No final do século XVIII, em meio ao ambiente iluminista e como resultado
de suas filosofias racionalistas conflitantes, nasce, entre a erudição alemã, o
método histórico-crítico que arroga para si completa imparcialidade,
racionalidade e objetividade na análise hermenêutico-exegética dos textos,
querendo contrapor a hermenêutica realizada pela igreja no decurso dos séculos,
por considerá-la supersticiosa. Dentro do ambiente histórico-crítico, surge no
início do século XX a crítica da forma, amplamente defendida por Bultmann.
Posteriormente, por volta da década de cinqüenta, e alicerçada tanto na crítica
da fonte quanto na crítica da forma, surgiu a crítica da redação com três
alunos de Bultmann: Günther Bornkamm (Mateus), Willi Marxen (Marcos) e Hans
Conzelmann (Lucas). A crítica da forma e a crítica da redação são duas
perspectivas diferentes sobre o texto, e, apesar de serem o resultado de
esforços racionalistas, são, contraditoriamente, subjetivas e hipotéticas em
muitas de suas conclusões, definidas basicamente pelos pressupostos que
carregam.
A crítica da forma é bastante ousada em seu propósito, pois seu foco está
nas tradições orais utilizadas para compor o texto organizado pelo redator.
Essas tradições representam diversas comunidades que possuíam suas próprias
crenças e focos teológicos que foram sendo desenvolvidos com o passar do tempo,
formando doutrinas e também mitos, afinal um dos principais pressupostos do
método histórico-crítico é o deísmo, a existência de um Deus que não se envolve
com a criação nem na história nem por revelação. Conforme a crítica da forma os
conectivos de tempo e lugar foram acrescentados pelo redator e não estavam nas
fontes tradicionais da igreja, pois esta nunca teria se preocupado em organizar
nem os ditos de Jesus nem sua história. Este fenômeno teria ocorrido pelo fato
de que igreja estava preocupada com a fé e esta não estaria arraigada na
história e sim numa mensagem. A fé é vista como um elemento subjetivo, bem
próprio do existencialismo que utilizará bastante a crítica da forma em sua
leitura da Bíblia.
Uma vez que o texto é o resultado da compilação das tradições orais que
eram propagadas no meio da igreja, além de outras fontes escritas teorizadas
pela crítica das fontes, a crítica da forma se empenha em descobrir os estágios
que vão do Jesus histórico ao Cristo da fé, ou seja, como as tradições foram
sendo desenvolvidas no seio da igreja com o passar dos anos. Um dos critérios
mais utilizados para se encontrar as reais palavras do Jesus histórico é o
critério da dessemelhança, ou seja, somente o que não pode ser encontrado no
judaísmo nem no cristianismo deverá ser aceito como palavras do Jesus
histórico, o restante foi posto pela igreja na boca de Jesus. Assim, o Jesus
histórico é descontextualizado de seu próprio ambiente judaico e a igreja é
vista como uma falsificadora da mensagem de seu mestre.
Martin Dibelius foi o responsável por popularizar o termo: Crítica da
forma. Contudo, Rudolf Bultmann se tornou o estudioso mais influente no campo
da crítica da forma, com sua análise dos evangelhos em busca do Jesus
histórico. Um ponto importante que deve ser ressaltado em meio a todo
subjetivismo da crítica da forma é que esta demonstrou que é impossível se
encontrar um Jesus puramente histórico em meio a todos os textos canônicos da
igreja. Desta forma, a única possibilidade é aceitar o personagem Jesus tal como
é apresentado nas Escrituras, pois fora dele é impossível se encontrar outro.
A crítica da redação nasce um pouco depois da crítica da forma, como já
fora dito. Ned B. Stonehouse foi o primeiro a desenvolver a crítica da redação,
ainda que nunca tenha feito uso do termo. Contudo, foi Gerhard von Rad quem
popularizou a crítica da redação em seu comentário de Gênesis ao considerar que
as fontes utilizadas pelo seu editor não foram organizadas aleatoriamente.
Surge, então, um novo foco do estudioso histórico-crítico: descobrir a teologia
do editor dos livros Bíblicos. O foco migra das obras escritas e tradições
orais para o editor que fez uso de todo este material com propósito bem
definido. Conforme a crítica da redação, o propósito dos editores do Cânon formal
foi transmitir sua teologia com pouca, ou mesmo nenhuma, intenção de preservar
dados históricos, pois a fé não dependia destes.
Foi a hipótese dos textos recortados e colados estabelecida pela crítica
da fonte e crítica da forma que fundamentou a constituição dessa nova crítica:
a crítica da redação. Nesta, a atenção não está nem sobre as fontes nem sobre o
processo da tradição, mas sobre o redator que organizou tudo formando o texto
final. Percebeu-se, que aqueles que eram considerados péssimos editores, homens
ignorantes, eram, na verdade, sábios escritores que sabiam muito bem o que
estavam fazendo, e que realizaram tal empreitada com excelência, esbanjando
perspicácia literária. Uma das grandes dificuldades que os estudiosos da
crítica da redação apresentam é a tentativa de fazer separação entre os textos
que exprimem a teologia do editor e os textos que expressam a teologia de
supostas comunidades, pois mesmo que os estudiosos da crítica da redação
reconheçam a capacidade do redator, não o veem como autor de uma obra coesa,
mas como hábeis compiladores que deixaram suas marcas na obra literária que
editaram. Desta forma, os estudiosos partem na busca pelo Cânon normativo
dentro do Cânon formal, expurgando o que foi imposto pelo redator. Além de não perceberem
a imensa subjetividade aplicada nesta inútil busca, os estudiosos tendem a
desacreditar outros métodos de estudo das Escrituras, como se os métodos acima
fossem os únicos capazes de conduzir o estudioso ao conhecimento
literário-teológico presente nos livros do Antigo e Novo Testamento.
A crítica da forma e a crítica da redação são aplicadas tanto ao Antigo
Testamento quanto ao Novo Testamento. Contudo, após diversas teorias, quanto a
composição do Pentateuco, entrarem em descrédito, muitos estudiosos, tanto da
crítica da forma quanto da redação, se concentraram no estudo dos evangelhos,
principalmente os sinóticos. Estas ainda são largamente utilizadas pelo mais
diversos liberais, em toda a Escritura, mas tem recebido maduras e fortes
críticas daqueles que reconhecem a inspiração da Bíblia. Infelizmente, as mais
diversas críticas literárias da pós-modernidade estão sendo aplicadas à Bíblia.
Elas podem ser encontradas em filmes evangélicos, músicas, livros, boletins e
pregações, de forma que os perigos oferecidos por estes métodos e sua
cosmovisão estão bem próximos do dia a dia da igreja, tornando-a simplesmente
existencialista ao desvinculá-la da fé histórica.
Mas, há alguma coisa que possa ser aproveitada? Sim. Ao se retirar os
maus pressupostos filosóficos liberais, é possível se aproveitar algo desses
métodos, afinal tanto não é novidade que fontes orais e escritas foram
utilizadas para compor parte das Escrituras Sagradas (Lc.1.1-4; 1Co.11.23;
1Co.15.3) quanto que cada autor possui sua originalidade na escrita de seu
livro, como os evangelhos sinóticos demonstram. Contudo, é dentro da crença na
inspiração, inerrância, infalibilidade e autoridade das Escrituras que o
estudioso procura compreender o desenvolvimento orgânico da fé da igreja e o propósito
que cada autor teve ao escrever.
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