Pages

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Jonas (4.1-11) - A grandeza das misericórdias de Deus


E orou ao SENHOR e disse: Ah! SENHOR! Não foi isso o que eu disse, estando ainda na minha terra? Por isso, me adiantei, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus clemente, e misericordioso, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e que te arrependes do mal” (Jn.4.2)

Quem nunca experimentou as misericórdias de Deus? Creio ser possível dizer que não existe uma só criatura em toda a criação de Deus que não tenha experimentado as misericórdias do Criador em algum momento de sua existência. Mas, nem sempre é possível sabermos que as misericórdias de Deus estão sendo dispensadas a nós. Certa vez, Jesus disse para Pedro: “Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo! Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando te converteres, fortalece os teus irmãos” (Lc.22.31-32). Pedro não fazia ideia de que havia sido alvo da misericórdia do Senhor, pois Jesus estava cuidando dele; e, ainda, recebeu uma lição para ser igualmente misericordioso com seus irmãos na fé. Em quantos acidentes poderíamos ser envolvidos, mas o Senhor nos livrou? Quantas vezes ele nos mandou provisão sem que soubéssemos? Além disso, nem fazemos ideia das vezes em que Deus nos livrou das investidas do diabo. As misericórdias de Deus vão muito além do que nossos olhos alcançam; e, devemos aprender com elas, também.

Mas, o que é misericórdia? Ela não deve ser associada apenas aos momentos em que alguém precisa de perdão por ter cometido algum pecado. A misericórdia é o sentimento-atitude destinado a alguém que precisa de qualquer tipo de ajuda (compaixão), independente de sua condição moral. Não é preciso que haja algum pecado para a misericórdia entrar em ação. Quando uma pessoa necessitada pede ajuda, aqueles que se dispõe a ajudar estão agindo com misericórdia. Por isso, podemos dizer que todas as criaturas já desfrutaram da misericórdia divina em algum momento, pois todos dependem do Criador e dEle tem necessidade em relação a tudo: vida, sustento, carências pessoais, livramentos, vontades, perdão etc. “Em ti esperam os olhos de todos, e tu, a seu tempo, lhes dás o alimento” (Sl.145.15).

Ainda que as misericórdias de Deus estejam presentes em tudo, a maior expressão da misericórdia do Senhor encontra-se na redenção do pecador (Rm.5.8). E o livro de Jonas nos mostra como Deus é riquíssimo em misericórdia, pronto para perdoar os pecados daqueles que se achegam humildemente a Ele. O capítulo quatro nos mostra que o propósito do livro é dúplice: 1. Primeiramente, Jonas engrandece as misericórdias de Deus que não somente são dispensadas sobre Israel como, também, se estendem a toda a criação, mostrando-se acessível a qualquer um que o invoque em verdade. 2. Em segundo lugar, o livro convida seu povo a ser igualmente misericordioso, dispondo-se a receber todo aquele que se achegar, pois a escolha de Israel deveria ser vista como instrumento para abençoar as nações a seu redor (Gn.12.1-3). E a melhor forma de se mostrar misericórdia é perdoando e acolhendo o pecador.

O capítulo quatro do livro de Jonas coroa esplendidamente as misericórdias de Deus manifestas sobre diversos personagens que apareceram no decurso do enredo apresentado nos capítulos anteriores (marinheiros, Jonas, ninivitas). O último capítulo do livro é dedicado ao diálogo entre o profeta e Deus. Mais uma vez, Jonas eleva a Deus sua voz em oração e o Senhor lhe responde. Contudo, enquanto os três capítulos anteriores são tensos, cheios de fortes emoções (grande tempestade no mar, naufrágio de Jonas e agitação dos cidadãos de Nínive), o quarto capítulo do livro se desenrola em um lugar isolado e tranquilo, ressaltando, desse modo, a agitação do coração de Jonas, repleto de fortes emoções erradas. É para esse coração agitado que Deus sopra sua voz suave, a fim de acalma-lo, ensinando-lhe a pureza e a beleza de suas ternas misericórdias presentes em toda a criação, como bem testemunhou Jonas em sua jornada, desde a cidade de Jope (Jn.1.3).

Mas, quão duro o coração do homem se tornou após o pecado! Como alguém pode ficar desgostoso e irado por ver que a misericórdia de Deus estava sendo manifesta na vida de muitos pecadores (Jn.3.10//4.1)? Todavia, não vamos crucificar Jonas, afinal também é possível ver esse tão triste sentimento-atitude presente entre cristãos de nossos dias, entre pastores, presbíteros e ovelhas. A atual guerra fria política que estamos vivendo no cenário brasileiro (e, também mundial) é uma clara demonstração da dureza do coração do homem, pois até os cristãos estão divididos partidariamente, a tal ponto de algumas pessoas preferirem uma desgraça nacional a ver seu oponente político ser bem-sucedido em seu mandato. Jonas teve um sentimento parecido para com os ninivitas, povo adversário de Israel. O profeta preferia ver a destruição da grande cidade de Nínive a presenciar a conversão daqueles pecadores.

Mesmo que Jonas tenha resolvido obedecer a Deus indo pregar para a cidade de Nínive, conforme ordenança divina (Jn.3.1-4), seu coração não havia mudado, pois ele ainda guardava certa expectativa de que o juízo do Senhor fosse derramado sobre a cidade, semelhante ao que ocorrera com Sodoma e Gomorra (Gn.19): “Viu Deus o que fizeram, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria e não o fez. Com isso, desgostou-se Jonas extremamente e ficou irado.” (Jn.3.10-4.1). Jonas deve ter ficado ansioso pelo término do prazo estipulado por Deus: quarenta dias (Jn.3.4). Ele poderia ter voltado para sua terra, mas preferiu fazer um abrigo fora da cidade para ver o que aconteceria com ela (Jn.4.5). Portanto, ele esperava que os ninivitas mantivessem o coração endurecido diante de sua pregação, ignorando a advertência divina, e então fossem consumidos pelo juízo de Deus. Contudo, o profeta não percebeu que o único coração duro naquela ocasião era o seu próprio que ao ver os gestos de arrependimento e conversão dos ninivitas se mostra extremamente desgostoso e irado.

O pecado tornou o coração do homem indisposto para com o próximo. Inveja, maldade, egoísmo, orgulho, indiferença, rancor e ódio tornaram-se sentimentos comuns aos pecadores, destruindo todas as relações pessoais da sociedade. E além de todo o dano causado aos relacionamentos humanos, o pecado ainda deformou o relacionamento entre o homem e Deus. O diálogo final do livro não traz uma boa imagem do profeta que parece esquecer de quem é Deus com o qual ele estava falando. Jonas não demonstra respeito, reverência, temor nem humildade em seu diálogo. Enquanto o profeta Isaías temeu olhar para Deus por causa da visão que recebeu do Senhor (Is.6.1-7), Jonas não parece estar incomodado com o fato de que o Criador de todas as coisas estava presente falando com Ele. O pecado corrompe a cosmovisão humana, deformando todo seu modo de pensar, falar e agir. O comportamento do profeta tornou-se semelhante ao de uma criança mimada que bate os pés ao chão exigindo que sua vontade seja feita por aqueles que detém toda autoridade sobre ela.

“Eu ou eles!” Assim, soam as palavras de Jonas: “Peço-te, pois, ó SENHOR, tira-me a vida, porque melhor me é morrer do que viver. E disse o SENHOR: É razoável essa tua ira? Então, Jonas saiu da cidade, e assentou-se ao oriente da mesma, e ali fez uma enramada, e repousou debaixo dela, à sombra, até ver o que aconteceria à cidade.” (Jn.4.3-5). Parece-nos que Jonas esperava uma escolha divina entre ele e a cidade de Nínive, pois após o diálogo com Deus, o profeta pede a morte e sai para aguardar o que acontece com a cidade. Jonas não está deprimido, nem coisa parecida. Ele estava irado. Ver as misericórdias do Senhor entrarem em ação em favor dos ninivitas o deixou sobremaneira irado e desgostoso. Por essa razão, impensadamente, o profeta pede a morte para si. Jonas estava tão consumido por seu ódio aos ninivitas que não percebe os muitos pecados que comete contra Deus. Ele age como se o Criador precisasse dele ou lhe devesse algum favor. Bem que Jonas precisava ouvir as seguintes Palavras de Paulo: “Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Rm.11.33-36).

Todavia, enquanto Jonas se mostra preso a sentimentos-atitudes pecaminosos de seu coração, Deus revela quão paciente e misericordioso é com seu povo e com todos os que o invocam em verdade, a ponto de suportar as muitas falhas daquele profeta duro de coração. O Senhor poderia dar um basta em todo o comportamento mimado de Jonas, mas prefere lhe ensinar com graça e misericórdia, tornando toda aquela experiência em uma importante lição sobre a necessidade de se desenvolver a misericórdia para com terceiros. Jonas deveria observar a forma como o Senhor tratara misericordiosamente todas as pessoas que apareceram durante seu percurso de Jope a Nínive e o modo como suportara pacientemente a dureza de coração do próprio profeta. O apóstolo Paulo age de modo semelhante em sua carta a Filemom, ensinando-lhe a agir com amor ao escravo fujão Onésimo: “Pois bem, ainda que eu sinta plena liberdade em Cristo para te ordenar o que convém, prefiro, todavia, solicitar em nome do amor” (Fm.8-9).

Ainda que sejamos obrigados a agir de modo correto, Deus quer que façamos a sua vontade com satisfação e plena consciência. Por isso, o cristão deve desenvolver profundamente os três grandes mandamentos do amor: 1. Amar a Deus de todo o coração, de toda a alma e de toda a força (Dt.6.5; Mt.22.37-38); 2. Amar o próximo como a si mesmo (Mt.22.39); 3. Amar os irmãos na fé assim como Cristo os amou (Jo.13.34-35). Ou seja, Deus quer que o ser humano obedeça a sua Palavra, gostando ou não gostando, pois é dever de todos os homens o fazer a sua vontade, cumprindo seus mandamentos. Como disse o profeta Samuel: “Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender, melhor do que a gordura de carneiros” (1Sm.15.22). Todavia, obedecer ao Senhor com satisfação é ainda melhor, pois demonstra consciente amor a Deus, e isso é muito agradável ao Criador. Conforme falou o apóstolo Paulo: “Se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, pois sobre mim pesa essa obrigação; porque ai de mim se não pregar o evangelho! Se o faço de livre vontade, tenho galardão; mas, se constrangido, é, então, a responsabilidade de despenseiro que me está confiada” (1Co.9.16-17).

Então, Deus decide dar mais uma lição ao profeta de coração endurecido. Estando Jonas fora da cidade, mal abrigado e exposto ao sol, “fez o SENHOR Deus nascer uma planta, que subiu por cima de Jonas, para que fizesse sombra sobre a sua cabeça, a fim de o livrar do seu desconforto. Jonas, pois, se alegrou em extremo por causa da planta” (Jn.4.6). Por todos os sentimentos-atitudes que o profeta demonstrara desde o início de sua jornada, era evidente que ele não merecia a bondade de Deus. Contudo, o Senhor o abençoa mesmo assim, alegrando seu coração com uma agradável sombra promovida por uma planta que nasce para esse fim. Aquela planta foi enviada da parte de Deus para trazer conforto a seu corpo esmorecido por causa do sol, e Jonas viu quão bom foi o alento recebido. De quão maior conforto necessitavam as almas daqueles pecadores à beira da condenação? Jonas havia sido enviado para alento da alma dos ninivitas que também não mereciam a bondade divina, mas que poderiam recebe-la mesmo assim, por causa da grandeza das misericórdias de Deus.

Todavia, o profeta estava tão voltado para si mesmo que todos os seus bons sentimentos se referiam apenas a seus anseios e necessidades atendidos. Jonas se alegra com a bênção divina derramada sobre ele, mas fica revoltado com a misericórdia do Senhor dispensada sobre os ninivitas arrependidos. De modo semelhante, em sua primeira oração, estando no ventre do grande peixe (Jn.2), Jonas clamou por misericórdia e louvou a Deus por ser misericordioso. Porém, foi à cidade de Nínive pregar o evangelho com a expectativa de ela não recebesse igual misericórdia da parte de Deus. Jonas experimentou as benevolências do Senhor e se alegrou com elas, mas não as desejava para a grande cidade de Nínive, mantendo-se irado e desgostoso até o fim:

Então, perguntou Deus a Jonas: É razoável essa tua ira por causa da planta? Ele respondeu: É razoável a minha ira até à morte.  10 Tornou o SENHOR: Tens compaixão da planta que te não custou trabalho, a qual não fizeste crescer, que numa noite nasceu e numa noite pereceu;  11 e não hei de eu ter compaixão da grande cidade de Nínive, em que há mais de cento e vinte mil pessoas, que não sabem discernir entre a mão direita e a mão esquerda, e também muitos animais? (Jn.4.9-11)

O exclusivismo e a dureza de coração de Jonas podem ser vistos nos escribas e fariseus dos dias de Jesus. Eles gostavam de ser abençoados, mas não sentiam satisfação em ver as bênçãos do Senhor serem derramadas sobre outros, principalmente se não fizessem parte do grupo deles. Foi por essa razão que eles perseguiram Jesus e seus discípulos durante todo o ministério de Cristo, afinal não tinham qualquer razão teológica ou moral para os condenarem. Essa indisposição pecaminosa dos escribas e fariseus contra Jesus tornou-se tão evidente que até Pilatos percebeu que haviam denunciado a Cristo por inveja (Mt.27.18). Por isso, Jesus os advertiu mais de uma vez a serem misericordiosos com as pessoas: “Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero e não holocaustos; pois não vim chamar justos, e sim pecadores ao arrependimento.” (Mt.9.13). “Mas, se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero e não holocaustos, não teríeis condenado inocentes” (Mt.12.7).

O fenômeno do denominacionalismo cristão trouxe um grande malefício para o cristianismo: a dureza do espírito exclusivista. Pastores têm trabalhado para apresentar relatórios maiores do que os outros; cristãos têm evangelizado para fazer sua denominação crescer mais do que as outras. Não se trata mais de amor aos perdidos nem de misericórdia para com aqueles que são escravos do império das trevas. Nem mesmo podemos dizer que seja uma questão de amor a Deus e prazer em fazer sua obra para o louvor de sua glória. Não se trabalha mais pelo Reino de Deus, mas pela denominação à qual se pertence. Os números existem para mostrar quem é o maior. Cristãos não ficam mais felizes por ver a aparente salvação de pecadores, mas pelo aumento do número de membros em uma igreja local. Por isso, há, também, tantas intrigas, perseguições e divisões dentro das denominações, quer em concílios quer em igrejas locais.

Olhe para a misericórdia de Deus manifesta em todo o livro de Jonas, pois é para ela que o livro nos aponta. A forma como Deus tratou com misericórdia os diversos personagens que aparecem no livro serve de grande alento a seu coração cansado de tantas falhas e, também, visa ensinar-lhe a ser misericordioso(a) com outras pessoas que carecem de igual benefício, pois possuem um coração igualmente pecador. Por meio do livro de Jonas, Deus fala profundamente a nosso coração trazendo esperança em dias maus, quando nos consideramos os piores de todos os pecadores, quando nos sentimos os mais indignos de todos os homens. Em Jonas, vislumbramos a perfeita dramatização das doces palavras do apóstolo Paulo: “Mas, onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm.5.20). Então, não desista da caminhada cristã! Encha seu coração de esperança e clame pelas misericórdias de Deus, “olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus” (Hb.12.2).

Nenhum comentário:

Postar um comentário