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terça-feira, 8 de março de 2022

O Deus-Homem (Introdução)

 


O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida  2 (e a vida se manifestou, e nós a temos visto, e dela damos testemunho, e vo-la anunciamos, a vida eterna, a qual estava com o Pai e nos foi manifestada),  3 o que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros, para que vós, igualmente, mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo.” (1Jo.1.1-3)


Jesus Cristo é o Deus-homem!

Essa afirmação tem amplas e profundas implicações práticas para a vida de todo ser humano, fundamentalmente daqueles que creem e esperam em Deus. Em Cristo, a imanência de Deus alcança seu ápice, confortando profundamente o coração dos pecadores carentes de todos os cuidados divinos. Em Cristo, Deus se tornou um de nós! O Filho de Deus, por meio do qual todas as coisas foram criadas (Jo.1.1-3; Cl.1.16), se tornou um homem, constrangido às fraquezas humanas, e se sujeitou a passar pelas mais tristes e difíceis experiências da vida. Pense na profundidade disso! Ele andou entre pecadores (Lc.7.37-39), comeu com cobradores de impostos (Lc.19.5-10), falou com políticos corruptos (Jo.18.33-40), chorou com amigos (Jo.11.32-36), conviveu com as incoerências de sua geração (Mt.26.31-35).

Quem nunca quis ser compreendido? Provavelmente, todo ser humano gostaria que alguém olhasse o mundo por seus olhos. Temos a necessidade de sermos amados de modo empático. E, sem qualquer sadismo, seu coração gostaria que alguém pudesse sentir suas dores do corpo e da alma, a fim de poder partilhar seu sofrer e compreender tudo sobre você, verdadeiramente. Mas, por que isto não acontece? Porque, apesar de sermos todos igualmente pecadores, temos experiências diferentes e um modo particular de ver a vida, a idiossincrasia do indivíduo. Além disso, vivendo as diversas relações humanas, vemos que nem todos estão dispostos a compreender a realidade do outro, suas lutas internas e externas, suas angústias do corpo e da alma. E quanto mais a humanidade se multiplica, gerando cidades com milhares e, até, milhões de habitantes, maior a distância entre essas pessoas; mais superficiais são as relações humanas, dentro e fora das famílias. 

O vazio da alma clama que do céu Deus providencie alguém que nos entenda. Não queremos que alguém nos veja por fora, apenas. Precisamos de alguém que sinta o que sentimos. Mas, quem poderia compreender o mais profundo de nosso ser, conhecer as mais íntimas perturbações da alma e dizer com perfeita convicção: Eu entendo você? Deus providenciou socorro para esse grito desesperado da alma humana. Na cruz do Calvário, vemos o Deus-homem. Aquele que nos criou com poder, a fim de manifestarmos a glória de seu Ser, quis se tornar um de nós para nos socorrer, vivendo como um de nós, não apenas entre nós. Ele não viveu para si, mas por nós e para nós, engrandecendo a graça, a misericórdia, a bondade e o amor de Deus para com os homens criados à imagem do Criador. 

Os quatro evangelhos nos revelam o Emanuel, o Deus conosco (Is.7.14; Mt.1.23). Ele transcende toda a criação e, portanto, tem o conhecimento de tudo sobre o universo criado por suas próprias mãos. Mas, ele também sentiu os dilemas e as dores de nosso coração, tornando-se profundamente empático ao sofrer humano: “Porque assim diz o Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo: Habito no alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e vivificar o coração dos contritos” (Is.57.15). Aquele que nos criou conhece o mais secreto de nosso coração e descortina o mais íntimo de nossos pensamentos. Quem pode nos ocultar de seus olhos? Quem pode impedi-lo de ver nossos pensamentos? Deus conhece cada pedacinho de nosso ser e, em todo tempo, nos vê: 


Salmo 139:1-4  SENHOR, tu me sondas e me conheces.  2 Sabes quando me assento e quando me levanto; de longe penetras os meus pensamentos.  3 Esquadrinhas o meu andar e o meu deitar e conheces todos os meus caminhos.  4 Ainda a palavra me não chegou à língua, e tu, SENHOR, já a conheces toda


Em Cristo, a Palavra de Deus nos revela uma aproximação ainda maior. Jesus vivenciou os mais difíceis embaraços da vida humana, tanto no que diz respeito às experiências externas quanto internas. Ele sentiu medo e angústia (Mt.26.36-46), perdeu um pai sendo ainda jovem (Jo.19.26-27). Jesus foi tentado de diversas formas (Mt.4.1-11; Mt.19.3; 22.18,35) tanto por Satanás quanto pelos homens. Cristo vivenciou o difícil momento em que precisou decidir entre fazer a sua vontade e fazer a vontade do Pai (Mt.26.39). Ele se sentiu sozinho quando abandonado por todos os seus discípulos e experimentou a mais profunda solidão da alma quando clamou em alta voz: “Eli, Eli, lamá sabactâni? O que quer dizer: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mt.27.46).

Ouvir Deus dizendo que nos conhece completamente proporciona um grande conforto ao coração, principalmente quando estamos passando pelo “vale da sombra da morte” (Sl.23.4). A onisciência (todo conhecimento), a onipresença (todo lugar) e a onipotência (todo poder) de Deus nos exorta e motiva a orar para Aquele que vê tudo o que se passa no universo, certos de que Ele é poderoso para nos socorrer em toda e qualquer situação, pois não somente tudo vê como também tudo pode. Assim, o salmista bradou: “Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações” (Sl.46.1). A onisciência de Deus fala ao nosso coração que sempre haverá um Ser olhando para nós, pois nem mesmo os antros da terra podem nos esconder da face daquele que nos Criou para si mesmo.


Salmo 139:7-12  Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face?  8 Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também;  9 se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares,  10 ainda lá me haverá de guiar a tua mão, e a tua destra me susterá.  11 Se eu digo: as trevas, com efeito, me encobrirão, e a luz ao redor de mim se fará noite,  12 até as próprias trevas não te serão escuras: as trevas e a luz são a mesma coisa (Sl.139.7-12)


Desse modo, o Antigo Testamento fala ao homem sobre a grandeza e a graça de Deus experimentadas por todos aqueles que confiaram na Palavra do Senhor. Somos confortados pelo tamanho do poder de Deus capaz de livrar os homens de todos os seus temores; somos encorajados a lutar bravamente, mesmo na fraqueza, motivados pelo poder de Deus para dar vitória sobre todos os inimigos da igreja; somos exortados a perseverar firmes na fé, sem jamais desistir de viver para o Senhor, pois Deus é poderoso para salvar seu povo do maiores e piores perigos que lhe apareça. Assim, o Antigo Testamento nos revela a glória de Deus e seu poder sobre toda a criação, capaz de governar e julgar o mundo inteiro, subjugando reis e poderosos; grande o suficiente para manipular toda a criação, a fim de que se cumpra a sua Santa vontade na história humana. Contudo, é nas páginas do Novo Testamento que é revelado o mais íntimo amor divino por seus filhos.

Quando lemos as páginas dos evangelhos, Deus se aproxima de nós de uma forma especial, como nunca ocorrera antes. Desde Gênesis, nos é revelado que Deus apareceu aos homens várias vezes e de variadas formas. O Senhor se revelava por meio de sonhos e visões (Gn.40-41), falando aos pecadores. Deus fazia ecoar sua voz de forma clara e precisa aos ouvidos dos profetas (1Sm.3). O Senhor apareceu por meio de teofanias diversas: a sarça ardente (Ex.3), a coluna de fogo, a coluna de nuvem (Ex.13.21-22), a nuvem espessa do templo (2Cr.5.11-14) e através de anjos (Gn.16.7-14). Em Gênesis 3, Deus “andava no jardim pela viração do dia” (Gn.3.8) para encontrar-se com Adão e Eva, proporcionando um momento inigualável de comunhão entre Criador e o homem criado à imagem de Deus. Após a queda, os encontros entre Deus e o homem tornaram-se bem menos frequentes. Todavia, Deus falou muitas vezes aos patriarcas e aos profetas (Hb.1.1), mas raramente Cristo aparecia em forma humana para estabelecer um contato visível com o homem, como ocorreu em Gênesis 18:


Genesis 18:1-8  Apareceu o SENHOR a Abraão nos carvalhais de Manre, quando ele estava assentado à entrada da tenda, no maior calor do dia.  2 Levantou ele os olhos, olhou, e eis três homens de pé em frente dele. Vendo-os, correu da porta da tenda ao seu encontro, prostrou-se em terra  3 e disse: Senhor meu, se acho mercê em tua presença, rogo-te que não passes do teu servo;  4 traga-se um pouco de água, lavai os pés e repousai debaixo desta árvore;  5 trarei um bocado de pão; refazei as vossas forças, visto que chegastes até vosso servo; depois, seguireis avante. Responderam: Faze como disseste.  6 Apressou-se, pois, Abraão para a tenda de Sara e lhe disse: Amassa depressa três medidas de flor de farinha e faze pão assado ao borralho.  7 Abraão, por sua vez, correu ao gado, tomou um novilho, tenro e bom, e deu-o ao criado, que se apressou em prepará-lo.  8 Tomou também coalhada e leite e o novilho que mandara preparar e pôs tudo diante deles; e permaneceu de pé junto a eles debaixo da árvore; e eles comeram


Mesmo que tenham sido momentos gloriosos para os pecadores, nenhum dos encontros entre Deus e os homens, durante o Antigo Testamento, pode ser comparado com a encarnação do Filho de Deus, revelada nos evangelhos. Nos evangelhos, não temos somente uma aparição de Deus aos homens. Nos evangelhos, temos o Deus-homem vivendo entre os homens, como legítimo homem. Nos evangelhos, Cristo é um de nós vivendo todos os dilemas da vida humana, ainda que sem pecado. Logo, nos evangelhos encontramos a plena empatia do Filho de Deus que experimentou as mais diversas lutas internas e externas, vivenciadas por todos nós pecadores (ainda que ele fosse isento da inclinação para o mal). Jesus é o segundo Adão, um homem livre, mas que foi amplamente atacado de todas as formas, para que também caísse como o primeiro Adão caiu. Nem Satanás nem o mundo que jaz no maligno deram trégua para Cristo em um só dia de sua vida, pois o propósito deles era fazer Jesus pecar contra Deus.

Portanto, quando lemos Cristo nos evangelhos, estamos olhando para Deus vivendo nossas lutas, sofrendo nossas dores, sentindo nossas fraquezas, experimentando nossas angústias, sendo tentado em todas as coisas para ser o justo e o justificador, a fim de socorrer os pecadores que precisam ser libertos do império das trevas (Cl.1.13):


Hebreus 2:16-18  Pois ele, evidentemente, não socorre anjos, mas socorre a descendência de Abraão.  17 Por isso mesmo, convinha que, em todas as coisas, se tornasse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus e para fazer propiciação pelos pecados do povo.  18 Pois, naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados.

Hebreus 4:15-16  Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado.  16 Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna


Por conseguinte, encontramos nas páginas dos evangelhos um consolo sem igual: Deus se tornou um de nós, e permanece sendo o Deus Todo-Poderoso. Cristo é o Deus-homem que entende nossa natureza de modo empírico. Por isso, quando olhamos para Cristo nos evangelhos nos sentimos compreendidos e, ao mesmo tempo, completamente seguros; pois, aquele que vivenciou todas as fraquezas humanas, mas sem pecado, é também o Rei da Glória, o Criador do universo, o Senhor de todas as coisas, o Restaurador da criação:


Colossenses 1:13-20  Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor,  14 no qual temos a redenção, a remissão dos pecados.  15 Este é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação;  16 pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele.  17 Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste.  18 Ele é a cabeça do corpo, da igreja. Ele é o princípio, o primogênito de entre os mortos, para em todas as coisas ter a primazia,  19 porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude  20 e que, havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele, reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus


Logo, o conhecimento de Cristo tem profundas implicações para o coração do homem. Podemos dizer que conhecer Cristo é, também, conhecer nós mesmo, a perfeita humanidade, pois Cristo é perfeito homem. Jesus é o alvo de todo cristão, pois o ministério da santificação do Espírito de Deus, operando pela Palavra do Senhor, visa restaurar nossa plena humanidade, à imagem de Cristo Jesus, razão para Deus está trabalhando nossas vidas diariamente “até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef.4.13); “somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2Co.3.18).

Conhecer Cristo é, também, conhecer profundamente o amor de Deus por nós. Cristo é a presença mais íntima de Deus com seu povo. A expressão máxima do amor é o esvaziamento de si mesmo. Quando um homem ou uma mulher, um pai ou uma mãe, um amigo ou uma amiga se nega completamente para abençoar a outra pessoa, então temos a confirmação de seu grande amor. Conforme Paulo, Cristo “a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (Fp.2.7-8). Cristo deixou seu trono nas alturas, sua glória excelsa, seu bem-estar eterno, sua exaltação entre os seres celestiais para se tornar um mortal e viver em um mundo repleto de sofrimentos, limitações e humilhações. Ele se esvaziou como nenhum ser humano será capaz de se esvaziar, mostrando que seu amor é verdadeiro, capaz de ser provado até as últimas consequências.

Sendo assim, cada linha dos evangelhos revela, na plena humanidade de Cristo, o imenso amor de Deus para com os pecadores. Deus esteve entre nós e mesmo após ter suportado todo tipo de maldade dos homens contra Ele, manteve firme seu propósito de pagar os pecados dos homens, morrendo em seu lugar para lhes dar justiça e vida eterna (Ap.5.). Mesmo após tudo o que fizeram com Cristo, Ele olhou para as multidões “compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor” (Mt.9.36) e, na cruz, ergueu os olhos ao Pai, dizendo: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc.23.34). Desse modo, “o amor de Cristo nos constrange” (2Co.5.14) em todas as páginas dos quatro evangelhos, conclamando-nos a lhe entregar completamente nossa pequena e frágil vida, garantindo-nos que Ele entende nosso sofrer e é poderoso para nos socorrer, por isso, nos chama: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mt.11.28).

Convidamos você, então, a embarcar em uma encantadora e confortadora viagem pelas páginas dos quatro evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João), a fim de conhecermos o Deus-homem e tudo aquilo que Ele fez e quer fazer em nossas vidas, graciosamente. Por meio dessa viagem veremos a perfeita humanidade de Cristo e sua plena divindade juntas em um único homem, o Deus-homem, o Filho de Deus que “habitou entre nós, cheio de graça e de verdade” (Jo.1.14), “para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo.3.16).

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