“Tu
és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes contemplar”
(Hc.1.13)
O livro de Habacuque foi construído em forma de diálogo. Não
um diálogo comum, como aqueles que aparecem nas obras de Platão ou mesmo em literaturas
de ficção. Habacuque ergue a voz em oração e Deus lhe revela sua sentença
decretada contra seu povo (Hc.1.1). Após a resposta divina (Hc.1.5-11) à primeira
oração do profeta (Hc.1-4), Habacuque volta a falar com Deus (Hc.1.12-17). A
Palavra do Senhor dirigida ao profeta o deixou mais inquieto do que antes, pois
Deus afirmara que usaria um povo pagão para castigar o povo do Senhor. Deus
favoreceria um povo injusto e cruel para castigar as injustiças e maldades de
seu próprio povo? Como a injustiça do homem poderia ser instrumento da justiça do
Senhor? Já que Deus é tão puro de olhos que não pode ver o mal (Hc.1.13), como,
então, suportaria ver tanta maldade entre os filhos dos homens, contra seu
próprio povo escolhido? Inclinemos, agora, nossos olhos para o texto de Habacuque
1.12-17:
Não és tu desde a eternidade, ó SENHOR, meu Deus, ó meu Santo? Não
morreremos. Ó SENHOR, para executar juízo, puseste aquele povo; tu, ó Rocha, o
fundaste para servir de disciplina. 13
Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes
contemplar; por que, pois, toleras os que procedem perfidamente e te calas
quando o perverso devora aquele que é mais justo do que ele? 14 Por que fazes os homens como os
peixes do mar, como os répteis, que não têm quem os governe? 15 A todos levanta o inimigo com o
anzol, pesca-os de arrastão e os ajunta na sua rede varredoura; por isso, ele
se alegra e se regozija. 16
Por isso, oferece sacrifício à sua rede e queima incenso à sua varredoura;
porque por elas enriqueceu a sua porção, e tem gordura a sua comida. 17 Acaso, continuará, por isso,
esvaziando a sua rede e matando sem piedade os povos? (Hc.1.12-17 - ARA)
Parece-nos que Habacuque esperava uma disciplina mais direta que manifestasse a santa justiça divina, como ocorreu em outras ocasiões que exigiram a intervenção divina: Caim (Gn.4.10-16), Dilúvio (Gn.6-9), Torre de Babel (Gn.11.5-9), Sodoma (Gn.19), Egito (Ex.5-15) etc. Agora, Deus usaria um povo estranho e pagão para castigar seu próprio povo. Que solução seria essa? Como Deus restauraria seu povo destruindo-o por meio de um povo pagão? Já não estava tão ruim a situação social de Judá? Como Deus disciplinaria seu povo por meio de um povo ímpio que fazia pouco caso da justiça e agia conforme seu bel-prazer? (Hc.1.7) O profeta ficou mais perplexo ainda ao receber a sentença de Deus. O Senhor estava pronto para intervir castigando toda perversidade de Israel, mas não da forma como o profeta estava esperando ouvir da parte de Deus.
Nem sempre as respostas do Senhor atendem às nossas expectativas.
Paulo nos diz que “a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e
a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1Co.1.25). O próprio Paulo
teve suas orações negadas quando rogou que Deus o livrasse do mensageiro de
Satanás (2Co.12.7-9). Muitas vezes, pensamos ter respostas para os problemas,
mesmo que não tenhamos a capacidade para solucioná-los. Deus nos revela
que nem sempre nossos raciocínios estão em acordo com a perfeita vontade de Deus.
O que fazer nesses momentos? É preciso confiar no Senhor! Habacuque não está
compreendendo o plano divino para purificar seu povo, todavia demonstra conhecer
bem os atributos de Deus, o que lhe proporciona segurança.
Você confia na vontade de Deus ou acha que seus planos são
melhores? A ansiedade é uma expressão de insegurança diante da realidade e, portanto,
ausência de fundamento sólido no qual possa sentir-se firme e seguro nos
momentos difíceis da vida (Fp.4.6). Habacuque deseja entender o plano divino e,
por isso, continuará questionando a Deus em suas orações. Porém, o profeta
deixa claro que seus questionamentos não são resultado de insegurança nem medo
nem dúvida, pois sabe que Deus é uma inabalável Rocha para todos os que esperam
nEle. E você, confia no Senhor? Sabe que Deus não abandona seu povo? Seu
coração descansa nos eternos planos de Deus? Então, a “a paz de Deus, que
excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo
Jesus” (Fp.4.7).
Em sua nova oração (Hc.1.12-17), Habacuque inicia falando dos
atributos incomunicáveis e gloriosos do Senhor: eternidade e imutabilidade. Deus
permanece para sempre. Ele não se abala com a história humana nem é afetado pelas
ações dos homens. Portanto, os pecados de seu povo não abalavam a Deus, de modo
que Este viesse a reagir precipitadamente ou movido por emoções. O Senhor é de
eternidade a eternidade e está acima de toda a sua criação, ainda que a governe
e a conduza, se relacionando com ela. Deus não age por impulso, não é inconsequente
em seus planos e atos. O Senhor é perfeito em todo seu querer. Abaixo, apresentamos
duas traduções diferentes do versículo 12, destacando a expressão hebraica: “LÓ
NAMUT”. No primeiro caso, o profeta parece mostrar sua plena segurança em Deus
(está em acordo com a Septuaginta). Na segunda tradução, o profeta estaria se
referindo ao fato de Deus ser inabalável (o plural do verbo estaria concordando
com o plural de “ELOAH”).
Não és tu desde a eternidade, ó
SENHOR, meu Deus, ó meu Santo? Não morreremos. Ó SENHOR, para
executar juízo, puseste aquele povo; tu, ó Rocha, o fundaste para servir de
disciplina (Versão Revista e Atualizada – Sociedade Bíblica do Brasil)
Porém, tu existes desde sempre, ó
Senhor! És o meu Deus santo que não morre. Ó Senhor, meu protetor,
foste tu que escolheste os caldeus para exercerem a tua justiça (Moderna Tradução
Portuguesa – Sociedade Bíblica de Portugal)
Nada abala a Deus! Por isso, também, disse o salmista: “O
SENHOR está comigo; não temerei. Que me poderá fazer o homem?” (Sl.118.6). Portanto,
mesmo em sua perplexidade, Habacuque esboça sua confiança em Deus. Nada
aconteceria por acaso. Um povo violento viria sobre Judá, mas Deus o
estabelecera para cumprir sua vontade. A Rocha inabalável de Israel firmara a
nação adversária (caldeus), instrumento para juízo divino. O Senhor não é expectador da história humana, mas o Soberano Escritor dela. Enquanto os homens se
desesperam diante das catástrofes, epidemias, guerras e crises sociais, Deus
permanece firme como uma Rocha, sólido fundamento para aqueles que esperam
nEle. Como nos diz o profeta Isaías: “Para que se saiba, até ao nascente do
sol e até ao poente, que além de mim não há outro; eu sou o SENHOR, e não há
outro. Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o SENHOR,
faço todas estas coisas” (Is.45.6-7).
Habacuque está confuso com a forma como Deus manifestaria
sua justiça. Tiago em sua carta nos diz que “a ira do homem não produz a
justiça de Deus” (Tg.1.20). Habacuque levanta a mesma questão perante o Senhor.
Como Deus manifestaria sua justiça por meio de obras injustas de um povo ímpio?
Seria Deus glorificado na injustiça de uma nação pagã? Veremos a resposta do
Senhor nos versículos posteriores, no capítulo 2 do livro. O profeta está preocupado que a intervenção divina seja um instrumento para
glorificar o NOME de Deus perante todas as nações. Desse modo, a oração do
profeta entra em pleno acordo com a oração do “Pai nosso” ensinada pelo Senhor
Jesus: “Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o
teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mt.6.9-10).
O profeta levanta uma importante questão: após os caldeus arremeterem
sobre Judá, eles não tributarão glórias e honras ao Senhor, Deus de Israel.
Aqueles pagãos invocariam seus deuses de pau e pedra e atribuiriam a eles todo
o louvor pela vitória sobre o povo de Deus. Eles confeririam a vitória a suas
próprias forças, pois era um povo presunçoso e orgulhoso que confiava em seu
próprio braço (Dn.4). O Senhor não seria glorificado entre os povos, antes
seria considerado como um deus inferior aos deuses dos babilônios. Como o Deus
de Israel poderia aceitar tal coisa? O profeta está preocupado com a glória do
Senhor, pois não entende como o Santo de Israel seria glorificado através da
arremetida dos caldeus.
É interessante como a escolha que Deus fez de usar os caldeus
para cumprir seus propósitos eternos nos faz refletir a escolha que Jesus fez
de Judas Iscariotes para que este fosse apóstolo (mesmo sendo um filho do diabo
(Jo.6.70-71) e, posteriormente, o traidor. Seria sábia tal escolha? Sim, vemos
no desfecho da história. Ou seja, da mesma forma como os planos do Senhor
mostraram-se perfeitos em toda a história redentora, também deveriam os discípulos
de Cristo confiar em todo seu direcionamento para a igreja. A necessidade dessa
confiança mostrou-se maior nos dias em que a igreja esteve lutando contra o
império das trevas personificado no império romano, enfrentando adversários que
guerreavam injustamente e perversamente (Atos dos Apóstolos, Apocalipse).
Quais as suas preocupações quando as coisas estão ruins a
seu redor? Você quer soluções que livrem você do problema de qualquer maneira,
ou se preocupa com a forma como as soluções são apresentadas? Jesus nos ensinou
a orar desejando a manifestação da glória de Deus (Mt.6.9-13) e não apenas a
satisfação de nossas vontades. Um verdadeiro cristão deve amar a Deus “de
todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força” (Dt.6.5;
Mt.22.37) desejando a glória do Senhor acima de suas próprias vontades.
Lembre-se que foi exatamente isso que Jesus fez ao orar próximo do momento mais
difícil de sua vida: a crucificação: “Pai, se queres, passa de mim este
cálice; contudo, não se faça a minha vontade, e sim a tua.” (Lc.22.42). Então,
confie você também no Senhor, mesmo quando não compreender o agir de Deus,
olhando firmemente para aquele que suportou tudo por amor ao Pai e, também, à
sua igreja (Hb.12.2-3). Os planos do Senhor são perfeitos e podem ser vistos na
história redentora, desde a promessa dada a Adão e Eva (Gn.3.15) até o dia em
que o Cordeiro de Deus consumou a nossa redenção (Jo.19.30). Portanto, confie no Redentor!
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