“Porém o
SENHOR disse a Samuel: Não atentes para a sua aparência, nem para a sua altura,
porque o rejeitei; porque o SENHOR não vê como vê o homem. O homem vê o
exterior, porém o SENHOR, o coração.” (1Sm.16.7)
Como é difícil ter amigos em
nossos dias! A inflação alcançou as amizades, tornando-as caríssimas. Contudo,
o preço não indica o valor de tais amizades, mas a corrupção dos valores morais
responsáveis pela atribuição dos preços especulativos que não correspondem à
verdade. A amizade mais barata custa o preço da bajulação ou hipocrisia,
exigindo, ainda, impostos de uma vida acostumada com a falsidade e tolerância.
Depois que verdade saiu de circulação, a economia-moral entrou em crise e os
relacionamentos perderam a qualidade. Portanto, pagamos muito caro por algo que
não vale nada.
Dentro desse contexto esdrúxulo,
somos exigidos a viver pela aparência. Um aparente sorriso vale mais que uma palavra
sincera de reprovação necessária. Lembro-me, então, de um cômico longa-metragem
chamado Madagascar:
– Sorriam e acenem!
Diz o capitão para sua tropa,
alvo dos olhares da multidão.
Em um zoológico, quatro pinguins
põe em prática seu plano de fuga enquanto sorriam e acenavam para a multidão
encantada com a aparente “fofurinha” daqueles quatro animaizinhos. Essa cena
engraçada dos pinguins de Madagascar, que agradavam ao público enquanto
maquinavam a fuga secreta, parece expressar bem o "amor" em nossos
dias. Poderíamos chamar essa atitude de “síndrome da pessoa pública”, pois, ao
subir em um palanque, tribuna ou algo semelhante, ou, ainda, estando sob a mira
de câmeras, políticos, atores, palestrantes entre outros “famosos” expressam um
“natural” sorriso cativante, atraindo multidões de discípulos e fãs magicamente
apaixonados. Carisma tornou-se fundamental para a preservação de amizades,
cargos, status social e fama.
O cultivo da simples aparência
desenvolveu a cultura do melindre, habituando o povo a relações superficiais
que se contentam com sorrisos e “boas palavras”, por mais falsas que sejam. Pessoas
melindrosas não são capazes de ouvir a verdade quando esta os confronta, pois
se magoam com facilidade. Os relacionamentos passam a depender da manutenção de
uma aparência agradável aos outros. Por causa da incapacidade de ouvir a
verdade, houve o abandono da sinceridade, para não “magoar” o ouvinte. E por
causa da hipersensibilidade, a geração deixou de ser confrontada diante de seus
pecados, passando a correr livre rumo ao abismo para sua própria destruição,
pois não há mais quem lhe corrija os erros.
Decorrente disso surge um
crescente aumento de outro pecado: a maledicência. Os mesmos que não dizem a
verdade pela frente são motivados a dizer para terceiros, difamando uns aos
outros sem dar-lhes qualquer direito à defesa. As mesmas pessoas que andam ao
seu lado, difamando outras pessoas enquanto concordam com você em tudo,
andarão, também, com as demais pessoas procedendo de igual forma enquanto
difamam você perante elas. A confiança e transparência, sinceridade e lealdade
foram retirados completamente do vocabulário das relações sociais atuais. Desta
forma, trocaram a verdade que vem de Deus pela mentira de corações pecadores.
Diversas cenas poderiam ser
reconstruídas, como exemplo: José e Maria foram visitar uma família amiga que
ofereceu um jantar para seus queridos convidados. A “dona de casa”, então,
preparou tudo com carinho, esperando agradar seus queridos visitantes. Todavia,
teve a infelicidade de não acertar a receita. Seu prato principal não ficou
bom, mas José e Maria comeram tudo. Então, perto do final da janta, a “dona de
casa” pergunta para José e Maria: “– Gostaram do prato principal?”. Nesse
momento José e Maria suam frio com receio de dizer a verdade. O que eles
deveriam dizer? Que não estava bom ou, simplesmente, fingir que estava gostoso?
O que você diria? Arrisco-me a dizer que a maioria diria que estava bom para
não ofender a cozinheira.
Outro exemplo bastante comum pode
ser tirado de relacionamentos conjugais (ou mesmo entre namorados): Uma moça
(esposa ou namorada) decide comprar um vestido bonito aos olhos, mas decotado
demais. Acostumada a ver tal costura desfilando pelas ruas, ela o compra sem
qualquer preocupação com a decência nem mesmo com os problemas que causará para
o marido (ou namorado). No domingo, por ocasião do culto vespertino, a moça
decide usar o vestido. O marido (ou namorado) olha para ela, vê os decotes, mas
não diz nada. Ele não tem coragem de dizer a verdade, pois o relacionamento não
está fundamentado na verdade. Mesmo antes de chegar na igreja ele já está
preocupado e com ciúmes, pois sabe que as curvas de sua esposa (ou namorada)
atrairão até mesmo os olhares de quem não quer ver nada. Mesmo diante de todo
esse problema, o esposo (ou namorado) não diz nada. As pessoas percebem a falta
de bom senso da moça, porém, também, não dizem nada. Todos sabem do problema,
contudo ninguém tem coragem de dizer a verdade, pois tem medo de magoá-la. E caso
alguém, mesmo que fosse o esposo (ou namorado), dissesse a verdade, receberia
em troca um olhar de reprovação, uma discussão, uma inimizade, pois a moça,
também, não está preparada para ser confrontada pela verdade. Ela prefere a
mentira e hipocrisia do silêncio aparentemente aprovador.
Estes quadros simples e comuns
exemplificam as relações no dia a dia. Quantas mentiras são ditas diariamente
sob a justificativa de não querer ofender. As pessoas não dizem o que sentem ou
pensam, verdadeiramente. Por isso, os pais ficam bastante envergonhados quando
seus filhos, ainda crianças, dizem a verdade diante de outros adultos. Caso
houvesse uma criança naquele jantar, ela diria, sem medo nem maldade, que o
prato principal não estava bom. Provavelmente, os adultos ouviriam as seguintes
palavras: “– Eu não gostei disso não!”. A verdade, então, faria os pais
sentirem-se envergonhados e indignados com as palavras do filho. Em casa, José
e Maria chamariam a atenção do filho por dizer a verdade na frente dos
anfitriões daquela noite. A vida social hipócrita é transmitida de pais para
filhos por meio da educação familiar, acentuando um pecado já presente no
coração da criança: a mentira.
Acostumados em ouvir mentiras, as
pessoas se satisfazem com sorrisos e elogios falsos. É dessa forma que
políticos (seculares e eclesiásticos) se mantêm no poder por longos anos,
agradando a gregos e troianos por meio de sorrisos e acenos. Isso ocorre porque
a massa não se importa com a mentira, desde que esteja bastante adoçada e bem
ornamentada com Glacê, à semelhança a muitos bolos de casamentos: bonitos por
fora mais horríveis com respeito ao sabor. E qualquer pessoa que se destaque de
entre as multidões, por não se deixar enganar pela aparência, torna-se um tipo
de arqui-inimigo da presente geração que prefere levar uma vida de aparência.
Contudo, por mais doce que sejam tais aparências não são capazes de tornar a
vida social bonita nem dar caráter duradouro para os relacionamentos.
A cultura da aparência está
crescendo desenfreadamente, ajudando a produzir uma geração hipersensível. As
pessoas que falam a verdade são excluídas e consideradas rudes, pois o povo não
suporta palavras sinceras. Cristãos passaram a ler a Escritura como uma “caixinha
de promessas”, selecionando os textos que prometem paz e alegria. Psicólogos
jogam os pecados de seus clientes para debaixo do tapete enquanto o governo
obriga o povo a “aceitar cada pessoa do jeito que ela é” como se não houvesse
certo ou errado. Sermões confrontadores são repudiados pelas multidões,
pressionando até mesmo os mais famosos pregadores a falar mansinho para não
ofender seus “fãs”.
Estando em São Paulo, fui a uma
igreja próxima de onde eu estava hospedado. E, dentre as muitas palavras ditas
pelo pregador, fui marcado pelos seguintes dizeres: “– Não quero ofender
vocês”. Ele estava com medo de falar sobre pecado. Frequentemente, então,
tentava suavizar suas palavras com eufemismos e introduções massageadoras.
Diante disso, devemos perguntar: Que tipo de relacionamento os cristãos atuais
tem com Deus? Por qual razão as pessoas estão frequentando as igrejas locais? Se
a razão não é o temor e amor a Deus; a certeza de que somente Cristo pode
livrá-las da ira vindoura; a consciência de que são pecadoras e precisam da
justiça de Jesus bem como da santificação do Espírito, então, por qual razão
estão indo às igrejas locais? Se não suportam ser confrontadas, por que razão
as multidões estão sendo atraídas a Cristo?
O cultivo da mera aparência,
melindre e hipersensibilidade afetaram até as orações. Comumente me deparo com
pessoas que não contam tudo para Deus, pois não querem “aborrecê-lo”. Ou seja,
Deus foi incluído na cultura da superficialidade como se o Senhor não
suportasse ouvir aquilo que temos para contar. Desta forma, as orações ficam incompletas,
pois mesmo que o cristão tenha tantos motivos para agradecer, deixa de dizer
tudo o que está sentindo, com receio de “magoar” o Senhor. Por isso, muitos
pecados não são confessados; fraquezas deixam de ser externadas para Deus;
reais necessidades decorrentes das lutas internas e problemas externos não são
apresentadas diante do Senhor, por causa do receio de não agradá-lo. Mas, será
que Deus deseja que nossas orações sejam aparentes? É evidente que não!
Outro fenômeno decorrente das
relações aparentes é o grande número de denominações e, ainda, de pessoas sem
igreja. A superficialidade das relações baseadas em hipocrisias tem alimentado
uma geração de desigrejados. É bastante comum pessoas que foram disciplinadas saírem da igreja local, pois, mesmo estando erradas, não querem ouvir a verdade nem
ser corrigidas. Muitas outras abandonam a comunhão com os irmãos por causa de
qualquer problema. E mesmo que seja contraditório para uma igreja, tem sido
comum o êxodo eclesiástico por causa da verdade, pois os cristãos não querem
ouvir a Escritura dizer-lhes que são pecadores nem suportam receber um “NÃO” da
liderança. “Democracia”, “liberdade”, “tolerância” e “positivismo” enchem a
mentalidade de uma geração acostumada com a aparência enquanto se intitula dona
do próprio coração.
Todavia, o amor não é simplório
assim. É preciso muito mais do que aparência para vivermos o amor de Deus
presente em toda a Escritura. O amor de Deus é perfeito, puro e límpido. Ele
não sorri para as pessoas enquanto fala mal delas pelas costas. Antes, "o
Senhor corrige ao que ama, e açoita a todo o que recebe por filho"
(Hb.12.6). Deus sempre foi, é e será sincero conosco dizendo somente a Verdade,
pois Ele mesmo é a Verdade. Deus não tem medo de nos magoar com a Verdade.
Quando as multidões não gostaram das palavras de Jesus, ele as deixou ir embora
(Jo.6.60-71), pois seu amor estava fundamentado na Verdade e, somente, por meio
dela os pecadores se tornariam seus discípulos e amigos.
No decorrer da história redentora,
Deus mostrou seu amor para com aqueles que se achegavam humildemente a Ele.
Mas, Deus não despiu-se do amor em sua relação com os ímpios e rebeldes. Deus é
amor em seus atos criativos de Gênesis 1-2 e, também, em seu juízo manifesto no
dilúvio de Gênesis 6; Deus é amor na escolha de Abraão (Gn.12) e na condenação
de Sodoma e Gomorra (Gn.19); Deus é amor na libertação de Israel do Egito
(Ex.1-15) e na entrega da nação para o cativeiro da Babilônia (2Rs.25); assim,
Deus é amor na promessa de vida eterna e nos anúncios sobre o juízo vindouro.
Temos um grande desafio: mudar as relações sociais. Para
isso, o cristão deve acostumar-se com a verdade e praticá-la em todo tempo, não
importando se agradará ou não seu público. Essa é a única forma de glorificar a
Deus e, também, transformar vidas. Sorrisos e agrados podem atrair pessoas para
uma igreja local, mas não podem transformar o coração pecador que precisa ser
confrontado, a fim de que se arrependa de seus pecados e encontre em Cristo o
perdão e poder para mudar. A luta contra a hipocrisia, melindre,
hipersensibilidade, falsidade e maledicência somente pode ser vencida por meio
da Verdade dita tanto de púlpito quanto no dia a dia das relações sociais entre
os cristãos e, também, não cristãos.
Por meio do cultivo da verdade, as pessoas serão
fortalecidas, pois estarão preparadas para ouvir o que for necessário, mesmo
que isso as machuque, a fim de que mudem. Por meio da verdade, os
relacionamentos serão confiáveis, sem ter quem maldiga o outro pelas costas, pois,
quando for necessário, as pessoas serão capazes de dizer o que pensam, mesmo
que isso não seja agradável aos olhos. Por meio da verdade, as relações serão
duradouras e as amizades, verdadeiras, pois problemas, divergências e mútuas
correções não abalarão o coração que fora fortalecido pela verdade.
Para que seu amor seja perfeito
como o amor de Deus, você precisará olhar para Jesus que tanto acolheu os
humildes quanto resistiu aos soberbos (Tg.4.6). Somente assim, você amará com a
misericórdia e com a justiça; com o carinho materno e com a disciplina paterna,
também. Não ame por aparência, apenas, nem tenha medo de dizer a Verdade, pois
a Escritura diz que o amor "não se regozija com a injustiça, mas se
regozija com a verdade" (1Co.13.6). Ame com o amor do Senhor: perfeito,
puro e límpido, pois é este amor que reflete o caráter de Cristo e glorifica a
Deus que é amor.
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