“Porque este é o referido por intermédio do profeta Isaías: Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas” (Mt.3.3)
Ele nasceu para cumprir uma única missão: preparar os judeus para a chegada do Messias prometido, conduzindo-os ao Filho de Deus. Seu chamado ao ministério profético é anterior ao nascimento e o enchimento com o Espírito Santo ocorreu desde o ventre de sua mãe. Ele fora destinado a ser o último dos profetas veterotestamentários, aquele que prepararia a transição entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento. Fora-lhe destinada uma vida muito simples, mas repleta da alegria do Espírito de Deus (Jo.3.29). Antes mesmo de sua concepção, sua história fora revelada aos pais que deveriam prepara-lo para cumprir seu propósito divino. Deus estava trazendo à existência um homem, a fim de que o Filho Eterno fosse anunciado aos judeus e recebido por todos como o Messias que fora prometido desde o início da criação:
Lucas 1:13-17 Disse-lhe, porém, o anjo: Zacarias, não temas, porque a tua oração foi ouvida; e Isabel, tua mulher, te dará à luz um filho, a quem darás o nome de João. 14 Em ti haverá prazer e alegria, e muitos se regozijarão com o seu nascimento. 15 Pois ele será grande diante do Senhor, não beberá vinho nem bebida forte e será cheio do Espírito Santo, já do ventre materno. 16 E converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor, seu Deus. 17 E irá adiante do Senhor no espírito e poder de Elias, para converter o coração dos pais aos filhos, converter os desobedientes à prudência dos justos e habilitar para o Senhor um povo preparado
Conforme o texto do evangelista Lucas, Deus determinou toda a vida de João Batista: 1) O nome dele foi escolhido por Deus; 2) ele seria destinado a alegria da família e de muitos outros; 3) não beberia vinho nem bebida forte; 4) seria cheio do Espírito Santo desde o ventre materno; 5) converteria muitos dos filhos de Israel por meio da pregação da Palavra de Deus; 6) seria semelhante ao profeta Elias no exercício de seu ministério; 7) prepararia o povo para a chegada do Messias, apontando para Cristo. Tudo isso, que o anjo anunciara para Zacarias, se cumpriria cabalmente. Uma vez que Deus disse o que iria acontecer, então aquilo teria que acontecer. Caso contrário, Deus estaria mentindo ou não seria capaz de realizar sua vontade. Portanto, a Palavra do Senhor proferida pelo anjo revelava a vontade decretada por Deus sobre a vida de João Batista, e ninguém seria capaz de mudar aquilo que Deus havia determinado.
O planejamento divino da vida de João Batista, anterior a seu nascimento, deve suscitar, no leitor, algumas questões importantes: João Batista conseguiria “frustrar” os planos do Senhor? João Batista nasceria com todas as características necessárias para o desempenho de sua missão? Interferências externas poderiam “atrapalhar” os planos de Deus para a vida de João Batista? E se alguém oferecesse vinho para João Batista, ele beberia? O que seriam dos desejos e sonhos de um homem comum pecador (Tg.5.17)? Ele não teria vontade de amar uma mulher? As vontades de João Batista seriam anuladas? Ele seria uma espécie de “robô” ou “marionete”? Essas e outras perguntas mostram que o plano de Deus para a vida de uma pessoa não é algo simples e exige um completo acompanhamento divino, a fim de garantir que tudo ocorra conforme o planejado. Portanto, dizer que Deus tem um plano para alguém significa afirmar que o Senhor acompanhará todo o processo, garantindo que sua vontade boa, perfeita e agradável seja realizada plenamente. Essa certeza é imensurável conforto para a vida daqueles que confiam no Senhor, pois comunica a verdade de que Deus estará presente em toda a vida de seus filhos, cuidando dos detalhes para que tudo ocorra conforme o planejado.
O encontro do anjo do Senhor com Zacarias fala profundamente ao nosso coração, dizendo: o Criador tem um plano e o Filho de Deus é o centro desse desígnio, mas, para executar esse projeto, Deus usará seus servos, garantindo, por seu grande poder (Is.43.13), que tudo ocorra conforme o planejado. Então, todos se alegrarão com os frutos desse grandioso plano divino que visa a glória do Criador, no qual os filhos de Deus serão felizes eternamente, em Cristo Jesus (Is.53.11-12; Ap.21-22). É verdade que Deus não costuma enviar seus anjos para nos dizer quais os seus planos para nossas vidas. Todavia, as poucas vezes em que Deus fez isso no decurso da história redentora, e nos revelou em sua Palavra, devem ser aplicadas à vida de cada cristão para confortar o coração de toda a igreja, na certeza de que o Criador nos ama pessoalmente e nos chama pelo nome (Ex.33.17; Mt.25.40; Lc.15.4-7; Ap.2.13; 3.8). O Senhor tem um plano para a vida de cada um de seus filhos (Jo.21.22; At.13.2; Ap.6.11), conforme disse Davi, maravilhado: “Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda” (Sl.139.16).
Com certeza, os pais de João Batista foram instrumentos diretos de Deus para prepararem aquele que seria o último dos profetas do Antigo Testamento. O Senhor havia preparado eles para aquela missão, mesmo que não soubessem. Eles conheciam bem a Palavra de Deus e estavam cientes da importância do papel familiar em Israel. Portanto, podemos dizer que eles estavam prontos para educar uma criança no caminho do Senhor, ensinando toda a Palavra de Deus ao filho, conforme ordenara a Deuteronômio 6.4-7:
Deuteronômio 6:4-7 Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR. 5 Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força. 6 Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; 7 tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te
Em um determinado momento, Deus decidiu que Zacarias e Isabel deveriam estar cientes do específico propósito divino para a vida do filho deles. As instruções que o anjo do Senhor transmite para Zacarias quando este entrara “no santuário do Senhor para queimar o incenso” (Lc.1.9) tinham o propósito de torna-los personagens ativos no plano de Deus (Lc.1.13-17). O anjo do Senhor não estava apenas avisando que um filho nasceria. O mensageiro de Deus estava preparando os pais da criança para os cuidados especiais que deveriam ter com ela.
Zacarias e Isabel “eram justos diante de Deus, vivendo irrepreensivelmente em todos os preceitos e mandamentos do Senhor” (Lc.1.6). Eles receberam o privilégio de saber exatamente quem seria o filho, bem como o propósito divino para a vida dele. O Senhor providenciou a família certa para João Batista. Através da palavra do anjo, Deus despertou o coração do casal que há tanto tempo desejava ter um descendente. Por meio da revelação, o senso de responsabilidade para com a criação de um filho fora ampliado na mente-coração do casal bem-aventurado. Zacarias era sacerdote, um homem conhecedor da Palavra de Deus. Seu conhecimento foi muito importante para a educação de João Batista, a fim de prepara-lo com excelência para o ministério profético. Assim, antes mesmo de anunciar o nascimento da criança, Deus já estava providenciando tudo o que fosse necessário para o cumprimento de sua vontade.
Dessa forma, podemos ver como a vontade preceptiva (revelada) e a vontade decretiva (secreta) do Senhor caminham harmonicamente. A vontade preceptiva é a revelação dos mandamentos de Deus. Ou seja, tudo o que Deus ordenou para nós, a fim de vivermos de modo santo, justo e bom é a vontade revelada (ordenada). Encontramos essa vontade na Sagrada Escritura, principalmente em forma de mandamentos, tais como em Êxodo 20.1-17; Mateus 5-7; Ef.4-6 etc. Na Palavra de Deus, somos ensinados (e ordenados) sobre as virtudes, os papeis sociais, os deveres familiares e tudo o que diz respeito ao culto. A revelação da vontade de Deus para nós, estende-se a todo ser humano, mas é direcionada especialmente para a igreja de Jesus, pois ela foi posta na sociedade para ser o Sal da terra e a luz do mundo (Mt.6.13-16). A obrigação de todo cristão é conhecer a vontade preceptiva de Deus e se esforçar para cumpri-la em seu dia a dia, testemunhando a santidade do Senhor: “Tu ordenaste os teus mandamentos, para que os cumpramos à risca” (Sl.119.4).
Já a vontade decretiva de Deus é aquilo que Ele planejou realizar em toda a história. Alguns desses planos divinos são revelados para nós e podemos encontra-los na Escritura Sagrada. Todavia, os desígnios de Deus para a vida de cada Cristão, normalmente, não são revelados para nós. A Palavra de Deus nos revela tudo o que precisamos saber para descansar o coração no Senhor, mas a Bíblia não nos conta tudo o que irá acontecer na história humana, muito menos em nossas vidas particulares. Pela revelação de Deus, sabemos que Jesus voltará e que Ele trará um novo céu e uma nova terra (Mt.25.31-46; Ap.21-22). Também, somos confortados com a promessa de que o Senhor cuida de seu povo, “porque Ele tem dito: De maneira alguma te deixarei nunca jamais te abandonarei” (Hb.13.5). De modo semelhante, Zacarias e Isabel conheciam a vontade preceptiva do Senhor sobre suas responsabilidades diante de Deus e perante a sociedade. Mas, eles só vieram a conhecer a vontade decretiva do Senhor quando o anjo de Deus fora enviado para lhes anunciar o nascimento de João Batista. O momento da revelação angelical mostrou para eles (e para nós) como tudo o que o Senhor ordena está em acordo com aquilo que Ele faz, e tudo o que Deus faz está em acordo com o que Ele nos ordena, pois Deus é santíssimo em todos os seus atributos. Zacarias e Isabel estavam prontos para cumprir o papel de pais de João Batista, porque andavam na Palavra do Senhor (Lc.1.6). E esta era exatamente a vontade divina que, no devido tempo, fora revelada para o casal temente a Deus.
Podemos resumir as verdades acima em uma única palavra: Predestinação. Deus destina pessoas para uma vida conforme sua boa, agradável e perfeita vontade (Rm.12.2), antes mesmo que elas nasçam. Podemos ver esse mesmo fenômeno ocorrer na história de Moisés, ainda que não haja menção explícita sobre o plano divino para o personagem. Mesmo sem dizer, o livro de Êxodo nos conduz à noção de que Moisés nasceu com um propósito (Gn.15.14; 50.24). Por isso, Deus o livrou da morte quando ainda era um bebê e o fez filho adotivo da filha de Faraó (Ex.2.1-10). Tudo estava acontecendo conforme a vontade do Senhor para que se cumprisse a promessa feita a Abraão: “Sabe, com certeza, que a tua posteridade será peregrina em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos. Mas também eu julgarei a gente a que têm de sujeitar-se; e depois sairão com grandes riquezas” (Gn.15.13-14). Não é coincidência que a vida de Moisés seja dividida exatamente em três períodos de 40 anos (At.7.23,30,36): 1) como filho da filha de Faraó (Ex.2.10); 2) como genro de um sacerdote da terra de Midiã (Ex.2.16,21); 3) como líder do povo de Israel (Dt.34.7-12). Cada etapa da vida de Moisés teve um propósito importante para que o libertador de Israel estivesse preparado para conduzir, pelo deserto, o difícil povo que saiu do Egito e, ainda, organizar o Estado de Israel através da confecção de sua constituição: Leis morais, religiosas e civis.
Moisés não planejou nenhuma das etapas de sua vida: Ele não escolheu viver como filho da filha de Faraó (Ex.2.1-14), mas, com certeza, se regalou com os privilégios e aprendeu muito sobre governo e leis; ele não planejou viver na terra de Midiã como genro de um sacerdote (Ex.2.15-22), mas, com certeza, se alegrou em fazer parte daquela família e aprendeu muito sobre o ofício sacerdotal; ele não queria ser o libertador de Israel (Ex.4.13), muito menos como líder de uma nação de coração duro (Nm.11.11-12), mas, com certeza, reconheceu o privilégio que era servir “o Deus vivo e verdadeiro” (1Ts.1.9) e ver “a salvação do nosso Deus” (Sl.98.3), sendo instrumento para a libertação e condução do povo. Quando Moisés tentou resistir à vontade divina, não lhe foi dado o direito a escolha: “Ele, porém, respondeu: Ah! Senhor! Envia aquele que hás de enviar, menos a mim. Então, se acendeu a ira do SENHOR contra Moisés” (Ex.4.13-14). Moisés deveria cumprir o papel que lhe fora designado por Deus, querendo ou não querendo, e, no final de sua vida, ele louvou ao Senhor por todos os grandiosos feitos que testemunhara no decurso de sua vida (Dt.32).
Muito tempo depois, encontramos o profeta Jonas passando por semelhante situação, quando tentou fugir da missão de pregar a Nínive. Ainda que Jonas pudesse ter almejado ser profeta, o que nem sempre acontecia, ele aprendeu com a prática que o cumprimento do papel profético não era algo fácil. Jonas deveria pregar onde Deus mandasse, não onde ele quisesse. Vemos isso em seu livro onde o profeta nos conta como Deus o obrigou a pregar a Palavra para uma nação indesejada dos judeus. Deus queria salvar Nínive, caso contrário não enviaria o profeta para pregar; e o profeta havia percebido o propósito divino. Por isso, Jonas tentou fugir para não obedecer a ordem divina. Jonas conhecia a vontade preceptiva do Senhor: “Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive e clama contra ela, porque a sua malícia subiu até mim” (Jn.1.2). O profeta também imaginava qual era a vontade decretiva de Deus: a salvação da grande cidade de Nínive. Mesmo assim, ele tentou fugir, ignorando que Deus poderia obriga-lo a retornar para o caminho em direção à grande cidade pecadora (Jn.1-2; 3.1-4). A história dos heróis bíblicos do passado nos ensina que Deus jamais é frustrado em seus planos, pois ninguém pode resistir à sua vontade (2Cr.20.6).
A história fica mais interessante ao nos mostrar que a desobediência de Jonas cumpriu o gracioso propósito de Deus de salvar um grupo de marinheiros. Esse fenômeno nos lembra as palavras do apóstolo Paulo: “Ora, se a transgressão deles redundou em riqueza para o mundo, e o seu abatimento, em riqueza para os gentios, quanto mais a sua plenitude!” (Rm.11.12). Em sua desobediência, Jonas entra em um barco para fugir para Társis (Jn.1.3). Sua insubordinação o colocou diante de um grupo de marinheiros idólatras. Então, o Senhor envia uma terrível tempestade, a fim de obrigar o profeta a voltar para o caminho de Nínive. As intervenções divinas apontam o propósito de Deus de se fazer conhecido para aquelas pessoas. Quando Deus se manifesta aos homens é porque pretende revelar sua graça e glória para eles. Diante da tempestade, os marinheiros ficaram extremamente perturbados e, na tentativa de descobrir a causa de tudo aquilo, chegaram a Jonas que lhes relatou sua história, sua confissão de fé e o que seria necessário para dar fim à tempestade (Jn.1.7-12). O testemunho do profeta fora confirmado pela manifestação do poder de Deus sobre a tempestade, aquietando-a imediatamente (Jn.1.14-16). A fuga do profeta para Társis (causa secundária) e a pregação do profeta aos marinheiros daquele barco (causa primária) foram administradas com poder e sabedoria pelo Senhor, até alcançarem o propósito divino de salvar quem Ele queria (os marinheiros). Deus jamais aprovará ou se agradará da desobediência de alguém, mas Ele é poderoso para cumprir seus propósitos mesmo através da desobediência de um pecador, como nos disse José ao meditar em sua própria história:
Gênesis 45:7-8 Deus me enviou adiante de vós, para conservar vossa sucessão na terra e para vos preservar a vida por um grande livramento. 8 Assim, não fostes vós que me enviastes para cá, e sim Deus, que me pôs por pai de Faraó, e senhor de toda a sua casa, e como governador em toda a terra do Egito
Gênesis 50:19-20 Respondeu-lhes José: Não temais; acaso, estou eu em lugar de Deus? 20 Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida
Todavia, a predestinação não anula a vontade do coração do homem, ainda que nem sempre a satisfaça. Tanto Moisés quanto Jonas (e todos os demais personagens da Bíblia) continuaram tendo vontade, até mesmo contrária ao querer de Deus (conforme vemos em suas respectivas histórias) ainda que nem sempre Deus lhes permitisse fazer a própria vontade. Em alguns casos Deus os convenceu com sinais, como ocorreu com Gideão que não se sentia seguro em lutar contra 135 mil midianitas, tendo apenas 300 homens consigo (Jz.7.10-15). Outras vezes, a Palavra divina aqueceu o coração pelo operar do Espírito Santo, conforme ocorreu com Davi no dia em que intentou construir um Templo ao Senhor (2Sm.7). E quando palavras e sinais não eram suficientes, Deus manifestava sua autoridade e poder (suficientes para que fosse obedecido), simplesmente ordenando-lhes (Ex.4.13-17), conforme o chamado de Moisés. Encontramos ainda aqueles que demonstraram uma disposição voluntária para realizar o querer do Senhor, como nos é revelado no chamado do profeta Isaías: “Depois disto, ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Disse eu: eis-me aqui, envia-me a mim” (Is.6.8).
Esse esforço para convencer os homens mostra que Deus não viola a vontade humana, transformando o ser humano em robô ou marionete. Quando os homens são obrigados a obedecer a Deus, o fazem por temor (ou medo), de modo que eles mesmos subjugam a própria vontade que é contrária a Deus para que não sejam castigados pelo Senhor (como fez Moisés). Logo, a vontade do homem permanece presente, mas não é capaz de impedir a vontade divina. Deus manifesta sua soberania, poder e sabedoria realizando sempre a sua vontade a despeito de todas as causas contingentes (possíveis, duvidosas, não necessárias), mas o homem continua inclinado às suas próprias vontades. Esse paralelo de vontades (Deus / homem) pode ser visto com maior limpidez na vida cristã, uma vez que o pecador regenerado, pela presença do Espírito Santo em sua vida, ainda luta contra a vontade pecaminosa de seu coração: “Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer” (Gl.5.17).
Façamos uma analogia com a família. Cada pessoa de uma família possui vontade própria. Até mesmo uma criança recém-nascida possui vontade e quer satisfazê-la. Por isso, ela chora quando está com fome, e sendo incapaz de dominar a fome ela se desespera para satisfazê-la. A dor da fome domina a vontade da criança. Após conhecer melhor os gostos dos alimentos, a criança fará escolhas independentemente da fome, pois ela escolherá aquilo que for mais agradável a seu paladar. Desse modo, cada membro da família possui vontade própria. Contudo, também é verdade dizermos que nem sempre a vontade de cada pessoa deve ser satisfeita. Caso a família pretenda comer fora, é possível que haja discordância na escolha do local, tendo em vista a preferência de cada um por uma comida específica. Então, a família precisará ser convencida a escolher algo que seja bom para todos. O marido e pai que planejou levar a família para comer fora, conduzirá todo o momento sem, contudo, violar a vontade de cada um. Aqueles que forem convencidos não deixarão de ter sua vontade particular, mas aceitarão a vontade do líder da casa. E aqueles que não quiseram aceitar a necessidade comum, precisaram ser forçados pela autoridade do cabeça da família, pois é necessário decidir o que é melhor para o momento em família. Todavia, nenhuma vontade é violada.
Podemos dizer que Deus opera em nós de ambas as formas. Muitas vezes ele nos conduzirá a desejar a vontade divina por meio do operar do Espírito Santo e da Palavra de Deus no coração de seus filhos. Em outros momentos, Ele poderá simplesmente nos ordenar a fazer o que é certo, mesmo que não queiramos. Deus também pode nos conduzir por caminhos e situações que nos induzirão à vontade divina. Em tudo isso, Deus não anula nossa vontade, mas opera em nós de tal modo que nossa vontade e escolhas se conformem ao querer do Senhor. Outras vezes, Ele nos entregará às nossas próprias vontades para cumprir um propósito maior mais à frente, como ocorreu com Sansão (Jz.14.1-4). Deus tanto pode falar ao nosso coração quanto pode usar os meios secundários para nos direcionar. E sem anular nossa vontade, Deus realiza seu querer soberano em toda a história humana, como aconteceu com Faraó (Ex.4.21) e como foi com Acabe, rei de Israel (1Rs.22.1-40). Podemos dizer que tanto faraó quanto Acabe agiram em acordo com a própria vontade que era má, ainda que tenham sido induzidos, também: “Então, saiu um espírito, e se apresentou diante do SENHOR, e disse: Eu o enganarei. Perguntou-lhe o SENHOR: Com quê? Respondeu ele: Sairei e serei espírito mentiroso na boca de todos os seus profetas. Disse o SENHOR: Tu o enganarás e ainda prevalecerás; sai e faze-o assim.” (1Rs.22.21-22).
Há três personagens bíblicos que falam a respeito de seu chamado ao ministério como algo designado desde o ventre materno: Isaías, Jeremias e Paulo. Sem que eles soubessem, Deus os havia destinado para cumprir uma missão que envolveria a vida inteira. Até que, um dia, o Senhor os chamara, revelando-lhes seus planos para a vida deles. Deus é a causa primária (primeira) que garante a concretização de sua vontade e os homens escolhidos por Ele são a causa secundária (segunda) concorrendo para a satisfação da vontade divina. Eles não eram “marionetes” nem “robôs”, mas com a eterna sabedoria de Deus, foram conduzidos pouco a pouco ao cumprimento da vontade divina: “Se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois sobre mim pesa essa obrigação; porque ai de mim se não pregar o evangelho! Se o faço de livre vontade, tenho galardão; mas, se constrangido, é, então, a responsabilidade de despenseiro que me está confiada.” (1Co.9.16-17).
ISAÍAS: “O SENHOR me chamou desde o meu nascimento, desde o ventre de minha mãe fez menção do meu nome” (Is.49.1).
JEREMIAS: “Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te constituí profeta às nações” (Jr.1.5).
PAULO: “Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios” (Gl.1.15-16).
Com outras palavras, o evangelista Lucas nos diz que João Batista também fora destinado ao ministério profético antes de seu nascimento. Sua vida cumpriria a vontade de Deus, sem que a vontade do profeta fosse anulada. Deus administraria tudo para que a vontade divina e a vontade humana caminhassem harmonicamente concorrendo para o cumprimento das profecias. Conforme nos disse o apóstolo Paulo: “todas as coisas colaboram para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo seu propósito” (Rm.8.28). Deus faz uso de todos os meios ordinários e extraordinários para cumprir seus planos em nossas vidas. Podemos dizer que Deus deixou Saulo concordar com a morte de Estevão e com a perseguição da igreja para que, após a salvação dele e o chamado ao ministério apostólico, houvesse em seu coração humildade e profundo sentimento de gratidão, a fim de que sua dedicação fosse extrema na obra de Cristo:
1 Coríntios 15:9-10 Porque eu sou o menor dos apóstolos, que mesmo não sou digno de ser chamado apóstolo, pois persegui a igreja de Deus. Mas, pela graça de Deus, sou o que sou; e a sua graça, que me foi concedida, não se tornou vã; antes, trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo.
1 Timóteo 1:16 Mas, por esta mesma razão, me foi concedida misericórdia, para que, em mim, o principal, evidenciasse Jesus Cristo a sua completa longanimidade, e servisse eu de modelo a quantos hão de crer nele para a vida eterna
De modo semelhante, João Batista foi predestinado a ser cheio do Espírito de Deus e a exercer o ministério profético. Mesmo que, em algum período de sua vida (infância, adolescência, juventude), João Batista tivesse desejado uma vida completamente diferente (profissão, casamento, filhos, projetos pessoais etc.), os planos de Deus não seriam frustrados. Com seu grande poder e sua imensa sabedoria, o Senhor conduz os pecadores para o cumprimento do querer divino e, assim, a vida dele concorreria para o cumprimento da Palavra divina proferida pelo anjo a Zacarias, porque Deus o havia predestinado. Deus não anularia as vontades de João Batista, mas faria com que esta vontade se submetesse ao querer divino, à semelhança de alguém que é convencido a fazer algo que não gostaria.
Paulo aplica a predestinação aos cristãos da igreja de Éfeso. Conforme o apóstolo, Deus destinou os eleitos a receberem a graça divina da eterna salvação, muito antes de seu nascimento, antes mesmo da fundação do mundo. Ou seja, antes de criar o mundo, Deus planejou salvar aqueles pecadores que viviam em Éfeso, por meio do plano redentor a ser cumprido através de Seu Filho Jesus Cristo. E, no devido tempo, tudo se cumpriu, inclusive o chamado de cada pecador por meio do anuncio da Palavra de Deus e do operar do Espírito Santo no coração. E assim, como Moisés e Jonas não foram capazes de resistir à vontade de Deus, também aqueles que são atraídos a Cristo pelo Espirito Santo não podem resistir ao querer do Senhor:
Efésios 1:3-6 Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, 4 assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor 5 nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, 6 para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado
Portanto, o ensino dessa doutrina visa confortar o coração de todo cristão, na certeza de que Deus tem planos e ninguém pode frustrá-los. Nossas vidas não são obras do acaso e nossas jornadas não são uma estrada sem direção. Deus é a causa e o propósito de nossas vidas que devem glorificar o Filho de Deus. E tendo em vista o amor divino por seus filhos, tudo cooperará para o bem daqueles que são agraciados com a justiça do Justo e Justificador, Cristo Jesus. Sendo assim, devemos descansar o coração no Senhor e em sua vontade na certeza de que os planos de Deus são santos, justos, puros, bons, agradáveis e perfeitos. E mesmo que lutas e tribulações sejam reservadas para nossa jornada, a certeza da recompensa eterna deve confortar nosso coração para que sejamos firmes até o fim, perseverando em fazer a vontade preceptiva de Deus, enquanto confiamos na vontade decretiva do Senhor.
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