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quarta-feira, 27 de abril de 2022

Cristo, Salmos e Você - Salmo 18


 Eu te amo, ó SENHOR, força minha.” (Sl.18.1)


A entrada do pecado no mundo tornou a vida em um vale difícil de ser percorrido, ora sombrio ora pedregoso, que abriga lobos vorazes e ervas daninhas. Desde Adão e Eva, o povo de Deus tem sofrido muitos males no mundo, como um povo de peregrinos indesejados que viajam por terra alheia. Tenho certeza de que você já experimentou muitas lutas em sua vida, razão para entender bem a realidade das implicações do pecado presente no mundo. O pecado afetou todas as coisas, de modo que não há um só ser vivo que não sofra suas implicações.


Mas, o Criador de todas as coisas não abandonou sua criação. Por toda a história redentora, Deus se mostrou, e se mostra, presente na vida de seu povo, lado a lado daqueles que nEle esperam (Is.64.4). Suas promessas antecipam seu cuidado mostrando para os homens a disposição para salvá-los e a necessidade de confiarem em Deus. E, como uma mulher com dores de parto (Gn.3.15), a história redentora foi marcada por muito sofrer. E mesmo após o nascimento do Filho de Deus, o Salvador do mundo, a vida neste mundo pecador continua bastante difícil.


A introdução desse Salmo é de fundamental importância para o leitor: “Salmo de Davi, servo do SENHOR, o qual dirigiu ao SENHOR as palavras deste cântico, no dia em que o SENHOR o livrou de todos os seus inimigos e das mãos de Saul” (Sl.18). Ela indica que há uma ampla história por trás de cada linha, uma longa jornada sofrida por Davi. Portanto, o que para nós pode soar como um cântico de vitória, para Davi tinha muito mais significado, tendo em vista que cada palavra carrega fortes emoções vividas pelo salmista que passou, provavelmente, 15 anos de sua vida fugindo das armadilhas e artimanhas de Saul, rei de Israel, que tentou mata-lo inúmeras vezes, porque Davi havia sido ungido para ser rei sobre o povo do Senhor.


Em outro texto publicado no blog: O clamor de Davi dentro da história redentora (http://voxscripturae.blogspot.com/2018/10/o-clamor-de-davi-dentro-da-historia.html), procuramos mostrar que o sofrimento de Davi, expresso em seus salmos, pode ser considerado um tipo do sofrimento de Cristo, estando fortemente relacionados à vinda do Messias, pois Davi fora escolhido para ser um importante personagem dentro da linhagem do Redentor. Portanto, os anos de sofrimento de Davi foram mais que uma preparação para o exercício da realeza, foram também um preanuncio dos dias em que o Filho de Deus viveria entre os homens.


Aproximadamente quinze anos depois que o profeta Samuel ungiu o pequeno jovem Davi, Deus lhe concedeu vitória sobre seus inimigos (2Sm.1). Alguns dos salmos de Davi (Sl.52; 54; 57; 59) nos informam explicitamente sua relação com os anos de fuga, outros salmos parecem nos remeter a esses anos de tribulação (Sl.10; 142) e todos eles nos mostram as dúvidas e as angústias, certezas e esperança, indignação e confiança presentes no coração do filho de Jessé. E o Salmo 18 retrata um marco importante da vida de Davi, um divisor de águas, pois indica o fim de sua peregrinação como fugitivo e o começo de sua vida como rei de Israel.


A intensidade da gratidão de Davi pode ser medida pela repetição de termos que exaltam a bondade do Senhor dispensada graciosamente sobre a vida de Davi. “O SENHOR é a minha rocha, a minha cidadela, o meu libertador; o meu Deus, o meu rochedo em que me refugio; o meu escudo, a força da minha salvação, o meu baluarte” (Sl.18.2). Oito expressões são dirigidas a Deus em apenas um versículo, mostrando a razão de seu louvor a Deus. Davi está fortemente encantado com a bondade de Deus que se revelou a ele durante os longos anos de sua fuga da morte, por ocasião da perseguição de Saul. E com muita gratidão no coração, Davi afirma: “Eu te amo, ó SENHOR, força minha” (Sl.18.1).


Não foram quinze anos quaisquer. O sofrimento de Davi lhe penetrou a alma, tirando-lhe o sono, angustiando seu coração: “Laços de morte me cercaram, torrentes de impiedade me impuseram terror. Cadeias infernais me cingiram, e tramas de morte me surpreenderam. Na minha angústia, invoquei o SENHOR, gritei por socorro ao meu Deus” (Sl.18.4-6). Davi não esteve depressivo, como alguns pensam, mas teve razões de sobra para ter seu coração abatido, pois sua vida estava em constante risco. Davi sofria os danos diretos contra sua vida e vivia a real angústia de não ter onde reclinar a cabeça em paz, pois os adversários andavam à sua procura dia a dia.


No Getsêmani, Cristo também expressou sua profunda angústia por todo sofrimento a que estava destinado. Ele já havia manifestado o sofrer por viver entre pecadores e perseguidores: “Respondeu Jesus: Ó geração incrédula e perversa! Até quando estarei convosco e vos sofrerei?” (Lc.9.41). Mas, o pior ainda estava por vir: a via crucis. Sua dor na alma era intensa, de modo que Jesus afirmou: “A minha alma está profundamente triste até a morte” (Mt.26.38). Lucas afirma que a intensidade do sofrimento na alma de Jesus era tão grande que seus vasos sanguíneos se romperam. Cristo estava sofrendo a ira do Deus Todo-Poderoso para satisfazer a justiça de divina, a fim de salvar os pecadores: “E, estando em agonia, orava mais intensamente. E aconteceu que o seu suor se tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra” (Lc.22.44).


As angústias de Davi preanunciaram o sofrimento do Messias prometido. Assim, o Salmo 18 deve falar ao nosso coração não apenas por causa da empatia com aqueles que sofrem em nossos dias. Mas, sobretudo, o Salmo 18 deve falar profundamente ao nosso coração conduzindo-nos ao sofrimento de Cristo que mostrou seu tão grande amor por meio da cruz do Calvário, sofrendo em nosso lugar voluntariamente, sem que mereçamos qualquer ato de bondade divina: “Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm.5.8). Desse modo, quão mais precisa for nossa compreensão do sofrer de Cristo mais ampla será nosso vislumbre de seu amor por nós, demonstrado ao suportar tamanho sofrimento em nosso lugar. 


Mas, não apenas o sofrer aponta para Cristo. Davi não está apenas contando suas angústias. O Salmo 18 é uma expressão de louvor e gratidão pela vitória, por isso, maior é o número de expressões que falam do agir do Senhor em favor do jovem ruivo perseguido (Sl.18.7-19) do que a quantidade de palavras contando suas tribulações (Sl.18.4-5). O sofrimento acabou, porque Deus agiu poderosa e graciosamente em favor de seu servo escolhido que confiara no Senhor, clamando a Deus pelo livramento: “Do alto me estendeu ele a mão e me tomou; tirou-me das muitas águas. Livrou-me de forte inimigo e dos que me aborreciam, pois eram mais poderosos do que eu. Assaltaram-me no dia da minha calamidade, mas o SENHOR me serviu de amparo.” (Sl.18.16-18).


Portanto, o Salmo 18 exorta todo cristão a confiar em Deus em seus dias de tribulação e clamar ao Senhor esperando pelo agir de divino, frente às mais profundas adversidades. Davi não estava lastimando suas dores para Israel. Davi está testemunhando a graça divina e encorajando os filhos de Deus a perseverarem todos os dias em seguir e esperar no Senhor. Tais palavras ecoam mais forte ainda ao nosso coração quando nos conduzem aos dois momentos em que Davi teve a oportunidade de matar Saul e se livrar do problema que o afligia, mas não o fez, pois sabia que cabia ao Senhor fazer isso (1Sm.24 e 26). Davi decidiu esperar no Senhor e viu a salvação de Deus. No Salmo 40, ele nos diz: “Esperei confiantemente pelo SENHOR; ele se inclinou para mim e me ouviu quando clamei por socorro. Tirou-me de um poço de perdição, de um tremedal de lama; colocou-me os pés sobre uma rocha e me firmou os passos.” (Sl.40.1-2).


Mas, assim como o sofrimento de Davi tipifica o sofrimento do Messias, também a vitória de Davi aponta para a vitória do Filho de Deus. Cristo foi à cruz com muito sofrer, humilhado pelos homens, cuspido pelo Diabo e tragado pela morte. Mas, ao terceiro dia, Jesus é erguido de seu túmulo, triunfante. Sua ressurreição é a vitória sobre a humilhação dos homens, sobre a oposição do Diabo e sobre o poder da morte. Cristo venceu todos os inimigos e foi exaltado por Deus Pai, tornando-se o Senhor e o Salvador de toda a criação. Por sua justiça e confiança em Deus, Jesus foi glorificado:


Retribuiu-me o SENHOR, segundo a minha justiça, recompensou-me conforme a pureza das minhas mãos.  21 Pois tenho guardado os caminhos do SENHOR e não me apartei perversamente do meu Deus.  22 Porque todos os seus juízos me estão presentes, e não afastei de mim os seus preceitos.  23 Também fui íntegro para com ele e me guardei da iniqüidade.  24 Daí retribuir-me o SENHOR, segundo a minha justiça, conforme a pureza das minhas mãos, na sua presença. (Sl.18.20-24)


Davi canta a vitória de Deus sobre seus inimigos, assim como a igreja canta a vitória de Cristo sobre todos os adversários: “entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação e para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre a terra” (Ap.5.9-10). Assim como mui grande foi o sofrimento de Davi, durante os quinze anos de fuga da fúria de Saul, mui intensa era sua alegria e gratidão pela vitória alcançada pela graça divina que operou eficazmente livrando-o das mãos de seu feroz adversário: “Por isso, te digo: perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama.” (Lc.7.47).


Mas, o dia da vitória, concedida por Deus a Davi, demorou significativamente. Podemos considerar que tal demora faz parte da tipologia da vida de Davi nos direcionando à redenção em Cristo. A história redentora é sofrida e longa, exigindo do povo de Deus tamanha paciência e confiança, pois apensar de extensa a jornada, seu destino vitorioso é certo. Davi experimentou muito bem essas qualidades do plano divino e pode se alegrar sobremaneira por esperar na vitória divina sobre os adversários de sua alma, pois Deus é constante em seus planos e fiel a todas as suas promessas. Portanto, cabe a nós apenas o esperar confiantemente até que Cristo volte para dar-nos a vitória final sobre o pecado e a morte (1Co.15.50-58), então cantaremos: “Glorificar-te-ei, pois, entre os gentios, ó SENHOR, e cantarei louvores ao teu nome. É ele quem dá grandes vitórias ao seu rei e usa de benignidade para com o seu ungido, com Davi e sua posteridade, para sempre” (Sl.18.49-50).


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