“Disse mais: A que assemelharemos o reino de Deus? Ou com
que parábola o apresentaremos?” (Mc.4.30)
Antes de um rei se encontrar com os governantes de uma nação, uma
comitiva era enviada para preparar o caminho, averiguando o ambiente e a disposição daqueles que o receberiam, preparando tudo para que o rei fosse bem
recebido com toda a dignidade necessária. A chegada de Jesus foi antecedida por
uma comitiva, também: anjos anunciaram o nascimento de Jesus (Lc.1.26-38;
2.8-20), profetas falaram acerca do menino (Lc.2.25-38) e um grande profeta
surgiu no meio do povo preparando o caminho do Senhor (Is.40.3; Mt.3.1-12). Foi
assim que João Batista apareceu no deserto, pregando o arrependimento,
preparando o povo para seu encontro com o grande Rei Jesus (Mt.3.1-10).
Todavia, os judeus esperavam a manifestação do poder de Deus, salvando
Israel de seus inimigos, por meio da vitória política do Messias que reinaria
para sempre em Israel, fazendo da nação a glória do mundo. O acesso a este
reino se daria por meio da completa obediência à Lei pregada todos os sábados
nas sinagogas judaicas. Por isso, os líderes colocavam fardos pesados nas
costas do povo, exigindo leis e mais leis como critério para agradar a Deus e
alcançar a benevolência do Senhor. Desta forma, um povo vazio de coração, mas
cheio de tradições, caminhava perdido sem saber para onde ia.
João Batista foi enviado para preparar o povo para seu encontro com Jesus.
A mensagem do profeta consistia em vida coerente com o temor do Senhor, a fim
de que as pessoas não vivessem apenas de aparência. Depois que o povo foi
preparado por João Batista, tendo sido batizado como sinal de purificação,
Jesus apareceu entre os judeus, pregando o arrependimento e a aproximação do
Reino de Deus: “Arrependei-vos, porque está próximo o Reino dos céus” (Mt.3.2).
Agora o Reino estava oficialmente se aproximando e a prova disso era a presença
do Filho do Grande Rei que ia à frente para subjugar o império inimigo com Seu
poder (Lc.11.20-22), como um grande general do exército de Seu Pai.
Jesus
desenvolveu largamente o tema sobre o Reino dos Céus, apresentando as várias
características do Reino de Deus e a forma como ele poderia ser alcançado por
aqueles que nele desejavam entrar. Contrariando muitas expectativas
apocalípticas, extremamente sensacionalistas, correntes entre os judeus da época,
Jesus veio sem alarmes nem exército celestial; sem armas ou qualquer declaração
de guerra. Ele nasceu entre o povo, viveu entre o povo e não possuiu nenhuma
glória aparente. Por esta razão, mesmo vendo os sinais e maravilhas que Jesus
realizava, as multidões estavam confusas sem saber, ao certo, quem era Jesus,
pois Ele contrariava as expectativas transmitidas pelos estudiosos de diversas
seitas judaicas.
O conteúdo da maioria das parábolas contadas por Jesus é o Reino de Deus, anunciado
como cumprimento das promessas do Senhor, feitas por todo o Antigo Testamento.
Esse Reino é de caráter escatológico e as parábolas apontam para o processo
pelo qual se realizaria a sua chegada. Dentre os diversos estilos retóricos
disponíveis em sua época, Jesus escolheu as parábolas para falar da presença do
Reino de Deus e de sua manifestação escatológica presente-futura. Não há nenhum
indício de que Jesus tenha sido helenizado, portanto é certo dizer que Ele fez
uso das parábolas como recurso encontrado dentro das Escrituras do Antigo
Testamento, lidas todos os sábados nas sinagogas.
Em 2 Samuel 12.1-9, as Escrituras revelam o encontro entre o profeta Natã
e Davi quando aquele apontou o pecado que este cometera, contando-lhe uma
parábola sobre um homem rico e outro pobre. Davi compreendeu muito bem o
sentido da parábola, ao ser apontado como alvo da mesma. E, ao compreendê-la,
Davi pode enxergar a gravidade do pecado que havia cometido. Neste caso, a
parábola de Natã cumpriu dois propósitos: 1) Primeiramente, a parábola ocultou
a Verdade dos olhos de Davi. Por esta razão, Natã pode exortar Davi sem que
este percebesse, pois apesar de simples, a parábola não fazia direta referência
ao que ele havia feito; 2) Em segundo lugar, a parábola aproximou o insensível
coração de Davi da mensagem que o profeta Natã tinha para ele. Após revelar a
chave de interpretação da parábola, a mensagem veiculada pela parábola se
tornou clara, abrindo os olhos de Davi para o problema em questão. De forma
semelhante, Jesus contou parábolas que cumpriam duplo papel, pois ocultavam a
Verdade das multidões enquanto revelavam o caráter do Reino de Deus para
aqueles que recebiam a chave hermenêutica das parábolas.
Assim, Jesus cumpriu o que foi dito pelos profetas: “Abrirei os lábios em
parábolas e publicarei enigmas dos tempos antigos.” (Sl.78.2). Seu propósito, na
escolha deste estilo literário, não ficou oculto dos discípulos: “Respondeu-lhes
Jesus: A vós outros é dado conhecer os mistérios do reino de Deus; aos demais,
fala-se por parábolas, para que, vendo, não vejam; e, ouvindo, não entendam”
(Lc.8.10; Mt.13.34-35). O objetivo de Jesus era tornar a mensagem obscura para
as multidões enquanto Ele a revelava para os seus discípulos. Todavia, nem
todas as parábolas eram difíceis de serem entendidas, pois Jesus também as
utilizou com o propósito de transmitir uma mensagem clara para os líderes do
povo, o que comumente era feito para revelar os pecados deles (Mc.12.12). Sendo
assim, a parábola era um estilo literário adequado para cumprir os dois
objetivos de Jesus: revelar e ocultar. Quando Jesus queria tornar o ensino
obscuro, então Ele contava narrativas que eram de difícil reconhecimento das
similaridades. Quando Jesus queria ser compreendido por meio da parábola,
tornando clara sua mensagem, então Ele contava uma narrativa de fácil
compreensão e reconhecimento das similaridades, desafiando seu público a que
buscasse fazer a vontade de Deus no dia a dia, nas coisas elementares da vida
cotidiana.
Mateus é o principal propagador das parábolas de Jesus. Conforme alguns
estudiosos, seu evangelho está estruturado em cinco blocos, com ações e
discursos de Jesus sobre o Reino, que são encerrados com a expressão: “quando
Jesus acabou de proferir estas palavras” (Mt.7.28; 11.1; 13.53; 19.1; 26.1). Em
cada um desses blocos, Jesus apresenta um ensino sobre o Reino dos céus,
fazendo extenso uso das parábolas. Nas parábolas, Jesus fala da natureza,
progresso, características, valor e lutas do Reino de Deus. Ainda que possam
ser fictícias, as parábolas são criadas a partir da vida diária do povo, se
constituindo numa simples e bem objetiva narrativa que veicula uma mensagem
central. Os detalhes nem sempre têm alguma relevância para seu entendimento,
pois o foco está no propósito central. O contexto histórico das parábolas de
Jesus é, naturalmente, o contexto do próprio Jesus e de seu público-alvo. Como
as parábolas são dirigidas a um público específico, pode-se dizer que a narrativa
de cada uma delas é tirada do contexto de seus ouvintes, judeus da Galiléia
e/ou Judéia, do início do primeiro século da era cristã. Desta forma, Jesus
aproximou a mensagem do Reino de Deus para o dia a dia da multidão que o
escutava, tornando palpável a vida do Reino de Deus, enquanto desafia seus
ouvintes a darem alguma resposta prática.
As parábolas nos contam que Deus manifestaria sua graça, mas também seu
juízo com a chegada do Reino. Ele salvaria um povo que não o conheceu antes,
mas, também, rejeitaria aqueles que tendo conhecimento não o serviram. O Reino
de Deus, portanto, mostraria o poder de Deus para vencer o mal e, também, para,
graciosamente, salvar os pecadores perdidos. Este Reino é presente e também
futuro. É presente, pois ele já estava chegando, atacando o exército inimigo,
avançando sobre o império das trevas para tirar dele cada uma das ovelhas do
Senhor (Cl.1.13; Lc.11.20). Aqueles que fossem tirados do império das trevas
desfrutariam das bem-aventuranças do Reino de Deus, pois o “coração se
alegrará, e a vossa alegria ninguém poderá tirar” (Jo.16.22). Os discípulos de
Jesus desfrutariam da “justiça, paz e alegria no Espírito Santo” (Rm.14.17),
presentes no Reino de Deus que estava chegando, e ampliariam seus horizontes,
pois o Reino começaria pequeno como um grão de mostarda e cresceria como uma grande
árvore (Mt.13.31-33).
Enquanto Jesus não volta, o Reino de Deus estará presente neste mundo
pecador, mostrando seu poder sobre as trevas por meio da libertação dos
pecadores. Quando todos os escolhidos de forem tirados do império das trevas,
ou seja, o último pecador eleito na eternidade se converter, então o Reino de
Deus se manifestará com poder julgador, trazendo juízo sobre o império das
trevas (Mt.26.29). Após derrotar completamente o império das trevas, o Reino de
Deus será o único reino presente no mundo e, então, terá, finalmente, chegado
em sua completude. Desta forma, o Reino de Deus anunciado por Jesus tanto
estava chegando naqueles dias quanto ainda teria sua presença completa
concretizada apenas no futuro. Tudo isso, Jesus revelou aos seus discípulos por
meio de parábolas. Para alguns, essas parábolas ocultaram a beleza e glória do
Reino de Deus, mas para os que são salvos, as parábolas esclarecem a grandeza e
profundidade do Reino dos Céus, trazido por Cristo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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em 05 de agosto de 2014.
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