“mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus.” (1Co.1.24)
Rudolf Karl Bultmann (1884-1976) era um homem muito
inteligente, mas não necessariamente sábio. Foi influenciado por acadêmicos
como Karl Barth, Martin Heidegger, Adolf Harnack, Karl Müller, Hermann Gunkel,
Friedrich Schleiermacher, entre outros. Destacou-se em algumas áreas do saber
teológico, literário e filosófico. Possuía uma ampla leitura acadêmica,
mostrando-se muito interessado em arte e literatura, sobretudo clássica; também
se dedicou ao grego, ao latim e à história da Alemanha[1].
Em sua obra magna, Teologia do Novo Testamento, Bultmann mostrou conhecimento
das ferramentas hermenêuticas e foi bem-sucedido em diversas análises de textos
e conceitos do Novo Testamento, destacando-se pela criação do método
denominado: Crítica da forma, estudado amplamente ainda hoje. Todavia, esse
mesmo homem escreveu um livro que trata todo o sobrenatural dos evangelhos como
mitos criados pelos cristãos primitivos[2].
Mas, como um homem tão inteligente, depois de examinar todo
o Novo Testamento, pode afirmar que Jesus Cristo, como Filho de Deus
(DEUS-HOMEM), é um mito criado pela igreja, e que a linguagem neotestamentária
é mitológica[3]?
Bultmann não conseguia compreender como Jesus Cristo, com todo poder e glória
manifestos na vida, morte e ressurreição, poderia ser real. Ele não conseguia
ver em Jesus mais do que um homem revolucionário que deu o maior exemplo de
amor entregando sua vida para motivar os demais homens a viverem também em
amor. A ideologia racionalista moderna tornara-se o pressuposto mais básico de
Bultmann que tentou adequar a Escritura a essa ideologia. A inteligência de
Bultmann não foi suficiente para conduzi-lo a Cristo, e em Jesus alcançar a
salvação.
O exemplo de Bultmann nos ajuda a demonstrar a nítida e a
importante diferença entre ser inteligente e ser sábio. Ser inteligente é ser
capaz de fazer uso das ferramentas interpretativas para compreender o que o
texto do Novo Testamento está dizendo. Ser sábio é ser capaz de aplicar tudo o
que está escrito à própria vida e à vida dos outros, exatamente como Deus quer.
Por meio da inteligência, conseguimos compreender muitas coisas ao nosso redor,
aprendendo os mais diversos assuntos e adquirindo as mais variadas
competências. Por causa da inteligência, o homem chegou até a lua, inventou o
computador e tem tornado a vida social muito confortável para todos (ou quase
todos). Todavia, enquanto isso, as cidades tornam-se mais violentas e imorais,
afastando-se cada dia mais de uma vida em conformidade com a Palavra de Deus.
Mesmo com tanta inteligência, o ser humano está assumindo o pior grau de sua
depravação, o vazio existencial, fortemente estimulado em nossos dias pela
ideologia de gênero. A verdade é que todos os homens são inteligentes, mas
poucos são realmente sábios.
Por meio da inteligência, homens enveredam pelos mais
profundos estudos, inclusive teológicos, dedicando-se amplamente à leitura pela
qual adquirem vasta erudição, ao mesmo tempo em que rejeitam a sabedoria do
Senhor que nos conduz a um viver piedoso em Cristo Jesus. O estudo pode tornar
o homem conhecedor dos mais variados campos do saber sem, contudo, torna-lo
conhecedor de si mesmo, capaz de reconhecer sua real condição de pequeno
pecador. Desse modo, o acumulo de informações mostra-se insuficiente ao revelar-se
incapaz de dar ao homem aquilo que ele precisa: sabedoria. Como disse Salomão:
“Demais, filho meu, atenta: não há limite para fazer livros, e o muito
estudar é enfado da carne. De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e
guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem.”
(Ec.12.12). Ou seja, erudição não é sinônimo de sabedoria, e a sabedoria
revela-se no temor ao Criador.
Essa aparente contradição é possível por causa do grande
abismo que há entre a inteligência e a sabedoria. Também, devemos fazer
distinção entre a esperteza e a sabedoria, bem como entre a
experiência/erudição e a sabedoria. Todavia, ainda podemos dizer que tudo
provém do Senhor já que todo conhecimento da Verdade vem de Deus, a fonte de
todas as coisas, como disse Tiago: “Toda
boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em
quem não pode existir variação ou sombra de mudança” (Tg.1.17). Deus deixou
ao alcance do homem o conhecimento no qual ele pode se deleitar e desenvolver
sua vida pessoal e social, como temos visto acontecer, sobretudo nos últimos
200 anos da história humana. Mas, a sabedoria, Deus não a entregou abertamente,
não a expôs aos quatro cantos do mundo, nem mesmo a esconde como um tesouro a
ser descoberto. O Senhor guardou a sabedoria consigo para que Ele mesmo a dê a
cada homem segundo sua vontade e graça.
É interessante observarmos que a inteligência é bastante
presente na linhagem de Caim, o filho amaldiçoado de Adão e Eva. Conforme
Gênesis 4.17-24, além dos pecados dos filhos de Caim, encontramos diversas
habilidades. Caim edifica uma cidade, mostrando habilidade administrativa e
política (Gn.4.17); Jubal e seus descendentes são hábeis tocadores de harpa e
flauta (Gn.4.21); Tubalcaim é um perito artífice que manuseia todo tipo de “instrumento cortante de bronze e de ferro”
(Gn.4.22); e, Lameque mostra-se muitíssimo esperto tanto em tomar para si duas
esposas quanto em legislar em seu favor (Gn.4.19,24), um político de mãos
cheias. A cidade de Caim está repleta de homens inteligentes e espertos capazes
de tornar a vida mais prazerosa, confortável e produtiva. Contudo, uma simples
leitura de descrição desta cidade é suficiente para se perceber que não há
sabedoria nela. São pecadores vivendo para si mesmos, “obscurecidos de entendimento, alheios à vida de Deus por causa da
ignorância em que vivem, pela dureza do seu coração” (Ef.4.18).
A falta de temor a Deus entre os filhos de Caim, tendo em
vista a ampla lista de pecados praticados despreocupadamente, nos revela a
ausência de sabedoria entre eles. Não há temor de Deus naquela cidade, ainda
que Caim tenha tido experiências singulares com Deus, pois falou com o Senhor
“frente a frente”, conforme nos revela Gênesis 4.6-16. Nem mesmo a experiência
de Caim com o próprio Deus, ouvindo a Palavra divina diretamente da boca do
Senhor, foi suficiente para que a sabedoria se manifestasse na vida dele. A
inteligência e a esperteza estão presentes no dia a dia daqueles que só se
preocupam com o que é terreno, cultivando o conforto e buscando o status que
satisfazem a vaidade. A inteligência e a esperteza se mostram necessárias para
o desfrute de uma vida de luxúria, já que o único propósito daqueles homens era
curtir o tempo presente ao máximo. E em nada disso há sabedoria, pois, a
sabedoria, está com o Senhor.
Alguns personagens da Escritura Sagrada são instrumentos
para mostrar tais diferenças: José, Jó/Eliú, Salomão, Daniel. Eles não
inventaram algo extraordinário, mas falaram com sabedoria; eles não agiram com
esperteza diante dos adversários, mas se comportaram com sabedoria, pois
esperavam em Deus; eles não eram muito experientes nem tampouco eruditos, mas
agiram como sábios mestres em todo o proceder diante dos momentos bons e ruins
da vida. Neles, a sabedoria é apresentada como um dom divino independentemente
da idade, do estudo, do status social ou de outro elemento que possa fazer
distinção entre os homens. A sabedoria é um dom divino concedido graciosamente
para manifestar a beleza da glória de Deus. A história desses personagens nos
apontam para o Senhor. Ao termino da leitura, somos motivados a buscar em Deus
a sabedoria, conhecendo seus bons frutos abençoadores daqueles que a possuem.
Seu propósito é dar a Deus todo louvor, manifestando sua vontade boa, perfeita
e agradável (Rm.12.1-2), fazendo do pecador um vaso de honra nas mãos do
Criador (Rm.9.23-24).
Em nossos dias, cultiva-se amplamente a erudição
(completamente distinta da sabedoria). Desde Adão e Eva, o homem demonstra uma
curiosidade desmedida pelo desconhecido. Em Gênesis 3, a curiosidade desmedida
se opõe ao contentamento, pois, mesmo conhecendo todo bem que precisavam, o
homem e a mulher desejaram o conhecimento do mal (Gn.3.5-6). Por meio da
erudição, o homem também sacia a busca pelo status social, atendendo às
vaidades do coração pecador que cultiva desesperadamente o orgulho de si mesmo,
mostrando, assim, que a erudição não é suficiente para tornar o homem humilde
nem muito menos sábio. Isso não significa que erudição seja algo ruim, mas nos
mostra, sim, que seu caminho não é o mesmo da sabedoria e que o homem pode
trilha-lo pelas piores razões possíveis. Isso se dá porque erudição não é
sabedoria. Conhecendo os perigos de tal caminho, desprovido da piedade
promovida pela Escritura e pelo Espírito do Senhor, Paulo procurou afastar os
coríntios do academicismo infrutífero de sofistas vaidosos e enganosos,
motivando seus leitores à simplicidade do Evangelho de Cristo como algo mais
sublime e frutífero, já que “o saber ensoberbece, mas o amor edifica”
(1Co.8.1). A erudição está ao alcance de qualquer homem que quiser por ela
caminhar, mas a sabedoria Deus a guardou consigo para que o pecador a encontre
apenas no Senhor.
Portanto, não é a quantidade de livros que você lê nem o
nível acadêmico que você possui que indicarão a presença de sabedoria em seu
coração. Grandes eruditos mostraram-se incapazes de compreender a mais
fundamental sabedoria divina: Cristo Jesus. Enquanto um erudito é capaz de ler
e copiar o que os autores dizem, um sábio segundo Deus é capaz de interpretar
tudo e discernir entre o que é bom e o que é mau: “o homem espiritual julga todas as coisas, mas ele mesmo não é julgado
por ninguém. Pois quem conheceu a mente do Senhor, que o possa instruir? Nós,
porém, temos a mente de Cristo” (1Co.2.15-16). Devemos considerar,
atentamente, o fato de que Jesus escolheu homens simples, não doutores, para
dar-lhes o simples e poderoso Evangelho capaz de transformar o pecador e salvar
todo aquele que nele crê, de modo que nenhum deles viesse a gloriar-se em si
mesmo, mas tão somente em Cristo (1Co.4.7). Como disse o apóstolo Paulo: “Deus
escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as
coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes; e Deus escolheu as coisas
humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada
as que são; a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus”
(1Co.1.27-29).
Contudo, é importante salientarmos que nosso propósito com o
exposto acima não é desestimular você a estudar. Ler é algo bom, desde que
sejam coisas boas; estudar é algo bom, desde que tal estudo não desonre a Deus.
Todavia, não podemos confundir essas coisas com a sabedoria divina. Comumente
podemos ver o conhecimento alimentar o orgulho do coração das pessoas,
sobretudo jovens. Mas, a sabedoria sempre conduzirá o homem à humildade, ainda
que esse homem possua todo o saber possível. Logo, nosso objetivo é fazer o
pastor desejar a sabedoria mais do que o conhecimento. E em sua jornada do
saber, alertá-lo quanto ao perigo de caminhar sem sabedoria, como fizeram os
teólogos liberais, entre outros. Conhecer tudo o que é bom é algo bom, mas ter
sabedoria é ainda melhor. E o pastor precisa ser sábio para pastorear as
ovelhas de Cristo conforme a vontade revelada por Deus, ainda que não possuam
muito conhecimento sobre o que os homens já escreveram na jornada humana.
Certa feita, fui a um encontro de pastores da cidade. Havia
pastores de várias denominações e um deles era o responsável pela pregação
daquele dia. Com certeza, o referido pastor tinha um vasto conhecimento. Ele
não somente era formado em teologia, mas, também, em psicologia. Talvez, até
possuísse outros títulos que desconheço. Independente de seus títulos e
conhecimentos extra bíblicos, aquele homem era pastor e deveria ter a sabedoria
de Deus em seu coração para pastorear as ovelhas na Palavra de Deus e no poder
do Espírito Santo. Todavia, sua pregação foi horrível. Ele, literalmente, falou
mais de Sigmund Freud e suas ideias relacionadas à psicanálise do que de
Cristo, o Senhor e Salvador de nossas vidas. Ele tratou seu público como
pacientes e nem mesmo lhes deu um bom remédio. Um sermão desperdiçado, palavras
vazias lançadas ao ar. Precisávamos de Cristo e aquele pregador nos deu meras
ideias vazias Sua falta de sabedoria fez com que aproveitasse o momento apenas
para exibir seu leque de saberes, sua erudição, deixando seu público sedento do
conhecimento de Cristo Jesus; conhecimento este que parecia não dominar muito
bem. Faltou sabedoria, pois caso a possuísse, naquele momento, não teria usado
a erudição de modo errado e vaidoso.
Um jovem cheio de sabedoria
José era ainda muito jovem quando foi levado para o Egito
(Gn.37.2,28). Mesmo sendo o penúltimo filho de Jacó, o segundo mais jovem de
entre seus irmãos, Deus o escolheu para trilhar uma dura jornada que iniciou
com a traumatizante traição de seus familiares que o venderam para uma caravana
de mercadores midianitas (Gn.37.28). Como deve ter sido difícil para José lidar
com a traição dos irmãos. Foi preciso a graça divina para que ele superasse e,
ainda, pudesse agir como sábio instrumento divino para a conservação daqueles
que lhe haviam feito mal. Os mercadores o venderam como escravo para Potifar e,
desde esse dia, José trilhou uma difícil jornada no Egito até culminar com o
alcance do governo de toda a terra egípcia (Gn.39.1//Gn.41.39-44). Em toda sua
jornada, José demonstrou ser homem “ajuizado
e sábio” “em quem há o Espírito de
Deus” (Gn.41.38-39) de tal modo que, sendo ainda jovem, aconselhou Faraó e
todos os oficiais sobre como administrarem a nação nos dias de fartura e
escassez que viriam.
Qual foi o estudo que José recebeu, sendo filho de um nômade
pastor de ovelhas, filho de Jacó? Os filhos aprendiam em casa com escravos
responsáveis pela educação das crianças (Gl.4.1-2). Sendo Jacó um homem
próspero (Gn.32), dono de vários escravos (Gn.32.5), muito provavelmente
possuía papiros nos quais estavam registradas as contas da família. Não há
razão para não pensarmos na probabilidade de que alguns papiros guardassem
tradições familiares e, também, a revelação divina que fora dada para Abraão e
Isaque. Por razões materiais, livros eram escassos naquela época e,
provavelmente, estavam concentrados em bibliotecas de realezas de grandes
cidades como Egito, ao ocidente, e Mesopotâmia, ao oriente. Todavia, aquilo que
realmente importava, o conhecimento de Deus, estava sendo preservado pelos
escolhidos do Senhor, de modo que José deve ter sido ensinado na Palavra de
Deus (oral e escrita) que até aqueles dias fora dada àqueles que o Senhor havia
escolhido para serem seu povo, como fora dito a Abraão: “Porque eu o escolhi
para que ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, a fim de que guardem o
caminho do SENHOR e pratiquem a justiça e o juízo; para que o SENHOR faça vir
sobre Abraão o que tem falado a seu respeito.” (Gn.18.19).
Pequena, mas poderosa, a Palavra de Deus operava no coração
e na mente daqueles que dela se apropriavam por meio da ação eficaz do Espírito
do Senhor, a fim de que lhes concedesse o temor a Deus, princípio da sabedoria.
Essa pequena porção da Palavra de Deus operara no coração de José através do
agir do Espírito Santo tornando-o sábio, apesar da pouca idade. Tal sabedoria
não é vista em uma aparente erudição, que provavelmente nem mesmo possuía, mas
por intermédio de sua vida temente a Deus, razão para: fugir do pecado, esperar
pacientemente no Senhor em dias maus, dar conselhos realmente sábios e
discernir a vontade de Deus se manifestando na história humana. Com pouca, ou
mesmo sem nenhuma, erudição, José mostra-se mais sábio do que boa parte dos
eruditos de seus dias.
Com certeza, Faraó possui a seu dispor muitos estudiosos
versados em diversos conhecimentos disponíveis na época. Contudo, diante da
necessidade de compreender a vontade divina que lhe fora revelada, por meio de
sonhos, e de ser orientado quanto ao modo como deveria agir, Faraó recebe
conselhos de um jovem que se encontrava na prisão, estando treze anos longe de
casa. Nenhum erudito daqueles dias fora apto a discernir a vontade de Deus nem
de aconselhar sabiamente a Faraó, razão para que o grande rei do Egito
afirmasse: “Acharíamos, porventura, homem como este, em quem há o Espírito
de Deus? Depois, disse Faraó a José: Visto que Deus te fez saber tudo isto,
ninguém há tão ajuizado e sábio como tu.” (Gn.41.38-39).
A provável falta de erudição de José não significa um
estímulo à anti-erudição, mas nos ensina que sabedoria não provém do estudo,
ainda que possa andar lado a lado com ele. José recebeu a mesma educação que
seus irmãos, mas possuía uma sabedoria que os demais não receberam do Senhor.
Diante disso, somos conduzidos a fazer distinção entre o que aprendemos por
meio do estudo e o que podemos receber por meio da graça divina. Por essa
razão, Tiago nos ensina a buscar em Deus a sabedoria necessária para tomar decisões
na vida, fazer as escolhas certas, agir em acordo com a vontade do Senhor,
lutar e resistir às tentações do mundo etc.: “Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a
todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida”
(Tg.1.5).
Na história de José, vemos que não há idade para ter
sabedoria, porque a sabedoria é um dom divino. Também podemos observar que a
sabedoria não é genética, pois José não a herdou de seus pais, mas do Espírito
do Senhor. E uma vez que a sabedoria é adquirida em Deus, por meio do agir do
Espírito Santo e da Palavra do Senhor (Gn.39.9), também somos exortados a
jamais nos orgulharmos dessa aquisição graciosa. A sabedoria está em Deus, é
dada por Deus e deve servir à glória de Deus, pois a vaidade e o orgulho humanos
são, em si mesmos, uma demonstração de falta de sabedoria (Tg.4.6). O exercício
da sabedoria visa o serviço ao Senhor dentro do plano redentor, manifestando a
justiça, a bondade, a grandeza, a graça, a santidade, a misericórdia e o amor
de Deus; abençoando, assim, muitas vidas.
Um jovem sábio entre anciãos
Outros dois personagens que nos chamam a atenção são Jó e
Eliú. O livro que carrega o nome do personagem principal (Jó) encontra-se entre
a coletânea de escritos sapienciais da Escritura Sagrada (Jó, Provérbios e
Eclesiastes). O autor é incerto (apesar de considerarmos que Salomão deva ser a
melhor opção) e o personagem, mesmo sendo real, não possui data certa também.
No livro do profeta Ezequiel, Deus trata Jó como um personagem de carne e osso
tanto quanto Noé e Daniel (Ez.14.14,20). O livro de Tiago também faz menção de
Jó como exemplo a ser seguido, não como se falasse apenas de uma história
fictícia, mas de uma história real (Tg.5.11).
Os dois primeiros capítulos do livro prestigiam a piedade de
Jó, mostrando ao leitor que ele realmente era um homem sábio, pois era um homem
temente a Deus (Jó.1.1,8). Podemos observar isso nas reações de Jó, frente à
chegada da grande tribulação que o alcançou (Jó.1.13-19). Jó não se revoltou,
não desistiu da vida, não blasfemou contra Deus nem mesmo murmurou contra o
Senhor. Ele simplesmente entrou em luto e se humilhou diante de Deus,
adorando-o e reconhecendo que não era verdadeiramente possuidor de coisa alguma
que desfrutava, pois tudo vinha do próprio Deus que, portanto, tinha o direito
de tirar quando quisesse. Portanto, assim como Jó havia nascido sem nada, não
poderia reclamar tendo que morrer sem nada. Desse modo, Jó bendiz o nome do
Criador, em vez de acusar a Deus por suas desventuras.
Então, Jó se levantou, rasgou o seu manto, rapou a cabeça
e lançou-se em terra e adorou; 21
e disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei; o SENHOR o deu e o SENHOR
o tomou; bendito seja o nome do SENHOR! 22
Em tudo isto Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma (Jó.1.20-22)
O proceder sábio de Jó torna-se ainda mais evidente quando
contrastado com as palavras de sua esposa que lhe diz: “Ainda conservas a tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre”
(Jó.2.9). A mulher de Jó não somente agiu como uma tola, mas ainda serviu como
instrumento de Satanás para tentar Jó a pecar contra Deus. Jó resiste à
tentação e ainda emite um juízo que condiz perfeitamente com o olhar de Deus
para as palavras dela, glorificando ao Senhor ao reconhecer o direito divino
sobre todos os homens: “Falas como
qualquer doida; temos recebido o bem de Deus e não receberíamos também o mal?”
(Jó.2.10). Por isso, em nenhuma das palavras Jó pecou contra Deus.
Todavia, com o decorrer dos dias e das acusações dos três
amigos de Jó, seu comportamento muda e suas ações e reações deixam de ser
caracterizadas pela sabedoria divina. A sabedoria que havia sido evidenciada no
início do livro dá lugar a alta autoestima de Jó que começa a se justificar
acusando Deus de injustiça. E apesar de todos os pecados presentes no
comportamento dos amigos de Jó, eles terminam sendo o instrumento para tornar
evidente os pecados ocultos de Jó: ele era justo demais aos seus próprios olhos
(Jó.32.1). Enquanto o temor a Deus era proeminente na vida de Jó, suas palavras
e seu comportamento foram sábios. Mas, a partir do momento em que a justiça
própria de Jó tomou a dianteira de seu coração, então Jó começa a pecar contra
Deus e a encobrir o conselho do Senhor (Jó.42.3). E por causa da ausência da
sabedoria, Jó não consegue perceber os males em seu proceder.
Dentre os diálogos travados entre Jó e seus três amigos, o
personagem principal relembra seus dias de glória, antes que os males o
alcançassem (Jó.29.7-11). Nessa lembrança, Jó era respeitado por todos como um
homem abençoado e sábio, de modo que tanto os mais jovens quanto os mais velhos
se calavam esperando ouvir palavras de sabedoria de sua boca:
Quando eu saía para a porta da cidade, e na praça me era dado
sentar-me, 8 os moços me viam
e se retiravam; os idosos se levantavam e se punham em pé; 9 os príncipes reprimiam as suas
palavras e punham a mão sobre a boca; 10
a voz dos nobres emudecia, e a sua língua se apegava ao paladar. 11 Ouvindo-me algum ouvido, esse
me chamava feliz; vendo-me algum olho, dava testemunho de mim [...] Os que me
ouviam esperavam o meu conselho e guardavam silêncio para ouvi-lo. 22 Havendo eu falado, não
replicavam; as minhas palavras caíam sobre eles como orvalho. 23 Esperavam-me como à chuva,
abriam a boca como à chuva de primavera. (Jó.29.7-11, 21-23)
A sabedoria em Jó é tratada como uma bênção divina. Ele
lembra aqueles momentos como “dias em que Deus me guardava” (Jó.29.2),
fazendo brilhar sua “lâmpada sobre a minha cabeça, quando eu, guiado por sua
luz, caminhava pelas trevas; [...] quando a amizade de Deus estava sobre
a minha tenda; quando o Todo-Poderoso ainda estava comigo” (Jó.29.3-5). Não
sabemos a idade de Jó, mas ele faz menção desse tempo como “dias do meu
vigor” (Jó.29.4). Podemos, então, dizer que Jó atribuiu a Deus a sabedoria
de seus dias mais jovens, já que a sabedoria, no capítulo anterior
(Jó.28.12-28) é tratada como um dom divino, concedido graciosamente por Deus,
assim como fora testemunhado por Salomão, o possível autor do livro (1Rs.3): “então, viu ele a sabedoria e a manifestou;
estabeleceu-a e também a esquadrinhou” (Jó.28.27).
Jó se gaba de sua sabedoria passada sem se aperceber que não
estava mais presente em suas palavras, mesmo já não sendo jovem. Mas, a nítida
distinção entre a experiência decorrente da idade e a aquisição graciosa da
dádiva da sabedoria é vista na aparição do misterioso personagem chamado Eliú.
Seu aparecimento em Jó é inesperado. Eliú possui genealogia certa (Jó.32.2),
mas não havia sido contado entre os amigos de Jó: Elifaz, Bildade e Zofar
(Jó.2.11). Além disso, o personagem surge para dar respostas a todos os demais
que não haviam chegado a um consenso sobre a razão pela qual Jó estava sofrendo
demasiadamente (Jó.32.1-5). Eliú faz todos se calarem (como Jesus fez com os
fariseus e os saduceus - Mt.22.23-46), e somente Deus fala após seu longo
monólogo (Jó.32-37). Desse modo, Eliú se sobressai em sabedoria a todos os
amigos de Jó, e até ao próprio Jó, mesmo sendo de menor idade (Jó.32.4),
reprisando o mesmo cenário que Jó havia testemunhando em seus anos anteriores
quando sua sabedoria era manifesta a todos (Jó.29.7-11, 21-23):
Eliú, porém, esperara para falar a Jó, pois eram de mais idade do que
ele. 5 Vendo Eliú que já não
havia resposta na boca daqueles três homens, a sua ira se acendeu. 6 Disse Eliú, filho de Baraquel, o
buzita: Eu sou de menos idade, e vós sois idosos; arreceei-me e temi de vos
declarar a minha opinião. 7
Dizia eu: Falem os dias, e a multidão dos anos ensine a sabedoria. 8 Na verdade, há um espírito no
homem, e o sopro do Todo-Poderoso o faz sábio.
9 Os de mais idade não é que são os sábios, nem os velhos, os
que entendem o que é reto. (Jó.32.4-9)
Quando mais jovem, Jó viu os mais velhos buscarem nele a
sabedoria divina, pois, conforme Jó: “Está a sabedoria com os idosos, e, na
longevidade, o entendimento? Não! Com Deus está a sabedoria e a força; ele tem
conselho e entendimento” (Jó.12.12-13). Agora, nos dias da tribulação de
Jó, um rapaz de menor idade, Eliú, o aconselhará com palavras de sabedoria
proveniente de Deus, conduzindo tanto o próprio Jó quanto seus três amigos ao
coração do problema em questão: o pecado da autojustificação de Jó.
Portanto, a sabedoria, no livro de Jó, independe da idade e
está intimamente relacionada à comunhão entre o homem e Deus (Jó.29). Em seus
dias de intensa tribulação, Jó sente-se “desamparado” por Deus e em vez de
caminhar humildemente na presença do Senhor, ele se faz adversário de Deus, a
fim de se autojustificar perante o Criador. A sabedoria é apresentada como
dádiva divina que independe da idade e do status do homem, ao mesmo tempo em
que somos conduzidos a entender que a sabedoria é associada à presença divina,
à relação do homem com Deus. Assim como, a falta de sabedoria é relacionada à
maldade do coração do pecador.
Mas, após ouvir a Palavra de Deus, algo muda no coração de
Jó. O homem sofrido que acusa Deus por seu sofrimento, tentando se
autojustificar, após o encontro com Deus, está com o coração quebrantado e a
mente esclarecida. E com entendimento, Jó toma a única atitude sábia que
deveria, naquele momento, dizendo:
Então, respondeu Jó ao SENHOR: 2 Bem sei que tudo podes, e nenhum
dos teus planos pode ser frustrado. 3
Quem é aquele, como disseste, que sem conhecimento encobre o conselho? Na
verdade, falei do que não entendia; coisas maravilhosas demais para mim, coisas
que eu não conhecia. 4
Escuta-me, pois, havias dito, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu me
ensinarás. 5 Eu te conhecia
só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem.
6 Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza
(Jó.42.1-6)
Essa foi a atitude mais sábia de Jó. Como alguém que recobra
a razão, voltou a Jó a graça da sabedoria. Então, em poucas palavras, ele
expressou a iluminação da sabedoria divina. Pelo menos três pontos podem ser
observados nas palavras de Jó:
1) Jó reconheceu
que nada foge à vontade do Senhor e que, portanto, seu sofrimento cumpria um
propósito sábio de Deus, que o próprio Jó desconhecia. Logo, apesar de todas as
catástrofes que aconteceram com Jó, nada estava perdido, pois Deus sempre teve
tudo sob controle (v.2).
2) Jó também
reconheceu que tudo o que Deus faz é sábio, justo e verdadeiro, e que é
necessário ao pecador confiar totalmente no Senhor, pois o Criador é puríssimo,
boníssimo e justíssimo. Sendo assim, Jó havia agido sem sabedoria ao se opor ao
Senhor sem qualquer conhecimento da verdade sobre a causa e o propósito de todo
aquele sofrimento (v.3);
3) Jó, ainda,
reconheceu sua ignorância tanto sobre a grandeza do Ser de Deus e de seus
sábios planos, como, também, confessou não ter conhecimento de si mesmo,
conhecimento de seu coração pecador que se autojustificava (v.4-6). Jó
contemplava apenas o visível e estava centrado em seu próprio ego. Sua
autoidolatria e autojustificação o tornava tolo, mas, na sabedoria do Senhor,
ele pode ver que a vida é mais do que os olhos alcançam, e que a miséria de seu
ser não estava na aparência dos tumores terríveis de sua pele, mas no pecado de
seu coração.
Na fala de Jó, vemos que o arrependimento de um pecador e
sua confissão de fé, frutos do conhecimento da Palavra de Deus, são gestos de
sabedoria, assim como “o temor do Senhor
é a sabedoria, e o apartar-se do mal é o entendimento” (Jó.28.28). Para
conhecer a Deus e para conhecer a si mesmo, o homem precisa da sabedoria do
alto. Essa sabedoria é expressa na Revelação divina e na iluminação do Espírito
Santo. Jó esteve frente a frente com a Revelação divina, pois Deus lhe falou do
meio de um redemoinho (Jó.38.1). E com o coração quebrantado, Jó falou o que é
reto diante de Deus (Jó.42.7), uma atitude condizente com a manifestação do
Espírito divino no homem (At.2.37-47). Agora, Jó via nitidamente a glória de
Deus, bem como a mais profunda miséria de seu próprio coração. Então, o Senhor
cumpriu seu propósito, razão para restaurar a vida de Jó a seu estado de
bem-aventurança (Jó.42.10-17).
Por fim, devemos ainda observar que o livro de Jó começa com
a esperteza e sagacidade de Satanás que pretende jogar Deus contra Jó e Jó
contra Deus (Jó 1-2). A jogada de Satanás parece inteligente até sucumbir
perante a infinita sabedoria de Deus que triunfa sobre a esperteza do
adversário, ao alcançar o propósito de aperfeiçoar o coração de Jó (Jó.42). O
livro é encerrado exaltando a grandiosidade da sabedoria divina, pois tudo o
que acontecera estava em acordo com os planos de Deus, o perfeito Conselho do
Senhor (Jó.42.2-3). E à semelhança do que acontecera na história de José, mais
uma vez Deus transformou males em bênçãos (Jó.42.10-17). Assim, podemos ver a
sabedoria divina tanto na frustação do plano de Satanás quanto no alcance do
propósito de transformar a vida de Jó que não é mais o mesmo (Jó.42.1-6).
O segundo homem mais sábio do mundo
O personagem mais conhecido da Escritura Sagrada, em sua
relação com a sabedoria, é Salomão. Jesus fez menção da destacada sabedoria do
filho de Davi, mas não o considerou como o homem mais sábio do mundo, pois o
próprio Cristo era superior a Ele (Mt.12.42). O nascimento de Salomão foi
marcado por um contexto conturbado (2Sm.12), apesar disso Deus o amou desde o
início e o agraciou com a bênção de crescer sob o ensino da Palavra divina
ensinada pelo profeta Natã: “Então, Davi veio a Bate-Seba, consolou-a e se
deitou com ela; teve ela um filho a quem Davi deu o nome de Salomão; e o SENHOR
o amou. Davi o entregou nas mãos do profeta Natã, e este lhe chamou Jedidias,
por amor do SENHOR” (2Sm.12.24-25).
Conforme algumas cronologias bíblicas sugeridas, Salomão
(990-930 a.C.?) viveu aproximadamente 60 anos[4]
(reinou 40 anos[5] –
1Rs.11.42) e começou a reinar com 20 anos de idade. Não se sabe ao certo a
precisão de tais informações, principalmente porque a Escritura não menciona a
idade em que Salomão começou a reinar nem com quantos anos ele morreu. Contudo,
serve-nos para dar-nos uma ideia da tenra idade com que Salomão recebeu
sabedoria da parte do Senhor.
No início do reinado de Salomão, Deus lhe aparecera por meio
de sonhos, oferecendo-lhe a satisfação de qualquer desejo que ele tivesse
(1Rs.3.5). Este é o desejo de praticamente todo ser humano que nessas condições
teria pedido muitas riquezas. Todavia, antes de tal sonho, o autor de 1 Reis
nos informa que “Salomão amava ao SENHOR, andando nos preceitos de Davi, seu
pai” (1Rs.3.3), dando-nos a razão certa pela qual Salomão não pede a Deus “longevidade,
nem riquezas, nem a morte” de seus inimigos, mas “entendimento”
(1Rs.3.11).
Salomão fora ensinado a amar a Deus, muito provavelmente
através do profeta Natã, a fim de que governasse com integridade e zelo ao
Senhor, pois, desde muito cedo, Deus revelara para Davi que Salomão seria o
herdeiro de seu trono:
Eis que te nascerá um filho, que será homem sereno, porque lhe darei
descanso de todos os seus inimigos em redor; portanto, Salomão será o seu nome;
paz e tranquilidade darei a Israel nos seus dias. 10 Este edificará casa ao meu
nome; ele me será por filho, e eu lhe serei por pai; estabelecerei para sempre
o trono do seu reino sobre Israel. 11
Agora, pois, meu filho, o SENHOR seja contigo, a fim de que prosperes e
edifiques a Casa do SENHOR, teu Deus, como ele disse a teu respeito. 12 Que o SENHOR te conceda
prudência e entendimento, para que, quando regeres sobre Israel, guardes a lei
do SENHOR, teu Deus (1Cr.22.9-12).
O valor dos ensinamentos que o jovem havia recebido é
atestado na ocasião em que Deus lhe aparece por meio de sonho, no qual Salomão
tem a oportunidade de pedir qualquer coisa, mas deseja apenas aquilo que lhe
fora ensinado: entendimento para servir a Deus como bom rei. O pedido de
Salomão agradou a Deus, diferente dos filhos de Caim que só se preocupavam com
aquilo que satisfazia os olhos, o ventre e o próprio coração (Gn.4.17-24).
Salomão, antes mesmo de pedir sabedoria, demonstra que a educação da criança na
Palavra de Deus é o instrumento para conduzir o pecador ao que é bom e
agradável ao Senhor. Desse modo, a Palavra de Deus é apresentada como fonte de
sabedoria, pois, por meio dela, o pecador é conduzido a temer a Deus, como nos
diz esse versado autor de Provérbios: “O temor do SENHOR é o princípio da
sabedoria, e o conhecimento do Santo é prudência” (Pv.9.10).
Não é por acaso que este homem de Deus é o responsável pelos
livros Sagrados chamados de Sapienciais: Jó (conforme nossa compreensão de sua
autoria), Provérbios e Eclesiastes, além do livro poético chamado Cantares ou
Cânticos. Com Salomão, a sabedoria é estritamente relacionada à Palavra de Deus
e ao temor ao Senhor, ambos sendo dádivas do próprio Criador que é a fonte de
toda sabedoria concedida graciosamente ao homem. Salomão é a “prova viva” de
que a sabedoria é um dom divino e que a desejar, com o fim de fazer a vontade
de Deus, é algo que agrada bastante ao Senhor.
A sabedoria concedida por Deus a Salomão é atestada tanto
por suas obras quanto por seus escritos (1Rs.3.16-28; 4.29-34). O autor do
livro de 1 Reis não apenas nos conta como Salomão adquiriu sua extraordinária
sabedoria, como também nos dá as provas da presença dela em diversas obras de
Salomão. Porém, isso não o torna um herói mítico nem um semideus. Salomão ainda
é um pecador sujeito aos mais terríveis pecados que não são ocultados do leitor
(Ne.13.26). Desse modo, o autor do livro demonstra a todos que nem mesmo a
maior sabedoria que um homem possa receber de Deus é capaz de livrá-lo do
pecado, pois a redenção do homem não encontra-se no saber. O poder da
sensualidade também é experimentado por Salomão que se deixou influenciar pelas
muitas mulheres pagãs que possuía, de modo que veio a servir aos deuses das
muitas nações a quem pertenciam as esposas e concubinas do rei (1Rs.11.1-8).
Assim, a sabedoria abandona Salomão, frente ao pecado e à cobiça do coração
dele, porque os frutos da sabedoria dependem de uma vida de real comunhão com o
Senhor.
Em Salomão, vemos que a sabedoria é um grande dom concedido
por Deus, não uma aquisição da experiência humana. A sabedoria de Salomão não é
atribuída a algum mestre ou tutor de sua infância e/ou juventude. Deus é sua
única fonte! Por isso, o profeta Natã não recebe qualquer mérito pela sabedoria
do rei. E sua mais sublime presença encontra-se na Escritura Sagrada, expressão
da sabedoria divina. A sabedoria do Senhor conduz o homem ao que é bom, pois
também é serva de Deus. Por isso, o livro de Provérbios contém muitos conselhos
para que o homem fuja do que é mau e cultive aquilo que é bom, por meio de
expressões práticas de sabedoria aplicada ao dia a dia de um jovem.
Contudo, na história de Salomão, Deus nos revela, ainda, que
a sabedoria não é redentora. Por mais sábio que seja o pecador, ele precisará
da redenção do Justo e Justificador prometido por Deus desde os dias de Adão e
Eva (Gn.3.15). Assim como a sabedoria é um dom gracioso de Deus, também a
redenção do pecador deve ser esperada somente do Senhor, como disse o profeta
Jonas: “Ao Senhor pertence a salvação”
(Jn.2.9). A sabedoria é dom de Deus, mas não é por meio dela que os pecadores
são salvos.
O sábio estrangeiro
Por maior que tenha sido em sua sabedoria, Salomão não foi o
único agraciado com essa bênção. Aproximadamente 370 anos depois, encontramos
Daniel, um descendente de Judá, transportado para o cativeiro da Babilônia,
junto a tantos outros judeus de seus dias. E apesar de haver muitos judeus,
Daniel recebeu singular destaque por causa da sabedoria que Deus lhe dera, a
fim de glorificar seu Santo NOME em terra estranha, no coração do cruel império
babilônico.
Dentre os sábios da antiguidade bíblica, Daniel é o único a
registrar que fora instruído conforme a erudição de sua época. Israel não era
uma nação isolada, o que podemos ver nas práticas cúlticas pagãs que estavam
sendo aderidas pelo povo antes do cativeiro babilônico. Logo, podemos pressupor
que houvesse certo intercâmbio cultural e intelectual. E até podemos afirmar
que as ideias filosóficas monoteístas de alguns filósofos gregos tenham sido
provenientes de certo conhecimento das Escrituras judaicas (1Rs.10), pois os
judeus estavam espalhados pelo mundo durante o período clássico grego (séc.VI a
IV a.C.). Além disso, o material literário de Israel não estava restrito à
Palavra de Deus. Conforme 1 Reis 4, Salomão
Compôs três mil provérbios, e foram os seus cânticos
mil e cinco. Discorreu sobre todas as plantas, desde o cedro que está no Líbano
até ao hissopo que brota do muro; também falou dos animais e das aves, dos
répteis e dos peixes. De todos os povos vinha gente a ouvir a sabedoria de
Salomão, e também enviados de todos os reis da terra que tinham ouvido da sua
sabedoria (1Rs.4.32-34).
No texto acima, podemos ver o interesse de Israel pela arte
da música e da poesia. Também, há o interesse pelo conhecimento biológico, pois
Salomão estudou e discorreu sobre plantas, mamíferos, aves, répteis e peixes.
Ou seja, Israel ganhou uma enciclopédia de biologia. Em certa medida, podemos
ainda mencionar os provérbios como textos que abordam tanto a moral quanto a
ética e filosofam sobre diversos assuntos da vida cotidiana. É possível que
houvessem outros livros que tratassem sobre aritmética, álgebra, geometria,
gramática de hebraico, história etc., pois a aplicação de tais conhecimentos
aparece nos livros da bíblia ao tratar sobre construção civil, leis civis e
análise literária (2Cr.3; Dt.17.8; 22.8; Sl.119; 1Cr.29.29; Ed.4.15). Portanto,
Israel possuía certo interesse no conhecimento geral. Não sabemos exatamente
que tipo de conhecimento Daniel teve, mas seu livro nos informa que ele estava
dentre os “jovens sem nenhum defeito, de
boa aparência, instruídos em toda a sabedoria, doutos em ciência, versados no
conhecimento e que fossem competentes para assistirem no palácio do rei e lhes
ensinasse a cultura e a língua dos caldeus” (Dn.1.4).
Como vimos em personagens anteriores, a sabedoria divina
aparece associada ao temor a Deus. Com Daniel não é diferente. Conforme o
primeiro capítulo, “resolveu Daniel,
firmemente, não contaminar-se com as finas iguarias do rei, nem com o vinho que
ele bebia” (Dn.1.8). O temor do Senhor é o princípio da sabedoria de Daniel
que encontra o agrado de Deus em suas decisões e é abençoado por Deus
(Dn.1.20). Daniel tomava decisões sábias por temor a Deus, de modo que a
sabedoria dele provém de Deus e serve ao propósito de glorificar a Deus.
Em Êxodo 31.3 e 35.31, Deus fala a Moisés que havia
escolhido alguns homens para cumprirem o propósito de construir o tabernáculo e
seus utensílios. Para isso, o Senhor diz que “o enchi do Espírito de Deus, de habilidade, de inteligência e de
conhecimento, em todo artifício” e, assim, “o Espírito de Deus o encheu de habilidade, inteligência e conhecimento
em todo artifício”. Conforme o texto, três capacidades foram dadas por Deus
àqueles homens: sabedoria, conhecimento, ciência (técnica). Conforme Daniel, Deus
também deu essas aptidões tanto para ele quanto para seus três amigos:
Hananias, Misael e Azarias (Dn.1.19), fazendo-os superar a todos os demais
jovens doutos: “Ora, a estes quatro
jovens Deus deu o conhecimento e a inteligência em toda cultura e sabedoria;
mas a Daniel deu inteligência de todas as visões e sonhos” (Dn.1.17).
Portanto, não somente a sabedoria provém de Deus, mas ainda a inteligência e a
habilidade. Por conseguinte, toda competência deve servir ao propósito de
glorificar a Deus, servindo ao Senhor no dia a dia nas relações sociais.
O livro de Daniel destaca o relacionamento do autor com o
Deus de Israel e o testemunho que ele e seus três amigos deram perante o
império Babilônico e Medo Persa. O principal dom de Daniel é a capacidade de
interpretar sonhos, presente no segundo capítulo do livro que nos conta como
Daniel interpretou o sonho de Nabucodonosor (Dn.2). Além desse evento, o
profeta Daniel interpreta outro sonho de Nabucodonosor, antes do imperador ser
humilhado por Deus (Dn.4); e, encontramos a interpretação dos dizeres escritos
na parede por uma mão (Dn.5). Por último, há o registro das visões
apocalípticas (Dn.7-12) que Deus revelara para Daniel que, sem a explicação do
anjo do Senhor, não teria conseguido compreender o que via (Dn.7.15). Os anjos
de Deus têm participação importante no livro, tanto nas revelações divinas
quanto nos momentos de apuros do povo de Deus, como instrumentos de Deus para
livrar Daniel e seus amigos. A despeito de tudo isso, a sabedoria de Daniel é
expressa no dia a dia, no saber agir frente aos desafios que lhe são
apresentados, de modo a glorificar a Deus em cada momento da vida no coração do
império babilônico.
A sabedoria para o cristão hoje
E hoje, qual deveria ser a relação do cristão (não somente
pastor) com a sabedoria? De modo algum devemos entender que a sabedoria é um
privilégio de alguns por causa do destaque de poucos personagens bíblicos. A
sabedoria é sim um dom divino, mas ela é apresentada pelos autores do Antigo
Testamento como dádiva graciosa de Deus para todo aquele que a procurar
(Pv.2.1-10), conforme nos diz a carta de Tiago:
Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a
Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á
concedida. 6 Peça-a, porém,
com fé, em nada duvidando; pois o que duvida é semelhante à onda do mar,
impelida e agitada pelo vento. 7
Não suponha esse homem que alcançará do Senhor alguma coisa; 8 homem de ânimo dobre,
inconstante em todos os seus caminhos. (Tg.1.5-8)
Conforme Tiago, a sabedoria é uma necessidade. Quem não tem
sabedoria precisa ter. Ela é uma necessidade para o viver cristão, não apenas
para as grandes coisas, mas, também, para o propósito de glorificar a Deus com
o cotidiano mais comum em casa e no trabalho, quando comprar e quando vender,
com os irmãos da igreja e com as pessoas do mundo. Como nos diz o apóstolo
Paulo: “quer comais, quer bebais ou
façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1Co.10.31).
A falta de sabedoria tem sido motivo de muitos problemas nas denominações de
hoje, inclusive juízos injustos e antibíblicos emitidos por causa de comidas e
bebidas (Tg.4.11-12), de forma que Deus não é glorificado entre aqueles que
professam seu Santo Nome.
Podemos ver a necessidade de se ter sabedoria quando o
apóstolo Paulo fala sobre diversas questões práticas com as igrejas em suas
cartas, sobretudo voltadas aos relacionamentos dos cristãos, tanto com os
irmãos da igreja quanto com as pessoas de fora. Em Romanos 12, ele fala sobre a
justiça divina quando somos maltratados; em Romanos 13, Paulo ensina os
cristãos a lidarem com a política; e, em Romanos 14, ele fala sobre questões
relacionadas a comida e bebida, pois o cristão não deve ser juiz do outro nem negligente
com a fraqueza alheia. Em 1 Coríntios, Paulo nos mostra a necessidade de
sabedoria para lidar com diversos assuntos do cotidiano dos irmãos, tais como:
diferenças de pensamentos sobre tradições; problemas conjugais entre cristãos e
quando um dos cônjuges não for cristão; as diferenças de dons e o uso deles nos
cultos ao Senhor; as diferenças culturais entre judeus e gentios etc. A Filemom
o apóstolo ensina a proceder para com um servo fujão que se converteu. E assim,
podemos ver que os ensinos bíblicos mostram aos cristãos a profunda necessidade
da sabedoria divina para tratar cada assunto de modo agradável ao Senhor.
Todos esses ensinos nos mostram a profunda necessidade que o
cristão tem da sabedoria divina. Mas, como consegui-la? Vimos que ela se
encontra de modo objetivo na Revelação divina que é a Palavra de Deus. E também
nos é dada subjetivamente quando a pedimos ao Senhor em nossas orações, pois o
Espírito Santo opera graciosamente em sua igreja, inclusive para que cada
cristão entenda e aplique corretamente a Escritura a sua vida. Portanto, o
cristão tem por obrigação buscar a sabedoria de Deus, a fim de saber proceder
de modo santo e agradável a Deus em seu dia a dia, perante o mundo. Para isso,
você precisará ler a Bíblia frequentemente e, também, orar ao Senhor
continuamente, pois a sabedoria que o cristão necessita encontra-se em Deus e
somente Ele pode dar a quem a procura.
[1] KONRAD, Hammann. Rudolf Bultmann: a
Biography. Salem: Polebridge Press, 2013.
[2] BULTMANN, Rudolf. Demitologização: Coletânea de ensaios.
São Leopoldo: Editora Sinodal, 1999.
[3]
Ibid. Crer e Compreender: Artigos
Selecionados. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1987.
[4]
TIMELINE BIBLEWORKS 7. Version 7.0.0012g, 2006.
[5]
WISEMAN, Donald J. 1 e 2 Reis: Introdução
e comentário. São Paulo: Vida Nova, 2006, p.28.
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