“E
orou ao SENHOR e disse: Ah! SENHOR! Não foi isso o que eu disse, estando ainda
na minha terra? Por isso, me adiantei, fugindo para Társis, pois sabia que és
Deus clemente, e misericordioso, e tardio em irar-se, e grande em benignidade,
e que te arrependes do mal” (Jn.4.2)
Quem nunca experimentou as misericórdias de Deus? Creio ser
possível dizer que não existe uma só criatura em toda a criação de Deus que não
tenha experimentado as misericórdias do Criador em algum momento de sua
existência. Mas, nem sempre é possível sabermos que as misericórdias de Deus
estão sendo dispensadas a nós. Certa vez, Jesus disse para Pedro: “Simão,
Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo! Eu, porém,
roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando te
converteres, fortalece os teus irmãos” (Lc.22.31-32). Pedro não fazia ideia
de que havia sido alvo da misericórdia do Senhor, pois Jesus estava cuidando
dele; e, ainda, recebeu uma lição para ser igualmente misericordioso com seus
irmãos na fé. Em quantos acidentes poderíamos ser envolvidos, mas o Senhor nos
livrou? Quantas vezes ele nos mandou provisão sem que soubéssemos? Além disso,
nem fazemos ideia das vezes em que Deus nos livrou das investidas do diabo. As
misericórdias de Deus vão muito além do que nossos olhos alcançam; e, devemos
aprender com elas, também.
Mas, o que é misericórdia? Ela não deve ser associada apenas
aos momentos em que alguém precisa de perdão por ter cometido algum pecado. A
misericórdia é o sentimento-atitude destinado a alguém que precisa de qualquer
tipo de ajuda (compaixão), independente de sua condição moral. Não é preciso
que haja algum pecado para a misericórdia entrar em ação. Quando uma pessoa
necessitada pede ajuda, aqueles que se dispõe a ajudar estão agindo com
misericórdia. Por isso, podemos dizer que todas as criaturas já desfrutaram da
misericórdia divina em algum momento, pois todos dependem do Criador e dEle tem
necessidade em relação a tudo: vida, sustento, carências pessoais, livramentos,
vontades, perdão etc. “Em ti esperam os olhos de todos, e tu, a seu tempo,
lhes dás o alimento” (Sl.145.15).
Ainda que as misericórdias de Deus estejam presentes em
tudo, a maior expressão da misericórdia do Senhor encontra-se na redenção do
pecador (Rm.5.8). E o livro de Jonas nos mostra como Deus é riquíssimo em
misericórdia, pronto para perdoar os pecados daqueles que se achegam
humildemente a Ele. O capítulo quatro nos mostra que o propósito do livro é
dúplice: 1. Primeiramente, Jonas engrandece as misericórdias de Deus que não
somente são dispensadas sobre Israel como, também, se estendem a toda a
criação, mostrando-se acessível a qualquer um que o invoque em verdade. 2. Em
segundo lugar, o livro convida seu povo a ser igualmente misericordioso,
dispondo-se a receber todo aquele que se achegar, pois a escolha de Israel
deveria ser vista como instrumento para abençoar as nações a seu redor
(Gn.12.1-3). E a melhor forma de se mostrar misericórdia é perdoando e
acolhendo o pecador.
O capítulo quatro do livro de Jonas coroa esplendidamente as
misericórdias de Deus manifestas sobre diversos personagens que apareceram no
decurso do enredo apresentado nos capítulos anteriores (marinheiros, Jonas,
ninivitas). O último capítulo do livro é dedicado ao diálogo entre o profeta e
Deus. Mais uma vez, Jonas eleva a Deus sua voz em oração e o Senhor lhe
responde. Contudo, enquanto os três capítulos anteriores são tensos, cheios de
fortes emoções (grande tempestade no mar, naufrágio de Jonas e agitação dos
cidadãos de Nínive), o quarto capítulo do livro se desenrola em um lugar
isolado e tranquilo, ressaltando, desse modo, a agitação do coração de Jonas,
repleto de fortes emoções erradas. É para esse coração agitado que Deus sopra
sua voz suave, a fim de acalma-lo, ensinando-lhe a pureza e a beleza de suas
ternas misericórdias presentes em toda a criação, como bem testemunhou Jonas em
sua jornada, desde a cidade de Jope (Jn.1.3).
Mas, quão duro o coração do homem se tornou após o pecado! Como
alguém pode ficar desgostoso e irado por ver que a misericórdia de Deus estava
sendo manifesta na vida de muitos pecadores (Jn.3.10//4.1)? Todavia, não vamos crucificar
Jonas, afinal também é possível ver esse tão triste sentimento-atitude presente
entre cristãos de nossos dias, entre pastores, presbíteros e ovelhas. A atual
guerra fria política que estamos vivendo no cenário brasileiro (e, também
mundial) é uma clara demonstração da dureza do coração do homem, pois até os
cristãos estão divididos partidariamente, a tal ponto de algumas pessoas
preferirem uma desgraça nacional a ver seu oponente político ser bem-sucedido em
seu mandato. Jonas teve um sentimento parecido para com os ninivitas, povo
adversário de Israel. O profeta preferia ver a destruição da grande cidade de
Nínive a presenciar a conversão daqueles pecadores.
Mesmo que Jonas tenha resolvido obedecer a Deus indo pregar
para a cidade de Nínive, conforme ordenança divina (Jn.3.1-4), seu coração não
havia mudado, pois ele ainda guardava certa expectativa de que o juízo do
Senhor fosse derramado sobre a cidade, semelhante ao que ocorrera com Sodoma e
Gomorra (Gn.19): “Viu Deus o que fizeram, como se converteram do seu mau
caminho; e Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria e não o fez. Com
isso, desgostou-se Jonas extremamente e ficou irado.” (Jn.3.10-4.1). Jonas
deve ter ficado ansioso pelo término do prazo estipulado por Deus: quarenta
dias (Jn.3.4). Ele poderia ter voltado para sua terra, mas preferiu fazer um
abrigo fora da cidade para ver o que aconteceria com ela (Jn.4.5). Portanto,
ele esperava que os ninivitas mantivessem o coração endurecido diante de sua
pregação, ignorando a advertência divina, e então fossem consumidos pelo juízo de
Deus. Contudo, o profeta não percebeu que o único coração duro naquela ocasião
era o seu próprio que ao ver os gestos de arrependimento e conversão dos
ninivitas se mostra extremamente desgostoso e irado.
O pecado tornou o coração do homem indisposto para com o
próximo. Inveja, maldade, egoísmo, orgulho, indiferença, rancor e ódio
tornaram-se sentimentos comuns aos pecadores, destruindo todas as relações
pessoais da sociedade. E além de todo o dano causado aos relacionamentos
humanos, o pecado ainda deformou o relacionamento entre o homem e Deus. O
diálogo final do livro não traz uma boa imagem do profeta que parece esquecer
de quem é Deus com o qual ele estava falando. Jonas não demonstra respeito,
reverência, temor nem humildade em seu diálogo. Enquanto o profeta Isaías temeu
olhar para Deus por causa da visão que recebeu do Senhor (Is.6.1-7), Jonas não
parece estar incomodado com o fato de que o Criador de todas as coisas estava
presente falando com Ele. O pecado corrompe a cosmovisão humana, deformando todo
seu modo de pensar, falar e agir. O comportamento do profeta tornou-se
semelhante ao de uma criança mimada que bate os pés ao chão exigindo que sua
vontade seja feita por aqueles que detém toda autoridade sobre ela.
“Eu ou eles!” Assim, soam as palavras de Jonas: “Peço-te,
pois, ó SENHOR, tira-me a vida, porque melhor me é morrer do que viver. E disse
o SENHOR: É razoável essa tua ira? Então, Jonas saiu da cidade, e assentou-se
ao oriente da mesma, e ali fez uma enramada, e repousou debaixo dela, à sombra,
até ver o que aconteceria à cidade.” (Jn.4.3-5). Parece-nos que Jonas esperava
uma escolha divina entre ele e a cidade de Nínive, pois após o diálogo com
Deus, o profeta pede a morte e sai para aguardar o que acontece com a cidade. Jonas
não está deprimido, nem coisa parecida. Ele estava irado. Ver as misericórdias
do Senhor entrarem em ação em favor dos ninivitas o deixou sobremaneira irado e
desgostoso. Por essa razão, impensadamente, o profeta pede a morte para si.
Jonas estava tão consumido por seu ódio aos ninivitas que não percebe os muitos
pecados que comete contra Deus. Ele age como se o Criador precisasse dele ou
lhe devesse algum favor. Bem que Jonas precisava ouvir as seguintes Palavras de
Paulo: “Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento
de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus
caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu
conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído?
Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a
glória eternamente. Amém!” (Rm.11.33-36).
Todavia, enquanto Jonas se mostra preso a sentimentos-atitudes
pecaminosos de seu coração, Deus revela quão paciente e misericordioso é com
seu povo e com todos os que o invocam em verdade, a ponto de suportar as muitas
falhas daquele profeta duro de coração. O Senhor poderia dar um basta em todo o
comportamento mimado de Jonas, mas prefere lhe ensinar com graça e
misericórdia, tornando toda aquela experiência em uma importante lição sobre a
necessidade de se desenvolver a misericórdia para com terceiros. Jonas deveria
observar a forma como o Senhor tratara misericordiosamente todas as pessoas que
apareceram durante seu percurso de Jope a Nínive e o modo como suportara
pacientemente a dureza de coração do próprio profeta. O apóstolo Paulo age de
modo semelhante em sua carta a Filemom, ensinando-lhe a agir com amor ao
escravo fujão Onésimo: “Pois bem, ainda que eu sinta plena liberdade em
Cristo para te ordenar o que convém, prefiro, todavia, solicitar em nome do
amor” (Fm.8-9).
Ainda que sejamos obrigados a agir de modo correto, Deus
quer que façamos a sua vontade com satisfação e plena consciência. Por isso, o
cristão deve desenvolver profundamente os três grandes mandamentos do amor: 1. Amar
a Deus de todo o coração, de toda a alma e de toda a força (Dt.6.5; Mt.22.37-38);
2. Amar o próximo como a si mesmo (Mt.22.39); 3. Amar os irmãos na fé assim
como Cristo os amou (Jo.13.34-35). Ou seja, Deus quer que o ser humano obedeça
a sua Palavra, gostando ou não gostando, pois é dever de todos os homens o
fazer a sua vontade, cumprindo seus mandamentos. Como disse o profeta Samuel: “Eis
que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender, melhor do que a
gordura de carneiros” (1Sm.15.22). Todavia, obedecer ao Senhor com
satisfação é ainda melhor, pois demonstra consciente amor a Deus, e isso é
muito agradável ao Criador. Conforme falou o apóstolo Paulo: “Se anuncio o
evangelho, não tenho de que me gloriar, pois sobre mim pesa essa obrigação;
porque ai de mim se não pregar o evangelho! Se o faço de livre vontade, tenho
galardão; mas, se constrangido, é, então, a responsabilidade de despenseiro que
me está confiada” (1Co.9.16-17).
Então, Deus decide dar mais uma lição ao profeta de coração
endurecido. Estando Jonas fora da cidade, mal abrigado e exposto ao sol, “fez
o SENHOR Deus nascer uma planta, que subiu por cima de Jonas, para que fizesse
sombra sobre a sua cabeça, a fim de o livrar do seu desconforto. Jonas, pois,
se alegrou em extremo por causa da planta” (Jn.4.6). Por todos os
sentimentos-atitudes que o profeta demonstrara desde o início de sua jornada,
era evidente que ele não merecia a bondade de Deus. Contudo, o Senhor o abençoa
mesmo assim, alegrando seu coração com uma agradável sombra promovida por uma planta
que nasce para esse fim. Aquela planta foi enviada da parte de Deus para trazer
conforto a seu corpo esmorecido por causa do sol, e Jonas viu quão bom foi o
alento recebido. De quão maior conforto necessitavam as almas daqueles
pecadores à beira da condenação? Jonas havia sido enviado para alento da alma dos
ninivitas que também não mereciam a bondade divina, mas que poderiam recebe-la
mesmo assim, por causa da grandeza das misericórdias de Deus.
Todavia, o profeta estava tão voltado para si mesmo que
todos os seus bons sentimentos se referiam apenas a seus anseios e necessidades
atendidos. Jonas se alegra com a bênção divina derramada sobre ele, mas fica
revoltado com a misericórdia do Senhor dispensada sobre os ninivitas arrependidos.
De modo semelhante, em sua primeira oração, estando no ventre do grande peixe
(Jn.2), Jonas clamou por misericórdia e louvou a Deus por ser misericordioso.
Porém, foi à cidade de Nínive pregar o evangelho com a expectativa de ela não recebesse
igual misericórdia da parte de Deus. Jonas experimentou as benevolências do
Senhor e se alegrou com elas, mas não as desejava para a grande cidade de
Nínive, mantendo-se irado e desgostoso até o fim:
Então, perguntou Deus a Jonas: É razoável essa tua ira por causa da planta?
Ele respondeu: É razoável a minha ira até à morte. 10 Tornou o SENHOR: Tens compaixão
da planta que te não custou trabalho, a qual não fizeste crescer, que numa
noite nasceu e numa noite pereceu; 11
e não hei de eu ter compaixão da grande cidade de Nínive, em que há mais de
cento e vinte mil pessoas, que não sabem discernir entre a mão direita e a mão
esquerda, e também muitos animais? (Jn.4.9-11)
O exclusivismo e a dureza de coração de Jonas podem ser
vistos nos escribas e fariseus dos dias de Jesus. Eles gostavam de ser
abençoados, mas não sentiam satisfação em ver as bênçãos do Senhor serem derramadas
sobre outros, principalmente se não fizessem parte do grupo deles. Foi por essa
razão que eles perseguiram Jesus e seus discípulos durante todo o ministério de
Cristo, afinal não tinham qualquer razão teológica ou moral para os condenarem.
Essa indisposição pecaminosa dos escribas e fariseus contra Jesus tornou-se tão
evidente que até Pilatos percebeu que haviam denunciado a Cristo por inveja (Mt.27.18).
Por isso, Jesus os advertiu mais de uma vez a serem misericordiosos com as
pessoas: “Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero e não
holocaustos; pois não vim chamar justos, e sim pecadores ao arrependimento.”
(Mt.9.13). “Mas, se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero e não
holocaustos, não teríeis condenado inocentes” (Mt.12.7).
O fenômeno do denominacionalismo cristão trouxe um grande
malefício para o cristianismo: a dureza do espírito exclusivista. Pastores têm
trabalhado para apresentar relatórios maiores do que os outros; cristãos têm
evangelizado para fazer sua denominação crescer mais do que as outras. Não se
trata mais de amor aos perdidos nem de misericórdia para com aqueles que são
escravos do império das trevas. Nem mesmo podemos dizer que seja uma questão de
amor a Deus e prazer em fazer sua obra para o louvor de sua glória. Não se
trabalha mais pelo Reino de Deus, mas pela denominação à qual se pertence. Os
números existem para mostrar quem é o maior. Cristãos não ficam mais felizes
por ver a aparente salvação de pecadores, mas pelo aumento do número de membros
em uma igreja local. Por isso, há, também, tantas intrigas, perseguições e divisões
dentro das denominações, quer em concílios quer em igrejas locais.
Olhe para a misericórdia de Deus manifesta em todo o livro
de Jonas, pois é para ela que o livro nos aponta. A forma como Deus tratou com
misericórdia os diversos personagens que aparecem no livro serve de grande alento
a seu coração cansado de tantas falhas e, também, visa ensinar-lhe a ser
misericordioso(a) com outras pessoas que carecem de igual benefício, pois possuem
um coração igualmente pecador. Por meio do livro de Jonas, Deus fala
profundamente a nosso coração trazendo esperança em dias maus, quando nos consideramos
os piores de todos os pecadores, quando nos sentimos os mais indignos de todos
os homens. Em Jonas, vislumbramos a perfeita dramatização das doces palavras do
apóstolo Paulo: “Mas, onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm.5.20).
Então, não desista da caminhada cristã! Encha seu coração de esperança e clame
pelas misericórdias de Deus, “olhando firmemente para o Autor e Consumador
da fé, Jesus” (Hb.12.2).
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