“Agora,
pois, eu, Nabucodonosor, louvo, exalço e glorifico ao Rei do céu, porque todas
as suas obras são verdadeiras, e os seus caminhos, justos, e pode humilhar aos
que andam na soberba” (Dn.4.37)
O livro de Daniel pode ser dividido em duas partes: A
primeira (Daniel 1 a 6) nos conta os grandiosos e poderosos feitos de Deus
operados através da vida de Daniel, Hananias, Misael e Azarias para testemunho
da glória do Santo de Israel perante as nações. A segunda parte (Daniel 7 a 12)
nos revela os sonhos e visões que Deus dera a Daniel com o propósito de revelar
os acontecimentos futuros (tendo como referência os dias do profeta), tanto
próximos (o fim do cativeiro): “Setenta semanas estão determinadas sobre o
teu povo e sobre a tua santa cidade” (Dn.9.24); quanto distantes (a
ressurreição dos justos e dos injustos para a eternidade): “Muitos dos que
dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para a
vergonha e horror eterno” (Dn.12.2).
Gostaríamos, nesse momento, de expor, brevemente, o capítulo
quatro do livro de Daniel. Para isso, começaremos com a leitura dos três
primeiros versículos (Dn.4.1-3):
O rei
Nabucodonosor a todos os povos, nações e homens de todas as línguas, que habitam
em toda a terra: Paz vos seja multiplicada!
2 Pareceu-me bem fazer conhecidos os sinais e maravilhas que
Deus, o Altíssimo, tem feito para comigo.
3 Quão grandes são os seus sinais, e quão poderosas, as suas
maravilhas! O seu reino é reino sempiterno, e o seu domínio, de geração em
geração. (Dn.4.1-3)
O capítulo quatro do livro se distingue bastante dos
anteriores, pois é uma carta em primeira pessoa (do próprio Nabucodonosor) destinada
a todos os povos. Daniel registra o testemunho pessoal do imperador que fora
humilhado por Deus, a fim de que abandonasse sua soberba e reconhecesse a
exclusividade e glória do Santo de Israel. Daniel participa da narrativa, mas não
é o personagem principal. Mais uma vez, o profeta revelará, para o imperador, o
significado de seu sonho, todavia o texto não tem como propósito destacar o dom
divino dado ao profeta para a interpretação de sonhos. Nesse capítulo, Daniel é
apenas coadjuvante, pois o propósito do texto é apresentar a confissão de fé do
grande imperador Nabucodonosor que, finalmente, reconhece sua pequenez diante
de Deus. Veremos cinco sinais presentes no texto que nos apontam para a conversão
do rei.
1) O
desejo pessoal do imperador em dar seu testemunho para todos os povos (v.1).
Como já dissemos anteriormente, o capítulo quatro não é uma
iniciativa de Daniel, mas do próprio imperador Nabucodonosor. O valor desse
capítulo é realçado quando os capítulos anteriores são lidos, pois neles o
leitor encontrará os pecados do rei e sua imensa soberba, frequentemente demonstrada
perante todas as nações (Dn.1.4-5; 2.5; 3.1-6). Por isso, nada mais correto que
o imperador, após sua conversão, desse seu testemunho perante todos os povos, também.
Essa iniciativa deve nos chamar a atenção, pois está em pleno acordo com aquilo
que se espera de uma pessoa quebrantada, que reconhece seus pecados perante
todos, a fim de glorificar a graça divina que lhe foi concedida. Um forte
paralelo podemos encontrar no testemunho do apóstolo Paulo, outrora perseguidor
da igreja (At.22.4-15; 1Tm.1.12-14).
Não dá para imaginar o impacto que a carta de Nabucodonosor
traria sobre os povos. O Deus de Israel, um povo que havia sido conquistado,
era o Senhor de tudo, pois Ele mesmo havia entronizado o imperador e poderia
tira-lo do poder a qualquer momento. Isso significava duas coisas: 1) Todos os
súditos da Babilônia saberiam que Nabucodonosor era rei por vontade de Deus e,
portanto, lhe deviam obediência; 2) Não é a força do homem nem a sua esperteza
que faz os reis e, portanto, os homens deveriam se submeter ao Deus de Israel
em primeiro lugar. Desse modo, a carta deveria mudar a forma como as pessoas
viam a política e, também, o modo como olhavam para o zelo, dos judeus cativos,
pelo Senhor, o Deus de toda a terra.
Diante desse testemunho, podemos ver quão importante é para
o cristianismo que uma nação tenha um governante cristão. Um só homem cristão,
governando um povo, pode impactar muito mais a nação inteira do que milhares de
cristãos desconhecidos. Isso não anula o valor do testemunho cristão no dia a
dia, mas realça a importância do testemunho dos cristãos que assumem cargos de
liderança: o homem líder da família, o dono de uma empresa, o gerente de um
estabelecimento, o conselho pastoral de uma igreja, o diretor e os professores
das escolas, o chefe de uma repartição, os políticos de uma nação etc. Não foi
sem razão que Paulo se preocupou tanto com a preparação de líderes para as
igrejas (At.20.17-35; 1 e 2 Timóteo, Tito, Filemom) e fez tantas exigências para
que alguém pudesse se tornar um presbítero (1Tm.3.1-7).
Portanto, ore pelos governantes de seu país. Isso não
significa pedir a Deus que abençoe tudo o que eles fazem nem que Deus converta
o coração de todas as pessoas que assumem algum cargo político. Orar ao Senhor
em favor dos governantes é pedir que Deus toque no coração dessas pessoas para
que tomem decisões corretas. Até governantes ateus podem tomar decisões
corretas e ser instrumento de Deus para abençoar a vida dos cristãos. Vemos
isso nos livros de Esdras, Neemias, Ester e Daniel, onde nos é revelado o
testemunho de como Deus abençoou os judeus por meio de reis pagãos. Por isso,
Paulo diz: “Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de súplicas,
orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens, em favor
dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade, para que vivamos
vida tranquila e mansa, com toda piedade e respeito. Isto é bom e aceitável
diante de Deus, nosso Salvador” (1Tm.2.1-3)
2) A
saudação em tom humilde: Paz vos seja multiplicada (v.1)
A saudação do rei não é algo extraordinário, mas uma comum
saudação usada na época, como podemos ver nas palavras de Dario, rei Medo, em
Daniel 6.25[1].
Todavia, a saudação de Nabucodonosor não deve ser julgada apenas em paralelo às
saudações da época. Seu valor encontra-se no contraste com a forma como, antes,
Nabucodonosor se dirigia a seus súditos:
Então, o rei
Nabucodonosor mandou ajuntar os sátrapas, os prefeitos, os governadores, os
juízes, os tesoureiros, os magistrados, os conselheiros e todos os oficiais das
províncias, para que viessem à consagração da imagem que o rei Nabucodonosor
tinha levantado. 3 Então, se
ajuntaram os sátrapas, os prefeitos, os governadores, os juízes, os
tesoureiros, os magistrados, os conselheiros e todos os oficiais das
províncias, para a consagração da imagem que o rei Nabucodonosor tinha
levantado; e estavam em pé diante da imagem que Nabucodonosor tinha
levantado. 4 Nisto, o arauto
apregoava em alta voz: Ordena-se a vós outros, ó povos, nações e homens de
todas as línguas: 5 no
momento em que ouvirdes o som da trombeta, do pífaro, da harpa, da cítara, do
saltério, da gaita de foles e de toda sorte de música, vos prostrareis e
adorareis a imagem de ouro que o rei Nabucodonosor levantou. 6 Qualquer que se não prostrar e
não a adorar será, no mesmo instante, lançado na fornalha de fogo ardente.
(Dn.3.2-6)
É notório que algo mudou em Nabucodonosor. O tom com o qual
ele se dirige às pessoas não é mais o mesmo. Surge a presença educada de uma
cordialidade polida de alguém que não está transbordando de arrogância, como
estivera antes. Finalmente, o rei trata os povos em tom cortês e essa mudança vem
associada à sua experiência de humilhação proporcionada pelo Deus de Israel.
Não foram os deuses babilônios que lhe ensinaram algo. O Deus de uma nação
derrotada humilhou o grande imperador, fazendo-o reconhecer sua pequenez diante
dEle. É esse conjunto de elementos presentes em torno da saudação de
Nabucodonosor que a tornam especial. Uma saudação tão simples pode ser um sinal
de mudança na vida de uma pessoa.
Não devemos buscar a conversão das pessoas em grandes coisas
que venham a fazer. A conversão é uma mudança de vida e começa nas pequenas atitudes
do dia a dia: o marido que passa a cuidar bem de sua esposa e seus filhos; a
esposa que se torna mais amável e doce, submissa e cuidadosa com seu marido e
filhos; o chefe de uma empresa que começa a tratar seus funcionários com mais
humanidade e humildade, com justiça e amor; o cidadão que abandona injustiças,
ilegalidades, desonestidades, mentiras etc.; o professor que deixa de ensinar
coisas erradas que aprendeu na universidade (marxismo, naturalismo,
evolucionismo, feminismo etc.); o indivíduo que muda seu modo de falar e de
tratar as pessoas; o orgulhoso que se torna humilde etc. São pequenas mudanças
de um dia a dia que mais revelam a grande mudança que Deus operou no coração de
alguém. Portanto, não procure a conversão de uma pessoa em proezas (os orgulhosos
também gostam de grandes coisas), mas no comportamento diário e quase imperceptível
demonstrado nas mínimas atitudes.
3) A
Doxologia: Grandeza e poder de Deus e de seu Reino (v.2-3)
A declaração de louvor e exaltação a Deus também não é desconhecida
dos pagãos que adoravam a seus deuses (Ex.23.24; 2Cr.25.14). Portanto, também
não devemos tomar as estruturas frasais, da Doxologia (expressão de glorificação
a Deus ou hino de louvor a Deus) proferida por Nabucodonosor, como testemunho
de sua conversão. O importante não é a forma como ele falou, mas a quem ele
dirigiu sua adoração e louvor. O imperador exalta a Deus por tudo o que Ele fez
em uma relação pessoal: “Pareceu-me bem fazer conhecidos os sinais e
maravilhas que Deus, o Altíssimo, tem feito para comigo” (Dn.4.2). Portanto,
a Doxologia de Nabucodonosor não tem um caráter apenas formal, retórico ou
estético; não são palavras impessoais. O imperador está exprimindo sua adoração
por algo que Deus fez na vida dele, pelos grandes sinais e pelas poderosas
maravilhas que foram manifestas em sua vida com poder e graça. A adoração do
rei é, realmente, algo pessoal e nisso se encontra o peso dela.
O culto de adoração pode ser encontrado em todos os povos.
Muitas das expressões e liturgias chegam a ser semelhantes e podem até confundir
os menos experientes. Todavia, não é a forma, apenas, que distingue uma verdadeira
adoração. Certa vez, quando Jesus estava indo da Judeia para a Galileia
(Jo.4.3), encontrou-se com uma mulher samaritana que se aproximava para tirar água
da fonte de Jacó (Jo.4.6-7). No final do diálogo entre Jesus e a mulher
samaritana, esta lhe questiona sobre o correto lugar de adoração, dizendo: “Nossos
pais adoravam neste monte; vós, entretanto, dizeis que em Jerusalém é o lugar onde
se deve adorar” (Jo.4.20). A mulher estava preocupada com a correta adoração,
e isso era bom. Contudo, não foi capaz de refletir no caráter pessoal do culto
ao Senhor. Ela estava preocupada com a forma, mas não havia dado a devida atenção
para a natureza pessoal do culto oferecido a Deus; a vida dela deixava isso bem
claro (Jo.4.16-18). Por isso, Jesus respondeu: “Vós adorais o que não
conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas
vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em
espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores”
(Jo.4.22-23).
Nabucodonosor havia adorado outros deuses por muitos anos em
sua vida. O capítulo três de Daniel nos conta mais uma tentativa tola do rei em
exigir adoração a deuses criados pela vã imaginação. No final desse capítulo
(Daniel 3), Nabucodonosor presta honras ao Deus de Israel, todavia sua fala,
ainda, é impessoal. Ele diz: “Bendito seja o Deus de Sadraque, Mesaque e
Abede-Nego” (Dn.3.28). Em seu decreto registrado no versículo 29,
Nabucodonosor se refere a Deus em terceira pessoa, novamente. O rei havia
testemunhado a manifestação do poder de Deus na vida de Sadraque, Mesaque e
Abede-Nego, mas não havia experimentado o poder de Deus em sua vida pessoal.
Por isso, há uma imensa diferença entre a expressão de exaltação a Deus proferida
nos capítulos dois e três do livro de Daniel e a Doxologia da carta pessoal do
imperador.
Deus nunca quis um culto impessoal de suas criaturas. Ele
criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança para se relacionar com eles,
por isso “andava no jardim pela viração do dia” (Gn.3.8). Em Romanos 12,
Paulo ordena a igreja a oferecer um agradável ao Senhor, apresentando “os
vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto
racional” (Rm.12.1). O culto racional que Paulo fala não é uma referência à
liturgia da igreja nem muito menos a ausência de emoções no momento de
adoração. Paulo está se referindo ao culto como resultado de uma verdadeira compreensão
do Evangelho e real mudança de vida, exatamente o oposto daquilo que
encontramos na mulher samaritana que adorava a Deus sem o conhecer (Jo.4.16-18,
22-23). Portanto, não adiante ao cristão o só estar presente em um ambiente de
culto, ainda que ele faça tudo formalmente correto. A forma do culto a Deus tem
seu valor, mas não substitui a pessoalidade do culto que Deus quer se seu povo.
E para que o culto ao Senhor seja realmente algo pessoal, é preciso que o
Espírito Santo opere no coração do pecador dando-lhe nova vida, a fim de que
creia no Senhor e Salvador Jesus e comece uma nova vida nEle, como nos disse
Paulo: “logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver
que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si
mesmo se entregou por mim” (Gl.2.20).
4) A
admissão pública de seus pecados (v.27,37)
Como já dissemos, o capítulo quatro do livro de Daniel é uma
carta do imperador dirigida aos povos que lhe eram submissos. A carta foi
redigida por Daniel que participou diretamente dos eventos nela descritos.
Logo, todo seu conteúdo foi de conhecimento do rei que fez questão de “fazer
conhecidos os sinais e maravilhas que Deus, o Altíssimo, tem feito para comigo”
(Dn.4.2). Portanto, não devemos ler esse capítulo como uma descrição de Daniel
sobre os pecados do imperador, mas como uma confissão, de Nabucodonosor, de
seus próprios pecados. Isso torna a carta muitíssimo especial para entendermos
as implicações daquilo que Deus operou na vida daquele homem outrora tão soberbo.
Após ter revelado ao rei o significado do sonho, Daniel o aconselha
com palavras que poderiam custar-lhe a vida: “põe termo, pela justiça, em
teus pecados e em tuas iniquidades, usando de misericórdia para com os pobres;
e talvez se prolongue a tua tranquilidade” (Dn.4.27). O profeta aconselhou ao
imperador a praticar a justiça e a misericórdia que, portanto, não eram praticadas
por Nabucodonosor. Além desses dois pecados mencionados no versículo 27,
Nabucodonosor confessa sua soberba, principal razão para toda a humilhação a qual
fora submetido (Dn.4.37). Tal soberba é encontrada na auto exaltação do rei, quando
estava “passeando sobre o palácio real da cidade de Babilônia” (Dn.4.29-30),
que dizia: “Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para a casa real,
com o meu grandioso poder e para glória da minha majestade?” (Dn.4.30). Portanto,
a carta do rei faz algumas referências aos pecados de Nabucodonosor, mostrando
sua consciência de que havia cometido erros dignos do castigo divino.
Se para um homem comum já é difícil reconhecer os pecados que
comete quanto mais para um imperador. Não é fácil para um pai reconhecer, diante
da família, que cometeu algum erro; nem para um chefe admitir que suas decisões
não foram boas. Contudo, mais difícil ainda é um líder absoluto ter que
reconhecer que tem agido com arrogância durante todos os seus anos de reinado e
que agira com injustiça e sem misericórdia para com seus súditos, muitas vezes.
Os reis costumavam ser associados aos deuses como homens (ou semideuses) que
não erravam. Em alguns reinos, seus decretos não poderiam ser revogados e suas
palavras eram consideradas perfeitas, como palavras de um deus (2Sm.14.17;
Dn.6.12; At.12.22). Reconhecer erros perante os súditos poderia ser considerado
um sinal de fraqueza e incapacidade para governar. Todavia, Nabucodonosor
reconheceu perante todo o império que cometeu sérios e longos erros durante
seus vários anos de reinado. Esse, parece-nos, é um forte sinal da conversão do
imperador.
A dificuldade para reconhecer os erros cometidos não é
apenas dos grandes reis. Esposo e esposa, pais e filhos, pastores e ovelhas,
chefes e funcionários demonstram a mesma dificuldade no dia a dia. O mundo
trata a confissão de pecado como um sinal de fraqueza, esquecendo-se que não
existe uma só pessoa (além do Senhor Jesus) que não peque (1Rs.8.46; Ec.7.20;
Rm.3.10-18). A Escritura nos diz que a confissão é sinal de um coração íntegro,
razão para Davi ser considerado o maior rei de Israel, mesmo tendo cometido
muitos erros. O grande diferencial de Davi não foi uma vida perfeita, mas um
coração íntegro na presença de Deus, pois sempre estava pronto para reconhecer
seus pecados, confessa-los na presença do Senhor e abandona-los (Sl.32; Sl.51).
O cristão precisa fazer da confissão algo natural sem, contudo, vulgarizar seu
valor. Quem não confessa seus pecados demonstra um coração endurecido (Hb.3.15)
e quem se acostuma a confessar pecados sem mudar de comportamento corre sério
perigo de se acostumar com o pecado, vivendo a vida enganando a si mesmo (Mt.7.15-23).
5) O
testemunho de sua própria humilhação (v.28-33)
Não costumamos contar às pessoas as nossas humilhações, pois
o pecado faz com que todos os seres humanos tenham alguma medida de orgulho
dentro de si. E quanto maior o status de alguém perante as demais pessoas, mais
difícil fica lidar com possíveis experiências de humilhação. Nas crônicas dos
reis, encontramos registros de glórias, vitórias e proezas que, às vezes, são
narradas com exageros, no afã de engrandecer a realeza. Dificilmente,
encontraremos o registro de dias maus, quando o rei foi humilhado por outro.
Contudo, o imperador da Babilônia fez questão de contar para todos os seus súditos
uma importantíssima experiência de humilhação a qual fora submetido pelo Deus
de Israel.
Como fora dito no tópico anterior, Nabucodonosor reconheceu
sua soberba, razão para que tenha sido castigado pelo Senhor, sendo humilhado
severamente por Deus (Dn.4.31-32). O imperador teve suas faculdades mentais
adoecidas pela poderosa mão de Deus, passando a “comer erva como os bois”
(Dn.4.33). Não é possível se saber, exatamente, o que aconteceu e como se deu a
“loucura de Nabucodonosor”, mas ele mesmo nos conta de sua perda do entendimento
(Dn.4.34,36) por um período significativo de “sete tempos” (Dn.4.23). Aquele
que se exaltava pela luxúria de todo seu reino, passou a viver entre os animais
e comer como um deles (Dn.4.33). Nabucodonosor foi de um extremo de grandeza ao
extremo de miséria. O Senhor lhe mostrou a fragilidade humana que, como os
animais, não passa de uma criatura. O imperador é conduzido a ver que tudo o
que havia possuído antes provinha das mãos do Criador, pois “toda boa dádiva
e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode
existir variação ou sombra de mudança” (Tg.1.17).
Nabucodonosor fez questão de tornar conhecida sua
experiência de justa humilhação. Não somente os povos que lhe eram submetidos
souberam da dura experiência do rei como, também, todas as demais gerações conheceriam
o que Deus fez com o soberbo imperador. No início da carta, o rei nos disse que
pareceu-lhe bem fazer com que tudo isso fosse conhecido de todos (Dn.4.2). A lição
aprendida por ele seria de grande valia para todos os homens, a fim de que não
exaltassem a si mesmos. Ao tratar sua humilhação como importante lição de vida
para todos, em que o Deus de Israel é o único glorificado em toda a narrativa,
podendo, inclusive, tirar o imperador do poder a qualquer momento, segundo o livre
querer de sua vontade, parece-nos ser um importante sinal de mudança no coração
de Nabucodonosor. Sua carta não expressa a arrogância de um imperador cheio de
si mesmo, mas a humildade de um homem posto temporariamente, por Deus, no
governo dos povos. Desse modo, o rei reconhece que devia completa subserviência
ao Deus de Israel, o único que realmente permanecia para sempre (Dn.4.3).
Daniel encerra a participação de Nabucodonosor, em seu livro,
de uma forma completamente positiva. O rei não faz nada de errado depois disso,
ele simplesmente desaparece do livro. Ao ler o capítulo quatro do livro, o
leitor passa a ter uma imagem positiva do rei. Até a derrota prevista, segundo
a interpretação do sonho dado a Nabucodonosor (Dn.2), ocorrera no reinado do
filho do rei: Belsazar. Desse modo, fechamos o livro com uma boa imagem final
do imperador, como um homem que fora transformado por Deus. A ultima referência
feita, no livro de Daniel, ao nome do rei, também tem um caráter positivo, em
nada desfazendo a imagem que nos fora gravada pelo capítulo 4: “Ó rei! Deus,
o Altíssimo, deu a Nabucodonosor, teu pai, o reino e grandeza, glória e
majestade” (Dn.5.18). Portanto, parece-nos bem considerar que, realmente,
Deus converteu o coração desse homem.
Dois erros ainda bastante comuns entre os cristãos são
abordados no capítulo quatro de Daniel. O cristão precisa desenvolver melhor a
compreensão de que: 1) Deus é o Senhor da política, quem coloca e tira os
governantes; 2) Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. Os cristãos
precisam meditar com mais ponderação na soberania de Deus, uma doutrina tão
importante para o cristianismo. Os mesmos cristãos que professam a fé na
soberania de Deus têm agido de forma contrária a essa doutrina: o uso de
anticoncepcional é um exemplo popular disso (Sl.127.3). E quando o assunto é política,
vão para as janelas bater panela em vez de ir ao quarto dobrar os joelhos e
orar ao Senhor. O cristão não pode agir como se o mundo estivesse nas mãos dos
homens, como se nossas ações definissem o curso da história humana, pois se
isso fosse verdade, então Deus não seria Soberano sobre sua criação. Portanto,
seja coerente com a certeza de que Deus é o único Senhor de tudo “do SENHOR
é o reino, é ele quem governa as nações” (Sl.22.28); “Ele, em seu poder,
governa eternamente; os seus olhos vigiam as nações” (Sl.66.7).
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