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sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Há salvação para o suicida?

Eles, pois, o venceram por causa do sangue do Cordeiro e por causa da palavra do testemunho que deram e, mesmo em face da morte, não amaram a própria vida” (Ap.12.11)

Vida absurdamente agitada, “corrida pelo ouro”, excesso de informações diárias, pressão demasiadamente exagerada nos ambientes de trabalho, busca incansável pela satisfação pessoal, instabilidade emocional dos relacionamentos e abandono de uma vida em Deus tem trazido, para as gerações, diversas doenças psicossomáticas e psiquiátricas. As escolas apresentam um aumento numérico de depressão em crianças e adolescentes. Mas, por quê? O aumento do divórcio, com certeza, é a resposta para muitos dos problemas emocionais da sociedade, mas não é única causa. A família que deveria ser um alicerce seguro, lugar onde o indivíduo sabe que será amado e que este amor jamais acabará, está destruída. Muito cedo, as crianças sentem a angústia do abandono, pois um dos pais sai de casa por causa de problemas conjugais. E se não há amor estável, seguro e incondicional na família, onde mais haveria? Esses e outros problemas trouxeram um crescimento assustador no número de suicídios. E esse crescente aumento no número de suicídios tem despertado o interesse de muitos com respeito a suas implicações eternas. Infelizmente, algumas pessoas que viveram no ambiente cristão também vieram a suicidar-se por diversas circunstâncias, atraindo o grande interesse de muitos cristãos para a pergunta: O suicídio conduz ao inferno?

Não apenas as crianças sofrem com a instabilidade emocional da sociedade. Mesmo que não percebam, muitos homens e mulheres estão gravemente feridos por causa de suas relações afetivas. Meu histórico não é diferente: Desde meus cinco anos de idade, convivi com um pai esquizofrênico que gritava (literalmente) com as paredes, sem hora para começar nem momento para terminar. Por esse motivo, fui tirado da escola e perdi dois anos escolares. Por diversas experiências nocivas, as relações pessoais, ao longo dos anos, deixaram marcas danosas e a natural introspecção fez com que o coração sofresse sozinho os males da vida. Em 13 de janeiro de 2000, perdi uma irmã de onze anos de idade, em um acidente. Em 2002, fui encaminhado ao seminário para estudos teológicos, com vista o ministério pastoral. E estando apenas dois meses longe de casa estudando, recebi a notícia de que minha mãe também apresentava sintomas de esquizofrenia. Logo precisei voltar para casa, internar a mãe em um hospício, assumir toda a administração da casa (pois, o pai era incapaz disso) e adotar o irmão mais novo (com apenas seis anos de idade). Você não faz ideia de todo trabalho que todo o processo deu. Com o pai por perto, a mãe de hospital em hospital e um irmão de apenas seis anos para cuidar, toquei os estudos teológicos no seminário. Foram anos tão difíceis que, para alguns professores, seria impossível concluir os estudos. Em 2006, tendo terminado o seminário e sido ordenado pastor, casei. Um jovem atribulado desejava desesperadamente os benefícios do casamento. E quando pensei que estaria dividindo as cargas da vida, na verdade estava assumindo mais responsabilidades e lutas. Aquele jovem destruído pela experiência familiar paterna, tinha que lidar com novos problemas familiares nada fáceis. Por consequência, algumas vezes apresentei problemas psicossomáticos como feridas no cabeça, dores no peito, baixa imunidade etc.

Mas, por que estou contando um pouco de minha história? Para mostrar que tudo em minha vida concorre para um possível quadro doentio, marcado, pelo menos, por depressão. Todavia, em grande medida, como pastor, dou graças a Deus pelas experiências difíceis da vida, pois, mesmo que as pessoas não saibam, tenho muita empatia com o sofrimento alheio. Isso me ajuda a ajudar aqueles que sofrem. Assim como muitos em nossos dias, também pensei não haver razões para viver, pensei em desistir de tudo, principalmente do ministério pastoral, quis sair do casamento, pensei que Deus me odiava, quis fugir de tudo e de todos etc. Para algumas pessoas, tudo isso teria terminado no trágico suicídio. Mas, sempre que estive no mais fundo do poço, quando não era possível nem mesmo enxergar a luz do sol clareando o céu sobre aquele abismo árido, Deus proveu um escape, manifestando sua graça salvadora e confortadora, para que eu não tentasse me livrar das profundas dores da alma conforme meu coração enganoso (Jr.17.9) nem conforme as minhas débeis mãos (Rm.7.23). 

Apesar de toda experiência emocional que vivi, reconheço que o suicídio não pode ser tratado empiricamente nem por motivos emocionais. Ou seja, experiências não devem servir de base para as conclusões acerca do suicídio. É comum que o assunto seja tratado movido por experiências difíceis, tais como o suicídio de cristãos conhecidos. Isso ocorre porque os sentimentos criam certa crise naqueles que tinham, em seu coração, a certeza de que tais pessoas eram verdadeiramente cristãs. Então, os envolvidos emocionalmente procuram encontrar alguma brecha para confortar o coração com a certeza de que o suicida tenha recebido o perdão de seu último pecado cometido contra a fé e a esperança (não apenas contra a vida) que deveriam estar completamente depositadas (fé e esperança) em Jesus Cristo.

Também, deve-se ter muito cuidado com deduções lógicas precipitadas. A lógica só é proveitosa quando os fundamentos são corretos. A seguinte estrutura lógica é comum na defesa de que o suicídio não é um pecado imperdoável:


Premissa A: Cristo morreu pelos pecados daqueles que professam seu nome

Premissa B: Suicídio é um pecado

Conclusão: Logo, o suicídio é um pecado perdoado por Cristo


Se esta estrutura fosse suficiente, então todos os que um dia professaram crer em Cristo estariam perdoados de todos os pecados, incluindo os hereges que, apesar de não concordarem com a sã doutrina, também creem em Cristo como Senhor e Salvador. Todavia, o Novo Testamento afirma que a legítima fé se expressa em obras e perseverança, de forma que não basta começar a caminhada cristã nem muito menos apenas professar o nome de Jesus. É necessário andar em Cristo e com Cristo até o ultimo dia, pois “pelos seus frutos os conhecereis” (Mt.7.20) e “o que foi semeado em boa terra é o que ouve a palavra e a compreende; este frutifica e produz a cem, a sessenta e a trinta por um” (Mt.13.23), sabendo que “bem-aventurado o homem que suporta, com perseverança, a provação; porque, depois de ter sido aprovado, receberá a coroa da vida, a qual o Senhor prometeu aos que o amam” (Tg.1.12), afinal “até os demônios creem e tremem” (Tg.2.19); e, como disse Jesus em Mateus 7.21-27: 


Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade. Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as pratica será comparado a um homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha; e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, que não caiu, porque fora edificada sobre a rocha. E todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as pratica será comparado a um homem insensato que edificou a sua casa sobre a areia; e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, e ela desabou, sendo grande a sua ruína.


O suicídio pode não ter sido tão comum nos dias do Novo Testamento quanto em nossos dias, mas, também, ocorria (At.16.27). Quando Jesus disse que iria retirar-se para um lugar em que a multidão não poderia segui-lo, as pessoas conversaram entre si: “terá ele, acaso, a intenção de suicidar-se? Porque diz: Para onde eu vou, vós não podeis ir” (Jo.8.22). É interessante observar, ainda, que há poucos relatos sobre suicídios na Escritura e todos eles estão relacionados a pessoas indesejadas por Deus: Saul, o escudeiro de Saul, Aitofel e Judas (1Sm.31; 2Sm.17; Mt.27.5). O escudeiro de Saul é a única pessoa sem qualquer informação a seu respeito de forma que não sabemos se temia ou não a Deus; apenas sabemos que teve medo de obedecer a Saul. Portanto, não há uma só pessoa temente a Deus que tenha se suicidado, em toda a Escritura, impossibilitando qualquer referência direta à defesa da possibilidade de suicídio entre cristãos. Veremos mais adiante que a morte de Sansão não pode ser considerada um suicídio.

Para analisarmos o assunto, precisamos considerar uma importante premissa: todas as pessoas se amam e o suicida não está fora desse padrão universal (Mt.22.39; Ef.5.29). Por amar a si mesmo, e não encontrando mais esperança em seu coração, o suicida tenta solucionar seu problema com suas próprias forças. Ele não encontra força em Deus para vencer suas lutas, a fim de perseverar dizendo “tudo posso naquele que me fortalece” (Fl.4.13). A fé e a esperança em Cristo parecem não lhe bastarem (1Co.12.7-10) e não suportando mais esperar em Deus, ele antecipa o fim de suas angústias. A perseverança se esvai num ato de desistência, faltando-lhe a “operosidade da vossa fé” e a “firmeza da vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo” (1Ts.1.3), por meio dos quais o apóstolo Paulo diz que podemos reconhecer a eleição daqueles que se dizem cristãos (1Ts.1.4).

Torna-se necessário nesse momento, que todos compreendam melhor o “amor próprio” do ser humano. Pessoas comem ou deixam de comer por se amarem; casam ou deixam de casar por amor próprio; curtem a vida ou se isolam por gostarem demasiadamente de si mesmas e, por isso, fazem o que consideram ser o melhor para elas. As razões podem ser diferentes e os gostos os mais variados, mas a causa é a mesma: “amor ao próprio ser”, como diz Paulo: “Porque ninguém jamais odiou a própria carne” (Ef.5.29). No entanto, não devemos pensar que o amor próprio seja direcionado para o corpo, simplesmente. Esse amor é dedicado à essência humana, ao “ser”. Quando uma pessoa diz: “- Não gosto de algo em mim”, na verdade, ela está querendo dizer: “- Eu queria ser melhor, pois desejo o melhor para mim, e por não ter o melhor, me aborreço com o que tenho”. Mulheres que dizem não gostar do próprio corpo, querem dizer que gostariam de ter um corpo mais bonito, pois se amam e querem o melhor para si. Pessoas infelizes com a vida, estão dizendo que queriam algo melhor para si e por não alcançarem o que desejam, ficam insatisfeitas. O orgulho, fruto do amor próprio, produz insatisfação e angústia, pois a realidade não basta. E uma vez que a dor consome não somente o corpo, mas, principalmente, a alma, a busca por livrar-se dela é um desejo universal que não devemos ignorar. O pecado trouxe esses danos à vida e não podemos desconsiderar. Esses exemplos podem ser aplicados em diversos casos, dentre esses, de pessoas que se suicidaram por insatisfação com a vida. Nesses casos, o amor próprio foi tão forte que não conseguindo conviver com a realidade, preferem não viver do que ter que suportar um estado de vida diferente daquele que almejava para si mesmo.

O amor próprio está presente em todos os pecados do ser humano. Quando Adão e Eva usurparam a glória de Deus, o fizeram por amor a si mesmos, pois queriam ser iguais a Deus (Gn.3.5-6). Após o pecado original, todos os múltiplos pecados do homem, relatados ou não pela Escritura, são cometidos porque as pessoas amam a si mesmas e, portanto, sempre visam a satisfação da própria vontade a todo custo (prostituição, avareza, gula, bebedice etc.). As atitudes daqueles que se acham feios, gordos, incapazes e inferiores, afirmando não gostar de si mesmos, na verdade são movidas pelo amor próprio demasiado, pois não “tendo” o que desejavam ter nem “sendo” aquilo que gostariam de ser, sentem-se infelizes. O orgulho humano mostra-se, então, muito forte, trazendo malefícios físicos e mentais para as pessoas. Esses malefícios estão presentes no indivíduo e, consequentemente, em toda a sociedade. As muitas mazelas presentes nas cidades, as muitas guerras ocorridas no mundo e as mais diversas expressões de rebeldia contra Deus são causadas por causa do amor próprio demasiado. O amor a si mesmo, portanto, revela-se raiz dos mais diversos males causados pelo homem, tanto ao outro quanto a si mesmo.

Mas, há solução para os problemas causados pelo amor próprio demasiado. Deus nos chama a amá-lo de todo nosso coração, de toda nossa alma e de toda nossa força (Dt.6.5). Esse mandamento não somente volta nossos olhos para Deus, o único ser imutável e perfeito, mas, ainda, retira nosso olhar de nós mesmos. A conversão promovida pelo Espírito do Senhor (Ez.36.26-27) direciona nosso amor para Deus, a fim de dedicarmos toda nossa vida para o único alvo seguro e estável para todo nosso amor. Somente Deus não muda nem erra nem tem defeito algum, de forma que o homem jamais é frustrado em Deus nem desanimado nEle, pois suas promessas são fiéis e verdadeiras. Em Deus, até mesmo os piores problemas encontram um proposito benéfico, pois “todas as coisas cooperam para o bem dos que amam a Deus” (Rm.8.28). Quando o coração compreende e experimenta firmemente que todas as coisas foram criadas para a glória do Senhor e que os cristãos hão de ser recompensados por todo amor dedicado ao Criador, brota-lhe a verdadeira paz, pois o coração ancorou em um porto realmente seguro.

Deve ficar claro, ainda, que o suicídio não é apenas uma vertente do sexto mandamento: “Não matarás!” (Ex.20.13), ainda que seja, também, um atentado contra a vida. O problema do suicídio deve ser tratado dentro do contexto da fé e da esperança necessárias para a salvação em Cristo (soteriologia). Mesmo que uma vida tenha sido tirada, o grande problema não está na morte, mas na falta de persistência em confiar que a graça de Deus basta, a fim de perseverar como disse o salmista: “Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu” (Sl.42.11). Em Hebreus 11, a honra dos heróis da fé encontra-se em perseverarem até o fim, pois esperavam em Deus, confiando no poder do Senhor, de modo que “escaparam ao fio da espada, da fraqueza tiraram força, fizeram-se poderosos em guerra, puseram em fuga exércitos de estrangeiros” (Hb.11.34). Fé e esperança não se encontram no suicídio, pois é exatamente a falta deles que leva o homem a cometer tal erro. Por efeito de analogia, apenas, poderíamos compará-lo a alguém que, tendo sido pressionado a negar Jesus, não suporta a pressão e nega a Cristo diante dos homens. Porém, Jesus disse que “aquele que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai, que está nos céus” (Mt.10.33). O suicida não suporta a angústia e, então, tira de si mesmo não somente a vida, mas, ainda, a chance de pedir perdão e rogar a misericórdia de Deus, tendo em vista que o próprio suicida pôs fim a isto.

A vida é o tempo determinado por Deus para que as pessoas demonstrem fé e esperança, perseverando até o fim. Jesus, então, disse: “aquele, porém, que perseverar até ao fim, esse será salvo” (Mt.10.22). O suicídio é o resultado da incapacidade de aguentar a pressão do mundo maligno e atribulado (Mt.13.20-21). Parece semelhante a diversos erros cometidos na vida, todavia o suicídio põe fim à possibilidade de a pessoa se arrepender e buscar auxílio em Deus. Não há mais oportunidade para confessar o erro e buscar socorro no Senhor por não ter esperado em Deus e crido que Ele é poderoso para sustentar o desvalido e exausto. O suicídio visa solucionar problemas da alma quando a fé e a esperança parecem, para o suicida, ineficazes. Não é apenas uma questão de tirar a vida, mas o problema de desistir. Todo suicida precisa de soluções e Deus nos promete soluções. E no conflito interno frente à angústia de suas experiências, a morte lhe parece a única solução eficaz. Jó também desejou a morte para si quando sua dor tornou-se insuportável: “Disse Jó: Pereça o dia em que nasci e a noite em que se disse: Foi concebido um homem!” (Jó.3.2-3). Mas, diferente do suicida, Jó esperou que Deus pusesse fim à sua dor, pois havia uma viva esperança em seu coração, fazendo-o exclamar: “Porque eu sei que o meu Redentor vive e por fim se levantará sobre a terra” (Jó.19.25).

Há uns poucos personagens que se suicidaram na Bíblia (como já mencionamos), a saber: Saul, o escudeiro, Aitofel e Judas (1Sm.31; 2Sm.17; Mt.27.1-10). Esses personagens não podem ser considerados homens de Deus, pois o caminho que escolheram era mau perante o Senhor. E mesmo que eles tenham cometido o suicídio por motivos diferentes, todos foram considerados por Deus como homens ímpios. Saul já havia sido desprezado por Deus por todos os seus pecados de rebeldia, mas seu suicídio está relacionado ao código de honra da guerra. Saul não queria morrer nas mãos dos inimigos e, não confiando que Deus poderia livrá-lo da morte, ele se suicidou. Portanto, seu código de honra também está relacionado a falta de fé e esperança no Senhor, razão para desistir de tudo e tirar a própria vida.

Aitofel fazia parte de grupo de conselheiros de Davi. Todavia, após a revolta de Absalão, tendo Davi fugido de Jerusalém, Aitofel se aliou ao filho rebelde de Davi para conspirar contra seu antigo rei (2Sm.15.12,31). Ao saber da traição de Aitofel, Davi ora a Deus dizendo: “Ó SENHOR, peço-te que transtornes em loucura o conselho de Aitofel” (2Sm.15.31). Aitofel foi perverso diante de Deus, traindo aquele que o Senhor havia escolhido para ser rei em Israel. Ele aliou-se com o perverso e concordou com toda a maldade praticada por Absalão. Aitofel estimulou o filho do rei a coabitar com as concubinas de Davi, humilhando-as “à vista de todo o Israel” (2Sm.16.22). Suas obras, portanto, foram todas más e seu propósito final era destruir aquele que Deus havia escolhido para conduzir o povo de Deus nos caminhos do Senhor. Ele fez um papel de “anticristo”, porque maquinou contra o plano redentor divino (2Sm.7; 12.24-25). Quando se viu substituído por Husai, fiel servo de Davi, Aitofel foi suicidar-se.

Como sabemos que Judas foi para o inferno? Seria por causa de sua traição? Mas, Pedro também negou a Cristo e todos os discípulos abandonaram a Jesus por ocasião de sua prisão. Seria, então, a traição um pecado imperdoável? Ou seria possível que Judas confessasse seu pecado e obtivesse perdão do Senhor? O problema é que, diferente de todos os demais discípulos, Judas tirou de si mesmo a oportunidade de se arrepender e confessar seu pecado. Ele não creu que o Senhor poderia perdoá-lo de seu terrível pecado nem teve esperança que em Cristo ele poderia receber a vida eterna. Seu suicídio pôs fim a qualquer chance de buscar no Senhor o perdão de seus pecados. Desta forma, Judas consumou sua inimizade contra Deus, confirmando a dureza de seu coração por meio de seu suicídio. 

Outro personagem citado, erroneamente, dentro deste assunto é Sansão. Todavia, precisamos deixar claro que Sansão não cometeu suicídio, pois seu pedido a Deus para que lhe fosse dada força outra vez tinha em vista a morte de seus inimigos, não sua própria morte. Devemos entender isso no contexto da guerra. Mesmo sabendo que a morte numa guerra seja muitas vezes inevitável, os soldados não podem desistir por questão de honra e perseverança, sabendo que podem vencer a guerra por meio de intervenção divina. Morrer numa guerra, tentando matar o inimigo não é suicídio, mas brava tentativa de derrotar o adversário em defesa da família e da pátria. O soldado demonstra, corajosamente, que está disposto a não poupar nem mesmo a própria vida para vencer os adversários por amor a seu povo. Sansão queria derrotar os inimigos do povo de Deus e foi bem-sucedido, mesmo que tenha morrido por isso. Ele mostrou que seu amor a Deus e a seu povo era maior do que seu amor a si mesmo, exatamente o contrário daquilo que o suicida tem em seu coração. Ele estava pronto para morrer, mas não queria que Deus fosse desonrado pelos adversários nem seu povo fosse maltratado por eles. 

Devemos lembrar que se considerarmos a morte de Sansão como um suicídio, também deveríamos considerar a morte de Jesus como um suicídio, pois, mesmo tendo sido preso e morto por mãos de terceiros, a Escritura diz que: “Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela” (Ef.5.25); “Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós” (Ef.5.2); o “Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl.2.20); “Jesus Cristo, o qual se entregou a si mesmo pelos nossos pecados” (Gl.1.3-4). Jesus foi para a cruz voluntariamente sabendo que iria morrer, e de tal forma sua morte foi voluntária (e precisava ser voluntária) que a Escritura diz que Ele se entregou a si mesmo. Sua morte foi a forma de vencer o mal, semelhante ao que aconteceu com Sansão, pois ambos venceram o inimigo entregando a própria vida (Jz.16.28). Jesus não se encravou na cruz, mas se entregou com este propósito, assim como Sansão derrubou as colunas para matar os inimigos, não para matar a si mesmo. Sansão matou mais inimigos com sua morte do que em sua vida, semelhante ao que Cristo fez (provavelmente Sansão foi um tipo da vitória de Cristo na cruz – Jz.16.30).

A ideia de que todo pecado é igual diante de Deus não encontra base na Escritura (1Jo.5.16-17) nem muito menos a ideia de que tornar-se aparentemente cristão, membro de uma igreja local, é suficiente para que quaisquer pecados futuros sejam considerados perdoados (Mt.7.21-23). Além disso, o assunto traz à tona a doutrina da PERSEVERANÇA DOS SANTOS. Crer que o suicida pode ser salvo é semelhante a negar a doutrina da perseverança dos santos. Perseverar em Cristo significa crer e confiar em seu poder redentor e manter-se (até que Deus tire nossa vida) firme na esperança de que, em Jesus, os sofrimentos da vida não serão suficientes para fazer o cristão desistir de viver em Cristo (Rm.8.18). Por isso, mesmo angustiados profundamente, os salmistas esperavam em Deus e buscavam no Senhor a força necessária para perseverar até o fim (Sl.25.17; 31.7; 71.20; 107.26-28; 116.3). Suicidar-se não é desistir apenas da vida, mas, primeiramente, da fé e esperança em Jesus Cristo como sustento firme e eficaz para toda a vida, mesmo diante de um mundo que “jaz no maligno” (1Jo.5.19).

Você poderia perguntar: Mas, de onde vem a perseverança dos santos? Qual a certeza de que eles realmente perseverarão? A resposta é: Deus! Vejamos o texto de 1 Samuel 25. Conforme o texto, o profeta e juiz Samuel havia falecido. Portanto, era um momento difícil para todos em Israel. Para Davi, ficou mais difícil ainda, porque Saul estava perseguindo-o incansavelmente, e Samuel transmitia certa esperança de auxílio. Sua morte fez Davi pesar o coração. Davi andava pelos ermos da terra e foi acampar-se no deserto de Parã. Lá, Davi soube de Nabal, homem muito rico. E durante o tempo em que Davi esteve no deserto, fez bem aos pastores dos rebanhos de Nabal, protegendo-os do mal (2Sm.25.15-16). Quando a fome apertou entre Davi e seus seguidores, ele teve a ideia de pedir comida para Nabal. Era apenas o necessário àqueles que o haviam feito bem. Todavia, “Respondeu Nabal aos moços de Davi e disse: Quem é Davi, e quem é o filho de Jessé? Muitos são, hoje em dia, os servos que fogem ao seu senhor. Tomaria eu, pois, o meu pão, e a minha água, e a carne das minhas reses que degolei para os meus tosquiadores e o daria a homens que eu não sei donde vêm?” (1Sm.25.10-11).

A resposta arrogante e indiferente de Nabal fez o sangue subir à cabeça de Davi. Então, ele subiu contra Nabal com quatrocentos homens com o propósito de matar tudo o que havia nas terras daquele homem de belial: “Faça Deus o que lhe aprouver aos inimigos de Davi, se eu deixar, ao amanhecer, um só do sexo masculino dentre os seus” (2Sm.25.22). Davi estava prestes a pecar contra Deus vingando-se a si mesmo e, assim, assemelhando-se a Lameque, descendente de Caim, que disse: “E disse Lameque às suas esposas: Ada e Zilá, ouvi-me; vós, mulheres de Lameque, escutai o que passo a dizer-vos: Matei um homem porque ele me feriu; e um rapaz porque me pisou” (Gn.4.23). Caso Davi cometesse tamanho pecado, mostraria para todo o povo de Israel que ele era um homem indigno e incapaz de governar sobre o povo de Deus; um rei vingativo que eliminaria todo aquele que lhe fizesse algum mal; um governante tirano.

Davi intentou o mal contra Nabal, mas a providência de Deus entra em ação livrando Davi de cometer tal pecado. Abigail, mulher de Nabal, vai, secretamente, a Davi com comida suficiente para todos que estavam com ele, apaziguando, assim, a ira de Davi, com sabedoria, dizendo:


1 Samuel 25:26-31   Agora, pois, meu senhor, tão certo como vive o SENHOR e a tua alma, foste pelo SENHOR impedido de derramar sangue e de vingar-te por tuas próprias mãos. Como Nabal, sejam os teus inimigos e os que procuram fazer mal ao meu senhor.  27 Este é o presente que trouxe a tua serva a meu senhor; seja ele dado aos moços que seguem ao meu senhor.  28 Perdoa a transgressão da tua serva; pois, de fato, o SENHOR te fará casa firme, porque pelejas as batalhas do SENHOR, e não se ache mal em ti por todos os teus dias.  29 Se algum homem se levantar para te perseguir e buscar a tua vida, então, a tua vida será atada no feixe dos que vivem com o SENHOR, teu Deus; porém a vida de teus inimigos, este a arrojará como se a atirasse da cavidade de uma funda.  30 E há de ser que, usando o SENHOR contigo segundo todo o bem que tem dito a teu respeito e te houver estabelecido príncipe sobre Israel,  31 então, meu senhor, não te será por tropeço, nem por pesar ao coração o sangue que, sem causa, vieres a derramar e o te haveres vingado com as tuas próprias mãos; quando o SENHOR te houver feito o bem, lembrar-te-ás da tua serva


Diante do sábio discurso de Abigail, Davi se dá conta do mal que cometeria e vê a providência divina na ação daquela sábia mulher. Davi foi livrado por Deus de cometer um pecado que seria sério empecilho para que assumisse o trono de Israel. Ele reconheceu que o próprio Deus providenciou graciosa e poderosa salvação. Então, Davi aprendeu, mais uma vez, a sempre confiar e esperar no Senhor. Em toda essa história, Deus revela para nós que nada nem ninguém pode impedir que sua vontade seja realizada, pois o Senhor é poderoso para prover tudo o que é necessário para a concretização de sua vontade. Não atribuímos a Davi a perseverança, mas ao Deus de Davi:


1 Samuel 25:32-34  Então, Davi disse a Abigail: Bendito o SENHOR, Deus de Israel, que, hoje, te enviou ao meu encontro.  33 Bendita seja a tua prudência, e bendita sejas tu mesma, que hoje me tolheste de derramar sangue e de que por minha própria mão me vingasse.  34 Porque, tão certo como vive o SENHOR, Deus de Israel, que me impediu de que te fizesse mal, se tu não te apressaras e me não vieras ao encontro, não teria ficado a Nabal, até ao amanhecer, nem um sequer do sexo masculino


Tendo em vista que a perseverança dos santos é uma obra divina, não podemos atribuir a ela qualquer falha. Todos os eleitos, em número preciso e real, serão salvos por Deus por terem perseverado na fé e esperança. Eles podem desanimar muitas vezes; eles podem pensar em desistir muitas vezes; eles podem duvidar das promessas muitas vezes; eles podem pensar em se matar muitas vezes. Mas, Deus jamais os deixará seguir a fraqueza da própria carne, pois Deus é fiel à sua própria vontade. Assim, como seria impossível a Judas não trair Jesus, também é impossível a um verdadeiro escolhido de Deus desistir de andar com seu Deus. Nas palavras do apóstolo Paulo: “Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.” (Rm.8.38-39). E o apóstolo Paulo sentiu na pele as muitas tentativas malignas para o fazer desistir da jornada cristã:


Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós.  8 Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados;  9 perseguidos, porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos;  10 levando sempre no corpo o morrer de Jesus, para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo.  11 Porque nós, que vivemos, somos sempre entregues à morte por causa de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nossa carne mortal.  12 De modo que, em nós, opera a morte, mas, em vós, a vida.  13 Tendo, porém, o mesmo espírito da fé, como está escrito: Eu cri; por isso, é que falei. Também nós cremos; por isso, também falamos,  14 sabendo que aquele que ressuscitou o Senhor Jesus também nos ressuscitará com Jesus e nos apresentará convosco.  15 Porque todas as coisas existem por amor de vós, para que a graça, multiplicando-se, torne abundantes as ações de graças por meio de muitos, para glória de Deus.  16 Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia.  17 Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação,  18 não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas. (2Co.4.7-18)


No texto acima (2Co.4.7-18), Paulo apresenta uma plena segurança, afirmando que não sucumbiria nem desistiria diante das adversidades, por piores que fossem. Mas, de onde vinha sua segurança? Será que Paulo achava-se forte demais, capaz de vencer todas as angústias da vida? Não! Sua segurança apoia-se no fato de que Deus o sustentava por meio do Espírito Santo, conforme ele nos diz, um pouco adiante: “Ora, foi o próprio Deus quem nos preparou para isto, outorgando-nos o penhor do Espírito.” (2Co.5.5). Devemos observar, nessa última citação, o termo “penhor”, presente também em Efésios 1.14. Paulo nos diz que a presença do Espírito Santo garante que o verdadeiro cristão persevere até o fim (Mc.13.13), esperando que o Senhor o chame à eterna glória. Ou seja, o cristão pode ser atribulado em tudo, mas não desistirá jamais, pois o Espírito de Deus o sustenta, a fim de que persevere até o fim. Diante de tudo isso, o que você conclui: há salvação para o suicida? 

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