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sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Um pouco sobre as cartas de Paulo

Nem todos os autores bíblicos nos contam origem, história e características próprias, contudo, por meio de seus escritos, ficam evidentes as diferenças entre eles, diferenças essas que Deus usou para transmitir, com perfeição e beleza artística, sua Santa Palavra para nós, escrita com riqueza literária singular. Dentre esses homens, Deus quis escolher Paulo, nos dias do Novo Testamento, para ser instrumento nas mãos do Senhor, a fim de transmitir a revelação dos últimos dias, a redenção manifesta na “plenitude dos tempos” (Gl.4.4) por meio de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Em seu zelo pela igreja de Jesus, Paulo escreveu treze cartas, sobre as quais o cristianismo fundamenta diversas de suas principais doutrinas: Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, Tito e Filemom.
As cartas de Paulo foram recebidas desde cedo como epístolas autoritativas, sendo citadas por diversos personagens da história da igreja, desde os pais apostólicos (Século I). Além disso, elas fizeram parte das primeiras listas do Cânon, formadas no segundo século. Nem todas as cartas de Paulo receberam a mesma atenção, mas seu reconhecimento por parte da igreja do primeiro e segundo séculos resultou na presença de todas elas no Cânon, preservado pelo cristianismo dos séculos seguintes até nossos dias. As treze cartas carregam o nome do apóstolo e sua saudação inicial (Rm.1.7; 1Co.1.3; 2Co.1.2; Gl.1.3; Ef.1.2; Fp.1.2; Cl.1.2; 1Ts.1.1; 2Ts.1.2; 1Tm.1.2; 2Tm.1.2; Tt.1.4; Fm.3). No conteúdo das cartas, encontramos informações sobre origem, história, conversão, ministério e outras peculiaridades sobre o apóstolo Paulo. Ele deixou diversas notas pessoais, em suas cartas, que não podem ser descartadas como marcas legítimas de Paulo, reconhecidas pela igreja desde o primeiro século.
No entanto, em séculos mais recentes, estudiosos começaram a duvidar da autenticidade das cartas paulinas. As dúvidas variam de estudioso para estudioso (a única coisa semelhante é a incredulidade). Há aqueles que negam que Paulo tenha escrito qualquer uma das cartas, atribuindo uma data posterior para elas; e há aqueles que rejeitam a autoria apenas de algumas das cartas: Efésios, Colossenses, 2 Tessalonicenses e as cartas pastorais. No entanto, nenhuma das razões dadas para se rejeitar qualquer das cartas de Paulo é conclusiva, pois as diferenças teológicas, estilísticas e vocabulares podem ser explicadas com: a distância temporal entre as cartas; a mudança de contexto dos destinatários e do próprio apóstolo Paulo; a mudança de destinatários, tendo em vista as necessidades peculiares de cada igreja e grupo ao qual a carta se destinava; a diferenças sociais entre as igrejas; ou mesmo, a mudança de propósito e assunto da carta, razão para a escolha de termos, foco teológico e até mesmo estrutura e estilo. Portanto, diversos fatores podem influenciar a escolha das palavras e a construção da estrutura de cada carta.
Contudo, é fundamental se observar que as diferenças não anulam padrões nas cartas Paulinas. A teologia paulina e a história pessoal do apóstolo aparecem nas 13 cartas em plena harmonia, não havendo conflitos teológicos ou históricos que justifiquem outra autoria. Os diferentes focos doutrinários fazem parte do amplo corpo teológico do apóstolo, de forma que é possível se conhecer sua teologia ao juntá-los. E, apesar de haver um amplo vocabulário nas 13 cartas, é possível encontrar um padrão vocabular, presente em todas as cartas. Além disso, a instrumentalidade de amanuenses, conforme Paulo deixa claro ter feito uso em Romanos (Rm.16.22), pode explicar, também, algumas peculiaridades na escrita. Todavia, não é possível saber qual a dimensão da liberdade conferida por Paulo para seus amanuenses na escolha das palavras e na construção das estruturas frasais. Além dessas, diversas outras razões podem explicar as diversidades encontradas nas cartas paulinas.
Diversas circunstâncias parecem ter movido Paulo a escrever a carta aos romanos, possibilitando diversos propósitos para a mesma. Em Romanos, Paulo expõe, com excelência e riqueza de detalhes, a história da redenção. Uma vez que a carta é destinada ao coração do império, seu conteúdo era fundamental para a evangelização de pessoas importantes do império, mesmo na ausência do apóstolo. Além disso, a carta pode ter servido como uma defesa de Paulo perante autoridades do império, tendo em vista as acusações dos judeus, afinal a carta mostra o amor de Paulo por seu povo, e expõe a doutrina que ele pregava em todas as cidades. A exortação do apóstolo à submissão a todas as autoridades pode ser outro argumento a seu favor, pois muitos diziam que Paulo era rebelde ao império. Desta forma, a carta possui diversos tópicos que esclarecem a verdade sobre a pregação de Paulo, servindo de defesa perante as autoridades romanas. É possível que a carta direcionada à igreja devesse, também, ser lida perante autoridades romanas.
A carta também demonstra que Paulo queria resolver um problema presente na igreja de Roma: intrigas entre gentios e judeus. Os gentios que, provavelmente, eram a maioria na igreja (Rm.1.5,13) não estavam tratando os cristãos-judeus com o devido amor, surgindo assim discussões não produtivas nem benéficas para a igreja. A pergunta: “Qual é, pois, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão?” (Rm.3.1) soa como um desprezo pelos judeus e deve ter surgido no meio da igreja. Tal atitude seria um mau testemunho perante os cidadãos romanos que já haviam acusado os judeus de criar problemas por causa de Cristo. Paulo, também, fala de seu propósito em ir para a Espanha e de seu interesse em ser patrocinado pela igreja, de forma que a carta demonstra a importância de se investir nas missões paulinas. Conquanto tudo isso seja verdade, Romanos é uma exposição do evangelho que Paulo chama de poder de Deus para a salvação (Rm.1.16) e seu conteúdo não está preso a qualquer circunstância específica, pois é a exposição detalhada da história da redenção anunciada no Antigo Testamento e cumprida nos dias do Novo Testamento, por meio da qual aquele que crê alcança a salvação.
Em 1 e 2 Coríntios não é possível se definir um único tema, pois o número de assuntos abordados por Paulo é vasto. Contudo, alguns temas são marcantes e expressam algumas dificuldades insistentes na igreja de Coríntios. A divisão entre os cristãos de Coríntios, gentios e judeus, criava diversos problemas dentro da igreja, causando prejuízos para o testemunho do evangelho, para a vida comum da igreja, para a vida cúltica e até para o relacionamento entre os coríntios e o apóstolo Paulo. Por isso, 1 Coríntios 13 é um capítulo fundamental na busca de Paulo por apaziguar os corações agitados, afinal a falta de amor era a razão dos males encontrados na igreja. Nessas duas cartas, Paulo combate incisivamente a arrogância e auto exaltação de muitos que se achavam sábios, mas pecavam contra o amor. Outro assunto importante da carta é o combate contra a imoralidade que estava sendo tratada como algo normal pelos coríntios, pois, mesmo os que não a praticavam, não estavam lutando contra tais pecados, a fim de purificar a igreja. Outros assuntos, como a ressurreição, são abordados ao longo das duas cartas. Além desses problemas que motivaram Paulo a escrever a carta, os coríntios, também, tinham problemas com respeito à liderança apostólica, e estavam sendo motivados por supostos líderes a desprezarem Paulo, o plantador da igreja local.
O tema da carta de Paulo aos gálatas é mais preciso, pois o que o motivou a escrevê-la foi o iminente desvio do evangelho da graça. Cristãos-judeus estavam conseguindo convencer os cristãos de Gálatas a praticarem as ordenanças da Lei mosaica como critério necessário para a salvação, tornando a obra redentora de Jesus insuficiente. A salvação deles dependia da convicção de que a obra de Cristo era suficiente para justificar o pecador sem qualquer mérito daquele que crê. Portanto, o tema da carta é a suficiência da obra redentora de Jesus para a salvação de todo aquele que crê. Além disso, Paulo lembra que a liberdade cristã não deveria ser compreendida como libertinagem, pois o cristão é liberto das obras da carne para viver o fruto do Espírito. Isso somente seria possível por meio da verdadeira fé em Jesus. O objetivo de Paulo era trazer os gálatas de volta ao puro evangelho de Cristo.
Apesar de Efésios ter feito parte do cânon da igreja desde cedo, ela é mais uma das cartas negadas pelos estudiosos de nossos dias. Contudo, há diversas considerações que favorecem a autoria Paulina tanto com respeito ao testemunho interno quanto externo: sua introdução, aceitação na história, características paulinas, temas abordados por Paulo etc. O objetivo da carta é de natureza incerta, pois não parece haver uma circunstância específica que o tenha levado a escrever. Paulo fala da entrada dos gentios na família de Deus e a importância da unidade da igreja. Além desses, Paulo aborda diversos temas práticos da vida cristã, sendo que a pessoa de Cristo é o fundamento para a salvação, vida e obra da igreja. A aparente impessoalidade da carta conduziu muitos estudiosos a considera-la como carta circular, ou seja, uma carta que deveria ser lida em mais de uma igreja com o fim de trazer algumas exortações comuns a todas elas.
Filipenses tem sido questionada pelos estudiosos por causa das interrupções que ocorrem no curso da carta com mudanças de temas. Contudo, isso não é estranho às cartas paulinas, afinal Paulo aborda diversos temas em algumas de suas cartas (1 e 2 Coríntios, Colossenses, 1 Tessalonicenses, Tito). Em Filipenses a escrita de Paulo é adornada de alegria e contentamento com a igreja, motivando-a a não se deixar abater pelas lutas e tribulações do apóstolo. Em poucas palavras, podemos dizer que Paulo trata da unidade, humildade, cooperação e sofrimentos dos cristãos. Esses temas deveriam ser tratados com satisfação, pois a esperança da igreja está na glória de Cristo que haverá de ser revelada. Ao viver com contentamento em todas as coisas, a igreja estaria glorificando ao Senhor, enquanto Deus cuida das necessidades dos cristãos.
Colossenses é uma carta muito semelhante a Efésios. Contudo, em Colossenses Paulo também combate a tentativa de judaizar o cristianismo. Algumas pessoas estavam tirando a paz da igreja, afastando-a do puro evangelho pregado pelo apóstolo, colocando barreiras no livre relacionamento entre o cristão e Deus, mediado por Jesus. Por isso, Paulo fala da supremacia e suficiência de Jesus para a salvação e relacionamento com Deus. Além disso, o apóstolo fala da unidade da igreja composta de todos os que creem no Senhor Jesus independente de raça, sexo e status social.
Em 1 e 2 Tessalonicenses, além de Paulo incentivar o crescimento no amor, fé e esperança como padrão de vida do cristão, ele trata de um assunto que muitos tinham dúvida na igreja: a volta de Jesus. Em nenhuma outra carta Paulo trata desse assunto como o faz nas duas cartas aos Tessalonicenses abordando elementos relacionados com a volta de Jesus. Mesmo sendo tão curtas, 1 e 2 Tessalonicenses são fundamentais para a compreensão do ensino apostólico sobre os antecedentes à vinda de Jesus, afinal elas são únicas em diversos detalhes escatológicos revelados pelo apóstolo Paulo.
As cartas pastorais são as mais atacadas com respeito a autoria paulina por causa de algumas diferenças presentes em relação ao vocabulário, tema, teologia e estilo. Outra razão dada para tal desconfiança é a aparente dificuldade de se harmonizar as informações históricas das cartas pastorais com as encontradas nas demais cartas e em Atos dos apóstolos. Conforme alguns estudiosos, ainda, a noção de vida eclesiástica nas cartas pastorais é organizada demais para o período mais primitivo da igreja. Contudo, os mesmos argumentos dados sobre a confiabilidade do texto das demais cartas podem ser usados para as cartas pastorais. O pressuposto de que um autor não pode mudar: vocabulário, tema, foco teológico, estilo e estrutura em seu texto, não diz respeito à realidade. Diversos fatores externos e internos podem contribuir com a mudança de todos esses tópicos. Considerando que Paulo exerceu um ministério de aproximadamente 20 anos, e que seu apostolado foi bastante amplo dirigido aos gentios de diversas localidades e contextos variados, não poderíamos esperar que não houvessem diferenças em seus escritos. Nem mesmo o argumento de que as cartas pastorais sejam pseudonímias pode ser considerado válido, pois se o fosse a igreja teria recusado como o fez com outras obras posteriores que apareceram com o suposto nome de Paulo. Para a igreja era fundamental não somente seu conteúdo, mas a fidedigna proveniência. Portanto, os argumentos contrários à autoria de Paulo das cartas pastorais não são suficientes nem conclusivos.
As epístolas de Paulo a Timóteo (1 e 2 Timóteo) tem como propósito ajudar o jovem pastor a lutar o bom combate do Senhor. Elas contêm diversas instruções sobre assuntos variados, a fim de que Timóteo cumpra seu ministério com fidelidade, lutando contra os falsos mestres enquanto cuida da igreja do Senhor, ensinando-a a andar em conformidade com o ensino de Cristo. Timóteo deveria ter cuidado na eleição de presbíteros e diáconos para que a igreja tivesse líderes que fossem modelo para o rebanho, líderes que cuidassem da igreja de Jesus com o mesmo zelo que Timóteo havia visto em Paulo.
Outro jovem pastor que recebe carta com instruções para seu ministério é Tito. Porém, aqui Paulo tem o propósito de instruir Tito para o desempenho de seu ministério numa igreja específica na região de Creta. Sua preocupação pastoral com a igreja, e com seu cooperador, levou Paulo a dar instruções para que o jovem Tito tivesse o devido cuidado com os cristãos a ele confiados. Tito deveria ensinar os cristãos a serem maduros em Cristo, formando uma geração capaz de ensinar à geração seguinte para que o Reino de Deus fosse expandido por meio de um cristianismo bem alicerçado nas Escrituras e modelo em sua vida piedosa.
A última carta pastoral de Paulo é de teor bastante diferente das demais. Seu propósito é convencer Filemom, dono de um escravo chamado Onésimo, a recebe-lo como irmão querido. A carta é fundamental para as relações entre os cristãos, pois o tratamento sobre a relação trabalhista entre Filemom e Onésimo teria como fundamento a unidade e igualdade entre os cristãos de todas as classes e raças. Filemom também é desafiado a perdoar todas as dívidas de seu escravo fujão, recebendo-o como amado irmão, companheiro na fé. Além disso, Filemom deveria investir na obra missionária liberando Onésimo para auxiliar o apóstolo Paulo em suas missões. A obra missionária era muito mais importante do que todo lucro que Onésimo pudesse dar para Filemom com seu trabalho. Provavelmente, a base para o ensino de Paulo venha do Pentateuco: “Também se teu irmão empobrecer, estando ele contigo, e vender-se a ti, não o farás servir como escravo. Como jornaleiro e peregrino estará contigo; até ao Ano do Jubileu te servirá;” (Lv.25.39-40). Em Cristo, Onésimo deveria ser tratado como irmão, não mais como estrangeiro, por isso, deveria ser liberto, não mais tratado como escravo.
As cartas de Paulo são ricas em detalhes e compõe uma importante parte da revelação dos últimos dias inaugurados por Jesus. Por meio delas, conhecemos a ligação entre Antigo e Novo Testamento, as causas e consequências da morte de Cristo na Cruz e as implicações da fé em Cristo para o dia a dia daqueles que creem. Por sua importância, tanto as cartas quanto o personagem que as escreveu são alvos de inumeráveis estudos, desde os primeiros séculos da era cristã, na busca por compreender melhor a mente de um dos maiores missionários e teólogos do cristianismo. Contudo, apesar da importância da vida deste grande homem de Deus, o Senhor o escolheu com o mesmo propósito pelo qual chamou todos os demais servos seus: apontar ao mundo a glória de Cristo.

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