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quarta-feira, 31 de maio de 2023

O Deus-Homem (A tentação do Filho de Deus)

 


A seguir, foi Jesus levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo.” (Mt.4.1)


O ministério da Palavra de Deus é coisa muito séria. Podemos ver sua importância nas constantes e profundas lutas dos profetas e apóstolos por causa da pregação da Palavra divina. Também, podemos ver o grande valor desse ministério no longo preparo dos profetas e apóstolos. Conforme Isaías 49.1, Jeremias 1.5 e Gálatas 1.15, a preparação para o ministério profético e apostólico ocorria desde o nascimento daqueles que seriam oficialmente chamados no tempo determinado por Deus. Esse fenômeno não indica que Deus exija perfeição de pobres pecadores. Todavia, nos revela que Deus quer de cada um as características necessárias, e peculiares, para desempenhar bem o ministério da Palavra com fidelidade, coragem e excelência. E, assim como Jesus preparou seus discípulos, Deus providencia o preparo necessário para cada um de seus servos. Por essa razão, o apóstolo Paulo enumera as características necessárias para alguém ser presbítero/pastor da igreja (1Tm.3.1-7; Tt.1.5-11).

Diante disso, podemos imaginar o peso que Jesus carregava nos ombros por causa de seu ministério: o ministério da redenção. Toda sua vida constituiu-se em preparação para o exercício da obra que Ele viera fazer, pois cada detalhe de sua vida era fundamental. Diferente dos profetas e apóstolos, Jesus precisava ser, literalmente, perfeito em tudo: pensamentos, sentimentos, palavras e atitudes, a fim de ser capaz de assumir nosso lugar no banco de réus, dando-nos sua perfeita justiça. Ou seja, ainda que os evangelhos mantenham o foco sobre os três anos de ministério de Cristo, toda a vida de Jesus fez parte da grande obra que Ele viera realizar. O Filho de Deus deveria suportar a vida humana em um mundo que “jaz no maligno” (1Jo.5.19), mantendo-se incontaminável até sua ascensão aos céus (At.1.9).

Todas as fases da vida de Jesus foram adornadas pelo cuidado paterno de Deus. Podemos ver isso, nos poucos textos dos evangelhos que nos revelam algo da infância de Jesus. Em Mateus, os anjos do Senhor estavam a serviço de Cristo, para o livrar das ameaças a seu redor (Mt.2.13). Deus guardou seu Filho, guiando os pais (José e Maria) pelo caminho que deveriam seguir (Mt.2.13-23). Em Lucas, vemos Deus providenciando pessoas ao redor de José e Maria, para lhes falar sobre o menino Jesus, preparando o coração dos pais para o cuidado que deveriam ter com o Filho de Deus (Lc.2.8-38). Essas poucas manifestações de cuidado divino para com Cristo são suficientes para nos ensinar que Deus esteve todo tempo presente com seu Filho, para que Ele fosse sustentado, protegido e ensinado corretamente, atendendo ao necessário para seu crescimento saudável. Portanto, devemos considerar que de muito maior cuidado foi Jesus cercado por Deus, para que pudesse crescer em justiça e santidade, cheio de toda verdade, sem pecado algum.

Vale aqui um comentário aplicativo sobre o que já fora dito. Vimos a providência de Deus a respeito da vida daqueles que Ele chamou para exercer o ministério da Palavra, no passado. E mesmo que não haja mais profetas e apóstolos em nossos dias, pois a Escritura Sagrada fora concluída, a igreja continua sendo abençoada pelos dons daqueles que Deus chama para servir ao corpo de Cristo. Portanto, devemos aplicar o cuidado divino por seus filhos, também aos nossos dias. Todo cristão deve ser confortado com a certeza de que o Senhor providencia o preparo da vida de todo aquele que Ele mesmo deseja chamar para realizar a sua obra. Por isso, quando um cristão vai ao seminário, deve ir sob a orientação de que seu propósito não é unicamente estudar, mas se desenvolver integralmente para o bom desempenho do ministério pastoral. Além disso, todo cristão deve considerar que sua vida, com todos os pastos verdejantes e os vales sombrios (Sl.23), é alvo da grande providência de Deus para que sua “boa, agradável e perfeita vontade” (Rm.12.2) seja realizada “assim na terra como no céu” (Mt.6.10).

Conforme os evangelhos sinóticos, logo após seu batismo, Jesus foi ao deserto, movido pelo Espírito Santo, a fim de ser tentado pelo diabo. Talvez, a impressão que você tenha ao ler Mateus e Lucas é que a tentação se constituiu unicamente em três perguntas (Mt.4.1-11; Lc.4.1-13). Todavia, Marcos, com poucas palavras, vai mais profundo em descrever a alma da tentação, a imensa luta de Jesus contra Satanás: “E logo o Espírito o impeliu para o deserto, onde permaneceu quarenta dias, sendo tentado por Satanás; estava com as feras, mas os anjos o serviam” (Mc.1.12-13). Foram quarenta dias de intensa tentação de Satanás, uma verdadeira guerra entre o Filho de Deus e “as forças espirituais do mal” (Ef.6.12). Além da amplitude do momento da tentação que, na verdade, culminará no Getsêmani onde Jesus terá que aceitar o caminho da cruz (Mt.26.36-45), podemos dizer, também, que a tentação no deserto serve de parâmetro para que tenhamos a noção do quanto foi difícil para Cristo viver entre os pecadores sendo constantemente tentado pelo mundo e pelo diabo. 

Antes de seguirmos com a leitura e análise dos textos referentes à tentação, gostaríamos de trazer mais algumas aplicações práticas sobre o que fora dito até o momento. De início, devemos observar uma semelhança e uma diferença entre a vida de Jesus e a sua vida. A semelhança é que, assim como você, Jesus também teve uma vida difícil em que as tentações estavam constantemente a seu redor. Cristo sofreu a maldade do mundo todos os dias, foi perseguido por Satanás durante sua vida e estava sempre diante dos pecados dos pecadores de sua geração. Por estar no mundo como qualquer pessoa, Jesus sofreu os mesmos danos até ser crucificado. Esse fato deve encorajar os cristãos a perseverarem na jornada que Deus lhes propôs, sabendo que Jesus tem completa empatia, “pois, naquilo que Ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados” (Hb.2.18). Logo, se você precisa de ajuda para vencer os desafios e tentações da vida, recorra a Cristo na plena certeza de que Ele é empático para com aqueles que sofrem nesse mundo.

Da mesma forma como o Pai guardou a Jesus, impedindo todas as pessoas e demônios que lhe fizessem qualquer mal até o momento da crucificação (Lc.22.53), o Senhor, amorosamente, bondosamente e graciosamente, guarda seus filhos livrando-os de muitos males no decurso de suas vidas (Sl.23; Mt.6.13; Hb.13.5-6; 1Pe.5.7). E quando o mal alcança um cristão, este deve lembrar que também alcançou a Cristo, com um propósito abençoador inimaginável, pois nenhum dos homens daquela geração fazia qualquer ideia de que, na cruz do Calvário, Jesus estaria salvando sua igreja e tornando possível a restauração de toda a criação debaixo do pecado. Nesses momentos difíceis da vida, devemos lembrar a forma como José interpretou o agir de Deus em seu vale da sombra da morte: “Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida” (Gn.50.20).

Porém, há também uma imensurável diferença entre nós e Jesus. Cristo não precisava lutar contra o pecado, como todo cristão deve lutar bravamente na longa e difícil batalha da vida contra a carne (Gl.5.16-17). Jesus não tinha a natureza pecaminosa que herdamos de nossos pais. Ele nasceu da semente gerada pelo Espírito Santo (Lc.1.34-35), razão para ser chamado de último Adão (1Co.15.45). Cristo, assim como Adão, foi gerado por Deus sem pecado. É interessante notarmos que Lucas chama tanto Cristo como Adão de filho de Deus (Lc.1.35; 3.38), os únicos homens que nasceram sem pecado algum, sem qualquer inclinação para o mal. Logo, toda luta de Cristo contra as tentações eram lutas fora dele, não dentro dele. 

Todavia, com isso, não devemos diminuir, em hipótese alguma, o sofrimento de Cristo em sua luta contra as tentações. Os pecadores se acostumam com o pecado que faz parte de seu dia a dia. Por isso, as tentações não lhes são tão penosas. Maus pensamentos e sentimentos, más palavras e atitudes não incomodam os pecadores até que venhas as consequências. O mundo se acostumou com o pecado que, como parasita, se apropria de sua vida, incansavelmente. Porém, Cristo foi, é e sempre será completamente Santo. Logo, a simples cogitação da possibilidade de um só pequeno mau pensamento ou sentimento pecaminoso, por menor que fosse, seria um grande pesar para Ele. Portanto, seu sofrimento nesse mundo era constante. A ausência de pecado em sua alma não reduzia seu sofrimento na luta contra as tentações. Antes, sua pureza tornava a guerra ainda mais angustiante, pois Cristo não poderia cair em tentação como o primeiro Adão caiu.

Diante do explanado acima, devemos nos dirigir aos dois principais textos da tentação de Jesus: Mateus 4.1-11 e Lucas 22.39-46. No primeiro texto, Satanás aparece com o propósito de tentar o Filho de Deus. No segundo texto, Jesus vive um importante conflito: ir ou não para a cruz, a fim de sofrer toda a ira de Deus em lugar dos pecadores? Não devemos considerar que esses sejam os únicos textos em que Jesus é tentado, como havíamos dito anteriormente. Mas, ambos nos ajudam a entender melhor as lutas de Jesus durante sua vida entre os pecadores.


Mateus 4:1-11  A seguir, foi Jesus levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo.  2 E, depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites, teve fome.  3 Então, o tentador, aproximando-se, lhe disse: Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães.  4 Jesus, porém, respondeu: Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus.  5 Então, o diabo o levou à Cidade Santa, colocou-o sobre o pináculo do templo  6 e lhe disse: Se és Filho de Deus, atira-te abaixo, porque está escrito: Aos seus anjos ordenará a teu respeito que te guardem; e: Eles te susterão nas suas mãos, para não tropeçares nalguma pedra.  7 Respondeu-lhe Jesus: Também está escrito: Não tentarás o Senhor, teu Deus.  8 Levou-o ainda o diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles  9 e lhe disse: Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares.  10 Então, Jesus lhe ordenou: Retira-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a ele darás culto.  11 Com isto, o deixou o diabo, e eis que vieram anjos e o serviram.


A primeira observação importante sobre o texto de Mateus 4.1-11 encontra-se no fato de que o Espírito de Deus conduziu Jesus para o deserto com o propósito de ser tentado pelo diabo. Deus jamais tenta alguém, como nos diz Tiago: “Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta.” (Tg.1.13). Mas, o Senhor conduziu seu Filho para ser provado e aprovado, antes de começar seu ministério, assim como Davi foi conduzido pelo “vale da sombra da morte” (Sl.23.4) antes de se tornar o rei de Israel. Portanto, podemos dizer que o Pai confiou plenamente em seu Filho, tendo a plena certeza de que Ele venceria as tentações de Satanás. Caso contrário, o Senhor não entregaria seu Filho às tentações de Satanás. Podemos ver, então, que a relação da Trindade é de plena confiança. Mais à frente, Jesus diz que seu propósito era glorificar o Pai, assim como o Pai glorificaria o Filho: “Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que o Filho te glorifique a ti” (Jo.17.1). Essa é a relação eterna do Deus único e trino. 

De modo semelhante, Deus conhece nossas capacidades e limitações. Na oração dominical, Jesus nos ensinou a pedir “não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal” (Mt.6.13). Em uma tradução mais literal, Jesus nos ensinou a orar: “Não nos conduza para a tentação”. Essa petição nos remete ao texto de Mateus 4, quando o Espírito Santo conduziu o Filho de Deus para ser tentado pelo Diabo. Portanto, Jesus nos ensinou a orar reconhecendo nossas fraquezas, certos de que Deus aceitaria nossa humilde petição, pois Ele não nos deixa ser tentados além de nossas forças, como nos diz o apóstolo Paulo: “Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar” (1Co.10.13). O Filho de Deus era plenamente capaz de vencer Satanás, pois nascera sem pecado algum. Mas, nós, pecadores, devemos reconhecer humildemente nossas limitações e clamar diariamente pelo auxílio divino.

O texto de Mateus também nos mostra que Satanás desejava impedir Jesus de dar início a seu importante ministério, afinal o ministério de Cristo representava a chegada do Reino de Deus para os homens: “Se, porém, eu expulso demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós” (Mt.12.28). Podemos dizer, então, que a tentação foi uma significativa batalha entre Cristo e Satanás. E uma vez que Jesus venceu, seu Reino avançou invadindo o império das trevas, a fim de libertar os homens cativos (Cl.1.13). Caso Jesus fosse reprovado, o Reino de Deus teria perdido a batalha, e o Filho de Deus teria falhado, assim como o primeiro Adão fracassou no propósito de ser fiel ao Criador. Portanto, para Satanás era muito importante aquele confronto no deserto e, com certeza, ele investiu fortemente na batalha contra Cristo.

E mesmo sendo o Filho de Deus, Jesus também se preparou para a batalha, dando-nos a entender que Ele não subestimou as artimanhas de Satanás. Antes do confronto contra Satanás, Jesus jejuou quarenta dias e quarenta noites (Mt.4.2). Dois elementos importantes encontram-se nesse jejum. O primeiro deles é a presença da oração e da meditação na Palavra de Deus. Cristo passou quarenta dias dedicando-se à oração e à meditação nas Escrituras guardadas em seu coração. Todo jejum está relacionado à oração e à meditação, como nos diz o rei Davi: “eu afligia a minha alma com jejum e em oração me reclinava sobre o peito” (Sl.35.13) e o profeta Daniel: “Voltei o rosto ao Senhor Deus, para o buscar com oração e súplicas, com jejum, pano de saco e cinza” (Dn.9.3). Também, o próprio Jesus relaciona a oração ao Jejum, dizendo: “Esta casta não pode sair senão por meio de oração e jejum” (Mc.9.29). E enquanto todos esses personagens oravam, eles meditavam nas promessas divinas que estavam guardadas no coração, razão para orarem com plena convicção. Dessa forma, Jesus ensina a igreja a travar suas batalhas contra as forças espirituais do mal com muita oração e meditação na Palavra do Senhor, conforme o apóstolo Paulo ensinou à igreja de Éfeso (Ef.6.10-20).

Outra questão importante no jejum de quarenta dias de Jesus é sua associação ao profeta Moisés e ao profeta Elias. Desse modo, Jesus revela que Ele é o grande profeta que deveria vir ao mundo, conforme profetizou Moisés: “O SENHOR, teu Deus, te suscitará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, semelhante a mim; a ele ouvirás” (Dt.18.15). Assim como o Espírito de Deus estava sobre Moisés e Elias, também estava sobre Cristo, para manifestar ao mundo o poder das obras de Deus (Sl.111.6). Durante todo seu ministério, o Filho de Deus pregou e operou milagres pelo poder do Espírito divino. E toda sua vida foi conduzida conforme a vontade do Senhor manifesta tanto no mover do Espírito Santo quanto na Palavra de Deus (Mt.4.12-17). Portanto, já que o Filho de Deus viveu debaixo da direção da Palavra e do Espírito, toda a igreja de Cristo deve viver por meio da direção da Escritura Sagrada e do Espírito do Senhor (Jo.4.24), afinal a igreja é o corpo de Cristo.

Em Mateus e Lucas, a tentação é dividida em três momentos principais. Porém, os evangelistas dispuseram os três momentos em ordens diferentes, um do outro. Mateus organiza os eventos de modo a serem desenvolvidos geograficamente (deserto, Jerusalém, mundo gentílico), encontrando seu ápice na tentação do culto pagão. Tal disposição mostra o olhar de um judeu para o mundo. Lucas, o único autor gentio da Escritura Sagrada, coloca a adoração pagã em segundo lugar, enquanto Jerusalém com sua falsa confiança no Templo é a tentação final. Com certeza, podemos dizer que a ordem dos três momentos atende ao interesse teológico-literário especial de cada evangelista. Seguindo a ordem de Mateus, os três momentos de tentação são: 1) Satanás tenta Jesus em sua fraqueza circunstancial: a fome (Mt.4.3); 2) Satanás tenta Jesus procurando fragilizar sua relação com Deus, por meio de errada aplicação das promessas divinas (Mt.4.5-6); 3) Satanás tenta Jesus oferecendo as glórias aparentes de um mundo de riquezas, poder e prazer (Mt.4.8-9). Mesmo sendo postos em ordem diferente, os três momentos são exatamente iguais nos dois evangelistas. Contudo, Enquanto Mateus encerra com os anjos servindo a Cristo (Mt.4.11), Lucas termina o texto fazendo uma ponte com a crucificação (Lc.4.13), mostrando, assim, que os últimos dias de Jesus também foram de intensa tentação.

Os três momentos da tentação possuem relação com Gênesis 3, quando a serpente tentou Eva. Em Gênesis 3.1-6, a serpente faz uso de três argumentos, também. Primeiramente, a serpente sugeriu que Deus estava privando o homem e a mulher, dizendo: “Não comereis de toda árvore do jardim?” (Gn.3.1). Dessa forma, a serpente induziu Eva a desejar a liberdade de poder comer tudo o que quisesse. Em seguida, a serpente minou o relacionamento entre Eva e o Criador, dizendo que Deus estaria mentindo para eles (Gn.3.4). Nenhum relacionamento pode subsistir perfeitamente sem a confiança. Logo, a serpente queria que Eva desconfiasse das intenções de Deus por vetar a eles o fruto proibido (Gn.2.17). E, por último, a serpente induziu Eva a cobiçar a glória de Deus, almejando ser igual a Deus. Nisso, Eva estaria se associando a Satanás que, na tentação de Jesus, mostrou sua intenção de ser adorado como deus.

Adão e Eva não perceberam as artimanhas de Satanás e caíram na tentação, trazendo, assim, a morte para o mundo (Rm.5.12). Mas, um novo confronto se deu contra o Diabo. E dessa vez, Jesus, o Filho do Homem, Filho de Deus, estava pronto para vencer o inimigo, glorificando ao Senhor e mostrando para a humanidade que somente Deus tem o poder, em si mesmo, de se manter incontaminado de todo mal. Assim, a vitória de Cristo nos conforta, porque Ele venceu o inimigo por nós; a vitória de Cristo nos exorta, dizendo-nos que devemos estar preparados para as tentações do Diabo; e, a vitória de Cristo nos ensina que devemos confiar totalmente em Deus, o único capaz de conhecer o bem e o mal mantendo-se completamente Santo. No deserto, Jesus fez o que nenhum homem conseguiu fazer: vencer as tentações. E dessa forma, Cristo revelou-se a única esperança da humanidade, o Salvador do pecador.

Antes de encerrarmos esse capítulo, gostaríamos de analisar o segundo grande momento de tentação de Jesus:


Lucas 22:39-46  E, saindo, foi, como de costume, para o monte das Oliveiras; e os discípulos o acompanharam.  40 Chegando ao lugar escolhido, Jesus lhes disse: Orai, para que não entreis em tentação.  41 Ele, por sua vez, se afastou, cerca de um tiro de pedra, e, de joelhos, orava,  42 dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, e sim a tua.  43 Então, lhe apareceu um anjo do céu que o confortava.  44 E, estando em agonia, orava mais intensamente. E aconteceu que o seu suor se tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra.  45 Levantando-se da oração, foi ter com os discípulos, e os achou dormindo de tristeza,  46 e disse-lhes: Por que estais dormindo? Levantai-vos e orai, para que não entreis em tentação.


Nesse segundo momento de tentação, Satanás não aparece. A ausência de um aparente adversário nos leva a perguntar: Por que o momento foi tão difícil para Jesus? Contra quem Ele estava lutando, já que Jesus não possuía a natureza pecaminosa do homem? Para responder a essas questões, precisaremos recorrer às Palavras de Cristo, conforme relatadas pelo evangelista Marcos que nos apresenta uma informação esclarecedora, omitida por Mateus e Lucas: “o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca” (Mc.14.38). Talvez, à primeira vista, possa parecer que Jesus se referisse aos discípulos que estavam dormindo em vez de vigiando (Mc.14.37). Contudo, o contexto “espiritual” de Pedro, avisado que negaria Jesus três vezes, não permite tal leitura do texto. Cristo estava se referindo a si mesmo. Por toda sua vida, Jesus esteve em comunhão com o Pai. E durante todo seu ministério, Jesus andou humildemente com Deus (Mq.6.8). Portanto, o espírito estava realmente pronto. E mesmo que Ele estivesse pronto, encontrou na fraqueza da natureza humana um grande desafio.

Ainda que Jesus não tivesse a natureza pecaminosa, Ele vivenciou a fraqueza da natureza humana. No Getsêmani, Cristo tinha diante de si a dor física a que seria submetido; a tristeza em seu coração, pois seria abandonado por todos; a angústia de quem seria desamparado por Deus; e, o mais profundo sofrimento, pois sofreria a justa ira divina que seria derramada sobre Ele, em lugar dos pecadores. Todos os males seriam despejados sobre Jesus de uma só vez, a fim de satisfazer completamente a justiça divina, aplacando de uma vez por todas a Ira do Justo Juiz Todo-Poderoso. Frente a tamanha obra divina, Ele sentiu a fraqueza da natureza humana. Assim, Cristo estava diante da tentação de desistir da obra redentora, desistir do caminho da cruz. Portanto, no Getsêmani, a luta de Jesus é contra a fraqueza da natureza humana. 

Então, Cristo orou ao Pai três vezes as mesmas Palavras: “Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres” (Mt.26.39). A repetição das Palavras mostra a dimensão da agonia de Jesus. Conforme aparece no texto de Lucas, Jesus estaria em tamanha agonia que seus vasos sanguíneos foram rompidos, fazendo-o suar sangue (Lc.22.44). Sem entrarmos em discussões manuscritológicas, o texto de Lucas nos fala da dimensão do sofrimento de Cristo em sua alma, sofrendo a ira divina. E não devemos diminuir em nada a angústia de Jesus. Logo, ainda que a crucificação seja o ápice de seu sacrifício vicário, o sofrimento do Filho de Deus perpassou muito além da dor física. Ele sentiu o peso da ira divina em seu corpo, em seu coração, em sua mente, em sua alma. Tudo em Jesus estaria sofrendo a ira divina, a fim de satisfazê-la por completo. E em face a tudo isso, Cristo sentiu, na fraqueza da natureza humana, a tentação de desistir da obra redentora.

Podemos assim dizer, que Jesus sofreu algo semelhante às lutas do cristão contra a carne. Ele não tinha qualquer inclinação para o mal, mas sentiu o peso da fraqueza humana tentando-o a desobedecer a Deus. Por isso, o autor aos Hebreus conduz seus leitores a confiarem em Cristo (Hb.4.14-16), certos de que Jesus compreende perfeitamente nosso sofrimento decorrente da constante luta contra a carne. A empatia de Cristo é confortadora e motivadora, pois revela-nos que temos um Mediador, advogando em nosso favor à destra de Deus, disposto tanto a nos perdoar os pecados quanto a nos ajudar a vencer os desafios de um mundo que ainda “jaz no maligno” (1Jo.5.19). É como se ouvíssemos diariamente o Senhor Jesus dizer aos nossos ouvidos: Nunca desista! A carne é fraca, mas eu venci a carne, a fim de que você também possa vencê-la. Aquele que sofreu o mais profundo horror por nós (Is.53) está ao nosso lado para nos ajudar a passar pelos vales da sombra da morte. E essa é a certeza de que conseguiremos chegar ao outro lado.

O Getsêmani, portanto, revela a nós muitas verdades: A profunda dimensão do sofrimento final de Cristo; a seriedade e a amplitude da justiça divina; a realidade da fraqueza humana independente do pecado; a total fidelidade de Cristo ao Pai; a necessidade da natureza divina do Redentor; a obediência que Deus requer do homem etc. No Getsêmani, os pecadores são advertidos quanto ao perigo de continuarem vivendo no pecado, pois aqueles que não forem unidos a Cristo terão que sofrer a ira divina sobre si. Mas, quem poderia suportar tamanho sofrimento em sua alma? Então, é preciso crer em Cristo de todo o coração e lhe ser muito agradecido por tudo o que Ele fez por nós, certo de que nenhuma palavra ou atitude nossa será suficiente diante de tudo o que Jesus fez por nós.


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