“No
princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”
(Jo.1.1)
O evangelho de João é uma obra prima que liga todo o Antigo Testamento ao Novo Testamento, por meio de personagem principal: Cristo, o Messias. Por meio desse evangelho, somos apresentados às mais diversas aplicações das profecias sobre a pessoa de Cristo que afirma: “Eu Sou” (Jo.4.26; 6.35,41,48,51; 8.12,24,28,58; 10.7,9,11,14; 11.25; 13.19; 14.6; 15.1,5; 18.5,6,8). Jesus se apresenta como o Cristo, o pão da vida, o pão que desceu do céu, o pão vivo, a luz do mundo, a porta das ovelhas, o bom pastor, a ressurreição e a vida, o caminho, a verdade, a videira verdadeira, o nazareno. Nesse evangelho, Jesus é “maior do que Jacó” (Jo.4.12), maior do que João Batista (Jo.5.36), “maior do que Abraão” e “os profetas” (Jo.8.53). Assim, os destinatários são conduzidos a conferir nas páginas dos livros do Antigo Testamento cada palavra escrita pelo evangelista, tornando seu testemunho em algo sólido no coração dos leitores.
Já há algum tempo, tenho me preocupado com a indução de possíveis associações do Novo Testamento com a cultura e a filosofia gregas, razão para abordar o assunto em uma análise retórica da carta de Paulo aos gálatas (Cf. http://voxscripturae.blogspot.com/2018/01/a-influencia-da-retorica.html). Mas, qual seria o problema? Primeiramente, podemos dizer que qualquer indução equivocada é um problema para a interpretação do Novo Testamento. Em segundo lugar, a ênfase no suposto uso da cultura e filosofia gregas, por parte dos autores do Novo Testamento, tem demonstrado que estudiosos não estão dando a devida atenção à influência do Antigo Testamento sobre o Novo Testamento. O problema tornou-se tão gritante que as duas partes que formam o todo da Escritura Sagrada passaram a ser vistas em uma relação menos íntima do que a ideia que elementos da cultura grega possam ter influenciado o texto neotestamentário, por causa do usa da língua grega. A formação dos autores, desde a infância até a fase adulta, dentro da religião e da cultura judaica tornou-se menos relevante do que fato de terem usado a língua grega para escrever a continuidade da revelação sagrada à igreja. Diante disso, recursos que poderiam ser associados ao Antigo Testamento são lidos debaixo de uma suposta influência filosófica e/ou literária grega. Um simples exemplo disso é o uso de termos antitéticos que deveriam ser associados aos profetas e passam a ser relacionados ao universo literário grego: luz e trevas (Gn.1.4,5,18; 2Sm.22.29; Jó.3.4; 12.22; Sl.18.28; 112.4; 139.11-12; Ec.2.13; Is.5.30; 9.2; 45.7; Dn.2.22 etc.), amor e ódio (Sl.109.5; Pv.10.12; 15.17), carne e espírito (Ez.11.19; 36.26) etc. Então, precisamos levantar a seguinte questão: De onde seria mais provável que tal influência viesse sobre os autores cristãos-judeus do Novo Testamento? Infelizmente, o apaixonante academicismo humanista também trouxe para os estudos teológicos uma supervalorização da cultura e da filosofia gregas, desvalorizando-se todo o pano de fundo cultural e literário hebraico dos autores que não somente viveram como judeus (exceto Lucas – mas, que andou com Paulo) como, também, estiveram sempre em torno da principal literatura judaica, o Antigo Testamento, citada largamente por todos os autores neotestamentários.
É importante salientarmos que o autor do evangelho de João era um judeu ortodoxo (ainda que fosse um homem simples – At.4.13), conforme é retratado na história do cristianismo nos primeiros capítulos de Atos dos Apóstolos. Vemos isso nos hábitos da igreja primitiva que vivia em torno do Templo de Jerusalém (At.2.46; 3.1-10; 5.20,25,42). E mesmo que os apóstolos não tivessem um comportamento farisaico extremista, podemos ver duras marcas judaicas em diversas atitudes deles: no desprezo de Natanael aos habitantes de Nazaré (Jo.1.43-51); na dura rivalidade contra os samaritanos (Jo.4.1-38); no desejo dos discípulos para que se mandasse fogo do céu contra uma cidade samaritana(Lc.9.51-54); no receio de se levar os gregos até Jesus (Jo.12.20-22); na dificuldade em pregar para os gregos (At.10.1-11.18); no destino do ministério deles aos judeus (Gl.2.6-10); na dissimulação de Pedro diante dos judeus e gentios (Gl.2.11-15). A ortodoxia dos apóstolos, hebreus de hebreus (como Paulo - Fp.3.5), é uma importante característica que nos ajuda a compreender a mentalidade do autor do evangelho de João: um judeu influenciado pela Palavra de Deus (Antigo Testamento) que aprendera em meio ao judaísmo exclusivista, nos estudos oferecidos por escribas nas sinagogas. Além de ter passado três anos sendo discipulado por um rabino (Cristo), como era chamado Jesus (Jo.1.38; 3.2; 20.16). De modo algum, encontramos nos apóstolos um judaísmo helênico (At.6.1).
No final do evangelho de João, o autor se identifica como “o discípulo a quem Jesus amava” (Jo.21.20), dizendo que “este é o discípulo que dá testemunho a respeito destas coisas e que as escreveu” (Jo.21.24). Ele nos conta que, na Ceia, um dos discípulos, “aquele a quem Ele amava” (Jo.13.23), perguntou a Cristo quem era o traidor (Jo.13.21-30). Para saber quem era esse discípulo a quem Jesus amava, devemos começar procurando saber quem estava na última Ceia. Tendo em vista nosso desejo em sermos bastante objetivos nesse ponto, o apresentaremos em tópicos:
1.
Segundo o evangelho de Mateus, Cristo “pôs-se
à mesa com os doze discípulos” (Mt.26.20)
2.
No evangelho de Marcos eles são chamados: “os
doze” (Mc.14.17)
3.
No evangelho de Lucas é dito que “chegada a
hora, pôs-se Jesus à mesa, e com Ele os apóstolos” (Lc.22.14).
4.
Uma vez que os doze discípulos, chamados de
apóstolos, são muito bem especificados nos evangelhos (Mt.10.2-4; Mc.3.16-19;
Lc.6.13-16), não podemos pensar que o autor seja alguém fora desse grupo.
5.
Então, precisamos reduzir as possibilidades
entre os doze. Tendo em vista que Pedro aparece ao lado do discípulo a quem
Jesus amava, não pode ser ele.
6.
Judas Iscariotes foi o traidor, portanto,
devemos exclui-lo, também, sem muito esforço.
7.
O autor do evangelho de João tem que ser um dos
dez discípulos restantes. Mas, devemos considerar que apenas seis deles não tem
seu nome registrado no livro de João: Mateus, Tiago e João, Tiago filho de
Alfeu, Judas Tadeu e Simão o zelote. Os demais são mencionados naturalmente e
deve, então, ser excluídos da lista de possibilidades.
8.
Dentre os nomes não mencionados, Mateus e Tiago
(irmão de João) também devem ser descartados: o primeiro por ter escrito um
evangelho (características bastante diferentes do evangelho de João) e o
segundo por ter morrido cedo (At.12.2).
9.
Portanto, nos restam apenas quatro personagens:
João, Tiago filho de Alfeu, Judas Tadeu e Simão o zelote. Nesse ponto,
precisaríamos recorrer a evidências externas, afinal não temos informações
internas suficientes, sobre esses personagens, para trazermos um julgamento preciso.
E, tendo em vista que não desejamos discorrer largamente sobre o assunto,
basta-nos apresentar a conclusão das evidências externas que encontramos também
no título de diversos manuscritos desse evangelho: Evangelho segundo João.
Interessante observarmos ainda, que o propósito do livro é conduzir os leitores à crença de que Jesus é o Cristo, ou seja, o Messias prometido, conforme a esperança de Israel (Jo.4.29; 7.26-46; 9.22; 10.24; 11.27; 12.34; 20.31 // At.1.4; 2.39; 13.23,32; 23.6; 24.15; 26.6-7; 28.20). Para isso, o autor nos diz que registrou alguns sinais escolhidos dentre os inumeráveis milagres que Jesus realizara (Jo.20.30). O evangelho de João é organizado por sinais feitos por Cristo e explicados através de seus discursos, a fim de conduzir os leitores para quem Jesus é (Eu Sou): o Filho de Deus (Jo.20.31). O termo “sinal” aparece 17 vezes no evangelho de João, que é construído sobre sete milagres de Jesus: 1. Água transformada em vinho (Jo.2.1-12); 2. A cura do filho de um oficial (Jo.4.46-54); 3. A cura de um paralítico (Jo.5.1-18); 4. A multiplicação de pães e peixes (Jo.6.1-15); 5. Jesus anda por sobre o mar (Jo.6.16-21); 6. A cura de um cego de nascença (Jo.9.1-41); 7. A ressurreição de Lázaro (Jo.11.1-46). Portanto, no evangelho de João, os sinais que os judeus tanto esperavam são apresentados com clareza aos leitores, a fim de que “creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (Jo.20.31).
Mas, curiosamente, os termos sabedoria, sábio ou mistério não aparecem uma só vez no livro (enquanto aparecem em outros evangelhos: Mt.11.19,25; 12.42; 13.11,54; 23.34; Mc.4.11; 6.2; Lc.2.40,52; 7.35; 8.10; 10.21; 11.31,49; 21.15), o que seria muito estranho caso o autor quisesse realmente apresentar um evangelho adornado por um espírito helenista, afinal, como nos disse Paulo: “Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria” (1Co.1.22). Parece-nos que João procura evitar completamente qualquer ligação com as filosofias pagãs e a tentativa de se criar um cristianismo alternativo, mesclado com diversas ideias presentes nas religiões de mistério do mundo greco-romano. Mesmo assim, não podemos ignorar a universalidade desse evangelho. Por isso, o autor procura explicar diversos termos hebraicos (usados por ele) para seus leitores que, portanto, não conheciam o Hebraico. Um verdadeiro judeu pregando ao mundo.
João 1.38 E Jesus, voltando-se e vendo que o seguiam,
disse-lhes: Que buscais? Disseram-lhe: Rabi (que quer dizer Mestre), onde
assistes?
João 3.2 Este, de noite, foi ter com Jesus e lhe disse:
Rabi
João 5.2 Ora, existe ali, junto à Porta das Ovelhas, um
tanque, chamado em hebraico Betesda
João 19.13 Ouvindo Pilatos estas palavras, trouxe Jesus
para fora e sentou-se no tribunal, no lugar chamado Pavimento, no hebraico
Gabatá
João 19.17 Tomaram eles, pois, a Jesus; e ele próprio,
carregando a sua cruz, saiu para o lugar chamado Calvário, Gólgota em hebraico
João 20.16 Disse-lhe Jesus: Maria! Ela, voltando-se, lhe
disse, em hebraico: Raboni (que quer dizer Mestre)!
No capítulo sete de João, a multidão que cercava Jesus relaciona a dispersão judaica ao mundo grego: “Disseram, pois, os judeus uns aos outros: Para onde irá este que não o possamos achar? Irá, porventura, para a Dispersão entre os gregos, com o fim de os ensinar?” (Jo.7.35//Tg.1.1; 1Pe.1.1). Ocorre certa distinção entre os judeus que viviam em cidades gregas e o judaísmo da Judeia e Galileia, do qual Jesus e seus discípulos faziam parte. Devemos fazer distinção, ainda, entre uma ortodoxia judaica, em uma forma mais pura, e o extremismo judaico presente nos ensinos e práticas dos escribas e fariseus. É fundamental dizermos que Jesus deve ser considerado o perfeito judeu, o mais fiel e zeloso deles (Jo.2.17) e criticou duramente a religiosidade hipócrita dos escribas e fariseus (Mt.23). Portanto, considerar que os judeus residentes na Galileia eram menos ortodoxos, ou até helenistas, é uma ideia equivocada. Natanael era de Betsaida, cidade da Galileia, mas “Jesus viu Natanael aproximar-se e disse a seu respeito: Eis um verdadeiro israelita, em quem não há dolo” (Jo.1.47). No evangelho de João, os gregos são preteridos pelos Judeus (Jo.7.35; 12.20) de modo que até Jesus recusou falar com eles, pois ainda não havia chegado a hora de atrair o mundo para Ele (Jo.12.20-50). Segundo o autor, Cristo “veio para o que era seu, e os seus não o receberam” (Jo.1.11), ou seja, para os judeus. Nesse evangelho, até o sumo-sacerdote Caifás profetiza a morte de Jesus por seu povo, a nação de Israel:
Caifás, porém, um dentre eles, sumo sacerdote naquele
ano, advertiu-os, dizendo: Vós nada sabeis,
50 nem considerais que vos convém que morra um só homem pelo
povo e que não venha a perecer toda a nação.
51 Ora, ele não disse isto de si mesmo; mas, sendo sumo
sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus estava para morrer pela nação 52 e não somente pela nação, mas
também para reunir em um só corpo os filhos de Deus, que andam dispersos.
(Jo.11.49-52)
Agora, voltemos nossos olhos para o assunto em questão: Como é usado o termo logos no evangelho de João? Ele aparece 40 vezes espalhado em 36 versículos desse evangelho (Em Mateus – 33 vezes; Marcos – 24 vezes; Lucas – 32 vezes). Para que, realmente, compreendamos o significado de logos, precisaremos olhar para todas as ocorrências dentro do evangelho segundo João (João 1.1,14; 2.22; 4.37,39,41,50; 5.24,38; 6.60; 7.36,40; 8.31,37,43,51,55; 10.19,35; 12.38,48; 14.23; 15.3,20,25; 17.6,14,17,20; 18.9,32; 19.8,13; 21.23). Transcrevemos abaixo, para facilitar a leitura, comparação e análise dos textos, todos os versículos em que aparece o termo logos, colocando-o entre colchetes ao lado direito da palavra em português:
João 1:1 No princípio era o Verbo [logos], e o
Verbo [logos] estava com Deus, e o Verbo [logos]
era Deus.
14 E o Verbo [logos]
se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua
glória, glória como do unigênito do Pai.
João 2:22 Quando, pois, Jesus ressuscitou dentre os mortos,
lembraram-se os seus discípulos de que ele dissera isto; e creram na Escritura
e na palavra [logos] de Jesus.
João 4:37 Pois, no caso, é verdadeiro o ditado [logos]:
Um é o semeador, e outro é o ceifeiro.
39 Muitos samaritanos daquela
cidade creram nele, em virtude do testemunho [logos] da mulher,
que anunciara: Ele me disse tudo quanto tenho feito.
41 Muitos outros creram nele, por
causa da sua palavra [logos],
50 Vai, disse-lhe Jesus; teu filho
vive. O homem creu na palavra [logos] de Jesus e partiu.
João 5:24 Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha
palavra [logos] e crê naquele que me enviou tem a vida eterna,
não entra em juízo, mas passou da morte para a vida.
38 Também não tendes a sua palavra [logos]
permanente em vós, porque não credes naquele a quem ele enviou.
João 6:60 Muitos dos seus discípulos, tendo ouvido tais palavras,
disseram: Duro é este discurso [logos]; quem o pode ouvir?
João 7:36 Que significa, de fato, o que ele [logos]
diz: Haveis de procurar-me e não me achareis; também aonde eu estou, vós não
podeis ir?
40 Então, os que dentre o povo
tinham ouvido estas palavras [logos] diziam: Este é
verdadeiramente o profeta;
João 8:31 Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se
vós permanecerdes na minha palavra [logos], sois verdadeiramente
meus discípulos;
37 Bem sei que sois descendência de
Abraão; contudo, procurais matar-me, porque a minha palavra [logos]
não está em vós.
43 Qual a razão por que não
compreendeis a minha linguagem? É porque sois incapazes de ouvir a minha
palavra [logos].
51 Em verdade, em verdade vos digo:
se alguém guardar a minha palavra [logos], não verá a morte,
eternamente.
52 Disseram-lhe os judeus: Agora,
estamos certos de que tens demônio. Abraão morreu, e também os profetas, e tu
dizes: Se alguém guardar a minha palavra [logos], não provará a
morte, eternamente.
55 Entretanto, vós não o tendes
conhecido; eu, porém, o conheço. Se eu disser que não o conheço, serei como
vós: mentiroso; mas eu o conheço e guardo a sua palavra [logos].
João 10:19 Por causa dessas palavras [logos], rompeu
nova dissensão entre os judeus.
35 Se ele chamou deuses àqueles a
quem foi dirigida a palavra [logos] de Deus, e a Escritura não
pode falhar,
João 12:38 para se cumprir a palavra [logos] do
profeta Isaías, que diz: Senhor, quem creu em nossa pregação? E a quem foi
revelado o braço do Senhor?
48 Quem me rejeita e não recebe as
minhas palavras tem quem o julgue; a própria palavra [logos] que
tenho proferido, essa o julgará no último dia.
João 14:23 Respondeu Jesus: Se alguém me ama, guardará a minha
palavra [logos]; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos
nele morada.
24 Quem não me ama não guarda as
minhas palavras [logos]; e a palavra [logos] que
estais ouvindo não é minha, mas do Pai, que me enviou.
João 15:3 Vós já estais limpos pela palavra [logos]
que vos tenho falado;
20 Lembrai-vos da palavra [logos]
que eu vos disse: não é o servo maior do que seu senhor. Se me perseguiram a
mim, também perseguirão a vós outros; se guardaram a minha palavra [logos],
também guardarão a vossa.
25 Isto, porém, é para que se
cumpra a palavra [logos] escrita na sua lei: Odiaram-me sem
motivo.
João 17:6 Manifestei o teu nome aos homens que me deste do mundo.
Eram teus, tu mos confiaste, e eles têm guardado a tua palavra [logos].
14 Eu lhes tenho dado a tua palavra
[logos], e o mundo os odiou, porque eles não são do mundo, como
também eu não sou.
17 Santifica-os na verdade; a tua
palavra [logos] é a verdade.
20 Não rogo somente por estes, mas
também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra [logos];
João 18:9 para se cumprir a palavra [logos] que
dissera: Não perdi nenhum dos que me deste.
32 para que se cumprisse a palavra [logos]
de Jesus, significando o modo por que havia de morrer.
João 19:8 Pilatos, ouvindo tal declaração [logos],
ainda mais atemorizado ficou,
13 Ouvindo Pilatos estas palavras [logos],
trouxe Jesus para fora e sentou-se no tribunal, no lugar chamado Pavimento, no
hebraico Gabatá.
João 21:23 Então, se tornou corrente entre os irmãos o dito [logos]
de que aquele discípulo não morreria. Ora, Jesus não dissera que tal discípulo
não morreria, mas: Se eu quero que ele permaneça até que eu venha, que te
importa?
Observe-se que o termo grego: logos, no evangelho de João, significa: PALAVRA, DISCURSO, DITO, FALA, AFIRMAÇÃO, DECLARAÇÃO. Na maioria dos versículos, não é difícil entender o significado de logos. Na verdade, a única referência que realmente exige maior análise e atenção do leitor é João 1.1-14. No Evangelho de João, logos é principalmente a Palavra de Deus, também alusivo à Palavra de Jesus. Algumas vezes, aparece na expressão: “minhas palavras” (Jo.5.47; 12.47,48; 14.24; 15.7). Poucas são as ocasiões em que logos não se refere à Palavra de Deus ou à Palavra de Cristo (Jo.4.37,39; 19.8,13; 21.23). Portanto, na maior parte das referências, basta um pouco de atenção para sermos inevitavelmente conduzidos à Escritura Sagrada (“Santifica-os na verdade; a tua palavra [logos] é a verdade” - Jo.17.17), tanto Antigo quanto Novo Testamento, como nos diz o livro de Hebreus: “Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo.” (Hb.1.1-2).
Mas, o termo logos em João não apenas aparece como tradução de “palavra”, como, também, transmite toda a ideia em torno da “Palavra de Deus” que “é viva e eficaz” (Hb.4.12). Como dissemos, a perícope que exige maior atenção e dedicação do leitor (sobre o termo) é João 1.1-14. Nela, o Logos é apresentado em clara referência a Gênesis 1, mas com toda a riqueza de ideias do restante do Antigo Testamento que nos fala sobre a Palavra de Deus: “assim será a palavra que sair da minha boca: não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a designei” (Is.55.11). João 1.1 nos remete ao primeiro capítulo de Gênesis em que Elohim criou todas as coisas (Gn.1.1), algo completamente distinto de uma referência ao logos grego dos filósofos. Em Gênesis 1, a Trindade está ativamente presente em cada ato criativo (Gn.1.1-31). Deus cria todas as coisas por meio de sua Palavra viva e poderosa (Gn.1.3), estando presente seu Santo Espírito que paira por sobre as águas (Gn.1.2). Papeis distintos, interação entre as pessoas, cumplicidade e concordância nos atos criativos. Assim, Deus cria todas as coisas por meio de Sua Santa e Poderosa Palavra. O Novo Testamento nos diz que Cristo é a Palavra falada e ativa pela qual tudo foi criado (Jo.1.1-3), “e sem ele, nada do que foi feito se fez” (Jo.1.3).
É impressionante como João usa o termo logos para designar a Palavra de Deus não, apenas, de modo estático (Palavra escrita), mas, sobretudo, sua atuação dinâmica (cria, dá vida, age). Ou seja, João nos fala da Palavra que cria todas as coisas, que dá vida aos seres animados, que concretiza a vontade de Deus e que transforma o mundo caído:
No princípio era o Logos, e o Logos
estava com Deus, e o Logos era Deus. 2 Ele estava no princípio com
Deus. 3 Todas as coisas foram
feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. 4 A vida estava nele e a vida era
a luz dos homens [...] estava no mundo, o mundo foi feito por intermédio dele,
mas o mundo não o conheceu. 11
Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. 12 Mas, a todos quantos o
receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que
crêem no seu nome [...] 14 E
o Logos se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de
verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai (Jo.1.1-4,10-12,14).
O evangelho de João nos diz que o Logos estava no princípio (En archê ên hó lógos), ou seja, o Logos é antes de todas as coisas e estava lá quando os céus e a terra foram criados. A eternidade de Deus é a eternidade do Logos. Ele estava lá na eternidade, assim como Deus estava lá, segundo Gênesis 1.1. Podemos ver isso, também, nas primeiras Palavras ecoadas da boca do Criador que disse: “Haja...” (Gn.1.3). Em seguida, João nos diz que o verbo estava em movimento (kaì hó lógos ên prós tòn Theón), em uma constante relação com Deus (preposição com acusativo). A Palavra é viva e traz à existência a vontade de Deus como um verbo que designa ação. Em Gênesis 1, temos sete verbos principais, sendo que seis deles expressam ações divinas: 1. criar (bara); 2. dizer/falar (amar); 3. fazer (asah); 4. ver (raah); 5. chamar (karah); 6. abençoar (barakh); 7. Estar/haver/existir (haiah). Podemos dizer que o Logos estava ativo se relacionando com todos os verbos, como Palavra dinâmica que CRIA/FAZ através da FALA e CHAMA/ABENÇOA as criaturas que VÊ e TROUXE À EXISTÊNCIA. Deus (Pai, Filho e Espírito) não estava estático nos seis dias da criação, mas em movimento, ainda que seja eterno e imutável. Por fim, João 1.1 nos diz que o Logos é Deus (kaì Theós ên hó lógos). Quanto a esse ponto, vale salientar que a falta de um artigo definido na palavra “Deus” (Theós) NÃO indica a indefinição do termo (como pensam alguns), mas aponta para a função sintática do mesmo: predicativo do sujeito. Isso ocorre pelo fato de que a oração nominal possui dois substantivos no nominativo (caso do sujeito e do predicativo do sujeito), tornando difícil a identificação da função sintática de cada um deles. Por isso, o autor deixa um dos termos sem o artigo, a fim de que ele funcione como uma espécie de adjetivo (predicativo do sujeito). É possível vermos isso nas outras muitas ocorrências em que Deus (Theós), no livro de João, aparece sem o artigo definido, mesmo sendo uma clara alusão ao Deus de Israel (Jo.1.1,6,12,13,18; 3.21; 6.45; 8.54; 9.16,33; 13.3; 16.30; 19.7; 20.17). Em João 13.3, o termo Deus (Theós) aparece duas vezes, sendo que a primeira ocorrência não é acompanhada pelo artigo definido enquanto a segunda ocorrência possui um artigo. Portanto, o autor realmente afirma, com muita clareza, que “a Palavra é Deus” (Jo.1.1). Podemos ver isso, também, ao longo do evangelho, em que Jesus usa propositadamente a expressão “Eu Sou” 21 vezes, assemelhando-o a Deus que se apresentou para Moisés como “Eu Sou” (Ex.3.6,14).
Logos como Palavra de Deus e Palavra de Jesus possui o sentido de Palavra autoritativa que deve ser ouvida, crida, guardada e obedecida (Jo.5.24; 4.42; 8.51; 9.31). Sua autoridade não se encontra no uso do imperativo, mas em sua natureza. A natureza do Logos é a razão de sua autoridade: o Logos é eterno, o Logos é Criador, o Logos é Deus, o Logos é a fonte de vida e o Logos é a luz (Jo.1.1-4). Portanto, os homens são convocados a crer no Logos não apenas por causa de seus imperativos, mas por tudo o que Ele é, conforme nos revela o próprio livro de João: “Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida” (Jo.5.24). E todos os conceitos referentes a seu SER são encontrados nas páginas da Palavra de Deus do Antigo Testamento, para quem o autor do evangelho nos remete por meio de citações diretas e indiretas (Jo.1.1,51; 2.17; 3.14; 5.28; 6.31,45; 7.38,42; 10.34; 12.13,15,34,38,40; 13.18; 15.25; 17.12; 19.24,28-29,36,37 etc.).
Portanto, a melhor forma de se compreender o uso de logos no evangelho segundo João é estudando a natureza da Palavra de Deus a partir do Antigo Testamento. Ainda que João escreve em grego (logos), assim como o restante do Novo Testamento, podemos afirmar que o logos está profundamente marcado pela cosmovisão bíblico-judaica, de modo que o leitor é reportado para a Escritura Sagrada em vez de se perder pelas divagações das filosofias pagãs do primeiro século (cheias de sabedoria e mistérios), contra as quais diversos personagens cristãos lutaram (provavelmente, encontramos tal combate em 1 João). Vemos, então, que João não adequa o evangelho aos destinatários, mas os atrai para a história redentora revelada pela Escritura Sagrada, a Palavra de Deus, a fim de que aqueles que viessem a crer pudessem viver plenamente em Cristo e para Cristo, o Messias prometido, o Filho de Deus (Jo.20.30-31).
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