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sábado, 7 de maio de 2022

O Deus-Homem (O Verbo de Deus)

 


O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida” (1Jo.1.1)


Uma simples leitura do evangelho de João é suficiente para termos a percepção de sua enorme diferença em relação aos três evangelhos sinóticos. Mateus, Marcos e Lucas tiveram o cuidado de registrar os fatos, em sequência, testemunhados pelos discípulos de Jesus (entre muitas outras testemunhas das ações e palavras de Cristo), sobretudo durante os três anos de seu ministério. Todavia, o apóstolo João tem um foco diferente. Seu propósito é mostrar que Cristo é o cumprimento do Antigo Testamento: quem Ele é e tudo o que Ele fez, de modo que sua vinda é o grande advento do Messias prometido e a chegada do Reino divino. Por isso, o evangelho de João foi construído não somente através dos fatos testemunhados, como, também, por meio de inúmeras citações do Antigo Testamento, a começar por Gênesis 1.1: “No princípio, criou Deus os céus e a terra”.

O primeiro versículo do evangelho de João é uma clara referência aos dias da criação, apresentando o Filho de Deus como o Deus Criador: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (Jo.1.1). Segundo João, Jesus estava no princípio quando todas as coisas foram criadas. O apóstolo nos conduz à expressão: “E disse Deus” (Gn.1.3). A Palavra de Deus estava em ação por meio da qual todas as coisas foram criadas, a partir do nada (Hb.11.3). O verbo estava presente em uma relação dinâmica com o Pai, interagindo o tempo todo para executar a vontade do Pai por meio de atos criativos. Essa é a ideia que João transmite para nós no uso da preposição “pros” com o acusativo grego, na frase: “e o Verbo estava com Deus” (Jo.1.1). Portanto, o LOGOS de João não tem qualquer relação com a filosofia grega, antes tem o propósito de nos remeter à Palavra viva de Deus que opera toda a vontade do Senhor: “assim será a palavra que sair da minha boca: não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a designei” (Is.55.11). Sugerimos a leitura do texto: O Logos divino, publicado no blog Vox Scripturae.

No evangelho de João, a Palavra de Deus é mais que um conjunto de frases. A Palavra de Deus é o Filho de Deus, por meio do qual o Senhor criou todas as coisas: “Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez.” (Jo.1.3) e, também, opera a restauração de todas as coisas, pois “a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome” (Jo.1.12 // At.3.21). Cristo é a Palavra de Deus em ação, por meio do qual toda a vontade do Senhor é executada, pois até o Espírito Santo é enviado ao homem da parte do Filho de Deus: “Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho de mim” (Jo.15.26).


Atos 3:19-21  Arrependei-vos, pois, e convertei-vos para serem cancelados os vossos pecados,  20 a fim de que, da presença do Senhor, venham tempos de refrigério, e que envie ele o Cristo, que já vos foi designado, Jesus,  21 ao qual é necessário que o céu receba até aos tempos da restauração de todas as coisas, de que Deus falou por boca dos seus santos profetas desde a antiguidade


A frase final de João 1.1 é pontua em afirmar que o Filho de Deus é Deus de Deus: “e o Verbo era Deus” (Jo.1.1). A construção grega é a seguinte: conjunção aditiva e + substantivo Deus no caso nominativo + verbo ser no imperfeito do indicativo + mais artigo o nominativo + substantivo logos (palavra ou verbo) também no caso nominativo. Equivocadamente, alguns leitores da Bíblia tratam a ausência do artigo definido junto ao substantivo Deus como uma indicação de que Cristo não é “o Deus de Israel”, mas apenas “um deus”, ou seja, uma pessoa iluminada acima dos pecadores. Todavia, gostaríamos de esclarecer que a ausência do artigo junto ao substantivo Deus cumpre o importante objetivo de indicar que a função sintática do termo Deus é: predicativo do sujeito, diferenciando de logos que tem o papel de sujeito dessa oração. Uma vez que o predicativo do sujeito é um substantivo (Deus), foi usado sem o artigo para ser distinguido do sujeito que também é um substantivo. Ou seja, não podemos traduzir: e Deus era a Palavra, antes devemos traduzir apenas como: e a Palavra era Deus.

Além disso, ainda devemos observar que o termo Deus, se referindo ao Pai, é usado diversas vezes no evangelho de João sem a presença de um artigo: João 1.6,12,13,18; 3.21; 6.45; 8.54; 9.16,33; 13.3; 16.30; 17.3; 19.7; 20.17. Mesmo assim, ninguém deveria traduzir o substantivo Deus de modo indefinido. A verdade é que o evangelho de João tem, dentre seus propósitos, o importante objetivo de falar das duas naturezas de Cristo, enfatizando sua plena divindade. Devemos considerar que o Evangelho de João foi o último a ser escrito, provavelmente depois da queda de Jerusalém, quando algumas heresias judaicas e gentílicas estavam sendo espalhadas pelo Império Romano, ameaçando a pureza doutrinária do cristianismo: entre os judeus havia a negação da plena divindade de Jesus, entre os gentios a negação da plena humanidade de Cristo:


João 10:31-38  Novamente, pegaram os judeus em pedras para lhe atirar.  32 Disse-lhes Jesus: Tenho-vos mostrado muitas obras boas da parte do Pai; por qual delas me apedrejais?  33 Responderam-lhe os judeus: Não é por obra boa que te apedrejamos, e sim por causa da blasfêmia, pois, sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo.  34 Replicou-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: Eu disse: sois deuses?  35 Se ele chamou deuses àqueles a quem foi dirigida a palavra de Deus, e a Escritura não pode falhar,  36 então, daquele a quem o Pai santificou e enviou ao mundo, dizeis: Tu blasfemas; porque declarei: sou Filho de Deus?  37 Se não faço as obras de meu Pai, não me acrediteis;  38 mas, se faço, e não me credes, crede nas obras; para que possais saber e compreender que o Pai está em mim, e eu estou no Pai.


1 João 4:1-3  Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora.  2 Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus;  3 e todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem e, presentemente, já está no mundo


Tanto a humanidade quanto a divindade de Cristo são importantíssimas e indispensáveis para a obra redentora. Somente um verdadeiro homem poderia substituir os homens pecadores, pagando o pecado deles para livra-los do dia da ira divina. Era necessário que um legítimo filho de Adão aceitasse, voluntariamente, o propósito de sofrer e morrer em lugar dos pecadores. Todavia, não poderia ser um homem qualquer, porque ele deveria ser puro, ou seja, não ter pecado algum, afinal precisava estar apto para sofrer pelos pecados dos outros, não pelos próprios pecados, conforme nos fala o autor de Hebreus:


Hebreus 7:25-28  Por isso, também pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles.  26 Com efeito, nos convinha um sumo sacerdote como este, santo, inculpável, sem mácula, separado dos pecadores e feito mais alto do que os céus,  27 que não tem necessidade, como os sumos sacerdotes, de oferecer todos os dias sacrifícios, primeiro, por seus próprios pecados, depois, pelos do povo; porque fez isto uma vez por todas, quando a si mesmo se ofereceu.  28 Porque a lei constitui sumos sacerdotes a homens sujeitos à fraqueza, mas a palavra do juramento, que foi posterior à lei, constitui o Filho, perfeito para sempre.


Além da plena humanidade de Cristo, o Redentor deveria ser plenamente Deus. Ou seja, seria impossível a um homem comum, por mais íntegro e dedicado a Deus, por mais devoto e puro, realizar a redenção sem que fosse o próprio Filho de Deus. A humanidade não bastaria ao Redentor, para suportar a amplitude e profundidade da ira divina que seria derramada sobre ele. O Salvador deveria viver entre todos os pecadores e jamais pecar nem por pensamentos nem por palavras e ações; deveria sofrer os horrores do mundo pecador e morrer em nosso lugar, suportando as mais profundas angústias em sua alma e ressuscitar vencendo gloriosamente nosso último inimigo: a morte. Somente o Filho de Deus, Deus de Deus, seria capaz de suportar e vencer tudo o que era necessário sofrer e, tendo vencido, conceder, com autoridade, a vida eterna aos que cressem nEle. Portanto:


1) Somente Deus seria capaz de se manter incontaminado até o fim. Adão e Eva foram criados puros, contudo não foram capazes de se manter incontaminados, antes pecaram contra Deus. A queda de Adão e Eva demonstra que somente Deus pode conhecer o bem e o mal sem ser contaminado. Em Isaías 14.12-15 e Ezequiel 28.11-15, temos uma possível tipologia da queda de Satanás, através de personagens históricos: rei da Babilônia e rei de Tiro. A partir desses dois textos, é possível dizer que nem mesmo os anjos são capazes de conhecer o bem e o mal sem se contaminar.


Desse modo, Deus nos revelou que somente Ele é capaz de suportar todas as tentações e conhecer o mal sem ser jamais contaminado por ele. Por isso, apenas seu Filho seria capaz de viver 33 longos anos sem cair em um só pecado, nem por sentimento nem por pensamento nem por palavra nem por atitude. Jesus sofreu toda sorte de tentação e conseguiu se manter completamente puro, tornando-se o único homem capaz de entregar sua vida voluntariamente em favor daqueles que pecam. E Cristo fez isso por ser o Deus-homem.


2) Somente Deus seria capaz de suportar toda a ira de Deus. O Salvador não apenas deveria sofrer por causa da maldade do mundo e morrer nas mãos dos pecadores. O Redentor deveria suportar a ira do Justo Juiz, o Deus Todo-Poderoso. Que criatura em todo o universo seria capaz de sofrer a mais profunda angústia, em seu corpo e em sua alma, provocada pelo despejar da ira divina? O sofrimento de Cristo teve início com seu nascimento, mas o Filho de Deus começou a sentir o imensurável peso da ira do Senhor quando estava indo para a cruz: “Então, lhes disse: A minha alma está profundamente triste até à morte” (Mt.26.38).


Para que o Redentor fosse capaz de dar vida aos pecadores, após tê-los justificado, deveria ser capaz de suportar a plenitude da ira de Deus e ressurgir vitorioso para ser o Senhor de todos e o doador da vida eterna para todo aquele que nEle crer. Nenhum homem comum, simples criatura de Deus, seria capaz de suportar o peso da ira divina e ainda retornar com poder e glória, santo e puro em seu coração e mente, sem danos colaterais. Homens comuns não suportam as angústias de um mundo pecador sem que sua natureza mude. Quanto mais resistiriam ao peso da ira divina sem ter a mente e o coração mudados. O Redentor deveria suportar tudo e se manter o mesmo para sempre, perfeito e eterno Salvador.


3) Somente Deus seria capaz de vencer o poder da morte. Nenhum humano tem poder para vencer a morte, pois somos apenas criaturas. O Redentor deveria morrer em nosso lugar, mas não poderia ser detido pela morte. Era preciso vencer tanto o pecado quanto a morte, a fim de que não só a justiça fosse imputada aos pecadores, mas, também, a vida eterna fosse concedida a todos que estivessem unidos ao Salvador. Portanto, nenhum homem comum seria capaz de realizar tamanha obra redentora. Somente o Filho de Deus, Deus de Deus, seria capaz de derrotar nosso último inimigo: a morte, pois “nosso Salvador Cristo Jesus, o qual não só destruiu a morte, como trouxe à luz a vida e a imortalidade” (2Tm.1.10).


É evidente que somente Deus tem o poder da morte, pois até mesmo Satanás é apenas uma criatura. Nem mesmo os anjos tem poder sobre a morte, de modo que nenhum anjo foi instrumento para a ressurreição de pessoas. A morte é uma lei estabelecida por Deus, o Criador de todos. As criaturas sofrem seus danos, mas não podem vencê-la. Quando profetas e apóstolos foram instrumentos para a ressurreição de pessoas, eles estavam apenas cumprindo um mandato divino, sendo instrumentos do Criador para testemunho do poder de Deus sobre a morte. Caso contrário, muitos homens santos que foram instrumentos de Deus (2Pe.1.21) poderiam ter vencido a sua própria morte. “E, então, virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder. Porque convém que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo dos pés. O último inimigo a ser destruído é a morte” (1Co.15.24-26).


4) somente Deus seria capaz de prometer a vida eterna para seu povo. Após ter vencido tudo, o Redentor precisaria ter o poder de conceder a vida aos que cressem. Os dois pontos básicos da redenção são: a morte substitutiva, o justo pelo injusto; e, a vitória sobre a morte, a doação da vida eterna: “Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1Co.15.3-4). Para que os pecadores pudessem receber o novo céu e a nova terra, seria necessária a consumação tanto da morte quanto da ressurreição do Redentor. E para que a vida eterna fosse dada aos justificados, seria necessário que o Salvador tivesse o poder sobre a criação, a fim de lhe ser possível prometer seguramente a eternidade a todo aquele que lhe confiou a vida.


Nenhuma criatura tem poder sobre a criação, nem mesmo anjos e demônios. Somente Deus tem todo senhorio sobre a criação, somente Deus pode restaurá-la, transformá-la, recriá-la e dar o benefício de seu usufruto para quem quiser, pois somente a Ele pertence todas as coisas, somente Ele tem poder sobre tudo o que Ele mesmo criou. Portanto, nenhum homem comum poderia prometer a vida eterna, nenhum homem comum poderia prometer um novo céu e nova terra para as pessoas, afinal ninguém pode prometer algo que não é capaz de fazer ou dar. 


Portanto, somente o Filho de Deus, Deus de Deus, poderia realizar a obra redentora. Logo, a negação da divindade de Jesus implica na negação da obra redentora de Cristo. Sendo assim, aqueles que rejeitam a plena humanidade de Cristo e a plena divindade de Jesus não compreenderam a dimensão da obra da salvação. Isso tem levado grupos religiosos a falsos ensinos, desprezando as duas naturezas do Filho de Deus: 100% homem, 100% Deus, por isso, 100% Redentor.

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