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terça-feira, 14 de abril de 2020

O testemunho de Cristo no cristão


Ora, tendo Cristo sofrido na carne, armai-vos também vós do mesmo pensamento; pois aquele que sofreu na carne deixou o pecado, para que, no tempo que vos resta na carne, já não vivais de acordo com as paixões dos homens, mas segundo a vontade de Deus” (1Pe.4.1-2)

Cristo fala! Essa verdade é fundamental dentro do cristianismo e tem ecoado por dois mil anos. Mas, como Cristo fala? Primariamente, a Escritura nos diz que Cristo fala por meio de sua Santa Palavra, conforme nos diz o início do livro de Hebreus: “Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo” (Hb.1.1-2). A Palavra de Deus é a revelação de Deus para seu povo e, por meio dela, Deus fala. Mas, como essa palavra chega até o mundo? Como Cristo fala ao mundo a Sua Palavra? Desejamos fazer uma sucinta exposição de 1 Pedro 3.1-4.7, onde o apóstolo exorta os destinatários sobre a necessidade do testemunho cristão dentro do relacionamento familiar (1Pe.3.1-7), no relacionamento entre os irmãos na fé (1Pe.3.8-12) e no relacionamento com a sociedade, mesmo que seja em contexto de perseguição (1Pe.3.13-4.7).

O testemunho cristão tem que começar em casa. É para lá que os versículos 1 a 7 nos conduzem: para o testemunho familiar tanto da esposa quanto do esposo. O testemunho de um cristão fiel é importante adorno capaz de atrair os pagãos para Cristo Jesus, como nos diz Pedro: “Mulheres, sede vós, igualmente, submissas a vosso próprio marido, para que, se ele ainda não obedece à palavra, seja ganho, sem palavra alguma, por meio do procedimento de sua esposa, ao observar o vosso honesto comportamento cheio de temor” (1Pe.3.1-2). O cerne do evangelho é a morte e ressurreição de Cristo (1Co.15.1-4), mas suas implicações devem ser vistas na vida de cada cristão (Gl.2.20). Por isso, Pedro tem uma grande preocupação prática em sua carta e pretende conduzir os cristãos a uma vida agradável a Deus no dia a dia. Na carta de Pedro, a profissão de fé do cristão não é expressa apenas em palavras, mas, sobretudo, em ações condizentes com a nova vida que Cristo dá através da dádiva do Espírito Santo. E a piedade da vida cristã deve começar em casa.

A igreja deve ser constantemente ensinada a fazer missões. Contudo, não pode se esquecer que a missão do marido, da esposa, dos pais e dos filhos começa em casa. E antes que uma só palavra saia da boca de qualquer um deles, o apóstolo exorta os cristãos a serem exemplares, cada qual naquilo para o qual Deus chamou. Devemos observar que Pedro trata o casamento como uma instituição estabelecida por Deus em que os cônjuges devem cuidar com o propósito de submetê-lo a Cristo, o “que é de grande valor diante de Deus” (1Pe.3.4). Dentro do casamento, os cristãos tem a oportunidade de desenvolver um testemunho fiel, próprio daqueles que esperam em Deus (1Pe.3.5), “porque sois, juntamente, herdeiros da mesma graça de vida” (1Pe.3.7). Desse modo, suas orações subirão a Deus de modo agradável, pois procedem de corações sinceros que realmente buscam uma vida agradável ao Senhor, mesmo longe dos holofotes da sociedade. Então, se você quer servir a Deus e dar testemunho de sua fé para as pessoas, comece em casa sendo exemplo em tudo.

A descrição que Pedro dá acerca da conduta do homem e da mulher não deixa espaço algum para ideologias feministas nem machistas, muito menos hedonistas. O “ego” do ser humano não é o centro da vida familiar ou social, portanto o comportamento do homem e da mulher não devem ser regidos por aquilo que melhor satisfaz seus corações. Não há lugar para o empoderamento feminino, pois a beleza e a força da mulher devem estar em seu comportamento cheio de temor a Deus (1Pe.3.2). De modo semelhante, a força do homem não é usada para tirar vantagens sobre o outro, mas para defender o mais fraco (1Pe.3.7). Na vida familiar e social o homem e a mulher, criados à imagem e semelhança do Criador, devem manifestar ao máximo os atributos, chamados de fruto do Espírito, pelo apóstolo Paulo: “o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio” (Gl.5.22-23). Conforme o apóstolo Pedro, esse fruto do Espírito deve ser externado através do testemunho cristão que começa em casa.

O versículo 8 liga os versículos anteriores aos subsequentes, dentro da mesma temática: o testemunho cristão. Mas, enquanto os versículos de 1 a 7 falam do testemunho dentro do contexto doméstico, nos versículos 8 adiante o apóstolo amplia o assunto para todas as demais relações, tanto dentro quanto fora da igreja de Cristo, a começar pela necessidade de que a igreja dê se testemunho por meio de suas relações internas. Vejamos em forma de tópicos, como deve ser o procedimento do cristão em seu relacionamento dentro da igreja (1Pe.3.8-12):

1. Simpáticos para com as pessoas (v.8)
2. Com amor para com os irmãos na fé (v.8)
3. Compassivos diante das necessidades do próximo (v.8)
4. Humildes no modo de tratar os outros (v.8)
5. Que não paga o mal com o mal, antes faz o bem a todos esperando sempre em Deus (v.9)
E, conforme diz a Escritura (Sl.34.12-16):
6. Pronto para falar com sabedoria, sem usar a língua para o que é mau (v.10)
7. Separado de todo mal para fazer somente aquilo que é bom diante de Deus (v.11)
8. Pacificador diligente que busca a paz com todos os homens (v.11)
9. Fazer o que agrada a Deus, vivendo sempre na plena dependência do Senhor (v.12)

Junto às exortações para que os cristãos dessem bom testemunho, Pedro oferece o consolo de uma antiga promessa revelada no Salmo 34.15-16: “Os olhos do SENHOR repousam sobre os justos, e os seus ouvidos estão abertos ao seu clamor. O rosto do SENHOR está contra os que praticam o mal, para lhes extirpar da terra a memória”. Os cristãos deveriam fazer tudo por amor a Deus, cientes de que o Senhor estaria acompanhando cada passo de seu povo e, nos dias maus, ouviria suas vozes clamando por socorro (Fp.4.6). Contudo, quem socorreria aqueles que, em vez de darem bom testemunho, estivessem praticando o mal? O bom proceder do cristão agrada a Deus e adorna seu clamor no dia em que eleva a voz em oração ao Senhor. Enquanto isso, os ímpios serão eliminados da terra por meio do juízo divino. Portanto, o cristão deve seguir sua vida dando bom testemunho, sabendo que o Senhor fará justiça e juízo no devido tempo. Desse modo, em vez do cristão tentar fazer justiça com suas próprias forças, reagindo contra a maldade de seus algozes, ele deve esperar no Senhor, sabendo que Deus está no controle de todas as coisas.

O apóstolo segue o assunto com uma pergunta: Quem vai maltratar vocês se fizerem o que é bom? (1Pe.3.13). Devemos entender essa pergunta em termos não somente morais como também políticos. Ou seja, quem vai fazer mal a vocês se vocês forem humildes e mansos diante das autoridades, se vocês fizerem tudo certinho diante da sociedade? Em termos gerais, a pergunta de Pedro é coerente, pois mesmo em uma sociedade pagã, sabe-se o que é certo e o que é errado. E, uma vez que o cristão se submeta às leis locais, não há porque as pessoas lhe fazerem mal. Ou seja, o cristão deve buscar a paz com todos no lugar onde vive, como nos diz o versículo 11 (//Sl.34.14). O apóstolo Paulo nos diz que os cristãos devem se submeter às autoridades como instituição divina: “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas” (Rm.13.1). Esse esforço exigirá do cristão uma abnegação, visando um bem maior: o testemunho que glorifique a Deus perante os homens, atraindo-os para Cristo, Aquele que é a razão da nova vida do cristão.

Todavia, Pedro sabia, por experiência própria, que seu argumento não era absoluto, pois o cristão pode sofrer males do mundo sem ter feito mal algum às pessoas (Jo.16.33). Jesus havia advertido os discípulos sobre as lutas e perseguições que os discípulos sofreriam (Mt.5.10-12) e ele mesmo foi perfeito exemplo disso ao ser perseguido e morto sem ter feito um só mal a qualquer pessoa. Cristo só fez o bem aos homens, mas, mesmo assim, foi odiado por muitos e maltratado sem motivo algum. Além disso, o próprio apóstolo Pedro foi perseguido diversas vezes, junto a outros apóstolos por causa da pregação do evangelho (At.4-5). Por isso, logo em seguida, no versículo 14, o apóstolo complementa sua pergunta com observações importantes: Mas, se vocês sofrerem por causa da justiça, considerem-se bem-aventurados (1Pe.3.14), afinal, disse Jesus: “Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós” (Mt.5.10-12).

O cristão pode sofrer muitos males nesse mundo, mesmo só fazendo aquilo que é bom, pois o mundo não ama a Deus: “Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia” (Jo.15.19). Diante disso, Pedro adverte aos destinatários que deveriam estar prontos para dar seu testemunho em meio às muitas oposições do mundo, sem se amedrontar com as ameaças nem ficar transtornado diante das perseguições, a fim de que não desanimassem nem desistissem de testemunhar com fidelidade o evangelho da graça de Deus. O testemunho cristão deve acontecer em toda e qualquer situação à semelhança dos dias do profeta Daniel e seus três amigos: Hananias, Misael e Azarias (Dn.1-6), que deram fiel testemunho em meio a uma cidade completamente pagã, a Babilônia, como nos diz também o apóstolo Paulo:

Como está escrito: Por amor de ti, somos entregues à morte o dia todo, fomos considerados como ovelhas para o matadouro.  37 Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou.  38 Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes,  39 nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm.8.36-39)

Portanto, mesmo diante de ameaças, os cristãos deveriam santificar “a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós” (1Pe.3.15). Devemos observar que nesse momento, o apóstolo Pedro mudou a natureza do testemunho, que até o versículo 14 era prático (1Pe.3.1-14), para o testemunho querigmático, ou seja, para o testemunho oral dado através da pregação do evangelho. Da mesma forma como o cristão deveria ser fiel e dedicado em testemunhar a nova vida em Cristo Jesus, por meio de seu comportamento santo e agradável a Deus, também deveria ser diligente em dar explicações claras de sua fé, expondo o evangelho do Senhor Jesus, para conhecimento de todo aquele que o pedir. Diante das investidas do mundo, os cristãos têm a oportunidade de anunciar sua fé aos interessados em conhecer a razão pela qual a igreja tem um comportamento diferente do mundo. Isso se aplica tanto à esposa cristã que tem um procedimento honesto e cheio de temor dentro de seu lar (1Pe.3.1-6) quanto aos demais cristãos em suas relações sociais dentro e fora da igreja (1Pe.3.8-14).

Nesse ponto, é importante destacarmos o fato de que a Escritura nos ensina que o testemunho prático não substitui a proclamação verbal do evangelho. O poder de Deus para salvar os pecadores é o evangelho, ou seja, a mensagem referente à morte e ressurreição de Cristo pelos pecadores (Jo.3.16,36; Rm.1.16; 1Co.15.1-4). O testemunho cristão é o belo ornamento que adorna a pregação do evangelho, mas não substituiu o evangelho; assim como as lindas roupas da noiva não substituem a própria noiva. Sem a pregação do evangelho não é possível que o mundo verdadeiramente conheça a Cristo, ainda que a vida do cristão seja exemplar em todas as coisas, expressando um viver segundo Cristo. E se a vida do cristão não é acompanhada da pregação do evangelho, corre-se o risco de se chamar a atenção para si mesmo em vez de apontar para o operar do Senhor Jesus por nós e em nós. Portanto, o que Pedro quis dizer sobre o testemunho da esposa, no início do capítulo três (1Pe.3.1-6), NÃO foi: seja uma boa esposa e nem precisará falar de Jesus, pois seu exemplo de vida será suficiente para converter seu marido. Na verdade, o propósito do apóstolo é afirmar o seguinte: seja uma esposa exemplar e seu marido irá querer saber a razão de você ser assim, para que, nesse momento, você possa dar razão da esperança que há em você (1Pe.3.15).

O contexto do testemunho, tanto prático quanto teórico, que o cristão deveria dar não estava tranquilo. Por isso, o cuidado do cristão deveria ser ainda maior, como nos diz o versículo 16: “fazendo-o com mansidão e temor, com boa consciência, de modo que naquilo em que falam contra vós outros, fiquem envergonhados os que difamam o vosso bom procedimento em Cristo”. Os cristãos já estavam sendo perseguidos em alguma medida (como vemos no livro de Atos dos apóstolos), razão para que Pedro tenha começado a carta falando sobre o fato de ser necessário que eles fossem contristados por várias provações (1Pe.1.6). Em dias maus, o cristão deve ter mais cuidado com suas palavras e seu agir, não dando razão para que o mundo difame o cristianismo. Todavia, esse cuidado não deve impedir o cristão de testemunhar toda a Verdade do Evangelho. E nesse item, somos conduzidos mais uma vez para os exemplos deixado por Cristo que, sem deixar de anunciar a verdade, soube dar respostas sábias para cada circunstância (Mt.22.16-22).

Porém, o difícil contexto de perseguição não deveria ser entendido como uma investida desgovernada de Satanás contra os cristãos. Somente Deus poderia autorizar o diabo a investir contra a vida do povo de Deus, seja qual fosse a razão; e, isso, para cumprir os santos e perfeitos planos do Senhor (Ap.2.10; 6.9-11). Esse sofrimento poderia acontecer em dois casos: estando os cristãos a dar bom testemunho teórico e prático, com o propósito de que glorificassem a Deus com o sofrimento (At.5.41); ou diante de uma necessidade disciplinar, em que cristãos haviam praticado males que exigissem correção, ou mesmo punição (Hb.12.4-13). Em ambos os casos, seria preciso que o sofrimento do cristão estivesse em acordo com a vontade de Deus, senão ele não ocorreria. Portanto, mesmo nos dias maus, o cristão deve descansar o coração no Senhor e buscar sabedoria e direção, certo de que os acontecimentos adversos também provêm da vontade divina e tem propósito certo, ainda que não compreendamos exatamente qual.

Contudo, mesmo sabendo que todo sofrimento precisa ser autorizado por Deus, evidentemente “é melhor que sofrais por praticardes o que é bom do que praticando o mal” (1Pe.3.17). Ou seja, a glória do cristão está em sofrer afrontas injustamente e passar por perseguições sem que tenha feito algo para merecer qualquer disciplina, punição ou maltrato. Para isso, o bom testemunho cristão é fundamental. Uma vez que o cristão sofra fazendo o bem, suas boas obras, feitas em Deus (Jo.3.21; Ef.2.10), manifestarão a santidade de Deus enquanto lançarão luz sobre a maldade do mundo (orgulho, inveja, maledicência, perversidade, ódio, rancor, inimizade, injustiça, tirania etc.), tornando os pecadores mais culpados do que já são diante do Criador. A santidade da igreja é como uma luz acesa que revela os pecados do mundo, forte razão para que o mundo deteste tanto o viver íntegro do cristão. Ou seja, ainda que o pagão queira viver segundo seu coração pecador, ele detesta que alguém mostre para ele que tudo o que faz é pecado diante do Criador.

Para consolo daqueles cristãos, Pedro lembra-lhes que Cristo também sofreu injustamente, tendo morrido pelos pecadores para conduzir-nos a Deus: “Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito” (1Pe.3.18). Eram pendurados no madeiro somente pessoas merecedoras da morte, por isso, após ter analisado o caso de Cristo, Pilatos perguntou aos judeus: “Que mal fez este? De fato, nada achei contra ele para condená-lo à morte; portanto, depois de o castigar, soltá-lo-ei” (Lc.23.22). Ele viu que Jesus não merecia ir para a cruz, e que os judeus o haviam entregue à morte por inveja (Mt.27.18). Portanto, Jesus sofreu injustamente, por praticar o que é bom; e, mesmo diante das ameaças, Ele deu fiel testemunho perante todos, de tal modo que os governantes ficaram admirados (Mt.27.14), um dos malfeitores crucificados a seu lado se converteu (Lc.23.40-43) e até um centurião romano reconheceu que Cristo era Filho de Deus (Mt.27.54).

Mas, ver o testemunho terminar apenas em morte não é algo animador nem condiz com o evangelho. A mensagem do evangelho não termina em morte, mas em vida (1Co.15). A vitória de Cristo sobre o pecado e o mundo, também ocorreu sobre a morte, pois Ele ressuscitou dentre os mortos para dar vida a todo o que nEle crer (Jo.11.25). Por conseguinte, é necessário lembrar que Cristo experimentou a morte de sua carne, mas, também, foi vivificado e tem poder para vivificar a todos quantos creem em seu NOME, por meio do Espírito que Ele enviou para habitar na igreja (Jo.5.21; 6.63; Rm.4.17; 8.11; 1Co.15.22, 36,45). Os destinatários deveriam olhar para Cristo que por seu testemunho fiel até a morte, os aproximou de Deus, a fim de que tivessem vida como Ele mesmo a recebeu pelo Espírito do Senhor, como nos diz o apóstolo Paulo, também: “Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificará também o vosso corpo mortal, por meio do seu Espírito, que em vós habita” (Rm.8.11). Então, ainda que o cristão sofra e morra por causa de seu testemunho, ele viverá para sempre com Cristo, pois do mesmo modo como Cristo ressuscitou, todos os verdadeiros cristãos ressuscitarão para estar com Ele.

Esse fiel testemunho deve ser levado até o fim, sem medo e em santidade de vida, pois Jesus morreu na cruz para que aqueles que creem nEle também morram para o pecado e sejam livres do medo da morte. Afinal, como os cristãos serão considerados fieis testemunhas caso andem em pecado assim como o mundo anda na carne? Como serão distinguidos do mundo vivendo na mesma devassidão do mundo? E como atrairão os pecadores à vida de Cristo sem lhes apresentar um fiel testemunho da nova vida em Cristo? Mas, se o cristão é fiel em seu testemunho prático e em sua pregação (testemunho teórico), até sua morte serve de grande testemunha de Cristo. Por essa razão, a história testifica que os mártires cristãos foram importantes testemunhas que atraíram multidões à fé em Jesus. Parece-nos que, conforme o apóstolo Pedro, Jesus Cristo, ao morrer como justo, tornou conhecido o evangelho aos mortos, tendo descido a eles como justo justificador, que morreu em lugar dos pecadores:

1 Pedro 3.18-20  Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito,  19 no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão,  20 os quais, noutro tempo, foram desobedientes quando a longanimidade de Deus aguardava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca, na qual poucos, a saber, oito pessoas, foram salvos, através da água.
1 Pedro 4.5-6  [...] os quais hão de prestar contas àquele que é competente para julgar vivos e mortos;  6 pois, para este fim, foi o evangelho pregado também a mortos, para que, mesmo julgados na carne segundo os homens, vivam no espírito segundo Deus

Após a crucificação de Cristo, os discípulos o sepultaram em um túmulo novo, providenciado por José de Arimateia (Mt.27.57-60), e foram para suas casas, a fim de guardar o sábado, conforme mandava a Lei (Ex.20.8-11). Foram longas e difíceis horas (Lc.24.13-21) entre o anoitecer do sexto dia da semana (equivalente às 18 horas da sexta-feira) até as primeiras horas do primeiro dia, “de madrugada, sendo ainda escuro” (equivalente às 05 horas do domingo, aproximadamente – Jo.20.1). Os evangelhos narram tudo a partir de uma perspectiva dos discípulos que só poderiam descrever o que viam e ouviam. Por isso, há um salto informativo da morte para a ressurreição de Cristo (Mt.27.45-28.10; Mc.15.33-16.8; Lc.23.44-24.12; Jo.19.28-20.10). Mas, o que Jesus fez durante o intervalo entre sua morte e ressurreição? Há algo que Deus queira que saibamos sobre a ida de Cristo aos mortos? Existe algo a ser aplicado à vida cristã? A Escritura não se detém nesse assunto, de modo que só encontramos um texto que aborde (ainda que rapidamente) a ida de Jesus aos mortos: 1 Pedro (3.19 e 4.6). Outras referências, apenas mencionam a morte de Cristo (At.2.27,31; Ap.1.18 - hades). Portanto, não iremos nos deter muito nesse texto, mas o leremos dentro de seu contexto.

Todo o texto anterior (1Pe.3.1-17) e posterior (1Pe.4.1-7) abordam a necessidade de o cristão viver uma vida santa e agradável a Deus, dando testemunho de sua nova vida em Cristo Jesus. É nesse contexto que surge 1 Pedro 3.18-20. Para delimitarmos o entendimento das ações presentes nesses três versículos, vejamos o que dizem os verbos. O versículo 18 possui um verbo no modo indicativo (padecer - páscho), um verbo no modo subjuntivo (aproximar - proságo) e dois verbos no particípio (morrer – thanatoo; viver - zoopoieo). Desse modo, o versículo nos diz que Cristo padeceu uma vez na história (fato passado pontual – aoristo) com o propósito de nos aproximar de Deus (desejo) de uma vez por toda (subjuntivo aoristo). Em seguida, Pedro utiliza dois particípios (adjetivo verbal) se referindo a Cristo como aquele que: foi morto na carne e foi vivificado no espírito. O objetivo é apontar para o evento histórico da crucificação de Cristo (e implicações), que padeceu sendo justo, coroando seu fiel testemunho perante o mundo (exemplo aos leitores). Os dois verbos particípios estão na voz passiva, indicando que Cristo se sujeitou à vontade e à ação de Deus: ele foi morto por vontade de Deus e foi vivificado por Deus. Sua fidelidade em fazer a vontade de Deus até o fim (Mt.26.39) agradou ao Senhor que, então, o vivificou. O verbo principal do versículo é padecer e tem como propósito mostrar o exemplo de Cristo que padeceu dando seu testemunho até o fim. De modo semelhante, o cristão deve dar seu testemunho até o fim, confiando na promessa de que os justos serão vivificados como Cristo foi (1Co.15; 2Tm.2.11).

A última palavra do versículo 18 (espírito) é tomada para a formação de uma nova ideia que é apresentada nos versículos 19 e 20. Essa retomada do termo ocorre por meio do pronome relativo: no qual. Nessa nova oração, surge um novo verbo principal: pregar (kerysso). Enquanto no versículo 18 Cristo deu seu testemunho por meio de sua morte, sendo fiel até o fim, nos versículos 19 e 20 ele dá seu testemunho através da pregação. Todavia, o curioso é que Pedro não fala das muitas vezes em que Jesus pregou aos judeus. Ele une o testemunho de Cristo à narrativa do dilúvio, afirmando que Cristo pregou para aqueles que morreram sob aquele juízo divino. 1 Pedro 3.19-20 nos diz o seguinte: “[em espírito] aquele que foi [aos mortos] (tendo ido) pregou aos espíritos em prisão que [antes] foram desobedientes enquanto Deus pacientemente aguardava a construção da arca nos dias de Noé.” Aparentemente, podemos interpretar o texto como alusão à pregação de Cristo aos mortos. Contudo, podemos entender ainda que Noé glorificou a Cristo (1Pe.3.15) por meio de sua pregação aos homens de sua geração. Em qualquer que seja o caso desse difícil texto, o propósito é falar sobre o testemunho cristão que deve ser dado por meio de atitudes e da pregação, pois o evangelho tem poder para dar vida aos mortos e transformar até o pior dos pecadores.

O apóstolo evoca os dias de Noé para exortar os irmãos a não esmorecerem diante da necessidade de perseverarem fielmente no testemunho enquanto o mundo os rejeita. Devemos observar que o foco da perícope não é o conteúdo da pregação de Cristo, mas a ação de proclamar ao mundo pagão (testemunho verbal). O verbo proclamar (anunciar, pregar – kerysso) é transitivo direto, pois quem prega, anuncia alguma coisa. Todavia, Pedro não apresenta o objeto direto do verbo, deixando-nos sem o conteúdo da proclamação de Cristo. Isso ocorre, porque, nesse momento, o apóstolo não quer chamar a atenção para o conteúdo da pregação (já conhecido), mas deseja frisar a necessidade de os destinatários darem fiel testemunho durante o tempo em que Deus pacientemente aguarda o cumprimento final de sua vontade: a volta de Jesus trazendo a consumação da redenção para seu povo. Pedro uniu duas narrativas (a crucificação e o dilúvio) para conduzir os leitores à necessidade de serem fiéis no testemunho prático e teórico durante o tempo determinado por Deus, assim como ocorreu na crucificação e nos dias do dilúvio, afinal a pregação do evangelho tanto leva salvação quando condenação aos ouvintes. Em sua segunda carta, Pedro, outra vez, recorrerá aos dias do dilúvio como analogia para aquilo que deseja exortar os leitores (2Pe.2.5). Devemos debruçar os olhos sobre o propósito do autor: falar sobre a necessidade de os destinatários seguirem os exemplos dados. O texto, portanto, não pretende apresentar uma nova doutrina sobre algo que ainda não havia sido ensinado aos leitores. Seu objetivo não é esclarecer dúvidas sobre o que Jesus teria feito no intervalo entre sua morte e ressureição.

O capítulo 3 termina nos falando da vitória de Cristo “o qual, depois de ir para o céu, está à destra de Deus, ficando-lhe subordinados anjos, e potestades, e poderes” (1Pe.3.22). A vitória de Jesus é a vitória do cristão e a certeza de que as promessas de Deus serão concretizadas sobre a vida da igreja. Assim, o testemunho da fidelidade de Jesus, que foi obediente ao Pai mesmo em face a morte e pregou fielmente a Palavra de Deus em todas as circunstâncias, serve para fortalecer o coração do cristão, a fim de que siga o exemplo de Cristo e esteja pronto para ser benção com sua vida e com suas palavras, quer para a salvação daqueles que haverão de crer quer para a condenação daqueles que se manterão endurecidos. Então, todo aquele que for fiel até o fim receberá do Senhor a recompensa da vida eterna, no dia em que todos “hão de prestar contas àquele que é competente para julgar vivos e mortos” (1Pe.4.5). Assim, os versículos 1 a 7 do capítulo 4 nos fala da necessidade do cristão abandonar todo pecado que o assemelha ao mundo pecador (1Pe.4.1-6), vivendo uma vida santa e agradável ao Senhor, afinal “o fim de todas as coisas está próximo; sede, portanto, criteriosos e sóbrios a bem das vossas orações” (1Pe.4.7).

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