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terça-feira, 15 de novembro de 2022

O Deus-Homem (A testemunha fiel)


 Ele confessou e não negou; confessou: Eu não sou o Cristo. [...] Respondeu-lhes João: Eu batizo com água; mas, no meio de vós, está quem vós não conheceis, o qual vem após mim, do qual não sou digno de desatar-lhe as correias das sandálias.” (Jo.1.20,26-27)


Repentinamente, surge uma voz forte e firme em meio ao deserto de Judá, dizendo: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (Mt.3.2). Assim, apareceu o último dos profetas veterotestamentários: João Batista, vestido “de pelos de camelo e um cinto de couro; a sua alimentação eram gafanhotos e mel silvestre” (Mt.3.4). Conforme o evangelista Mateus, João Batista confronta sua geração, sobretudo os líderes religiosos da época, desmascarando a hipocrisia religiosa de seus dias enquanto convocava as multidões a produzir “frutos dignos de arrependimento”, pois aquele “que não produz bom fruto é cortado e lançado ao fogo” (Mt.3.8,10). Mateus registra a aparição de João no deserto, pregando o arrependimento, testemunhando a glória de Cristo, batizando Jesus (Mt.3). As multidões iam até o profeta, mas ele as dirigia para Aquele que era mais poderoso do que ele, cujas sandálias não era digno de levar (Mt.3.11).

De forma bastante objetiva, Marcos segue a mesmo estrutura narrativa de Mateus, revelando-nos a aparição de “João Batista no deserto, pregando batismo de arrependimento para remissão de pecados.” (Mc.1.4); seguida de seu testemunho sobre Cristo e do batismo de Jesus. Lucas, todavia, é bem mais detalhista, contando-nos como fora o nascimento de João Batista e como isto se relaciona com o advento de Cristo. Nesse evangelho, Maria, mãe de Jesus, e Isabel, mãe de João Batista, aparecem como parentes e se encontram, possibilitando o primeiro contato do profeta com o Filho de Deus, quando as crianças ainda estavam dentro do ventre materno (Lc.1.39-45). Depois disso, João Batista aparecerá exercendo seu ministério (Lc.3.1-3). Lucas, registra detalhadamente o cenário político e religioso da época, situando o profeta no tempo e no espaço com precisão (Lc.3.1-2). Sua missão era tão importante que Jesus afirma: “entre os nascidos de mulher, ninguém é maior do que João” (Lc.7.28). Seu papel era conduzir os judeus para o Messias prometido, o Filho de Deus, preparando o povo para ver que Aquele homem simples, “manso e humilde de coração” (Mt.11.29), era o Salvador, “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo.1.29). Lucas registra detalhes práticos interessantes da pregação do profeta, mostrando-nos o exercício de seu ofício na recondução do povo de Deus (judeus) de volta para o Senhor, o Deus de Israel: 


Lucas 3:3-18  Ele percorreu toda a circunvizinhança do Jordão, pregando batismo de arrependimento para remissão de pecados,  4 conforme está escrito no livro das palavras do profeta Isaías: Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas.  5 Todo vale será aterrado, e nivelados todos os montes e outeiros; os caminhos tortuosos serão retificados, e os escabrosos, aplanados;  6 e toda carne verá a salvação de Deus.  7 Dizia ele, pois, às multidões que saíam para serem batizadas: Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura?  8 Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento e não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão; porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão.  9 E também já está posto o machado à raiz das árvores; toda árvore, pois, que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo.  10 Então, as multidões o interrogavam, dizendo: Que havemos, pois, de fazer?  11 Respondeu-lhes: Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo.  12 Foram também publicanos para serem batizados e perguntaram-lhe: Mestre, que havemos de fazer?  13 Respondeu-lhes: Não cobreis mais do que o estipulado.  14 Também soldados lhe perguntaram: E nós, que faremos? E ele lhes disse: A ninguém maltrateis, não deis denúncia falsa e contentai-vos com o vosso soldo.  15 Estando o povo na expectativa, e discorrendo todos no seu íntimo a respeito de João, se não seria ele, porventura, o próprio Cristo,  16 disse João a todos: Eu, na verdade, vos batizo com água, mas vem o que é mais poderoso do que eu, do qual não sou digno de desatar-lhe as correias das sandálias; ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo.  17 A sua pá, ele a tem na mão, para limpar completamente a sua eira e recolher o trigo no seu celeiro; porém queimará a palha em fogo inextinguível.  18 Assim, pois, com muitas outras exortações anunciava o evangelho ao povo


Diferente de Moisés, Elias e Eliseu, João Batista não realizou qualquer sinal extraordinário ou milagre. A ausência de sinais miraculosos é parte do propósito da vida daquele profeta: apontar somente para Cristo. Dessa forma, João Batista não chamaria a atenção para si, mas direcionaria os olhos de todos para o Filho de Deus. A vida de João Batista é o cumprimento da profecia de Isaías, o grande profeta messiânico, que anunciou largamente os dias de Jesus, a prometida esperança da redenção de Israel. Portanto, a chegada de João Batista transmitiu esperança para o povo, como precursor da vinda do Grande Rei, o Filho de Davi. Logo, seu nascimento, vida e ministério estão intimamente relacionados a Cristo, pois o propósito divino para João Batista era testemunhar o cumprimento das graciosas antigas promessas repletas de bênçãos para o povo do Senhor, com a chegada do Reino celestial, o Reino Messiânico. Podemos dizer que, mesmo sendo um profeta pregador anterior a Cristo, sua mensagem era cristocêntrica, pois o propósito de sua pregação era preparar o povo para o advento do Messias.

Sua missão não foi nada fácil. O profeta precursor deveria anunciar a Palavra de Deus confrontando sua geração, apontando pecados de todo o povo, a fim de que o Espírito Santo operasse nos corações, para que houvesse arrependimento e mudança de vida. E mesmo que não competisse a João Batista converter o coração dos pecadores, pesava sobre ele a grande probabilidade de desagradar a muitos do povo, que não estavam dispostos a ouvir falar de seus pecados. Esse mesmo dano foi sofrido pelos profetas anteriores, pois pregavam para gerações de coração endurecido. E pela mesma razão, Jesus exclamou às portas de Jerusalém: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir teus filhos como a galinha ajunta os do seu próprio ninho debaixo das asas, e vós não o quisestes!” (Mt.23.37; Lc.13.34).

O ministério de João Batista tinha um caráter urgente, pois o Messias já estava presente no mundo, sem ter se dado a conhecer a seu povo. Então, o profeta percorre “toda a circunvizinhança do Jordão”, indo atrás das pessoas para adverti-las que o Reino de Deus estava chegando e elas não estavam prontas para recebe-lo. É interessante ressaltarmos os caráteres missionário (não passivo) e gracioso da pregação. Deus envia seus profetas para irem até as pessoas, pois elas são incapazes de ir até Deus para ouvir aquilo que precisam da parte do Senhor. Portanto, pregar é indispensavelmente um comissionamento missionário, pois o profeta vai até o povo. Esse “ide” da pregação ocorre por causa do caráter graciosa do ministério da Palavra. Deus se compadece dos pecadores e manda seus ministros procura-las para que sejam advertidas a converter-se ao Senhor (Ez.3.16-21). Por isso, o evangelista João nos diz que “Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito para que todo o que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo.3.16).

O livro de Jonas é, provavelmente, a melhor expressão do caráter missionário e gracioso do ministério da pregação da Palavra de Deus. A grande cidade de Nínive vivia completamente alheia à Verdade e totalmente contrária à santidade de Deus que tudo criou para a sua glória. E, assim como “a medida da iniquidade dos amorreus” (Gn.15.16) chegaria ao limite, também Nínive conseguiu alcançar o limite por seus muitos pecados, atraindo sobre si o juízo divino. Todavia, Deus tinha planos diferentes para aquela cidade com “mais de cento e vinte mil pessoas” (Jn.4.11). O propósito divino de salvar a cidade de Nínive o fez enviar o profeta Jonas para pregar o iminente juízo de Deus sobre todos aqueles pecadores. Deus dá uma última chance para a cidade pecadora. Caso o profeta Jonas não fosse enviado, os cidadãos de Nínive não teriam tido a oportunidade de se arrependerem, pois não teriam sido confrontados pela Palavra de Deus.

A pregação do profeta Jonas expressa a grandeza das misericórdias de Deus para com os pecadores. O Senhor poderia ter destruído a cidade sem nem mesmo dar satisfações para as pessoas, pois o veredito divino seria verdadeiro, justo e puro (Sl.51.4). Todavia, como diz o profeta Ezequiel: “Tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva. Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos” (Ez.33.11). O comissionamento do profeta Jonas, a fim de pregar à cidade pecadora, manifesta em si mesmo a graça divina, pois qualquer que fosse o conteúdo da pregação expressaria um confronto direto ao pecador, avisando que o juízo divino era iminente, de modo a dar a todos os ouvintes uma última oportunidade para se arrependerem de seus pecados e buscarem misericórdia naquele que demonstrou sua bondade, enviando um profeta para avisá-los do juízo merecido. 

Considerando a forma impetuosa como João Batista pregava, a vida moral e espiritual da geração estava demasiadamente longe da Palavra de Deus. O profeta não foi brando em suas palavras. Antes, ele grita: “Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura?” (Lc.3.7). Podemos imaginar a miséria individual e social daqueles que eram chamados de povo de Deus. O reflexo dessa atmosfera sombria, na qual João pregava, encontra-se naqueles com os quais o Senhor Jesus, posteriormente, se relaciona. Era tão denso o nevoeiro que permeava o horizonte de Judá, que Cristo não suportou esconder seus sentimentos, então exclamou: “Ó geração incrédula e perversa! Até quando estarei convosco e vos sofrerei?” (Lc.9.41). Portanto, podemos deduzir quão difícil foi para João Batista ter que pregar para a sua geração, a fim de preparar o povo para o ministério de Cristo Jesus.

Todavia, não devemos pensar que os dias de João Batista fossem tão ruins quanto os dias do profeta Jeremias. Durante o período interbíblico (entre Malaquias e João Batista), Deus purificou Judá e Benjamin de seus principais pecados: o culto aos deuses pagãos e as injustiças sociais. O cativeiro da Babilônia foi o ponto de partida para a purificação nacional. E a partir do cativeiro, Deus trabalhou o coração do povo que fora tão humilhado e maltratado que se dispôs a ouvir os profetas enviados pelo Senhor. Espalhados por terras estranhas, os judeus precisaram preservar a identidade que estava centrada na Escritura Sagrada. Por isso, dedicaram-se a estimular a leitura e meditação na Palavra de Deus tanto publicamente quanto nos lares. Foi nesse período que as sinagogas se espalharam pelas cidades onde havia judeus, e se tornaram o centro da vida cúltica e pública do povo, importante instrumento para a preservação da identidade judaica.

Por meio da pregação da Palavra de Deus, João Batista estaria “aplanando” os corações (Lc.3.5). Esses corações eram como terrenos que precisavam ser preparados para receber Cristo. A figura desenhada pelo profeta Isaías (Is.40) nos faz pensar na imagem de um Rei cavalgando com sua procissão de soldados heróis de guerra, enquanto todos devem se curvar para receber o grande Rei que chega vitorioso de suas batalhas. João Batista anuncia a chegada do Rei dos reis e Senhor dos senhores e os corações deveriam estar prontos para recebe-lo. Essa preparação ocorreu por meio do quebrantamento proveniente do Espírito Santo e o arrependimento promovido pelo ouvir a Palavra do Senhor pregada pelo profeta.

A ausência de sinais extraordinários e milagres nos mostra que o coração do ministério profético sempre foi a pregação da Palavra de Deus. Evidentemente, enquanto a Escritura Sagrada estava sendo escrita, muitas dessas pregações compuseram a própria Escritura. Todavia, não podemos reduzir a pregação profética a novas revelações escriturísticas. Muitos profetas do Antigo e Novo Testamentos não deixaram uma só linha escrita como Revelação divina para nós, ainda que tenham proferido Palavra de Deus para sua respectiva geração. Ou seja, Deus falou bastante ao povo, mas nem tudo o que Ele falou quis que fosse revelado para nós. O papel profético é anunciar a Palavra de Deus e, por isso, a base das profecias era o Pentateuco. Os profetas clássicos que apontavam os pecados do povo de Israel e Judá, o faziam mostrando a quebra da Lei. Por essa razão, após acusarem o povo de quebrar a Lei, os profetas chamavam esse mesmo povo a retornar à Lei do Senhor, a fim de não serem castigados por Deus. E dentre todas as Leis prescritas por Deus, Jesus afirmou que duas delas era o coração da Palavra do Senhor:


Mateus 22:35-40  E um deles, intérprete da Lei, experimentando-o, lhe perguntou:  36 Mestre, qual é o grande mandamento na Lei?  37 Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento.  38 Este é o grande e primeiro mandamento.  39 O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.  40 Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas.


Podemos dizer que João Batista deveria conduzir sua geração ao amor, ensinando-os a aplicar os grandes mandamentos da Lei ao dia a dia, desde às questões mais simples e básicas da vida até às mais solenes e rituais, como nos conta Lucas: “Foram também publicanos para serem batizados e perguntaram-lhe: Mestre, que havemos de fazer? Respondeu-lhes: Não cobreis mais do que o estipulado. Também soldados lhe perguntaram: E nós, que faremos? E ele lhes disse: A ninguém maltrateis, não deis denúncia falsa e contentai-vos com o vosso soldo” (Lc.3.12-14). A incapacidade daquela geração de aplicar os dez mandamentos e os grandes mandamentos do amor ao cotidiano demonstra que, mesmo tendo todo o Antigo Testamento em mãos (nas sinagogas), não conseguiam entender o propósito de Deus para a vida de seu povo. Então, João Batista deveria mostrar ao povo que o amor era o fundamento necessário para se viver uma vida realmente consagrada a Deus e dedicada a ser bênção ao próximo.

A pregação de João Batista era bastante prática. Esse modelo homilético também pode ser encontrado na tradição rabínica que, naqueles dias, se tornou uma pedra de tropeço para os judeus (Mt.15.1-20). Parece-nos que o profeta não tem o propósito de mostrar a correta interpretação da Escritura, mas a correta aplicação dela. Portanto, as pregações de João Batista eram bastante práticas, indo de encontro ao âmago do problema de sua geração: a falta de piedade, decorrente da ausência de comunhão com Deus. Contudo, João Batista também apresenta a relação entre as profecias do Antigo Testamento e seu cumprimento em seus dias, interpretando os textos para seus ouvintes:


João 1:19-23  Este foi o testemunho de João, quando os judeus lhe enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para lhe perguntarem: Quem és tu?  20 Ele confessou e não negou; confessou: Eu não sou o Cristo.  21 Então, lhe perguntaram: Quem és, pois? És tu Elias? Ele disse: Não sou. És tu o profeta? Respondeu: Não.  22 Disseram-lhe, pois: Declara-nos quem és, para que demos resposta àqueles que nos enviaram; que dizes a respeito de ti mesmo?  23 Então, ele respondeu: Eu sou a voz do que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor, como disse o profeta Isaías


As pregações do profeta são bastante claras e objetivas, exatamente em acordo com a capacidade de seu público e principal necessidade do povo: uma vida prática com seu Deus. Nesse requisito, João Batista e Jesus diferem significativamente. Jesus falava por parábolas exigindo, de seu público, a capacidade de interpretar a relação entre as figuras terrenas e a realidade celestial. João Batista aplicava a Escritura à realidade de cada pessoa, explicando como colocar em prática a vontade de Deus, de modo bastante simples. Quem não conseguisse colocar em prática as pregações claras e objetivas de João Batista jamais conseguiria entender e aplicar os ensinamentos de Jesus à própria vida. João Batista oferecia uma importante preparação para os dias do ministério de Cristo, como a alfabetização de uma criança é necessária para seu estudo de interpretação de textos. 

A pregação de João Batista demonstra que o profeta tinha um conhecimento certo de quem era seu público. Ele estava falando para seu povo, com o qual conviveu por muitos anos até se retirar para o deserto onde exerceria o ministério profético (Mt.3.1). João Batista havia refletido durante anos sobre a presença do pecado na natureza humana; sobre a santidade de Deus e de seu Reino eterno; sobre a relação entre a fé e as obras, evidenciando o verdadeiro arrependimento para a vida eterna; sobre o justo juízo final. Ele sabia bem com quem estava lidando, de modo quem nem mesmo a falsa aparência de piedade dos escribas e fariseus iludiam o profeta: “Vendo ele, porém, que muitos fariseus e saduceus vinham ao batismo, disse-lhes: Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura? Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento; e não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão; porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão” (Mt.3.7-9). 

O orgulho nacional dos judeus não contaminou a pregação de João Batista. O juízo de Deus sobre muitos israelitas do Antigo Testamento, em diversas gerações, principalmente o cativeiro da Babilônia, nos ensina que o Senhor fazia distinção entre a relação carnal e a relação espiritual de cada israelita com Abraão, o pai da nação. O profeta Jeremias havia falado contra os falsos profetas, contra os sacerdotes ambiciosos e contra os maus reis de seus dias. O status social e religioso, e a relação física e ritual com os pais da nação não foram capazes de livrar os judeus do castigo divino e, assim, ninguém foi poupado quando os Caldeus atacaram Judá e queimaram Jerusalém. Nem mesmo a circuncisão deveria substituir a relação prática com Deus, pois o grande mandamento da Lei é: “Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR. Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força.” (Dt.6.4-5).

João Batista aplica, à realidade de seus dias, as verdades proferidas pelos profetas veterotestamentários. Sua geração estava presa a meras aparências (Lc.17.20; Jo.7.24), ao status religioso de líderes do povo (Mt.23), às regras e tradições que substituíam a verdadeira piedade bíblica (Mt.15). Desse modo, a religião judaica se tornou estéril, como advertiu o Senhor Jesus:


Mateus 5:13-16  Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens.  14 Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte;  15 nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa.  16 Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus.


De acordo com a pregação de João Batista, os judeus de seus dias não eram menos pagãos do que os gentios a quem eles desprezavam. Por isso, ele pergunta: “quem vos induziu a fugir da ira vindoura?” (Mt.3.7; Lc.3.7). A chegada do Messias inauguraria os últimos dias da história redentora. Para o povo de Deus, esses dias deveriam ser de glória e alegria, pois o Messias reinaria absoluto sobre toda a Terra e seu povo seria posto por cabeça sobre todas as nações (Sl.2). Todavia, João Batista adverte que os judeus eram tão dignos do juízo divino quanto os gentios que não conheciam a Deus. O status de israelitas, ou mesmo de hebreus de hebreus, não era suficiente para livra-los da condenação eterna. Deus os julgaria a partir do coração, onde o amor a Deus deveria estar realmente presente. Por isso, ainda diz Cristo às multidões:


Mateus 7:21-23  Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.  22 Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres?  23 Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade.


Podemos ver, então, que as homilias de João Batista e Jesus estavam em plena consonância, ainda que diferenciassem em estilo, profundidade e amplitude. Ambos anunciaram que o Reino de Deus é prático e cotidiano, presente no coração daqueles que se achegavam a Deus por verdadeira fé, profundo amor e ardente esperança eterna, demonstrando em uma vida piedosa diária sua relação com o Pai, o Deus bendito eternamente. Desse modo, João Batista antecipa a Verdade de que a salvação divina se daria por meio da fé, confirmada em frutos de justiça; e nisso não haveria acepção de pessoas, assim como o juízo divino também seria sem acepção alguma. 


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