“Examinais as Escrituras, porque julgais ter
nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim.” (Jo.5.39)
Ao contrário do que alguns pensam, a educação intelectual não é criação
dos filósofos gregos nem dos humanistas pós-medievais. Muito antes disso, o
homem vem buscando o saber, organizando seus estudos e ensinando o
conhecimento. Isso ocorreu naturalmente na história humana, pois diferente de
todos os demais seres vivos, Deus fez o homem um ser racional, capaz de
conhecer, estudar, investigar e ensinar. A Terra entregue ao homem para ser
administrada, governada e utilizada é um mundo “conhecível”, feito para ser
estudado e desenvolvido pelo homem; cenário para o desenrolar da história
humana, palco para a revelação de Deus. Por isso, desde o inicio, a história do
homem está intimamente relacionada com a busca pelo saber, aplicando-o nas mais
diversas áreas da vida pessoal e social, preservando o conhecimento para as
gerações futuras. Desejamos, aqui, demonstrar que encontramos nas Sagradas
Escrituras a origem da educação intelectual, presente, principalmente, entre
aqueles que receberam o importante papel de guardar os registros históricos da
revelação de Deus.
Já nas primeiras páginas das Escrituras, encontramos o termo hebraico da ̔at (conhecimento) utilizado 90 vezes no
Antigo Testamento e traduzido pela Septuaginta (LXX) por diversos termos gregos
que compõe o campo semântico do conhecimento em geral: gnostós (conhecido), guinósko (conhecer), epistéme (conhecimento), oîda (conhecer, saber), epígnosis (discernimento), sünesis (compreensão), gnôsis (conhecimento), aísthesis (discernimento), sofía (sabedoria), epistamai (entender), epignómon (inteligente), frónesis (compreensão), analogízomai (considerar), bulé (propósito). O termo hebraico é amplo e pode se referir à observação mais
simples (Jó.10.7), ao conhecimento das técnicas de trabalho (Ex.31.3) e,
também, pode designar o conhecimento estrito, acadêmico, buscado
sistematicamente (Ec.1.16,18).
Não é sem razão que encontramos da ̔at principalmente nas literaturas
sapienciais do período do reinado de Salomão: 10 ocorrências em Jó, 40
ocorrências em Provérbios e 7 no livro de Eclesiastes, totalizando 57
ocorrências, ou seja, 63% de seu uso no Antigo Testamento. Durante o reinado de
Salomão, Israel viveu seu período clássico, a era de ouro política, econômica e
também literária, pois além da conservação dos livros Sagrados outras
literaturas foram produzidas (1Rs.4.30-34; Ec.12.12). Neste período, a busca
pelo conhecimento ganha seu apogeu hebraico, apesar de haver na época apenas
parte do Antigo Testamento.
A primeira ocorrência de da
̔at se encontra em Gênesis
2.9, fazendo parte do nome dado à árvore que produzia um fruto proibido, o
único que não poderia ser comido: a árvore do “conhecimento” do bem e do mal.
Isto não significa que o conhecimento estivesse associado ao pecado nem muito
menos ao mal, pois Adão e Eva possuíam conhecimento do bem. Ao comer do fruto
proibido, Adão e Eva teriam um conhecimento a mais, o conhecimento do mal. Em
sua finitude, o homem deveria se contentar com o conhecimento do bem, dando
graças a Deus, pois somente Deus é capaz de conhecer o bem e o mal sem,
contudo, se inclinar para o mal. Por meio da árvore, Deus provou o coração
deles, pois eles deveriam confiar na Palavra de Deus e obedecê-la. Contudo, ao
surgir a dúvida no coração, a incredulidade curiosa conduziu Adão e Eva ao
pecado, tendo desejado ser como Deus, conhecedor de todas as coisas. O
conhecimento do bem e a Palavra de Deus não foram suficientes para nossos
primeiros pais.
Mas, voltando um pouco à história da criação, antes da queda de Adão e
Eva, a Escritura nos diz que após Deus ter criado o homem, Ele lhe deu a tarefa
de nomear os seres vivos. Talvez pareça simples o primeiro trabalho dado ao
homem, mas devemos lembrar que ainda em nossos dias ele é realizado por
cientistas. Para desenvolvê-lo bem, o homem precisava observar as
características de cada animal, conferindo para eles um nome que lhe fosse
adequado. A inteligência do homem estava em perfeito estado, pois o pecado não
havia entrado na criação, ainda. Adão possuía conhecimento revelado, desta
forma a observação de Adão era límpida e precisa. Ainda no sexto dia da
criação, o homem estava dando seus primeiros passos no conhecimento de seu
próprio intelecto.
O fato de ter sido criado em fase adulta, portador da fala e
compreensão da linguagem, capaz de observar com precisão os fenômenos e
denominá-los, demonstra que o conhecimento de Adão foi revelado, ou seja, dado
por Deus. Adão não passou por qualquer processo de aquisição do conhecimento,
apenas o articulou, pois já o possuía. Ele também era capaz de lavrar a terra
de forma adequada, com toda a técnica necessária para o bom desempenho agrícola.
Além desse, Adão possuía uma ampla gama de outros saberes, notados em seus
filhos que aprenderam com o pai. Em Gênesis 4, Abel oferece sacrifício ao
Senhor, demonstrando que o instrumento cortante e o fogo já eram dominados
desde o princípio (Gn.4.4). Os descendentes de Caim desenvolveram ainda mais as
técnicas com metais, fabricação de tendas, criação e uso de instrumentos
musicais (Gn.4.17-24). Adão, durante longos anos, os ensinou aquilo que havia
recebido por revelação de Deus. Ele havia sido criado em perfeito estado e seu
conhecimento era bastante amplo.
É interessante notar que a prática de conferir nome de acordo com as
características visíveis é também encontrada na nomeação de filhos. Nem sempre
o nome dos filhos era escolhido aleatoriamente. Jacó e Esaú, por exemplo,
receberam o nome após o nascimento, levando em consideração a observação dos
pais a respeito das características vistas nos filhos (Gn.25.24-26): Esaú foi assim chamado, ao verem sua pele de cor avermelhada e seu corpo coberto de
cabelos. Seu nome parece ser proveniente do verbo ̔asah (fazer, pressionar, compelir) que tem sua forma bastante semelhante ao nome de
Esaú no tronco piel ̔aqev (calcanhar), por isso foi chamado de Jacó (ya
̔aqov, mão no calcanhar) que significa aquele que segura o calcanhar.
Essa forma de nomear tem origem no primeiro trabalho científico de Adão, nomear
os seres vivos de acordo com suas características.
Portanto, desde cedo o homem desenvolveu o saber e, também, o ensinou
para a geração seguinte. O conhecimento de Adão foi passado adiante para os
filhos: Caim, Abel, Sete etc. Eles escolheram desenvolver o que melhor aprouve
para eles: Caim e sua descendência desenvolveram diversas técnicas que lhes
proporcionaram segurança, conforto e lazer (Gn.4.17-24). Abel e Sete preferiram
o conhecimento de Deus e preservaram toda a revelação inicial do Senhor,
vivendo pela esperança da concretização da promessa redentora (Gn.4.26). A
geração de Sete é composta de historiadores, arquivistas, sacerdotes, além de
diversas outras profissões relacionadas com a sobrevivência (Gn.5.29; 6.14-17;
8.20; 9.20; 11.3-4). Não sabemos quando nem como nem em que forma a escrita
teve início, mas considerando que Adão possuía o domínio da linguagem e outros
saberes, não deveríamos subestimá-lo com respeito à escrita.
A necessidade de
se preservar os dados históricos e revelados fez com que o homem utilizasse os
melhores meios de preservação: a escrita e a música. A Epopeia de Gilgamesh foi
escrita aproximadamente 3 mil anos antes de Cristo e conta a história do
dilúvio sob a visão de um povo pagão, mostrando quão antiga é a escrita. O
dilúvio, as guerras entre os povos e diversos fenômenos naturais esconderam
muito da história das nações. Contudo, o cuidado do povo de Deus, descendentes
de Sete, em preservar a história e revelação de Deus fez com que tivéssemos em
nossas mãos todas as informações necessárias com precisão.
Adão havia recebido conhecimento revelado, mas seus filhos deveriam
adquirir o conhecimento por meio do ensino. A educação intelectual se torna
necessária para que todo o conhecimento de Adão não se perdesse com sua morte.
Os filhos, portanto são instruídos intelectualmente, motivados a transmitir o
conhecimento para as gerações seguintes. Tanto na genealogia de Caim quanto na
de Sete, encontramos a transmissão intelectual do conhecimento de forma que
diversos saberes se propagam: o conhecimento da história, das técnicas e a
preservação do conhecimento de Deus. O homem forma cidades, constrói com
técnicas especiais, cria instrumentos diversos e luta pela sobrevivência numa
terra hostil.
Além de tudo isso, a descendência de Sete precisava estar atenta aos
perigos de um mundo em pecado, não se conformando com o mundo pecador, antes
renovando a esperança por meio da constante reflexão acerca da redenção. O
ensino teológico era necessário para preparar a geração seguinte frente aos
desafios de um mundo hostil pecador. Encontramos tal reflexão na vida de Enos,
filho de Sete, sacerdote do culto ao Senhor (Gn.5.26); na vida de Enoque, um
homem íntegro que “andou com Deus” (Gn.5.22); na vida de Lameque, homem que
perseverou em sua esperança, demonstrando sua fé ao colocar o nome de seu filho
de Noé, que significa: o Senhor é consolo (Gn.5.28-29); e, também, na vida de
Noé, um homem justo e íntegro que andava com Deus, na contramão de um mundo
completamente perdido (Gn.6.8-9).
A educação intelectual fez parte da vida do povo de Deus desde o
princípio da criação. Sua necessidade se vê frente aos desafios de preservar a
história e a revelação divina, ensinar às gerações a vontade de Deus para que
andem diante do Senhor com fidelidade e rejeitar a influência de um mundo em
pecado, perigo constante para aqueles que esperavam na salvação do Senhor. O
homem não partiu da estaca zero até desenvolver o conhecimento por meio da
observação. Ao contrário disso, o homem havia recebido todo o conhecimento
necessário, a fim de aplica-los nas diversas áreas da vida, desenvolvendo as
vertentes do saber que havia recebido de Deus como conhecimento imputado em sua
mente e coração. Portanto, nenhum saber humano surgiu ex nihilo (a partir do nada), mas do próprio Deus que o criou.
No decorrer das Escrituras, a educação intelectual será desenvolvida pelo
povo de Deus; e geração após outra uma linhagem se dedicará em preservar e
propagar tal conhecimento. Esse é um antigo e fundamental papel do povo de Deus
e deve ser praticado ainda hoje. Os escritores da Palavra de Deus demonstram um
fantástico domínio da arte de escrever, fazendo uso dos mais diversos recursos
literários para registrar a Palavra do Senhor com fidelidade histórica e
teológica. Hoje, não registramos mais Escritura Sagrada, pois Deus já completou
sua Palavra, mas Ele nos exorta a estuda-la com dedicação e nos move pelo
Espírito Santo para que a compreendamos e ensinemos para a geração seguinte. O
mundo, à semelhança dos descendentes de Caim, não está preocupado com o
conhecimento de Deus, pois busca apenas o que lhe proporciona conforto,
riquezas e prazeres. No entanto, o povo de Deus se satisfaz em conhecer ao
Senhor em quem tem todo seu deleite (Sl.119.174), afinal diz o Senhor: “o que
se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o SENHOR e faço
misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o
SENHOR” (Jr.9.24).
Nenhum comentário:
Postar um comentário