“Respondeu-lhe o Senhor: Marta! Marta!
Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário
ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será
tirada.” (Lc.10.41-42)
Quando Jesus estava próximo de sua crucificação,
estando Ele em Betânia, jantando na casa de Simão o leproso, “aproximou-se dele uma mulher, trazendo um
vaso de alabastro cheio de precioso bálsamo, que lhe derramou sobre a cabeça,
estando ele à mesa” (Mt.26.7). Marcos nos diz que o bálsamo valia mais de
“trezentos denários” (Mc.14.5), ou seja, o equivalente a mais de 300 dias de
trabalho, aproximadamente 15 mil reais (300 x R$50,00). Apesar do alto custo do
bálsamo, Jesus não recrimina a mulher pelo que fez. Antes, Jesus a abençoa e
elogia seu ato, um prenúncio e preparação de sua morte. Sua atitude não é
considerada um desperdício, como acharam os discípulos (Mt.26.8-9), mas um
chamado de Deus que o preparava para a morte (Mt.26.12). Os discípulos viram
uma necessidade, socorrer os pobres, mas Jesus viu o chamado de Deus.
Todo ser humano possui diversas necessidades e
desejos em sua vida. Há a necessidade de comer, beber, dormir, trabalhar, se
vestir etc. Mas, há, também, os muitos desejos que podem ir além das
necessidades humanas. Para distinguir a necessidade do simples desejo, é
preciso avaliar se aquilo que se quer é de fato indispensável a sua vida. Com
esta avaliação, você perceberá que muito do que considerava necessário é, na
verdade, apenas desejo. As muitas propagandas têm conseguido cativar as
pessoas, motivando-as a gastar desnecessariamente o dinheiro com aquilo que não
precisam. A necessidade é confundida com o desejo, e, com isso, as casas estão
cheias de mercadorias desnecessárias, compradas para satisfazer o desejo
momentâneo do coração. Desta forma, o homem faz um mau uso do tempo, dinheiro e
vida.
Contudo, mesmo que atendamos apenas ao que
consideramos necessário para a vida, ainda precisaremos perguntar: Será que
toda necessidade é um chamado de Deus? Será que tudo o que aparece na vida,
deve ser atendido? Será que é necessário ir ao shopping gastar tempo procurando
algo para comprar quando você poderia estar em casa orando e meditando na Palavra
de Deus, alimentando a esperança da vida eterna em seu coração enquanto
descansa nos braços daquele que cuida de nós? Será que é necessário postar algo
no facebook todos os dias, gastando horas preciosas com o que não acrescentará
nada nem na sua vida nem na do próximo? Será que é preciso conversar todos os
dias pelo whatsapp? Será que é preciso gastar tanto tempo limpando e arrumando
a casa a tal ponto de não ter mais tempo para estar a sós com Deus? Por causa
do ativismo de nossos dias, nos acostumamos a viver correndo. E quando não há
uma suposta necessidade para ser atendida, procuramos uma para preencher o
lugar que ficou vazio. Assim, o homem pós-moderno não deixa tempo para Deus,
preenchendo cada minuto com uma vida agitada.
Certa vez, Jesus encontrou uma mulher que andava
agitada, preocupada com muitos afazeres, semelhante às pessoas dos nossos dias;
seu nome era Marta. Em sua caminhada de cidade em cidade pregando o evangelho
do Reino de Deus, Jesus entrou no povoado onde moravam Marta e Maria (Lc.10.38-42).
Elas, prontamente o receberam em casa, e Marta logo se prontificou a dar-lhe
toda assistência necessária. Marta viu a necessidade e se dispôs a atendê-la.
Jesus deveria estar cansado, com sede e com fome, por isso Marta se dispôs a
cozinhar algo para Jesus e os discípulos. Contudo, Jesus aproveita a
oportunidade para ensinar às duas irmãs que nem toda necessidade é um chamado
de Deus. Enquanto Marta se preocupava com a necessidade de atender bem seu
importante hóspede, Maria atendeu ao chamado de Jesus para ouvir atentamente as
Palavras de vida que Ele tinha para ensinar. Maria estava quieta, descansando o
coração nas belas Palavras de vida que Jesus lhe oferecia.
É interessante observar, ainda, que Lucas organizou uma
série de eventos e discursos de Jesus que culminam com a visita à Maria e
Marta, para falar sobre nosso descansar em Deus, a fim de que busquemos fazer
Sua vontade enquanto recebemos dEle todo cuidado diário (Lc.10.1-11.13). Lucas
contrasta os interesses das multidões que se preocupavam somente com as coisas
da vida com a fome e a sede da Palavra do Senhor encontrada naqueles que amam a
Deus. E, para mostrar o quanto devemos entregar a vida para o Senhor e confiar
a Ele todo nosso cuidado, o texto está organizado na forma de um grande quiasmo
(Lc.10.1 até 11.13):
A) O povo rejeita
o humilde evangelho de Jesus. Eles não queriam servir a Deus, mas queriam as
coisas desta vida. Não há quem queira trabalhar na obra (Lc.10.1-24), por isso
Jesus pede mais trabalhadores.
B) Os religiosos
vivem de aparência, e pompa religiosa, mas os piedosos vivem o Verdadeiro Amor,
servindo humildemente (Lc.10.25-37).
C) Marta se preocupa com as coisas da terra enquanto
Maria busca humildemente as celestiais (Lc.10.38-42).
B’) Os verdadeiros
crentes buscam em primeiro lugar a glória de Deus. DEle dependem em tudo e
andam com Ele em todo tempo (Lc.11.1-4).
A’) Aqueles que
buscam ao Senhor de todo seu coração não precisam se preocupar, pois Deus os assiste.
O Senhor tem satisfação em abençoar seus filhos (Lc.11.5-13).
Multidões seguiram Jesus durante parte de seu
ministério, contudo o interesse do povo não estava na Palavra do Senhor pregada
por Cristo, mas nos muitos milagres que Jesus realizava (Jo.6.26-27). Além
disso, Lucas nos mostra que os líderes religiosos da época se alimentavam das
tradições, vivendo uma religiosidade vazia. É nesse contexto que Marta
representa bem tanto as multidões interessadas somente no pão quanto os
religiosos com suas tradições. Marta estava diante do Messias prometido,
contudo não aproveitou a oportunidade de sua singular visita para ouvir as
Palavras de vida que Ele tinha para dar. Marta só via a necessidade do momento,
por isso desperdiçava seu precioso tempo com o que não era fundamental.
Enquanto isso, Maria, em sua simplicidade,
representa aqueles que tiveram seus olhos abertos para contemplar a glória de
Deus que estava diante deles. Maria ouvia com regozijo a Palavra do Senhor,
edificando sua vida, fortalecendo seu coração e alimentando sua mente com a
esperança da vida eterna. Ela é um exemplo de como deve ser todo aquele que se
aproxima do Senhor, pois o desejo de todo cristão deve ser contemplar a glória
de Deus e ver a vontade do Senhor que é boa, perfeita e agradável ser realizada
em sua vida. A oração “dominical” (Lc.11.1-4), seguida da parábola sobre o
amigo inoportuno (Lc.11.5-13) expõe com excelência a comunhão dos filhos de
Deus com o Pai celeste. Assim, aqueles que buscam ao Senhor devem, também,
descansar nEle, pois Deus cuida de todos os seus filhos com graça e amor.
Portanto, a visita de Jesus a Marta e Maria é o ápice
de todo o texto (Lc.10.1 até 11.13). Por meio da vida de duas irmãs, Jesus nos alerta
quanto à diferença entre a necessidade e o chamado do Senhor. Quando os
apóstolos foram confrontados por uma necessidade, o sustento dos órfãos e
viúvas (At.6.1-6), eles não deixaram que a necessidade substituísse o chamado
de Deus para a pregação e oração (At.6.2). Deus é o centro da vida cristã e,
portanto, o cristão deve buscar somente aquilo que o aproxima do Senhor. Muitas
necessidades na vida podem distanciar o homem de Deus. Há amigos que levam
jovens para o mau caminho; há trabalhos que são constante tentação para o
cristão; há maneiras de se estudar que não fazem bem, ao substituir o culto e a
leitura da Palavra pelos muitos livros. Nem mesmo a principal necessidade do
homem deve ser uma barreira em sua caminhada com Deus, pois “não só de pão viverá o homem, mas de tudo o
que procede da boca do SENHOR viverá o homem” (Dt.8.3).
Desta forma, não deixe que as necessidades ocupem teu
precioso tempo. Se Deus é amado por você “de
todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força” (Dt.6.5),
então dê para Ele o melhor do teu tempo, esforço e atenção. Aquiete-se aos pés
do Senhor Jesus para ouvir as belas Palavras que só Ele tem para nos dar. E
quando vier a ansiedade e preocupação, ou quando o mundo quiser agitar o teu
coração, lembre-se do que disse o salmista: “Se o SENHOR não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam; se
o SENHOR não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela. Inútil vos será
levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão que penosamente granjeastes;
aos seus amados ele o dá enquanto dormem.” (Sl.127.1-2).
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