“Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice” (1Co.11.28)
Qual o propósito da Ceia do Senhor?
O que a Ceia do Senhor comunica aos que dela participam?
A quem se destina a Ceia do Senhor?
O fato de uma criança ser batizada lhe dá o direito a participar da Ceia do Senhor?
E as pessoas mentalmente incapazes deveriam tomar a Ceia?
Nosso desejo, nesse momento, é responder às questões acima, clareando para os cristãos de nossos dias a doutrina da Ceia do Senhor, pois a correta compreensão da Ceia possibilita ao cristão o pleno desfrute dela.
A Ceia Sagrada não é um ritual de natureza estranha aos judeus nem mesmo aos povos pagãos que faziam banquetes em homenagem aos deuses. Mas, enquanto nas Ceias pagãs costuma ocorrer extravasamento de pecados com bebedice e prostituição cultual (Os.4.14; At.15.20), na Ceia instituída por Deus o povo do Senhor deveria apontar para a santidade de seu Deus (Nm.18.10). Quando Jesus instituiu a Ceia, Ele e seus discípulos estavam celebrando a semana da Páscoa judaica (Mt.26.17), com uma Ceia composta de elementos significativos. Dentre todos os elementos que os judeus foram acrescentando ao longo dos anos, a Festa dos Pães Asmos possuía três alimentos obrigatórios ordenados originalmente pelo Senhor: O cordeiro, os pães asmos e as ervas amargas (Ex.12.8). Também devemos observar que essa era a principal Ceia da nação (Ex.12.2), uma Ceia ritual, e apontava tanto para o passado (Êxodo) quanto para o futuro (Redenção).
A Ceia Pascoal deveria ser comida por todos os membros de cada família dos filhos de Israel, podendo ser estendida para estrangeiros desde que estes fossem circuncidados, tornando-se parte do povo de Deus (Ex.12.43-49). Portanto, o sinal de aliança ordenado a Abraão, a circuncisão (Gn.17.10), deveria preceder a celebração da Páscoa, impreterivelmente (assim, também, o batismo precede a Ceia). As famílias não poderiam deixar sobras do cordeiro pascoal, de modo que este deveria ser consumido completamente. Para isso, as famílias menores se uniriam para a celebração da Páscoa, garantindo assim que o cordeiro pascoal fosse totalmente comido. O cordeiro separado para a Ceia da Páscoa era especial: “O cordeiro será sem defeito, macho de um ano” (Ex.12.5). A Ceia pascoal deveria ocorrer no décimo quarto dia do mês de Abibe (Ex.12.6; 13.4) e o cordeiro deveria ser assado ao fogo, não cozido. O Senhor ordena, ainda, que a Ceia pascoal fosse celebrada solenemente à tarde (Dt.16.4) e que o período em torno da Ceia fosse adornado por santa assembleia. Os detalhes da ordenança da Páscoa e a solenidade da celebração indicavam a importância da Ceia pascoal, repleta de significados.
A Páscoa deveria ser celebrada como memorial profético, pois visava apontar tanto para o passado: a libertação da escravidão do Egito e da morte punitiva provinda do Senhor (Ex.12.12-13), quanto para o futuro como importante tipo do sacrifício redentor do Filho de Deus (anunciado desde Gênesis 3.15) que morreria para libertar seu povo do pecado, livrando-o do juízo divino. O duplo significado da Ceia judaica mostrava que, por mais significativo que fosse o êxodo, a história redentora não se encerrava com a saída do Egito, pois um evento ainda maior estava para ocorrer, como propósito último daquilo que estava sendo revelado. A Páscoa judaica comunicava para todas as gerações de Israel o agir redentor de Deus em favor de seu povo libertando-o da escravidão e do juízo. Mas, seu principal propósito era servir de tipologia da redenção cósmica.
Ao receberem a ordenança da Ceia, exatamente no dia da Páscoa judaica, os discípulos compreenderam a natureza dela, pois semelhante Ceia era celebrada anualmente. A substituição da Páscoa judaica pela Ceia do Senhor é demasiadamente evidente, pois no mesmo dia, estando presente o Cordeiro Pascoal (Cristo) para o qual a Páscoa judaica apontava profeticamente, Jesus tomou dois elementos da mesa e afirmou categoricamente que uma nova aliança estava sendo realizada por meio de seu sangue e seu corpo, e os novos elementos, o pão e o fruto da videira, apontavam para eles. Aquela foi, oficialmente, a última páscoa judaica e a primeira Ceia. A partir daquele dia, os discípulos de Jesus deveriam substituir a Páscoa veterotestamentária pela Ceia neotestamentária. Ao escolher novos elementos relacionados ao novo evento (a crucificação), Jesus está substituindo os velhos elementos que alcançavam seu propósito último na crucificação, apontando para o verdadeiro Cordeiro pascoal: “E, tomando um pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em favor de vós” (Lc.22.19-20).
Todo judeu que se convertesse ao cristianismo saberia tratar solenemente a Ceia instituída por Cristo, pois, desde sua infância, aprendera o caráter memorial, solene, didático, espiritual e, até, profético da Páscoa. Portanto, dificilmente um judeu trataria a Ceia com indiferença ou irreverência como estava acontecendo com a igreja da cidade de Corinto, uma igreja de maioria gentílica. Todavia, para os gentios, as celebrações sagradas possuíam um caráter muito diferente, associado a extravasamentos emocionais motivados por bebedices (Jz.16.23-27; Dn.5.1-4). Não é sem razão, portanto, que encontramos na promiscua cidade de Corinto, uma igreja irreverente em seu tratamento com a Ceia do Senhor:
“Nisto, porém, que vos prescrevo, não vos louvo, porquanto vos ajuntais não para melhor, e sim para pior. 18 Porque, antes de tudo, estou informado haver divisões entre vós quando vos reunis na igreja; e eu, em parte, o creio. 19 Porque até mesmo importa que haja partidos entre vós, para que também os aprovados se tornem conhecidos em vosso meio. 20 Quando, pois, vos reunis no mesmo lugar, não é a ceia do Senhor que comeis. 21 Porque, ao comerdes, cada um toma, antecipadamente, a sua própria ceia; e há quem tenha fome, ao passo que há também quem se embriague. 22 Não tendes, porventura, casas onde comer e beber? Ou menosprezais a igreja de Deus e envergonhais os que nada têm? Que vos direi? Louvar-vos-ei? Nisto, certamente, não vos louvo.” (1Co.11.17-22)
Os sacrifícios judaicos possuíam um caráter espiritual em que o elemento físico-tipológico apontava para uma realidade superior e espiritual. Ao oferecer o cordeiro, o israelita deveria pôr a mão na cabeça do holocausto (Lv.1.4) para que a morte do animal fosse associada ao ofertante, como sacrifício substitutivo. O Salmo 51 nos ajuda a compreender o caráter espiritual dos ritos judaicos. Nesse salmo, Davi fala da natureza espiritual dos sacrifícios que o povo do Senhor havia sido ordenado a oferecer a Deus, de modo que o rito deveria ser precedido pela compreensão de seu significado e propósito: 1) o perdão dos pecados; 2) a purificação dos pecados; 3) a relação entre a criatura e o Criador; 4) a presença do Espírito Santo no adorador; 5) a alegria da salvação; 6) a conversão de coração dos pecadores por meio do ensino da Palavra de Deus; 7) o culto racional oferecido de todo o coração a Deus. Os sacrifícios não deveriam ser oferecidos como um rito mecânico, pois os ritos dados a Israel apontam para a realidade espiritual.
A Ceia pascoal, portanto, não deveria ser tratada como um ritual simbólico apenas. Todos os ritos de Israel possuíam um caráter espiritual que unia o povo com o seu Deus, alimentando a fé por meio do Ensino da Palavra divina e da manifestação da presença do Senhor na celebração. A presença do Espírito do Senhor proporcionaria consciência de pecado, arrependimento sincero e renovação da comunhão com o Senhor por meio da fé nas promessas divinas que apontavam para a concretização da redenção cósmica. O livro de Salmos, livro de cânticos de Israel, expressam muito bem o caráter espiritual dos ritos judaicos:
Celebrai com júbilo ao SENHOR, todas as terras. 2 Servi ao SENHOR com alegria, apresentai-vos diante dele com cântico. 3 Sabei que o SENHOR é Deus; foi ele quem nos fez, e dele somos; somos o seu povo e rebanho do seu pastoreio. 4 Entrai por suas portas com ações de graças e nos seus átrios, com hinos de louvor; rendei-lhe graças e bendizei-lhe o nome. 5 Porque o SENHOR é bom, a sua misericórdia dura para sempre, e, de geração em geração, a sua fidelidade. (Sl.100)
A Páscoa judaica veiculava o amor de Deus para com seu povo, a graça divina superabundando sobre os pecados do povo, a misericórdia do Senhor dispensada tipologicamente sobre o pecador através do cordeiro morto, a comunhão com Deus por meio da obediência, o Espírito do Senhor como fonte de alegria etc. Ao celebrar a Páscoa, o judeu estava participando da bênção espiritual redentora, ainda que seu caráter tipológico indicasse algo futuro que ainda haveria de ser consumado por meio do Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo.1.29).
A Ceia do Senhor, instituída por Cristo é superior à Páscoa judaica, pois foi o próprio Cordeiro de Deus que a instituiu por meio de seu sangue dando início à nova, e definitiva, aliança: “Agora, com efeito, obteve Jesus ministério tanto mais excelente, quanto é ele também Mediador de superior aliança instituída com base em superiores promessas” (Hb.8.6). A superioridade da nova aliança também exige dos participantes superior tratamento e superior reflexão, pois o ensino associado ao sacramento também é superior. O caráter tipológico dos elementos veterotestamentários exigia uma participação em fé, ainda que não houvesse uma compreensão plena do significado e propósito do tipo que apontava para a concretização da redenção a ser realizada pelo Messias prometido. Porém, a superioridade da nova aliança traz consigo, também, superiores elementos associados a superiores promessas de bênção celestiais já alcançadas através da obra redentora consumada pelo Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Ef.1.3).
A atmosfera da Ceia do Senhor é riquíssima. Cristo consumou a obra redentora por meio de sua morte e ressurreição, morrendo na cruz para nossa justificação e ressuscitando para nos dar nova e eterna vida (Rm.6.5). O Evangelho que deve ser pregado para todas as pessoas e por meio do qual o pecador se torna cristão anuncia fundamentalmente a morte e ressurreição de Cristo e seus respectivos significados. Crer no Evangelho de Jesus é afirmar compreensão de quem Cristo é e qual a obra que Ele viera realizar. Podemos ver nos Evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) a ênfase na natureza e na obra de Jesus. Nesses três Evangelhos, o ministério de Jesus é dividido em duas partes: Na primeira parte, Cristo revela sua natureza aos discípulos e, na segunda parte, Jesus revela a obra que Ele viera fazer (Mt.16.13-23; Mc.8.27-33; Lc.9.18-22). Portanto, aquilo que era um mistério no Antigo Testamento passa a ser claro no Novo Testamento (1Co.2.7; Ef.1.9; 3.8-12; Cl.1.26-27):
Ora, àquele que é poderoso para vos confirmar segundo o meu evangelho e a pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério guardado em silêncio nos tempos eternos, 26 e que, agora, se tornou manifesto e foi dado a conhecer por meio das Escrituras proféticas, segundo o mandamento do Deus eterno, para a obediência por fé, entre todas as nações, 27 ao Deus único e sábio seja dada glória, por meio de Jesus Cristo, pelos séculos dos séculos. Amém! (Rm.16.25-27)
Portanto, os participantes da Ceia do Senhor possuem um conhecimento que estava oculto aos judeus do Antigo Testamento. Por essa razão, a Ceia exige superior reflexão ao que exigia a Páscoa judaica. O judeu participava da Páscoa confiando nas promessas divinas, ainda que não compreendidas plenamente, mas o cristão participa da Ceia de Jesus crendo no Evangelho que lhe fora anunciado com clareza. Em ambos os casos a fé é necessária, mas a compreensão exigida não é semelhante, pois aquilo que fora entregue a cada um não possui a mesma proporção de entendimento. A superioridade da Nova Aliança possui superior conhecimento de Deus e de sua obra redentora e, por isso, exige de seus participantes superior fé, uma fé associada ao pleno entendimento do Evangelho. Conforme disse Jesus: “Em verdade vos digo: entre os nascidos de mulher, ninguém apareceu maior do que João Batista; mas o menor no reino dos céus é maior do que ele” (Mt.11.11).
O texto mais elucidativo sobre a Ceia do Senhor é 1 Coríntios 11.17-34:
17 Nisto, porém, que vos prescrevo, não vos louvo, porquanto vos ajuntais não para melhor, e sim para pior. 18 Porque, antes de tudo, estou informado haver divisões entre vós quando vos reunis na igreja; e eu, em parte, o creio. 19 Porque até mesmo importa que haja partidos entre vós, para que também os aprovados se tornem conhecidos em vosso meio. 20 Quando, pois, vos reunis no mesmo lugar, não é a ceia do Senhor que comeis. 21 Porque, ao comerdes, cada um toma, antecipadamente, a sua própria ceia; e há quem tenha fome, ao passo que há também quem se embriague. 22 Não tendes, porventura, casas onde comer e beber? Ou menosprezais a igreja de Deus e envergonhais os que nada têm? Que vos direi? Louvar-vos-ei? Nisto, certamente, não vos louvo. 23 Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; 24 e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim. 25 Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim. 26 Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha. 27 Por isso, aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor. 28 Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice; 29 pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si. 30 Eis a razão por que há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos que dormem. 31 Porque, se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados. 32 Mas, quando julgados, somos disciplinados pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo. 33 Assim, pois, irmãos meus, quando vos reunis para comer, esperai uns pelos outros. 34 Se alguém tem fome, coma em casa, a fim de não vos reunirdes para juízo. Quanto às demais coisas, eu as ordenarei quando for ter convosco. (1Co.11.17-34)
Paulo toma como ponto de partida a irreverência dos gentios na forma como participavam da Ceia do Senhor. Diferente dos judeus, os gentios não aprendiam, com seus pais, a participar de cultos sagrados com reverência e santo temor acompanhado de reflexão e comportamento santo. Os cultos pagãos não enfatizavam a necessidade da santidade, visavam apenas o cumprimento do rito, completamente dissociado da vida (At.15.19-20). Assim, os primeiros versículos da perícope abordam o problema dos coríntios: divisões, desprezo pelo outro e embriaguez (1Co.11.17-22). Desse modo, os coríntios desprezavam a natureza da Ceia do Senhor e da Igreja de Cristo, tornando o sacramento em uma celebração pagã comum entre os gentios, em nada semelhante ao que Deus ordenou para ao seu povo.
A partir do versículo 23, Paulo relembra a ordenança do Senhor a respeito da Ceia. Ele não recebeu instruções dos demais apóstolos, mas diretamente do Senhor, possivelmente no mesmo período em que estivera na região do Sinai (Gl.1.17) para ser ensinado por Cristo acerca de todo o Evangelho (um necessário requisito para o apostolado: ter aprendido diretamente de Jesus – At.1.21-22). A revelação direta sobre a Ceia confirma aquilo que os Evangelhos nos ensinam e que a instituição da Ceia era uma ordenança para toda a igreja neotestamentária. Celebrar a Ceia do Senhor não era uma opção, mas um mandamento semelhante à Páscoa à qual substituíra. A obrigatoriedade da Ceia revela a necessidade de a igreja ser continuamente fortalecida no Evangelho e o propósito divino de que a morte e a ressurreição fossem celebradas para o louvor da glória do Cordeiro pascoal (1Co.11.26).
Ao tomar do pão, o cristão está afirmando que Cristo entregou seu corpo pelo seu povo, moído como trigo para constituir um povo santo para si: “Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Is.53.5). A Ceia testemunha a encarnação do Verbo (Jo.1.14), ou seja, a plena humanidade de Jesus, afirmando que sua morte na cruz foi real para que pudesse ser verdadeiramente substitutiva: “Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus” (1Jo.4.2). A Ceia do Senhor celebra a encarnação do Filho de Deus que “a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (Fp.2.7-8). Desse modo, ao comer do pão o cristão está proclamando o Evangelho de Cristo.
Ao comer o pão da Ceia, o cristão identifica-se com o elemento da Ceia, ou seja, com aquilo para o qual ela aponta: o corpo de Cristo. Por essa razão, a igreja é chamada de “corpo de Cristo; e, individualmente, membros desse corpo” (1Co.12.27). Desse modo, a Ceia do Senhor fortalece o cristão, lembrando-lhe constantemente que ele é um com Cristo e, portanto, partilha das bênçãos divinas (Ef.1.3), “porque, se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente, o seremos também na semelhança da sua ressurreição” (Rm.6.5). Portanto, ao comer o pão da Ceia, o cristão anuncia tanto o Evangelho quanto as implicações dele para a vida daquele que crê em Jesus Cristo. Podemos dizer que assim como a fiel pregação da Palavra de Deus é poder do Senhor para a salvação daquele que crê por causa da operação do Espírito Santo falando pela Escritura Sagrada, também a Ceia é poder de Deus para o fortalecimento daquele que dela se apropria porque o Espírito do Senhor aplica a Verdade desse Sacramento ao coração do cristão, enquanto glorifica o Verbo que “se fez carne e habitou entre nós” (Jo.1.14), como um memorial de Cristo Jesus.
Devemos observar que há significativa semelhança entre a Páscoa judaica e a Ceia cristã. Em ambas as celebrações solenes, os participantes deveriam comer dos elementos identificando-se com eles: na Páscoa come-se do cordeiro, na Ceia come-se do pão. E tanto o cordeiro quanto o pão apontam para a mesma realidade: o Filho de Deus consumador da obra redentora. Ao comer o elemento da celebração, o celebrante se une ao elemento como participante daquilo para o qual ele aponta.
O segundo elemento da Ceia é o fruto da videira representado pelo cálice. Tendo em vista que não desejamos tratar sobre a natureza física dos elementos da Ceia, sugiro a leitura do seguinte texto: http://voxscripturae.blogspot.com/2020/01/qual-natureza-dos-elementos-da-ceia-do.html. O cálice contendo o fruto da videira é chamado de memorial da nova aliança feita através do sangue de Jesus. É significativo observarmos que os evangelhos não dizem que Jesus tomou o vinho (ou suco) chamando-o de sangue da nova aliança. Os textos nos dizem que Jesus tomou o cálice, pressupondo que o leitor entenderia que Cristo se referia ao conteúdo que, naturalmente, lembra o sangue de rubra cor. A importância dessa observação encontra-se na fuga da leitura literalista e demasiadamente detalhista. Aparentemente, a ênfase de Jesus encontra-se no cálice, mas ele apenas representa seu conteúdo: o vinho, como uma figura de outra figura que aponta para a realidade: o sangue de Cristo. Ou seja, textualmente falando, temos uma figura apontando para outra figura que, finalmente, aponta para a realidade.
Paulo repete o que Jesus ensinou: “Este cálice é a nova aliança no meu sangue” (1Co.11.25). Como dissemos acima, não é o cálice que aponta para o sangue, mas seu conteúdo. Todavia, isso é muito obvio para que Paulo precise explicar. A figura da figura é suficiente, pois o foco é a realidade: o sangue do Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, pelo qual fomos comprados como nos diz o apóstolo Pedro: “sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo” (1Pe.1.18-19). O propósito da figura é conduzir-nos para a realidade. A obediência no uso da figura possui significativa importância, pois revela a confiança do praticante na Palavra de Deus e na eficácia da realidade para a qual a figura aponta. Foi por essa fé que Abraão foi justificado: “Ele creu no SENHOR, e isso lhe foi imputado para justiça” (Gn.15.6). Todavia, a figura não pode ser confundida com a realidade como se por ela, e não pela realidade, fossem alcançadas as bênçãos prometidas. Falando das figuras ordenadas por Deus nos dias do Antigo Testamento, autor de Hebreus nos mostra a necessidade de distinguirmos as figuras da realidade:
Ora, se ele estivesse na terra, nem mesmo sacerdote seria, visto existirem aqueles que oferecem os dons segundo a lei, 5 os quais ministram em figura e sombra das coisas celestes, assim como foi Moisés divinamente instruído, quando estava para construir o tabernáculo; pois diz ele: Vê que faças todas as coisas de acordo com o modelo que te foi mostrado no monte (Hb.8.4-5)
Ora, visto que a lei tem sombra dos bens vindouros, não a imagem real das coisas, nunca jamais pode tornar perfeitos os ofertantes, com os mesmos sacrifícios que, ano após ano, perpetuamente, eles oferecem. (Hb.10.1)
Sem anular o valor das figuras instituídas por Deus, Paulo nos fala da distinção entre a figura e a realidade, dizendo: “Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo” (Cl.2.16-17). “Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo” (Rm.14.17). O propósito do apóstolo não é anular o valor das figuras impostas a Israel nos dias do Antigo Testamento, mas mostrar para os cristãos que nenhuma figura pode substituir verdadeiramente a realidade, pois a figura tem caráter transitório enquanto a realidade permanece. Nos dias do Antigo Testamento, Israel não podia negligenciar as figuras, caso contrário Deus castigaria o negligente e até o eliminaria do meio do povo (Ex.12.19; 30.33,38; 31.14; Lv.7.25; 17.3-4, 8-9; 19.6-8; Nm.19.20), pois as figuras tinham o propósito de apontar para a realidade que estava por vir: Cristo Jesus. Contudo, as figuras ordenadas por Deus, comunicadoras das bênçãos do Senhor sobre seu povo, não poderiam substituir a realidade, de modo que, chegando a realidade, as figuras perderam seu valor. Ou seja, as figuras são dadas por Deus enquanto a realidade não está presente:
Vieram, depois, os discípulos de João e lhe perguntaram: Por que jejuamos nós, e os fariseus muitas vezes, e teus discípulos não jejuam? 15 Respondeu-lhes Jesus: Podem, acaso, estar tristes os convidados para o casamento, enquanto o noivo está com eles? Dias virão, contudo, em que lhes será tirado o noivo, e nesses dias hão de jejuar. 16 Ninguém põe remendo de pano novo em veste velha; porque o remendo tira parte da veste, e fica maior a rotura. 17 Nem se põe vinho novo em odres velhos; do contrário, rompem-se os odres, derrama-se o vinho, e os odres se perdem. Mas põe-se vinho novo em odres novos, e ambos se conservam. (Mt.9.14-17)
O sangue de Cristo derramado numa cruz é a realidade pela qual somos salvos. Ao derramar todo seu sangue em nosso lugar, ele pagou o preço de nossa redenção, o preço de nosso sangue: realidade substituída pela realidade. Por isso, nenhum sangue de animal poderia pagar o preço do pecado humano, pois o sangue de animais não condiz com a realidade que é o sangue dos homens. Somente o sangue de um verdadeiro homem poderia ser derramado no lugar do sangue de homens: “Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem” (Gn.9.6). Desse modo, o sangue de animais, derramado em sacrifício no Antigo Testamento, era figuras da realidade, verdadeiro sangue que seria derramado por nós, o sangue de Cristo (Cl.2.14). A figura não tem poder em si mesma nem pode concretizar as promessas divinas, caso contrário, o sangue de animais seria suficiente para termos o perdão dos pecados, “porque é impossível que o sangue de touros e de bodes remova pecados” (Hb.10.4). Mas, as figuras são de tal maneira associadas à realidade que ao apropriar-se delas o crente é conduzido à realidade pela qual é abençoado conforme a promessa divina, até que, novamente, a realidade esteja entre nós para sempre.
Em 1 Coríntios 11.26, o apóstolo Paulo nos fala para quem as figuras da Ceia apontam: “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha”. Ao comer do pão da Ceia e beber do vinho (ou suco) que se encontra dentro do cálice da Ceia, o cristão anuncia “a morte do Senhor até que Ele venha”. Dois pontos importantes são destacados aqui: a realidade para a qual os elementos da Ceia apontam e a transitoriedade dos elementos da Ceia por ocasião da chegada da realidade. Ou seja, por mais significativos que sejam os elementos comunicadores das bênçãos divinas, eles não podem substituir a realidade, caso contrário a realidade não seria mais necessária. Os elementos da Ceia nos conduzem para a realidade, semelhante ao que o apóstolo fala sobre a lei cerimonial do Antigo Testamento: “De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé. Mas, tendo vindo a fé, já não permanecemos subordinados ao aio.” (Gl.3.24-25). Ou seja, quando Jesus voltar, as figuras neotestamentárias já não serão mais necessárias, pois a realidade para a qual elas apontavam estará presente conosco: Cristo.
Mas, deveríamos tratar os elementos da Ceia como figuras vazias? Claro que não! Ainda que sejam figuras de uma realidade, tais figuras são verdadeiramente comunicadoras das bênçãos divinas, como o foram as diversas figuras do Antigo Testamento, pelas quais os personagens veterotestamentários tiveram a fé alimentada, ainda que não vissem a realidade “ora, todos estes que obtiveram bom testemunho por sua fé não obtiveram, contudo, a concretização da promessa, por haver Deus provido coisa superior a nosso respeito, para que eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados” (Hb.11.39-40). Ao tomar da Ceia, conscientes da realidade para a qual ela nos aponta, somos fortalecidos pelo Espírito do Senhor que poderosamente comunica ao nosso coração todas as bênçãos advindas da morte de Cristo na cruz do Calvário. Ao tomar da Ceia, conscientes das promessas divinas, somos fortalecidos pelo Espírito Santo que poderosamente fala ao nosso coração sobre a viva esperança na qual devemos estar firmes (1Ts.1.3), tanto em dias maus quanto em dias bons, pois Cristo voltará para trazer novo céu e nova terra (Ap.21-22) onde o mal já não existirá e “Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram” (Ap.21.3-4).
Portanto, os elementos da Ceia são figuras importantíssimas que comunicam para o povo de Deus a obra redentora de Cristo, tanto passado quanto futuro, para que o presente da igreja seja adornado de fé operosa, amor abnegado e firme esperança (1Ts.1.3). Ignorar as figuras (os elementos da Ceia e a própria Ceia) significa ignorar a realidade, pois as figuras instituídas por Deus estão intimamente ligadas à realidade, assim como rasgar uma carta e joga-la fora seria o mesmo que desprezar e ofender aquele que a escreveu. A figura e a realidade estão tão intimamente relacionadas que não é possível desprezar uma sem ferir a outra, como nos diz Paulo: “Por isso, aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor” (1Co.11.27). Por isso, ao nos apropriarmos das figuras também nos apropriamos da realidade, de modo semelhante a uma pessoa que lendo, com muito amor, a carta da pessoa amada, sentirá o amor dela como se desfrutasse de sua presença. A figura não é a realidade, mas a representa enquanto a realidade não está presente para que se possa desfrutar da realidade durante o período transitório de sua ausência. Por essa razão, não se deve amar mais a figura do que a própria realidade, pois isso se constituiria em absurda idolatria, como alguém que ama mais a carta do(a) esposo(a) do que o(a) próprio(a) esposo(a).
Conforme Paulo, o rito da Ceia do Senhor está repleto de conhecimento do Ser de Cristo e de sua obra: encarnação do Verbo, sofrimento, morte substitutiva, ressurreição, ascensão e retorno glorioso (1Co.11.23-26). Por isso, aquele que toma da Ceia está proclamando o Evangelho de Cristo e sua plena fé nele, como uma legítima confissão de fé, um credo dramatizado. Tal proclamação não pode ser inconsciente nem muito menos mecânico. Assim como a proclamação do evangelho ocorre por meio da explicação do ser de Cristo e de sua obra, como nos diz o apóstolo Pedro: “antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós, fazendo-o, todavia, com mansidão e temor, com boa consciência, de modo que, naquilo em que falam contra vós outros, fiquem envergonhados os que difamam o vosso bom procedimento em Cristo” (1Pe.3.15-16), também a participação na Ceia exige que o participante compreenda o evangelho, creia no evangelho e saiba a razão pela qual está se apropriando dos elementos da Ceia do Senhor.
Gostaríamos de destacar alguns termos que aparecem nos versículos seguintes, em 1 Corintios 11.28-32, e que nos mostram o caráter necessariamente reflexivo da Ceia do Senhor, exigindo, assim, que os participantes tenham a capacidade de discernir com clareza aquilo que estão fazendo ao tomar da Ceia. Os termos que desejamos destacar são: dokimazeto (examine), heauton (a si mesmo), diakrinon (aquele que julga), heautu diekrinomen (a si mesmo julgássemos), krinomenoi (aqueles que são julgados), paideuometha (somos corrigidos). O texto é o seguinte:
Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice; 29 pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si. 30 Eis a razão por que há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos que dormem. 31 Porque, se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados. 32 Mas, quando julgados, somos disciplinados pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo. (1Co.11.28-32)
O primeiro termo aparece no início do versículo 28: “examine” (dokimazeto). Ele aparece pela primeira vez no Antigo Testamento no Salmo 17.3: “Sondas-me o coração, de noite me visitas, provas-me no fogo e iniquidade nenhuma encontras em mim; a minha boca não transgride”. Examinar, nesse Salmo, é sondar. O mesmo acontecerá com o Salmo 139.1,23: “SENHOR, tu me sondaste e me conheces [...] Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pensamentos”. O termo aparece 44 vezes em toda a Escritura significando examinar, provar, sondar, testar, experimentar e até valorizar o conhecimento. Em 1 Coríntios 11, Paulo nos diz que o participante da Ceia do Senhor deve sondar ou examinar a si mesmo. Diferente do Salmo 139, onde é Deus quem examina o coração de Davi, em 1 Coríntios é necessário que o participante conheça a si mesmo (heauton): quais as suas intenções, suas crenças, seus desejos, seus pensamentos etc. Ou seja, aquele que se aproxima da Ceia deve saber as razões pelas quais está fazendo isso, caso contrário poderá atrair para si mesmo justa condenação por desprezar a Ceia do Senhor (1Co.11.29).
O verbo discernir (aquele que discerne) que aparece no versículo 29 é o mesmo verbo julgar (aquele que julga - diakrinon), composto de duas palavras: a preposição através (dia) e verbo julgar (krino) que, juntos, formam a seguinte ideia: “através de julgamento”, ou seja, discernimento. Desse modo, Paulo diz que é passivo de juízo aquele que come e bebe sem que seja “através de julgamento” (discernimento). Diferente da estátua com olhos vendados, posta em frente ao planalto da justiça, a justiça conforme a Escritura, é feita com os olhos bem abertos, por isso o termo é traduzível, também, pelo verbo discernir. Esta é a oração de Salomão a Deus: “Dá, pois, ao teu servo coração compreensivo para julgar a teu povo, para que prudentemente discirna entre o bem e o mal; pois quem poderia julgar a este grande povo?” (1Rs.3.9). Deus também julga as nações (Jl.3.12) e suas próprias ovelhas, fazendo distinção de acordo com a justiça, pois vê claramente a realidade e pode dar a cada um segundo as suas obras: “Quanto a vós outras, ó ovelhas minhas, assim diz o SENHOR Deus: Eis que julgarei entre ovelhas e ovelhas, entre carneiros e bodes” (Ez.34.17). Portanto, para julgar é preciso entendimento, a fim de que o juízo seja justo. Paulo afirma que o participante da Ceia do Senhor deve julgar bem aquilo que está fazendo, ou seja, ter compreensão do que significa comer do pão da Ceia e beber do cálice.
Poderíamos perguntar: Você faria de uma criança ou de uma pessoa mentalmente incapaz juiz de um povo? A resposta óbvia é: Não! Ninguém gostaria de ser julgado por uma criança ou por uma pessoa mentalmente incapaz, ainda que ame ambas as pessoas e tenha um completo respeito por elas e lhes dedique cuidado e atenção. O fato é que a incapacidade de julgar com entendimento os impede de ocupar o cargo de juiz, pois todo juiz precisa de discernimento para distinguir o certo do errado. De modo semelhante, não podemos tornar participante da Ceia do Senhor alguém que não tenha a capacidade de discernir o que significa comer do pão e beber do cálice do Senhor, de acordo com o Evangelho de Jesus Cristo que nos foi pregado e crido. A Ceia do Senhor é uma figura profundamente didática que anuncia o Evangelho de Cristo: encarnação do verbo, morte, ressurreição, ascensão e retorno de Cristo (1Co.11.26). Nisto, a Ceia difere do batismo que é um símbolo da participação no povo de Deus, como um selo antigo que identificava as posses de alguém, à semelhança da circuncisão: “E recebeu o sinal da circuncisão como selo da justiça da fé” (Rm.4.11).
Paulo repete a ideia diversas vezes: é preciso julgar o que se está fazendo na Ceia do Senhor. Quando julgamos nossas intenções podemos evitar as más atitudes; quando discernimos o valor das coisas, podemos usufruir delas corretamente. Mas, quando não julgamos a nós mesmos somos levados pelas paixões e necessidades pessoais, tornando-nos culpados diante do justo juiz: o Senhor. Os coríntios não estavam agindo como adultos na fé, como pessoas com discernimento. Se eles estivessem julgando seus pensamentos e atitudes perceberiam quão errado era o que eles estavam fazendo; se eles estivessem discernindo a Ceia do Senhor, não vulgarizariam o Sacramento transformando-o em uma refeição qualquer preparada para satisfazer os apetites mais animalescos, como se o ventre deles fosse seu deus (Fp.3.19). Crianças fazem muitas besteiras, cometem muitos erros, causam danos a si mesmas, e a outros também, por não terem discernimento. Tudo o que elas querem é satisfazer suas necessidades, pois não discernem o real valor das coisas. De modo semelhante, os corintos estavam agindo como crianças sem discernimento e, por isso, também, as crianças não podem discernir a Ceia do Senhor, o corpo de Cristo.
Quando não julgamos a nós mesmos, somos julgados por Deus e corrigidos, a fim de não vivermos em pecado como o mundo que despreza a Deus: “e estais esquecidos da exortação que, como a filhos, discorre convosco: Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és reprovado; porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe” (Hb.12.5-6). O termo utilizado por Paulo em 1 Coríntios 11.32 é paideuo (ensinar, corrigir, aconselhar, repreender), o mesmo utilizado para se referir ao ensino e correção provenientes de Deus para seu povo: “Dos céus te fez ouvir a sua voz, para te ensinar, e sobre a terra te mostrou o seu grande fogo, e do meio do fogo ouviste as suas palavras” (Dt.4.36). O mesmo termo é utilizado para falar do castigo divino aplicado aos homens, diferente do juízo divino destinado aos seus inimigos. O castigo paterno é didático, não condenatório, como nos diz o Salmo 94: “Bem-aventurado o homem, SENHOR, a quem tu repreendes, a quem ensinas a tua lei” (Sl.94.12). E, seguindo o exemplo divino, Paulo ensina Timóteo a pastorear “disciplinando com mansidão os que se opõem, na expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade” (2Tm.2.25).
Portanto, novamente Paulo nos conduz para o caráter reflexivo da Ceia do Senhor. Precisamos agir como maduros na fé, a fim de não sermos corrigidos por Deus. Se o cristão não glorifica a Deus ao participar da Ceia do Senhor, Deus o repreenderá como um Pai faz com seu filho, mostrando para todos a seriedade do caráter solene e proclamatório da Ceia do Senhor. O caráter didático da Ceia do Senhor exige a compreensão daqueles que dela se apropriam. Caso alguém não tenha condições de compreender o significado da Ceia e as implicações dela para a vida do cristão, não deverá participar dela, pois seu caráter não é simplesmente místico nem muito menos vulgar. Sua intima relação com a realidade, que é Cristo, é a razão para a Ceia do Senhor possuir especial significado. Fora dessa associação, o pão e o cálice são elementos comuns presentes no dia a dia na mesa das pessoas, pois é a realidade que confere valor à figura, não o contrário. E foi por meio da realidade que a igreja recebeu todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais em Cristo Jesus (Ef.1.3).
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