar a
defesa da prática do uso de coberta na cabeça das mulheres nos cultos cristãos,
o apóstolo Paulo faz uso da narrativa da criação (Gn.2) referente a ordem da
criação do homem e da mulher, fala da presença de anjos nos cultos cristãos e
por fim, faz menção do uso natural do cabelo longo entre as mulheres e o cabelo
curto entre os homens, uso este bem conhecido entre os coríntios. Surge,
portanto, a dúvida se Paulo teria realizado tal empreitada para fazê-los
preservar uma tradição local, conhecida da região com respeito ao uso de véu em
culto, uso do cabelo longo ou curto ou se a preocupação do apóstolo diz
respeito ao comportamento dos homens e mulheres em suas relações e as
implicações deste relacionamento para o bom andamento da igreja de todas as
épocas.
Enquanto alguns consideram o texto socialmente condicionado outros têm
mantido a interpretação de que o uso do véu estaria sendo ensinado como
ordenança divina para todas as gerações, fazendo uso do véu até os dias de
hoje. Mas, alguns estudiosos têm apontado para um caminho um pouco diferente
considerando mais profunda a preocupação de Paulo e mais amplas as implicações,
reconhecendo um caráter moral, referente aos relacionamentos, no cuidado que
Paulo demonstra para com a igreja de Jesus e, assim, com a própria glória de
Cristo. Uma vez que o cristão deve viver a vontade de Deus, é fundamental que a
igreja procure compreender as ordenanças divinas, a fim de praticá-las
conscientemente não ignorando nenhum dos mandamentos do Senhor. Mas, também é
importante que não se imponha tradições mal compreendidas e pesadas sobre os
ombros da igreja, para não tornar a caminhada cristã mais difícil,
desnecessariamente. Com este propósito, será feita uma pesquisa exegética no
texto de 1 Coríntios 11.2-16,
a fim de procurar fornecer para a igreja um respaldo
Bíblico consistente para sua prática coerente com a vontade de Deus prescrita em Sua Palavra. Tal
empreitada também auxiliará trabalhos futuros fornecendo possíveis critérios
para a leitura de textos normativos, a fim de se descobrir se estes são
socialmente condicionados ou se são ordenanças supraculturais para a igreja de
todas as gerações.
Pretendemos trazer resposta a alguns problemas exegéticos: Por que o uso
do véu foi tratado por Paulo somente na primeira carta aos Coríntios? Somente a
igreja de Coríntios deveria praticar esse ensino ou era a única igreja que
estava ferindo um ensino dado a todas as igrejas? Qual o background histórico
da perícope? Qual o sentido da palavra "tradições" (paradóseis) usada por Paulo no início do texto? Há algum indício no texto que o
torna socialmente condicionado? Quais critérios devem ser aplicados para se
descobrir se ele é socialmente condicionado? Paulo poderia estar se referindo ao
uso do cabelo longo em vez de um véu? Paulo usa o termo cabeça numa perspectiva
judaica com o significado de autoridade ou numa perspectiva helênica em que
cabeça significa fonte? A expressão "ten kefalen autu" (a sua cabeça) no final do
versículo quatro é uma referência a Cristo ou ao próprio homem? Caso o texto
seja socialmente condicionado, em que ocasiões ele deveria ser aplicado? Ao
utilizar, em seus três argumentos, o texto de Gênesis a respeito da criação do
homem e da mulher, Paulo não estaria dando fundamento para uma ordenança
permanente? Por que Paulo diz que o homem é imagem e glória de Deus, mas que a
mulher é glória do homem? O que Paulo quis dizer quando se refere ao uso do véu por causa dos anjos? A que fenômeno Paulo estaria se referindo ao falar de
anjos no culto cristão? O termo "ángelos" deveria ser traduzido por anjo
ou por mensageiro? Por que Paulo usa o argumento de que é vergonhoso para o homem
ter cabelo comprido? Há quiasmos no texto? E se há qual a sua importância para
a compreensão do texto?
CONTEXTO
HISTÓRICO DA PASSAGEM
Há três assuntos que formam o contexto histórico da passagem de 1
Coríntios 11.2-16, no que diz respeito ao cotidiano das pessoas dentro da
sociedade do primeiro século: O uso do véu por parte das mulheres nas cidades
do império Romano e entre os judeus; os costumes referentes ao uso do cabelo tanto
da mulher quanto do homem; a imagem e voz da mulher em lugares públicos diante
da relação desta com os homens. Além do contexto sócio-cultural da época, há
também o contexto teológico que fazia parte do corpo doutrinário da igreja do
primeiro século. É necessário, então, perguntar: Qual a visão bíblica repassada
para a igreja sobre a relação entre o homem e a mulher? E, por fim, surge no
versículo 10, uma referência aos anjos ou mensageiros, dependendo da tradução
do termo "ángelos". Qual seria a origem da preocupação de
Paulo com a presença de "ángelos" no culto, frente ao uso ou não
da coberta por parte das mulheres?
Quanto ao uso do véu, Paulo não criou a determinação, mas conhecia muito
bem a prática estabelecida socialmente, pois Tarso, a cidade natal do apóstolo,
se destacava na observância desse costume Romano[1]. Além
disso, esse também era um costume oriental registrado nas Escrituras do Antigo
Testamento. Quando Rebeca se aproximava de Isaque, tendo avistado-o de longe,
ela se cobriu (Gn.24.15-21). O véu era usado em lugares públicos, representando
a honra da mulher, filhas e esposas, debaixo da liderança do homem, o líder do lar. Em alguns lugares o não uso do
véu indicava disponibilidade, ou seja, que a mulher estava solteira, à espera
de um marido. As mulheres judias não usavam um véu longo, mesmo assim cobriam
também a cabeça. Portanto, ainda que a cidade de Coríntios estivesse inserida
dentro do contexto Greco-romano, o costume não está relacionado exclusivamente
a Roma, nem muito menos era um hábito de pouca data:
As hebreias não usavam véu todo o tempo, como agora é
costume em muitas das terras do Oriente Próximo. Usar véu era um ato de
modéstia, geralmente a indicar que a mulher não era casada. Quando Rebeca viu a
Isaque pela primeira vez, não estava usando véu; porém ela se cobriu com um véu
antes que Isaque a visse (Gênesis 24:65). As mulheres dos tempos do Novo
Testamento cobriam a cabeça durante o culto, mas não necessariamente o rosto (1
Coríntios 11:5).[2]
Enquanto as mulheres de costume recatado da sociedade se portavam
conforme as tradições agindo modestamente, as mil sacerdotisas pagãs da cidade
de Coríntios, prostitutas cultuais colocadas à disposição dos pagãos para seus
rituais mundanos aos deuses, com os cabelos descobertos realizavam seus rituais
histéricos[3]. Desta
forma, os cristãos estavam dentro de uma cultura marcada por hábitos bem
delineados que caracterizavam cada status social. Conforme CHAMPLIN, mulheres
cristãs estavam abusando da liberdade cristã e escandalizando a sociedade. Além
disso, segundo o autor: “muitas mulheres dali procuravam imitar as sacerdotisas
pagãs em seus oráculos selvagens, que profetizavam com cabeça descoberta, os
cabelos despenteados e esvoaçantes, enquanto proferiam seus oráculos frenéticos[4]”.
Portanto, se ao fazerem uso da liberdade cristã, as mulheres deixassem de
praticar as tradições sociais causariam escândalos e isso dificultaria o avanço
do evangelho, criando uma barreira cultural. Mais grave ainda eram aquelas que
repetiam os modos frenéticos de agir das sacerdotisas na hora de profetizar e
falar em línguas. Esse
comportamento criava uma associação indevida com o culto pagão idólatra,
escandalizando os irmãos, principalmente os mais novos na fé.
O modo de se vestir, e também de ornamentar o cabelo, das mulheres
romanas era razoável, e quanto maior a classe social mais numerosos e finos
eram os adereços. Mais caprichosas eram as mulheres egípcias nos ornamentos do
cabelo e corpo. As mulheres judias se vestiam com um pouco mais de modéstia em
relação às demais e tinham uma vida social mais tímida do que as romanas,
natural da cultura judaica. Segundo HURLEY, era costume das mulheres usarem
seus cabelos presos em um coque ao invés de soltos[5]. Além
disso, quando uma mulher era acusada de adultério seu cabelo era solto como
indicação de sua acusação. Caso fosse inocente, o cabelo era preso novamente.[6] O
tamanho do cabelo, ainda que variasse bastante, era comumente longo. Em Israel,
nos tempos do Antigo Testamento tanto “os homens, bem como as mulheres, usavam
cabelos compridos. Absalão (2 Samuel 14:26) e Sansão (Juizes 16:16-19) tinham
ambos cabelos compridos.[7]”. Contudo,
essa não era a prática comum.
Havia distinção nítida entre o homem e a mulher na sociedade Greco-romana
e, também, judaica. Porém, o cristianismo aproximou diversos grupos sociais: escravo e
senhor, homem e mulher, grego e judeu, sem, contudo, ignorar a ordem natural
estabelecida por Deus com respeito à hierarquia de governo, que desde o Éden
foi estabelecida entre o homem e a mulher: Deus criou primeiro o homem; fez a
mulher para o homem; se dirigiu primeiro para o homem quando Adão e Eva haviam
pecado; responsabilizou o homem pela queda. Portanto, a distância,
equivocadamente criada pela sociedade, entre os homens foi retirada, a fim
de que somente a vontade original de Deus prevalecesse nas relações sociais: a igualdade ontológica entre o
homem e a mulher feitos a imagem e semelhança do Criador; e, a diferença funcional dentro da ordem
estabelecida: a liderança masculina. Desta forma, de um lado a igreja estava
diante de práticas sociais comuns dentro do império romano, bem conhecidas de todos os gentios que haviam se convertido. De outro lado, os
gentios que se convertiam recebiam novos hábitos por meio do ensino cristão. A
igreja deveria administrar com sabedoria as duas coisas. Paulo tinha um
grande cuidado com respeito ao comportamento dos cristãos perante a sociedade.
De um lado deveriam seguir as tradições, os ensinos apostólicos, de outro
deveria usar a liberdade cristã com sabedoria para não chocar a sociedade, pois
tudo deveriam fazer por amor ao evangelho. Ou seja, nem toda prática social
precisava ser recusada, desde que passasse pelo critério de não ferir as
Escrituras, mas deveria ser ponderada, visando o amor a Deus, ao
evangelho, ao irmão.
A liberdade cristã é abordada por Paulo quando trata das comidas
sacrificadas aos ídolos. O cristão pode ou não comer? Ele exorta a igreja a
fazer bom uso da liberdade cristã, ponderando tudo pelo amor (1Co.8.1-13;
10.23-33). Paulo ensina a igreja a usar bem sua liberdade com o propósito de
glorificar a Deus. E a igreja de Coríntios tinha problemas na administração da
nova vida. Ela estava abusando da liberdade cristã, chocando a sociedade,
escandalizando irmãos, atrapalhando, assim, a propagação do evangelho, criando
barreiras para a evangelização. O ensino era para todas as igrejas, mas a
igreja de Coríntios não estava guardando-o como deveria, enquanto as demais
igrejas não haviam criado problema sobre o assunto (1Co.11.16). Vê-se o porquê
que alguns assuntos somente foram tratados em Coríntios, como o uso de coberta.
Há alguns assuntos que Paulo escreve em todas as suas cartas: a
santificação, por exemplo; e outros que são dirigidos especificamente para
algumas igrejas ou indivíduos, tendo em vista a necessidade local. Contudo,
Paulo jamais deixou de anunciar coisa alguma proveitosa, antes anunciava todo o
desígnio de Deus às igrejas (At.20.20,27), pois se preocupava em ensinar tudo a
todas as igrejas: “Por esta causa vos mandei Timóteo, que é meu filho amado, e
fiel no Senhor, o qual vos lembrará os meus caminhos em Cristo, como por toda a
parte ensino em cada igreja.” (1Co.4.7). Vale salientar, que mesmo os assuntos
pessoais deveriam ser lidos pelas demais igrejas, como fez Paulo ao escrever da carta a Filemom. Não somente o principal destinatário deveria ler, mas “a irmã
Áfia, e Arquipo, nosso companheiro de lutas, e à igreja que está em tua casa”
(Fm.2). Coríntios é uma carta com diversos assuntos exclusivos, em relação às
demais cartas, e como Paulo trata dos assuntos por questão de necessidade
vigente, eles só aparecem em Coríntios porque eram mal compreendidos ou não
praticados. Amor, dons espirituais, casamento, culto, ceia do Senhor, comida
sacrificada aos ídolos e ressurreição não eram assuntos que somente a igreja de
Coríntios deveria se preocupar, contudo esta igreja estava tendo problemas,
teóricos e/ou práticos, em sua relação com esses assuntos, o que provavelmente
não estava acontecendo em outras igrejas, pelo menos não em grande escala.
Desta forma, a coberta foi tratada em Coríntios por necessidade local, mas
também era ensinada a todas as igrejas. E, além disso, a carta deveria ser
repassada, como Palavra de Deus escrita para todas as igrejas, para ensino de
toda a cristandade (Cl.4.15), tornando o ensino conhecido por todos.
Com respeito ao contexto teológico, as igrejas pastoreadas por Paulo eram
ensinadas a lidar com submissão e obediência no que diz respeito ao trato para
com as autoridades (Rm.13.1-7; 1Tm.2.1-2). Essa relação começava em casa, pois
as mulheres deveriam ser submissas ao próprio marido, como ao Senhor, e, como “a
igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo submissas
ao seu marido.” (Ef.5.22,24; Cl.3.18; 1Pe.3.1). Além disso, não deveriam
exercer o ministério do ensino na igreja (1Co.14.34; 1Tm.2.11-15). Apocalipse
mostra que surgiram mulheres no meio da igreja procurando ter a primazia, se
autodenominando líderes, profetizas que criaram problemas no corpo de Cristo ao
não se submeterem a liderança masculina (Ap.2.20).
Mas, a afirmação mais intrigante é a menção aos anjos. Encontra-se no
livro apócrifo de Enoque, livro conhecido dos cristãos do primeiro século (1Pe.3.18-20;
2Pe.2.4; Jd.6,14), a referência aos anjos que cobiçaram mulheres no período do
dilúvio (Enoque 7.1-2) como uma tentativa de explicar o texto de Gênesis 6.2,
pois “vendo os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, tomaram
para si mulheres, as que, entre todas, mais lhes agradaram”. Seria essa a referência
que Paulo estaria fazendo ao afirmar que “deve a mulher ter autoridade de cima
da cabeça por causa dos anjos”? Se este é o contexto de Paulo, de fato não é
fácil responder, pois não há indicações de que o apóstolo fizesse uso do livro
de Enoque. Mas, é certo que o livro era conhecido da igreja do primeiro século e
essa indicação se encontra em outras das cartas do Novo Testamento
supracitadas. Getty vê nessa citação de Paulo aos anjos, uma referência à
Gênesis 6:
O véu deve ser usado pelas mulheres por causa dos
anjos (1Cor 11,10), então considerados os guardiões da liturgia, talvez uma
referência bíblica a Gn 6,1-4, que descreve a profanação do desígnio da criação
humana, quando os filhos de Deus desejaram as filhas dos homens e produziram
uma raça de gigantes. Essa atrocidade levou Deus a se arrepender de ter criado
o mundo e a jurar destruí-lo com o dilúvio. Assim, Paulo raciocina, ao
preservar na cabeça a costumeira “marca de autoridade”, as mulheres assumem o
lugar que lhes é devido na liturgia,
subordinadas aos anjos que guardam sua ordem. Dessa forma, não há perigo de que
as mulheres sejam uma distração, nem para os homens, nem para os anjos.[8]
Na carta aos Coríntios, os anjos são telespectadores da vida humana.
Paulo afirma, em 1Coríntios 4.9, a respeito da vida apostólica, que “Deus nos
pôs a nós, os apóstolos, em último lugar, como se fôssemos condenados à morte;
porque nos tornamos espetáculo ao mundo, tanto a anjos, como a homens.” De
outro lado, a igreja haverá de julgar os anjos no dia do juízo final, uma
referência, provavelmente aos anjos caídos (1Co.6.3). A relação entre homens e
anjos é relativamente próxima.
HURLEY sugere que a menção de Paulo aos anjos seja uma citação das
Palavras do Senhor Jesus quando este afirmou que na ressurreição os homens
serão como os anjos que não se casam nem se dão em casamento. Os
coríntios estariam querendo viver plenamente a nova vida, como se já fosse
semelhante aos anjos:
A conduta intimada no capítulo 7, quando colocada ao
lado da atenção dada aos anjos por toda a carta, sugere que uma parte do
argumento de Corinto pode ter sido baseada nos dizeres de Jesus que "na
ressurreição nem casam nem se dão em casamento, mas serão como os anjos
"(Mateus 22:30). Sendo como os anjos, não sendo nem homem nem mulher, em Cristo Jesus (Gálatas
3:28), os coríntios podem ter decidido que no evangelho, consistentemente
realizado, permite que não há distinção entre homem e mulher. Baseadas nisso,
as mulheres iriam deixar seu cabelo para curto no culto de adoração,
proclamando assim seu novo estado.[9]
Outra sugestão é dada por MARSH que aponta para a possibilidade de que
Paulo esteja fazendo referência a adoração dos anjos que, conforme Isaías 6,
também cobrem o rosto em reverência a Deus.[10] O
problema, é que somente as mulheres deveriam cobrir a cabeça, e não o rosto,
enquanto os homens não deveriam ter qualquer coberta sobre a cabeça. Há várias
sugestões apontadas para o contexto teológico dessa passagem. Mas, a análise
será realizada adiante. Neste momento, o fundamental é que as possibilidades
contextuais tenham sido traçadas.
CONTEXTO
LITERÁRIO DA PASSAGEM
I Coríntios é uma das cartas do Novo Testamento que encontra concordância
entre os estudiosos sobre a autoria Paulina e seu estilo epistolar. “Questões
como estilo literário, vocabulário e conteúdo confirmam a comum autoria de
Romanos, Galatas, I e II Corintios.”[11] E
mesmo que a autoria Paulina não seja posta em dúvida, alguns estudiosos sugerem
que 1 Coríntios seja uma colagem de diversos ensinos paulinos, por causa de sua
natureza fragmentada. Contudo, o fato de que Paulo está respondendo ao
relatório que chegou às suas mãos explica bem o porquê do caráter fragmentado
da carta[12]. A obra
é uma carta, uma das mais pessoais do Novo Testamento, e todos os assuntos
abordados, como 1 Coríntios 11.2-16, fazem frente as necessidades da igreja. O
que se vê, então, é que a igreja de Coríntios tinha muitas e diferentes dúvidas
e necessidades, e elas moldaram o conteúdo da carta de Paulo que procurou dar
resposta para tudo.
CONTEXTO
CANÔNICO DA PASSAGEM
Assim como o restante da Carta de 1 Coríntios, a passagem é uma resposta
direta de Paulo a necessidades vigentes da igreja, conforme informações que o apóstolo
recebeu. O apóstolo aborda questões bastante pessoais da comunidade que ele havia
plantado. Sua abordagem é argumentativa, defendendo por meio de proposições os
ensinos que a igreja deveria receber como Palavra de Deus. Não há quiasmos no
texto, mas tópicos principais que são desenvolvidos em subtópicos, comumente em
três argumentos. Os fundamentos para todos os argumentos estão nas Escrituras
do Antigo Testamento e nas Palavras de Jesus repassadas para a igreja por meio
dos apóstolos, as testemunhas primárias da vida, ministério e ensino de Jesus. Nos
capítulos 11 a
14 de 1Coríntios, o apóstolo aborda diversos aspectos do culto: o uso de coberta,
a Ceia do Senhor, o uso dos dons nos cultos públicos, guiado pelo amor,
exortando a igreja a fazer tudo com ordem e decência. Paulo recebeu notícias da
igreja por meio da carta que ele recebeu das mãos de alguns irmãos de Coríntio,
e esta carta não só informava as perguntas que surgiram entre os coríntios, mas
também o comportamento da igreja e de alguns indivíduos e grupos. Portanto, a
passagem em análise deve ser lida dentro do contexto do culto público, como uma
palavra de correção frente à denuncia que Paulo recebeu sobre o comportamento
dos irmãos.
JUSTIFICAÇÃO
DOS LIMITES E DIVISÕES DA PERÍCOPE
Infelizmente, como muitos outros textos, 1 Coríntios 11.2-16, não foi bem
distribuído em
versículos. O primeiro versículo do capítulo 11 pertence ao assunto anterior, que trata do bom uso da liberdade cristã, sendo a
conclusão deste. Os coríntios deveriam usar a liberdade cristã com amor, assim
como Paulo o fazia. Após ter argumentado acerca do uso da liberdade, Paulo lembra
aos coríntios que eles viram nele o modelo quanto ao assunto, pois Paulo tudo
fazia por amor. Por isso, conclui exortando-os: “Sede meus imitadores, como
também eu sou de Cristo” (1Co.11.1).
O início da nova perícope no versículo dois, do capítulo onze, começa com
a conjunção coordenada de transição grega "de" (mas).
Há uma mudança de assunto, mesmo que a liberdade cristã ainda esteja sobre a
mesa, afinal esse era um dos principais problemas da igreja: o abuso da
liberdade cristã. Agora essa liberdade será abordada dentro do culto, conforme
as tradições que Paulo havia ensinado à igreja. O apóstolo começa um novo
assunto se referindo às "paradóseis" (tradições)
que ele havia entregue para a igreja. E para introduzir o assunto, antes de
abordar as questões que precisavam ser corrigidas dentro da igreja, o apóstolo
primeiramente elogia os irmãos por guardarem várias das "paradóseis" que haviam recebido. Entre duas exortações
(1Co.10.23-11.1 e 1Co.11.2-16), Paulo faz um elogio, proporcionando uma suave
passagem entre os dois assuntos.
Entre as "paradóseis" que a igreja
havia recebido, uma delas estava sendo negligenciada: a questão da coberta que
é tratada nos versículos dois a dezesseis. O versículo dezesseis encerra o
assunto com um aviso contra aqueles que não gostavam de se submeter aos ensinos
apostólicos. No versículo seguinte, em 1Co.11.17, o apóstolo dá início a um
novo assunto, agora não elogiando a igreja por causa de seu comportamento com respeito à Ceia do Senhor. Assim, Paulo dá gravidade ao assunto,
atraindo a atenção dos leitores, para o que será abordado em seguida. Contudo ,
o macro assunto ainda é o mesmo: a liberdade cristã dentro do culto público,
que só será encerrado apenas no final do capítulo quatorze. Assim, o texto começa com um elogio e é encerrado antes do “não elogio” de Paulo, que iniciará
o assunto seguinte. A perícope, então, é delimitada assim: 1 Coríntios 11.2-16
BREVE REVISÃO DE LITERATURA
Não há dúvidas entre os comentaristas de que o contexto no qual as
Palavras de Paulo deveriam ser praticadas era o culto público. Contudo, alguns
atestam que sua aplicação não está restrita ao ambiente cúltico. É dentro do
contexto do culto que Paulo tratará de vários assuntos nos capítulos 11 a 14 de 1 Coríntios. Em sua
introdução, o apóstolo louva a igreja de Coríntios “porque lembraram e
continuam lembrando tudo de mim, e assim como entreguei para vocês as
tradições, estão recebendo”. MORRIS não comenta a estranheza
que causa o elogio de Paulo à igreja, tendo em vista as inúmeras exortações que
Ele faz aos Coríntios pelo mau comportamento individual (1Co.8.9-13), coletivo
(1Co.1.11) e cúltico (1Co.11.17-21), mas CLARK observa bem que a carta menciona
muitas faltas da igreja, “incluindo ataques contra o próprio Paulo”[13]. CLARK,
então, sugere que alguns pequenos grupos estavam se desviando dos ensinos, mas
a maioria era “relativamente fiel”[14]
Conforme, SCHREINER, o versículo 2 não se encaixaria em seu contexto a não ser
que “funcione como uma introdução de cortesia antes de Paulo começar a criticar
os Coríntios em certas práticas”[15]
No versículo três, Paulo traz a ordem hierárquica que será a base para
sua argumentação sobre o uso da coberta na cabeça. Ainda que o texto em grego
não comece e termine exatamente com o termo, "Kristos" (andros he kefale ho Kristos estin kefale de gpsnaikos ho aner kefale de tu Kristu ho Theós), conforme KISTEMAKER,
Cristo começa e termina o argumento, tornando a ideia completa, e “a progressão
dessas três cláusulas com a palavra repetitiva cabeça levanta questões
centradas no sentido dessa palavra”[16]
Esta disposição destaca a proposição central (“O homem é a cabeça de uma
mulher”), mas também a amarra à suas margens de forma que Cristo se torna o
modelo tanto para autoridade do homem quanto para a submissão da mulher. A mulher, então, deve cobrir a cabeça e o homem não.
Após observar o contexto judaico do texto, CLARK afirma que o cobrir da
cabeça não seria uma referência ao véu, mas ao uso do cabelo longo:
Embora o costume oriental fosse véus ou mantos para
mulheres, e embora algumas palavras nos últimos dez versículos pareçam
referir-se a tais coberturas, torna-se evidente agora que cabelo, e não
chapéus, é a questão importante. Deus deu às mulheres cabelos compridos no
lugar de véus.[17]
MORRIS, no entanto, afirma que o homem não cobrir a cabeça “era algo novo
para Paulo, o cristão”[18],
tendo em vista que “os judeus sempre oravam de cabeça coberta”[19],
e afirma que a cobertura na cabeça da mulher “assegura o seu próprio lugar de
dignidade e autoridade. Ao mesmo tempo, ela reconhece sua subordinação”[20].
Conforme MORRIS, o uso natural do cabelo longo não é um substituto da coberta
de tecido. Para ele “a natureza dá em símbolo a necessidade de uma mulher
manter coberta a cabeça em ocasiões apropriadas”[21]. SCHREINER
entende que o texto está lembrando por meio da cultura local o ensino Bíblico
de que o homem deve se portar como líder no contexto familiar e a mulher lhe
deve ser submissa.[22]
KISTEMAKER compreende que Paulo faz uso daquilo que é comum na época de
Paulo. Seu foco está no princípio de que Paulo “quer que uma mulher seja
distintamente feminina com respeito ao cabelo e à roupa, e assim cumpra o papel
que Deus tencionou desde a criação”[23]
Ainda que KISTEMAKER entenda que a palavra grega "anti" deva ser traduzida por: “em vez de”, afirma
que “Paulo insta com as mulheres coríntias para que usem uma cobertura da
cabeça além de cabelo comprido como símbolo de honrarem o marido e mostrarem
submissão a eles.”[24]
Conforme PAYNE, o pano de fundo histórico da carta aos Coríntios era a
cultura pagã greco-roma, mas também as convenções judaicas, a respeito do
homossexualismo masculino e a prostituição feminina. Paulo está tomando cuidado
para que os irmãos não usem a liberdade inadequadamente e terminam sendo
identificados com os imorais da época. Assim, quanto ao uso de coberta,
“geralmente era considerado vergonhoso para o homem usar cabelo longo afeminado. Cabelo afeminado era comumente ridicularizado como vergonhosa por
causa de sua associação com a homossexualidade”[25].
Desta forma, Paulo não estaria se referindo a qualquer uso de véu ou chapéu
para o homem ou para a mulher, mas ao uso do cabelo. Sua preocupação era que os
cristãos não fossem associados aos imorais pagãos da época. Também as mulheres
deveriam ter cuidado na forma como usavam o cabelo, uma vez que “cabelos soltos
retratam festanças vergonhosas”[26].
O descuidado faria com que as irmãs fossem tratadas pela sociedade
vergonhosamente como se fossem prostitutas. Desta forma, o teor de 1 Coríntios
11.2-16 é moral e não estava relacionado somente aos cultos cristãos, mas à
presença deles perante a sociedade onde “cabelo afeminado no homem simbolizava
a homossexualidade, e os cabelos soltos das mulheres simbolizavam liberdade
sexual”[27].
Contrastando com os estudiosos já citados, MARTIN, focaliza sua atenção
sobre os versículos 14 e 15 e faz uma abordagem sobre o “argumento natural”[28]
do apóstolo entendendo que Paulo está contrastando a masculinidade representada
pelo testículo do homem com a feminilidade da mulher que é demonstrada em seus
longos cabelos, por isso o cabelo é a glória da mulher. Conforme MARTIN:
Paulo adequadamente instrui as mulheres quanto ao
serviço de Deus para cobrirem o cabelo, uma vez que faz parte da genitália
feminina. De acordo com o argumento de Paulo, as mulheres podem orar ou
profetizar na adoração pública, juntamente com os homens, mas somente quando
ambos estão decentemente trajado.[29]
ANÁLISE DO TEXTO
Tendo conhecido algumas interpretações diferentes do texto de Coríntios
11.2-16, passemos para a análise da perícope, a fim de se oferecer uma
interpretação consistente e respostas coerentes às questões levantadas.
A igreja de Coríntios estava guardando diversas "paradóseis" que Paulo havia ensinado,
contudo, nem todos estavam sendo cuidadosos quanto a prática de tudo. Nos
evangelhos o termo "paradóseis", onde aparece oito vezes, possui um sentido negativo, sempre se referindo à
tradição dos escribas e fariseus que estavam substituindo a prática dos
mandamentos de Deus. Já nas cartas Paulinas, onde aparece cinco vezes, somente
em colossenses 2.8, a referência é negativa, e diz respeito aos maus ensinos,
denominados de “tradições de homens”, ensinados por hereges que perturbavam a
igreja. Em 2 Tessalonicenses, Paulo se refere aos ensinos apostólicos, à
semelhança de 1 Coríntios 11, que deveriam ser cridos e obedecidos. Essas
tradições eram regra de fé e prática e deveriam ser seguidas à risca: “Mandamo-vos,
porém, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo o
irmão que anda desordenadamente, e não segundo a tradição que de nós recebeu.”
(1Ts.3.6). Em todos os textos, "paradóseis" corresponde aos ensinos que deveriam ser obedecidos como norma para os fiéis,
tanto com relação aos judeus como cristãos. A diferença entre os textos que
usam o termo está no conteúdo ao qual ele faz menção, o conteúdo da "paradóseis". Os doutores de Judá haviam
criado regras, com base em suas interpretações das Escrituras, que se
distanciavam bastante da Palavra de Deus, afastando o povo da verdadeira
piedade segundo as Escrituras. Mas, as "paradóseis" que os apóstolos ensinavam eram segundo o ensino de Cristo e conduziam para
Cristo, apontando para o homem a nova vida. A igreja deveria ter cuidado com o
tipo de tradição que estava ouvindo, ter “cuidado para que ninguém vos faça presa
sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens,
segundo os rudimentos do mundo e não segundo Cristo” (Cl.2.8). Portanto, a
igreja deveria ter cuidado com as más tradições, enquanto deveria permanecer
firme e guardar as tradições ensinadas pelos apóstolos, “as tradições que vos
foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa.” (2Ts.2.15). Desta
forma, o conteúdo que seria tratado em seguida era de teor normativo para todas
as igrejas e Paulo vem lembrar isso aos Coríntios.
Conforme mencionado anteriormente, as cartas possuem, em grande medida, circunstancialidade quanto aos assuntos tratados. Mas, quando plantava uma igreja ou visitava as igrejas
já organizadas, Paulo sempre teve cuidado de ensinar toda a Palavra de Deus, “jamais
deixando de vos anunciar coisa alguma proveitosa e de vo-la ensinar
publicamente e também de casa em casa” (At.20.20). No entanto, nem todas as
igrejas seguiam os ensinos conforme haviam sido instruídas. Surgiram grupos
diversos que criavam polêmicas dentro das igrejas, não querendo se submeter aos
ensinos. Então, após receber informações sobre as igrejas quanto a forma como
cada uma estava vivendo o cristianismo, Paulo escrevia para elas, relembrando o
que aprenderam e exortando a perseverarem no ensino apostólico. Na medida em
que cada igreja possuía suas dificuldades próprias, os assuntos são
desenvolvidos com particularidade, de acordo com a necessidade. Por isso, para
que se possa ter uma noção do corpo doutrinário ensinado pelos apóstolos, é
preciso unir todas as cartas, somando os ensinos que foram expostos à medida
que alguma igreja não estava sendo fiel na fé e prática do ensino apostólico. Todos
os ensinos das cartas compõem a regra de fé e prática para a igreja. São
circunstanciais quanto às ocasiões em que devem ser aplicados certos assuntos:
família, culto, relação profissional, saúde, ministério pastoral etc. Mas, são
universais quanto ao alcance das gerações que devem observar, de acordo com as
circunstancialidades, cada ensino das cartas. O uso de coberta sobre a cabeça
só é tratado em Coríntios, por que foi a única igreja que apresentou algumas
dificuldades em obedecer a esta tradição apostólica, afinal as igrejas não
tinham o costume de ser contenciosas (1Co.11.16).
Paulo inicia o assunto lembrando a ordem estabelecida por Deus: o homem
está sob Cristo, a mulher está sob o homem, Cristo está sob Deus: “Mas, quero
que vocês tenham aprendido e saibam que
Cristo é a cabeça de todo homem, mas o homem cabeça da mulher, mas Deus cabeça
de Cristo” (1Co.11.3). Nos evangelhos, Jesus deixa clara sua subordinação ao
Pai, fazendo tudo para a glória dEle (Jo.4.34; Jo.5.30; Jo.12.49). E, assim
como Jesus obedeceu à vontade do Pai, os discípulos deveriam obedecer a vontade
de Jesus: “Disse-lhes, pois, Jesus outra vez: Paz seja convosco! Assim como o
Pai me enviou, eu também vos envio.” (Jo.20.21). Desta forma, a igreja está
sujeita a Cristo e vive para fazer sua vontade (Ef.5.24), e, assim como Jesus
se sujeitou a Deus, a igreja deve se sujeitar a Cristo. Mas, dentro da igreja
existe ainda uma subdivisão: homem e mulher. Ao criar o mundo, Deus estabeleceu
uma ordem: primeiro Ele criou o homem à sua própria imagem e semelhança, para
que este fosse o representante legal de toda a criação: “Porque, primeiro, foi
formado Adão, depois, Eva” (1Tm.2.13). Assim, a ordem hierárquica no exercício
do governo estabelecida por Deus é: Deus, Cristo, homem, mulher. Esta ordem não
desprestigia a essência dos seres, mas determina sua responsabilidade e
subordinação. Portanto, não significa que Cristo seja inferior a Deus, mas
cumpre seu papel de enviado, subordinando-se ao Pai: “Quando, porém, todas as
coisas lhe estiverem sujeitas, então, o próprio Filho também se sujeitará
àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos.”
(1Co.15.27-28). Da mesma forma, não significa que a mulher seja inferior ao
homem, mas este deve cumprir seu papel de representante, liderando a mulher,
conduzindo-a com amor, como um líder que cuida dos seus. “Contudo, nem o homem
independente da mulher nem mulher é independente do homem, no Senhor. Porque
como a mulher veio do homem, assim também o homem vem através da mulher, mas tudo
vem de Deus” (1Co.11.11-12). Portanto, nos argumentos de Paulo, cabeça é aquele
que tem autoridade para liderar, que governa o outro numa ordem funcionalmente
hierárquica. Uma das razões para o estabelecimento desta autoridade está no
fato de que aquele que é a cabeça é também a fonte, origem de onde procedem
seus liderados. Desta forma, Deus enviou Cristo e é seu Pai; Cristo é criador
do homem e enviou a igreja; e, foi do homem que a mulher procedeu e para o
homem foi criada. A primazia natural justifica o direito de autoridade sobre o
liderado.
A "paradóseis" que a igreja deveria praticar expressava a ordem
estabelecida por Deus na relação entre o homem e a mulher. Por esta razão,
Paulo começa a perícope com o fundamento teórico. Mas, o assunto será abordado
dentro da esfera do culto público: “Todo homem que ora ou que profetiza tendo a
cabeça coberta está desonrando a sua cabeça. Mas, toda mulher que ora ou que
profetiza com a cabeça descoberta está desonrando a sua própria cabeça; porque
é como se a tivesse deixado raspada. Porque se uma mulher não se
cobre então tosquie-se, mas se é vergonhoso para mulher o ter se tosquiado ou
rapar-se, se cubra.” (1Co.11.4-6). Paulo afirma que o homem não pode cultuar a
Deus com alguma coisa sobre sua cabeça, isso desonra a Cristo que é a cabeça do
homem conforme versículo anterior, afinal o homem está sob a liderança do
Senhor Jesus. Mas, a mulher que cultua sem nada sobre a cabeça desonra a
própria cabeça[30], ou
seja, a si mesmo, assim como é vergonhoso para a mulher estar com a cabeça
raspada. Até aqui o texto não diz o que não pode estar sobre a cabeça do homem,
mas deve estar sobre a cabeça da mulher, pode ser qualquer coisa, pois o termo "peribolaion" (coberta) só aparecerá no versículo 15 para contrastar com o cabelo da mulher.
Algumas mulheres estavam querendo ser iguais aos homens em seus costumes, justificando
o novo comportamento pelo uso da liberdade cristã. Assim, não usavam a coberta
da cabeça. Paulo, então, parece ser sarcástico com essas mulheres, dizendo: se
vocês querem ser iguais aos homens, dizendo não haver mais distinção, então,
por que não raspam o cabelo como os homens fazem? Ter o cabelo raspado é uma
vergonha para qualquer mulher, pois a expõe a ridículo. Afinal, a mulher possui
uma vaidade própria e raspar o cabelo não é um adereço que exiba beleza. Agir
como um homem, ou seja, sem cobrir a cabeça seria tão vergonhoso quanto o
raspar a cabeça, desonrando-se a si mesmo. CHAMPLIN aponta para outro fator
cultural:
Ora, a cabeça rapada era algo repugnante para os
judeus, porque as adulteras sempre tinham a cabeça rapada, como castigo e sinal
de seu crime. (Ver Num. 5:18). As mulheres escravizadas também tinham seus
cabelos rapados; e as mulheres em luto as vezes faziam outro tanto; mas isso
não era normal para as mulheres que estavam em seu estado natural e livre.[31]
O ensino apostólico não é sem fundamento. Então, Paulo dá os argumentos:
“Porque um homem não deve cobrir a cabeça, por ser a imagem e glória de Deus,
mas uma mulher é glória de um homem. Porque não veio o homem da mulher, porém a
mulher veio do homem, e porque não criou o homem por meio da mulher,
porém a mulher por meio do homem” (1Co.11.7-8). Paulo traz três argumentos: 1)
o homem foi feito à imagem de Deus, mas a mulher foi feita a imagem do homem;
2) o homem foi criado primeiro, mas a mulher veio a existir a partir do corpo do
homem; 3) a mulher foi feita para ser auxiliadora do homem. Os três argumentos
mostram a primazia do homem sobre a mulher, não quanto a essência, pois são da
mesma natureza, mas quanto funcionalidade. As mulheres cristãs deveriam
reconhecer a distinção que havia entre o homem e a mulher, concedendo a honra
devida à liderança masculina, tanto familiar quanto eclesiástica. Sendo assim,
a mulher não poderia querer ser igual ao homem, pois Deus os fez distintos, e
sobre os ombros do homem pôs a responsabilidade da liderança que deve ser
reconhecida pela mulher.
Uma das afirmações mais difíceis vem a seguir: “Por causa disto, deve a
mulher ter autoridade de cima da cabeça por causa dos anjos.” (1Co.11.10). Como
já fora dito, em Coríntios os anjos assistem aos homens. Em Atos dos apóstolos,
um anjo vai ao encontro de Paulo para avisá-lo do naufrágio e confortá-lo
garantindo que ninguém morreria. (At.27.23). em 2 Coríntios, Paulo fala do
“anjo de Satanás” que foi enviado para o esbofetear, a fim de que o apóstolo
não se ensoberbecesse (2Co.12.7). Em Gálatas, Paulo diz que os anjos colocaram
a Lei nas mãos de Moisés (Gl.3.19). Em 1 Timóteo, o apóstolo fala que os anjos
viram Jesus (1Tm.3.16) e mais adiante conjura o jovem pastor Timóteo, diante de
Deus, Jesus e também dos anjos eleitos, a guardar os ensinos apostólicos
(1Tm.5.21). Os anjos, portanto, estão ativos assistindo o espetáculo humano. A
grande questão é: em que os anjos seriam incomodados por causa desse assunto? Por que a mulher deveria ter um sinal de autoridade diante dos anjos?
Afinal não há razão para traduzir o texto por mensageiro, se referindo a alguém
que da parte do império ou de uma igreja, ou do próprio Paulo seja enviado para
a igreja de Coríntio. Todas as vezes em que o termo "ángelos" aparece
é para se referir a anjos, quer bons ou maus. O que não aparece em Paulo é a
referência à possibilidade de que os anjos possam ser seduzidos pelas mulheres,
como o apócrifo de Enoque, citado por Pedro e Judas, faz menção. Como
espectadores da história humana, os anjos são testemunhas das ações dos homens
como o Antigo Testamento testifica. Diversas vezes, Deus aponta para alguém
levando informações para Ele: quando Caim mata Abel (Gn.4.10); antes do Senhor
destruir Sodoma e Gomorra (Gn.18.21); quando Israel clama a Deus por causa do
sofrimento no Egito (Ex.2.23); com respeito às blasfêmias de Senaqueribe
(2Rs.19.28); sobre a maldade de Nívive (Jn.1.2); e, até no Novo Testamento os
anjos acompanham a vida de cada cristão dando testemunho de tudo perante Deus
Pai (Mt.18.10).
A maior frequência do termo "ángelos" ocorre nas cartas aos coríntios.
Das quatorze vezes em que aparece nas cartas paulinas, seis delas estão em 1 e
2 Coríntios. A igreja dava muita ênfase aos anjos em sua busca constante por
coisas “espirituais” e “celestiais”. Fazendo uso desta ênfase dada pela própria
igreja, Paulo lembra para as mulheres “espirituais”, que queriam desfrutar da
liberdade cristã sem obedecer às "paradóseis" apostólicas, que os anjos eram
testemunhas do comportamento desobediente, irreverente e inapropriado delas. Portanto,
já que os anjos estavam presentes nos cultos públicos, os cristãos deveriam se
comportar adequadamente com toda modéstia, adorando a Deus como convém.
Como já fora dito, a distinção estabelecida entre o homem e a mulher não
diz respeito à essência da natureza de um e do outro: “Contudo, nem o homem
independente da mulher nem mulher é independente do homem, no Senhor. Porque
como a mulher veio do homem, assim também o homem vem através da mulher, mas
tudo vem de Deus.” (1Co.11.11-12). A relação entre o homem e a mulher é de
mutualidade em muitos aspectos, numa igualdade ontológica. Nem o homem pode
arrogar autonomia, querendo viver sem a mulher, nem a mulher pode querer ser
independente do homem, pois assim como a mulher foi criada a partir da costela
do homem (Gn.2.18-25) também o homem nasce da mulher. E a própria concepção
depende de ambos criando um vínculo de co-dependência para sua proliferação. Somente
Deus é autônomo, independente, autossuficiente. Todas as criaturas são codependentes
e dependentes de Deus. Por que, então querer arrogar liberdade autônoma, quando
no dia a dia da vida humana há uma necessidade do outro? Desta forma, nem o
homem deveria se sentir superior a mulher nem a mulher inferior ao homem, pois
Deus é o mesmo Senhor de todos, e todos dele procedem. Para se sentir
importante dentro do corpo de Cristo, a mulher não precisa, nem deve, querer
ser igual ao homem, pois cada qual cumpre sua função e, assim, todos glorificam
a Deus, quer liderando quer sendo liderado, tanto a mulher com a coberta na
cabeça quanto o homem sem a coberta para a glória de Deus.
Tendo argumentado, Paulo faz uso de suas famosas perguntas retóricas, ou
seja, perguntas óbvias diante das quais não se esperam outras respostas por
parte dos leitores. Ele pergunta “Em vós mesmos julgai se é adequado uma mulher
descoberta orar para Deus; ou a natureza própria não ensina a vocês que o homem
que usa cabelo longo é desonroso para ele?” (1Co.11.13-14) São duas perguntas,
uma relacionada à mulher e outra ao homem e a resposta natural que se espera é:
Não é adequado, não é honroso. Desta forma, já que a igreja sabia que não era
adequado para uma mulher está descoberta na oração, então, por que algumas
mulheres insistiam em se descobrir? E se o homem usar cabelo longo é desonroso,
por que alguns insistiam em agir inadequadamente? A questão aqui vai além do
culto, pois Paulo apela para a natureza das coisas. E, conforme o apóstolo, o
natural para o homem é usar cabelo curto. O natural é aquilo que foi
estabelecido por Deus. O termo "físis" aparece quatorze vezes, das quais
Paulo utiliza onze vezes. Nas cartas paulinas "físis" significa
aquilo que é natural: o modo de se fazer relação sexual (Rm.1.26); a moralidade
do ser humano (Rm.2.14); a homem nascer incircunciso (Rm.2.27); os judeus serem
descendentes de Abraão (Rm.11.21); os ramos naturais de uma árvore (Rm.11.24 –
em analogia); o ser chamado de judeu por nascimento (Gl.2.15); o fato de não
existirem outros deuses (Gl.4.8); o pecador está debaixo da ira (Ef.2.3). Assim,
também, Paulo chama de natural o uso do cabelo curto no homem e do cabelo longo
na mulher. Sendo assim, ao distorcerem o ensino apostólico, eles estariam
andando contrário à natureza, o que não agradava ao Criador que fez todas as
coisas para serem conforme ele as estabeleceu.
O uso do véu era comum em diversas culturas ao redor da igreja e os
cristãos não deveriam provocar escândalos contrariando essas culturas,
desnecessariamente. Nisto Paulo tinha sido modelo para eles (1Co.4.16; 11.1),
pois fazia de tudo para atrair pessoas a Cristo, por meio de um comportamento
humilde e sincero, administrando a liberdade cristã com sabedoria:
Porque,
sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos, a fim de ganhar o maior número
possível. 20 Procedi, para
com os judeus, como judeu, a fim de ganhar os judeus; para os que vivem sob o
regime da lei, como se eu mesmo assim vivesse, para ganhar os que vivem debaixo
da lei, embora não esteja eu debaixo da lei.
21 Aos sem lei, como se eu mesmo o fosse, não estando sem lei
para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar os que vivem fora do
regime da lei. 22 Fiz-me
fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com
todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns. 23 Tudo faço por causa do
evangelho, com o fim de me tornar cooperador com ele. (1Co.9.19-23)
Contudo, as mulheres cristãs não precisavam usar o véu, pois o cabelo,
desde sua criação, foi dado por Deus como símbolo de sua submissão ao homem: “Mas,
a mulher que usa cabelo longo é glória para ela; porque o cabelo foi dado em
lugar de cobertura.” (1Co.11.15). Então, já que o cabelo foi dado em lugar de
uma coberta, a mulher não precisa usar a coberta, mas tem obrigação de manter os
cabelos longos, que é o instrumento natural para representar sua submissão ao
homem. Este é o único versículo no qual aparece de fato o termo "peribolaion" (coberta, véu, mantilha). E neste verso, Paulo não está ordenando seu uso,
muito pelo contrário está dizendo ser desnecessário usar o véu já que a mulher
possui uma coberta natural que é o cabelo grande. Em se tratando de liberdade
cristã, as mulheres de Coríntio poderiam se alegrar com o fato de que não era
necessário usar o véu nos cultos, ainda que não devessem promover escândalos na
sociedade caso fosse melhor usar o véu em algumas determinadas culturas para
não impedir o avanço do evangelho. Mas, mesmo sem usar o véu por causa da
liberdade cristã, deveriam ser submissas ao homem, diante de Deus, e, então,
usar o cabelo longo. Infelizmente, nem todos recebiam as instruções com humilde
subordinação, mas levantavam questões de “velhas caducas” (1Tm.4.7). Por isso,
Paulo adverte a igreja: “Mas, se alguém está pensando ser contencioso, nós, tal
hábito, não temos nem as igrejas de Deus.” (1Co.11.16) Alguns deveriam se achar
inteligentes demais por estarem sempre levantando questões no meio da igreja.
Porém, Paulo os chama de contenciosos, pois suas questões não edificavam a
igreja, antes traziam contendas entre os irmãos. O assunto tratado em Coríntios
também havia sido recebido pelas demais igrejas que nenhuma questão haviam
levantado contra o ensino apostólico. Mas, em Coríntio algumas pessoas deveriam
se envergonhar por não estarem sendo instrumento para o crescimento espiritual
do povo de Deus, mostrando sabedoria no uso correto da liberdade cristã também
dentro do culto.
Ainda que 1 Coríntios 11.2-16 trate do uso do cabelo: curto no homem e
longo na mulher, como representação respectiva da imagem e semelhança de Cristo
no homem e da submissão feminina ao homem; contudo, o assunto que permeia todo
o texto é a relação de submissão que a mulher deve ter em relação ao homem. O
uso do véu, comum nas diversas culturas da época conhecidas dos cristãos de
Coríntio, e o uso do cabelo longo na mulher, como as mulheres cristãs deveriam
usar, são expressões da submissão feminina à liderança masculina. A igreja
estava repleta de problemas na área do relacionamento humano (1Co.1.10-17;
3.1-9; 6.1-11; 8.9-13; 10.23-33; 11.2-16; 12.12-31; 13.1-13) e um dos problemas
dentro dos relacionamentos entre os Coríntios era que: mulheres diziam que em
Cristo eram iguais aos homens, não precisando, portanto, se submeter a eles.
Isso fez com que algumas delas nem usasse o véu nem o cabelo longo, pois não
queriam a fragilidade e submissão feminina, mas a autonomia, liderando a si
mesmas. Por esta razão, Paulo diz que não é vergonha a mulher usar cabelo
longo, símbolo de sua submissão ao homem, mas sim glória, tanto em sua beleza
quanto em seu fiel cumprimento à vontade de Deus.
MENSAGEM PARA
A ÉPOCA DA ESCRITA
Paulo exorta a igreja a se comportar adequadamente segundo os princípios
das Escrituras. Este comportamento era fundamental para que Deus fosse
glorificado corretamente nos cultos e para que não houvesse impedimentos para a
propagação do evangelho. O mau comportamento da igreja perante a sociedade
poderia criar barreiras para a propagação do evangelho promovendo escândalos.
Além disso, a ordem social é prejudicada, pois sem a presença de líderes todos
agiriam com autonomia e as famílias, bem como a igreja, ficariam sem direção
objetiva, fazendo cada qual o que considerasse melhor, transtornando assim os
relacionamentos humanos. Quando o homem e a mulher se submetem a cumprir seu papel,
tanto de líder familiar e/ou eclesiástico quanto de liderado, a própria igreja
que estava repleta de contendas encontraria a paz e uma única direção que havia
sido dada pelo apóstolo Paulo, plantador da igreja, e repassada pelo pastor que
a dirigia. Isso seria bom para a igreja e promoveria o bom testemunho do
evangelho glorificando a Deus perante todos, cristãos e não cristãos. As
mulheres, então, deveriam ter cabelos grandes e decentemente ornamentados, pois
isso agradava a Deus que criou a mulher com tais distinções, bem como não
chocaria o contexto social no qual a igreja estava inserida. Assim, também os
homens deveriam ter aparência masculina.
MENSAGEM PARA
TODAS AS ÉPOCAS
As bases do texto não são socialmente condicionadas nem a ordenança nele
exposta. O ensino é essencialmente supracultural e revela a vontade de Deus
desde os dias do Éden. Portanto, o que Paulo está ordenando para a igreja de
Coríntios é também o que todas as igrejas de todas as épocas devem obedecer. O
comportamento do homem e da mulher instituído por Deus é para todas as
gerações, bem como o cuidado da igreja para não promover escândalos perante a
sociedade. O homem é distinto da mulher em seu aspecto funcional outorgado por
Deus assim como a mulher é distinta do homem e deve reconhecer seu lugar dentro
da criação. O cabelo curto do homem lhe é natural, devendo ser mantido assim.
Os casos excepcionais do Antigo Testamento tinham propósito bem definido, mas
uma vez extinguidos tais casos, o homem passa a viver o padrão: o cabelo curto.
Da mesma forma a mulher, usando o cabelo longo, está mostrando não só beleza,
mas submissão às lideranças instituídas por Deus. Seu comportamento deve ser
descente e modesto, dando bom testemunho do evangelho para o mundo, se
submetendo aos ensinos com toda obediência, pois isso é agradável a Deus.
TEOLOGIA DO
TEXTO
1. Implicações
para a Teologia Bíblica
A revelação Bíblica ocorreu de forma progressiva e orgânica, ou seja, foi
dada pouco a pouco, desenvolvendo os conceitos paulatinamente, dentro do
contexto local, fazendo uso dos recursos da época enquanto dava respostas às
necessidades vigentes, e, ao mesmo tempo, estando sempre harmonizada com o todo
da revelação divina. Os fundamentos para todo aperfeiçoamento doutrinário estão
no Pentateuco, a Lei de Moisés. Os livros do Pentateuco eram a base para toda
pregação profética do Antigo Testamento e continua sendo no Novo Testamento.
Paulo também faz uso do Pentateuco para alicerçar seus argumentos doutrinários,
mostrando como a vontade de Deus foi revelada desde os dias anteriores à queda.
Ao fazer uso do texto pré-queda, Paulo afirma que a relação de submissão da
mulher não é um status relacionado à queda de Adão e Eva, como se fosse uma
maldição (Gn.3.16). Portanto, as bases para as relações sociais não são
socialmente condicionadas, e sim determinadas por leis naturais instituídas por
Deus. Portanto, as bases se mantiveram intactas durante toda a revelação e o
cuidado da igreja é voltar para elas. É desta forma que outros textos que
tratam sobre o relacionamento entre o homem e a mulher devem ser vistos, à luz
de Gênesis 1 e 2 quando tudo ainda era perfeito e o pecado não ofuscava a
vontade de Deus. A história das relações entre homens e mulheres não deve prejudicar
a leitura Bíblica sobre o papel do homem e da mulher dentro da sociedade, pois
os pecados e atrocidades cometidos não invalidam a vontade original prescrita
no início da criação de tudo.
2. Implicações
para a Teologia Sistemática
1 Coríntios 11.2-16 contribui na sistematização do conceito Antropológico
Bíblico, apresentando a visão paulina do homem e da mulher. Nele, o homem e a
mulher são iguais em essência perante Deus, pois ainda que a mulher tenha sido
feita do homem, foi feita da mesma essência em corpo e alma. Por isso, não há
maior ou menor, mas dois seres feitos a imagem de Deus para a glória de Deus.
Por outro lado, o texto aponta a diferença funcional que existe entre o homem e
a mulher. Não se trata de hierarquia eclesiástica, mas cosmológica. O homem foi
feito primeiro do que a mulher para liderá-la; foi a matéria prima da mulher
para receber a honra devida a um progenitor; e, recebeu a mulher como dádiva
graciosa do Senhor, para guiá-la pelo caminho em que deve andar. Dentro desta
igualdade ontológica e diferença funcional, o homem e a mulher cumprem a
vontade de Deus mantendo a ordem do cosmo e atendendo para o bom funcionamento
da sociedade.
3. Implicações
para a Teologia Prática
Há certa resistência da mulher em reconhecer que a liderança social foi
confiada ao homem, quer seja familiar, eclesiástica ou política. Essa
resistência está relacionada aos massacres que a mulher sofreu da parte do
homem por um longo período da história, e que, na verdade, ainda que tenha
diminuído, não cessou completamente e em muitas nações, a mulher continua sendo
muito hostilizada. O cristianismo é a solução para este problema, não porque
torna a mulher igual ao homem, mas porque chama o homem e a mulher a viverem em
Cristo a vontade de Deus estabelecida nos dias do Éden: que o homem lidere a
mulher em amor e a mulher se submeta com ternura numa relação de igualdade
diante de Deus. A mulher cristã deve reconhecer a liderança masculina e se
alegrar com o fato de que Deus libertou homens das trevas para viverem para a
glória do Senhor como líderes que pastoreiam a família, a igreja e a sociedade
como modelo do rebanho. E para ajudá-los devem se submeter com ternura orando
pelo bom exercício do papel do homem. Por sua vez, o homem deve ter o cuidado
para não ser um tirano no exercício de seu papel, antes deve ser cuidadoso e
amoroso, mas também firme e fiel a Deus para cumprir a vontade do Senhor com
integridade.
Além disso, a forma como o homem e a mulher devem se comportar, inclusive
na aparência, tem que ser agradável ao Senhor e Deus que estabeleceu isso na
própria natureza de ambos, pois é natural para o homem ter o cabelo curto, bem
como é natural para a mulher ter o cabelo longo. Portanto, os cristãos não
devem criar contendas, para satisfazer aos caprichos pessoais, conforme sua
concepção pessoal da liberdade cristã, mas dar exemplo, seguindo os mandamentos
do Senhor.
CONCLUSÃO
A igreja cristã desta e qualquer outra geração não precisa se preocupar
com o uso do véu, comum entre várias culturas orientais e até ocidentais. Isto,
porque o texto de 1 Coríntios 11.2-16, não é uma defesa do uso do véu, mas tem
como propósito lembrar às mulheres cristãs que devem ser submissas aos homens.
Paulo também ensina que essa submissão é representada no uso do cabelo longo. Assim
como o homem deve refletir a glória de Deus liderando conforme a Escritura, a
mulher deve honrar o homem sendo submissa a este.
A nova vida em Cristo não acabou com as diferenças funcionais
estabelecidas por Deus desde o Éden. Sendo assim, homens e mulheres devem
cumprir, cada qual, seu papel no propósito de oferecer um culto aceitável a
Deus e uma vida que o glorifique.
[1]
GUNDRY, Robert H. Panorama do Novo
Testamento. São Paulo: Editora Vida Nova, 2ª Ed. 1999, p.314
[2] PACKER, J. I.; TENNEY, Merril C.;
JR., William White. Vida
Cotidiana nos Tempos Bíblicos. São Paulo: Editora Vida, 2001, p.127
[3] CHAMPLIN,
R. N. O Novo Testamento interpretado
versículo por versículo. São Paulo : Editora Candeia, 1995, vol. IV, p.
167
[4] Ibid, p. 167
[5] HURLEY, James B. Did Paul require veils or the silence of women:
A consideration of 1 Cor 11:2-16 and 14:33b-36. Westminster Theological Journal
35, no. 2, 1973, p.196.
[6] Ibid, p.199.
[7] PACKER; TENNEY; JR., 2001,
p.78
[8] GETTY, Mary Ann, 1 Coríntios. In: BERGANT,
Dianne; KARRIS, Robert J., Comentário Bíblico, São Paulo, Editora Loyola, 2001
V. 3, p.210.
[10]
MARSH, Paul W. 1 Coríntios. In:
BRUCE, F. F. Comentário Bíblico NVI. São Paulo: Vida Nova, 2009, p.1903
[11]
CHAMPLIN, 1995, p. 1
[12] CARSON, D. A.; MOO, Douglas
J.; MORRIS, Leon .
Introdução ao Novo
Testamento. São Paulo: Editora Vida Nova, 1997, p. 310.
[13] CLARK, Gordon Haddon. 1
Coríntios 11:1-16. In: I Corinthians. Trinity Foundation, p. 168-178.
Disponível em http://www.monergismo.com/textos/comentarios/1corintios11_1-16_clark.pdf. Acesso em 02 de abril de
2014, às 21h27min, p.1
[14]
Ibid. p.1
[15] SCHREINER, Thomas R. Head coverings, prophecies and the trinity:
1 Corinthians 11:2-16. In: PIPER, John; GRUDEM, Wayne. Recovering Biblical
Manhood and Womanhood. USA : Published
by Crossway Books, a division of Good News Publishers, Wheaton , Illinois ,
1991. Disponível em: http://www.sbts.edu/documents/tschreiner/RBMW_5.pdf.
Acesso em 02 de abril de 2014, às 22h16min, p.118
[16]
KISTEMAKER, Simon. 1 Corintios. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p.507
[17]
CLARK, op. cit., p.6
[18]
MORRIS, Leon. 1 Coríntios: Introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova;
Editora Mundo Cristão, 1986, p.122
[19] Ibid. p.122
[20] Ibid. p.124
[21] Ibid. p.125
[23]
KISTEMAKER, 2004, p.533
[24] Ibid. p.533
[25] PAYNE, Philip B. Wild Hair and Gender Equality in 1
Corinthians 11:2–16. Priscilla Papers, Vol. 20, No. 3, 2006.
Disponível em https://www.linguistsoftware.com/Payne2006PP1Cor11_2-16.pdf.
Acesso em 02 de abril de 2014,
às 22h10min. p.9
[27]
Ibid. p.15
[28] MARTIN, Troy W. Paul's
argument from nature for the veil in 1 corinthians 11:13-15: a testicle
instead of a head covering. In: Journal of Biblical Literature 123, no. 1:
75-84. Chicago :
St Xavier University, 2004, p.75
[29]
Ibid. p.83
[30]
Se Paulo fizesse menção sobre a cabeça da mulher como referência ao homem,
então as mulheres viúvas e solteiras, estariam desobrigadas. Portanto, a
variante do texto Majoritário é, também por questões internas, mais coerente do
que a variante do texto Crítico.
[31]
CHAMPLIN, 1995, p. 170-171
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