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domingo, 29 de março de 2020

Daniel (4.1-37) - A conversão de um imperador

Agora, pois, eu, Nabucodonosor, louvo, exalço e glorifico ao Rei do céu, porque todas as suas obras são verdadeiras, e os seus caminhos, justos, e pode humilhar aos que andam na soberba” (Dn.4.37)

O livro de Daniel pode ser dividido em duas partes: A primeira (Daniel 1 a 6) nos conta os grandiosos e poderosos feitos de Deus operados através da vida de Daniel, Hananias, Misael e Azarias para testemunho da glória do Santo de Israel perante as nações. A segunda parte (Daniel 7 a 12) nos revela os sonhos e visões que Deus dera a Daniel com o propósito de revelar os acontecimentos futuros (tendo como referência os dias do profeta), tanto próximos (o fim do cativeiro): “Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo e sobre a tua santa cidade” (Dn.9.24); quanto distantes (a ressurreição dos justos e dos injustos para a eternidade): “Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para a vergonha e horror eterno” (Dn.12.2).

Gostaríamos, nesse momento, de expor, brevemente, o capítulo quatro do livro de Daniel. Para isso, começaremos com a leitura dos três primeiros versículos (Dn.4.1-3):

O rei Nabucodonosor a todos os povos, nações e homens de todas as línguas, que habitam em toda a terra: Paz vos seja multiplicada!  2 Pareceu-me bem fazer conhecidos os sinais e maravilhas que Deus, o Altíssimo, tem feito para comigo.  3 Quão grandes são os seus sinais, e quão poderosas, as suas maravilhas! O seu reino é reino sempiterno, e o seu domínio, de geração em geração. (Dn.4.1-3)

O capítulo quatro do livro se distingue bastante dos anteriores, pois é uma carta em primeira pessoa (do próprio Nabucodonosor) destinada a todos os povos. Daniel registra o testemunho pessoal do imperador que fora humilhado por Deus, a fim de que abandonasse sua soberba e reconhecesse a exclusividade e glória do Santo de Israel. Daniel participa da narrativa, mas não é o personagem principal. Mais uma vez, o profeta revelará, para o imperador, o significado de seu sonho, todavia o texto não tem como propósito destacar o dom divino dado ao profeta para a interpretação de sonhos. Nesse capítulo, Daniel é apenas coadjuvante, pois o propósito do texto é apresentar a confissão de fé do grande imperador Nabucodonosor que, finalmente, reconhece sua pequenez diante de Deus. Veremos cinco sinais presentes no texto que nos apontam para a conversão do rei.


1)      O desejo pessoal do imperador em dar seu testemunho para todos os povos (v.1).

Como já dissemos anteriormente, o capítulo quatro não é uma iniciativa de Daniel, mas do próprio imperador Nabucodonosor. O valor desse capítulo é realçado quando os capítulos anteriores são lidos, pois neles o leitor encontrará os pecados do rei e sua imensa soberba, frequentemente demonstrada perante todas as nações (Dn.1.4-5; 2.5; 3.1-6). Por isso, nada mais correto que o imperador, após sua conversão, desse seu testemunho perante todos os povos, também. Essa iniciativa deve nos chamar a atenção, pois está em pleno acordo com aquilo que se espera de uma pessoa quebrantada, que reconhece seus pecados perante todos, a fim de glorificar a graça divina que lhe foi concedida. Um forte paralelo podemos encontrar no testemunho do apóstolo Paulo, outrora perseguidor da igreja (At.22.4-15; 1Tm.1.12-14).

Não dá para imaginar o impacto que a carta de Nabucodonosor traria sobre os povos. O Deus de Israel, um povo que havia sido conquistado, era o Senhor de tudo, pois Ele mesmo havia entronizado o imperador e poderia tira-lo do poder a qualquer momento. Isso significava duas coisas: 1) Todos os súditos da Babilônia saberiam que Nabucodonosor era rei por vontade de Deus e, portanto, lhe deviam obediência; 2) Não é a força do homem nem a sua esperteza que faz os reis e, portanto, os homens deveriam se submeter ao Deus de Israel em primeiro lugar. Desse modo, a carta deveria mudar a forma como as pessoas viam a política e, também, o modo como olhavam para o zelo, dos judeus cativos, pelo Senhor, o Deus de toda a terra.

Diante desse testemunho, podemos ver quão importante é para o cristianismo que uma nação tenha um governante cristão. Um só homem cristão, governando um povo, pode impactar muito mais a nação inteira do que milhares de cristãos desconhecidos. Isso não anula o valor do testemunho cristão no dia a dia, mas realça a importância do testemunho dos cristãos que assumem cargos de liderança: o homem líder da família, o dono de uma empresa, o gerente de um estabelecimento, o conselho pastoral de uma igreja, o diretor e os professores das escolas, o chefe de uma repartição, os políticos de uma nação etc. Não foi sem razão que Paulo se preocupou tanto com a preparação de líderes para as igrejas (At.20.17-35; 1 e 2 Timóteo, Tito, Filemom) e fez tantas exigências para que alguém pudesse se tornar um presbítero (1Tm.3.1-7).

Portanto, ore pelos governantes de seu país. Isso não significa pedir a Deus que abençoe tudo o que eles fazem nem que Deus converta o coração de todas as pessoas que assumem algum cargo político. Orar ao Senhor em favor dos governantes é pedir que Deus toque no coração dessas pessoas para que tomem decisões corretas. Até governantes ateus podem tomar decisões corretas e ser instrumento de Deus para abençoar a vida dos cristãos. Vemos isso nos livros de Esdras, Neemias, Ester e Daniel, onde nos é revelado o testemunho de como Deus abençoou os judeus por meio de reis pagãos. Por isso, Paulo diz: “Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens, em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade, para que vivamos vida tranquila e mansa, com toda piedade e respeito. Isto é bom e aceitável diante de Deus, nosso Salvador” (1Tm.2.1-3)


2)      A saudação em tom humilde: Paz vos seja multiplicada (v.1)

A saudação do rei não é algo extraordinário, mas uma comum saudação usada na época, como podemos ver nas palavras de Dario, rei Medo, em Daniel 6.25[1]. Todavia, a saudação de Nabucodonosor não deve ser julgada apenas em paralelo às saudações da época. Seu valor encontra-se no contraste com a forma como, antes, Nabucodonosor se dirigia a seus súditos:

Então, o rei Nabucodonosor mandou ajuntar os sátrapas, os prefeitos, os governadores, os juízes, os tesoureiros, os magistrados, os conselheiros e todos os oficiais das províncias, para que viessem à consagração da imagem que o rei Nabucodonosor tinha levantado.  3 Então, se ajuntaram os sátrapas, os prefeitos, os governadores, os juízes, os tesoureiros, os magistrados, os conselheiros e todos os oficiais das províncias, para a consagração da imagem que o rei Nabucodonosor tinha levantado; e estavam em pé diante da imagem que Nabucodonosor tinha levantado.  4 Nisto, o arauto apregoava em alta voz: Ordena-se a vós outros, ó povos, nações e homens de todas as línguas:  5 no momento em que ouvirdes o som da trombeta, do pífaro, da harpa, da cítara, do saltério, da gaita de foles e de toda sorte de música, vos prostrareis e adorareis a imagem de ouro que o rei Nabucodonosor levantou.  6 Qualquer que se não prostrar e não a adorar será, no mesmo instante, lançado na fornalha de fogo ardente. (Dn.3.2-6)

É notório que algo mudou em Nabucodonosor. O tom com o qual ele se dirige às pessoas não é mais o mesmo. Surge a presença educada de uma cordialidade polida de alguém que não está transbordando de arrogância, como estivera antes. Finalmente, o rei trata os povos em tom cortês e essa mudança vem associada à sua experiência de humilhação proporcionada pelo Deus de Israel. Não foram os deuses babilônios que lhe ensinaram algo. O Deus de uma nação derrotada humilhou o grande imperador, fazendo-o reconhecer sua pequenez diante dEle. É esse conjunto de elementos presentes em torno da saudação de Nabucodonosor que a tornam especial. Uma saudação tão simples pode ser um sinal de mudança na vida de uma pessoa.

Não devemos buscar a conversão das pessoas em grandes coisas que venham a fazer. A conversão é uma mudança de vida e começa nas pequenas atitudes do dia a dia: o marido que passa a cuidar bem de sua esposa e seus filhos; a esposa que se torna mais amável e doce, submissa e cuidadosa com seu marido e filhos; o chefe de uma empresa que começa a tratar seus funcionários com mais humanidade e humildade, com justiça e amor; o cidadão que abandona injustiças, ilegalidades, desonestidades, mentiras etc.; o professor que deixa de ensinar coisas erradas que aprendeu na universidade (marxismo, naturalismo, evolucionismo, feminismo etc.); o indivíduo que muda seu modo de falar e de tratar as pessoas; o orgulhoso que se torna humilde etc. São pequenas mudanças de um dia a dia que mais revelam a grande mudança que Deus operou no coração de alguém. Portanto, não procure a conversão de uma pessoa em proezas (os orgulhosos também gostam de grandes coisas), mas no comportamento diário e quase imperceptível demonstrado nas mínimas atitudes.


3)      A Doxologia: Grandeza e poder de Deus e de seu Reino (v.2-3)

A declaração de louvor e exaltação a Deus também não é desconhecida dos pagãos que adoravam a seus deuses (Ex.23.24; 2Cr.25.14). Portanto, também não devemos tomar as estruturas frasais, da Doxologia (expressão de glorificação a Deus ou hino de louvor a Deus) proferida por Nabucodonosor, como testemunho de sua conversão. O importante não é a forma como ele falou, mas a quem ele dirigiu sua adoração e louvor. O imperador exalta a Deus por tudo o que Ele fez em uma relação pessoal: “Pareceu-me bem fazer conhecidos os sinais e maravilhas que Deus, o Altíssimo, tem feito para comigo” (Dn.4.2). Portanto, a Doxologia de Nabucodonosor não tem um caráter apenas formal, retórico ou estético; não são palavras impessoais. O imperador está exprimindo sua adoração por algo que Deus fez na vida dele, pelos grandes sinais e pelas poderosas maravilhas que foram manifestas em sua vida com poder e graça. A adoração do rei é, realmente, algo pessoal e nisso se encontra o peso dela.

O culto de adoração pode ser encontrado em todos os povos. Muitas das expressões e liturgias chegam a ser semelhantes e podem até confundir os menos experientes. Todavia, não é a forma, apenas, que distingue uma verdadeira adoração. Certa vez, quando Jesus estava indo da Judeia para a Galileia (Jo.4.3), encontrou-se com uma mulher samaritana que se aproximava para tirar água da fonte de Jacó (Jo.4.6-7). No final do diálogo entre Jesus e a mulher samaritana, esta lhe questiona sobre o correto lugar de adoração, dizendo: “Nossos pais adoravam neste monte; vós, entretanto, dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar” (Jo.4.20). A mulher estava preocupada com a correta adoração, e isso era bom. Contudo, não foi capaz de refletir no caráter pessoal do culto ao Senhor. Ela estava preocupada com a forma, mas não havia dado a devida atenção para a natureza pessoal do culto oferecido a Deus; a vida dela deixava isso bem claro (Jo.4.16-18). Por isso, Jesus respondeu: “Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores” (Jo.4.22-23).

Nabucodonosor havia adorado outros deuses por muitos anos em sua vida. O capítulo três de Daniel nos conta mais uma tentativa tola do rei em exigir adoração a deuses criados pela vã imaginação. No final desse capítulo (Daniel 3), Nabucodonosor presta honras ao Deus de Israel, todavia sua fala, ainda, é impessoal. Ele diz: “Bendito seja o Deus de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego” (Dn.3.28). Em seu decreto registrado no versículo 29, Nabucodonosor se refere a Deus em terceira pessoa, novamente. O rei havia testemunhado a manifestação do poder de Deus na vida de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, mas não havia experimentado o poder de Deus em sua vida pessoal. Por isso, há uma imensa diferença entre a expressão de exaltação a Deus proferida nos capítulos dois e três do livro de Daniel e a Doxologia da carta pessoal do imperador.

Deus nunca quis um culto impessoal de suas criaturas. Ele criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança para se relacionar com eles, por isso “andava no jardim pela viração do dia” (Gn.3.8). Em Romanos 12, Paulo ordena a igreja a oferecer um agradável ao Senhor, apresentando “os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional” (Rm.12.1). O culto racional que Paulo fala não é uma referência à liturgia da igreja nem muito menos a ausência de emoções no momento de adoração. Paulo está se referindo ao culto como resultado de uma verdadeira compreensão do Evangelho e real mudança de vida, exatamente o oposto daquilo que encontramos na mulher samaritana que adorava a Deus sem o conhecer (Jo.4.16-18, 22-23). Portanto, não adiante ao cristão o só estar presente em um ambiente de culto, ainda que ele faça tudo formalmente correto. A forma do culto a Deus tem seu valor, mas não substitui a pessoalidade do culto que Deus quer se seu povo. E para que o culto ao Senhor seja realmente algo pessoal, é preciso que o Espírito Santo opere no coração do pecador dando-lhe nova vida, a fim de que creia no Senhor e Salvador Jesus e comece uma nova vida nEle, como nos disse Paulo: “logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl.2.20).


4)      A admissão pública de seus pecados (v.27,37)

Como já dissemos, o capítulo quatro do livro de Daniel é uma carta do imperador dirigida aos povos que lhe eram submissos. A carta foi redigida por Daniel que participou diretamente dos eventos nela descritos. Logo, todo seu conteúdo foi de conhecimento do rei que fez questão de “fazer conhecidos os sinais e maravilhas que Deus, o Altíssimo, tem feito para comigo” (Dn.4.2). Portanto, não devemos ler esse capítulo como uma descrição de Daniel sobre os pecados do imperador, mas como uma confissão, de Nabucodonosor, de seus próprios pecados. Isso torna a carta muitíssimo especial para entendermos as implicações daquilo que Deus operou na vida daquele homem outrora tão soberbo.

Após ter revelado ao rei o significado do sonho, Daniel o aconselha com palavras que poderiam custar-lhe a vida: “põe termo, pela justiça, em teus pecados e em tuas iniquidades, usando de misericórdia para com os pobres; e talvez se prolongue a tua tranquilidade” (Dn.4.27). O profeta aconselhou ao imperador a praticar a justiça e a misericórdia que, portanto, não eram praticadas por Nabucodonosor. Além desses dois pecados mencionados no versículo 27, Nabucodonosor confessa sua soberba, principal razão para toda a humilhação a qual fora submetido (Dn.4.37). Tal soberba é encontrada na auto exaltação do rei, quando estava “passeando sobre o palácio real da cidade de Babilônia” (Dn.4.29-30), que dizia: “Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para a casa real, com o meu grandioso poder e para glória da minha majestade?” (Dn.4.30). Portanto, a carta do rei faz algumas referências aos pecados de Nabucodonosor, mostrando sua consciência de que havia cometido erros dignos do castigo divino.

Se para um homem comum já é difícil reconhecer os pecados que comete quanto mais para um imperador. Não é fácil para um pai reconhecer, diante da família, que cometeu algum erro; nem para um chefe admitir que suas decisões não foram boas. Contudo, mais difícil ainda é um líder absoluto ter que reconhecer que tem agido com arrogância durante todos os seus anos de reinado e que agira com injustiça e sem misericórdia para com seus súditos, muitas vezes. Os reis costumavam ser associados aos deuses como homens (ou semideuses) que não erravam. Em alguns reinos, seus decretos não poderiam ser revogados e suas palavras eram consideradas perfeitas, como palavras de um deus (2Sm.14.17; Dn.6.12; At.12.22). Reconhecer erros perante os súditos poderia ser considerado um sinal de fraqueza e incapacidade para governar. Todavia, Nabucodonosor reconheceu perante todo o império que cometeu sérios e longos erros durante seus vários anos de reinado. Esse, parece-nos, é um forte sinal da conversão do imperador.

A dificuldade para reconhecer os erros cometidos não é apenas dos grandes reis. Esposo e esposa, pais e filhos, pastores e ovelhas, chefes e funcionários demonstram a mesma dificuldade no dia a dia. O mundo trata a confissão de pecado como um sinal de fraqueza, esquecendo-se que não existe uma só pessoa (além do Senhor Jesus) que não peque (1Rs.8.46; Ec.7.20; Rm.3.10-18). A Escritura nos diz que a confissão é sinal de um coração íntegro, razão para Davi ser considerado o maior rei de Israel, mesmo tendo cometido muitos erros. O grande diferencial de Davi não foi uma vida perfeita, mas um coração íntegro na presença de Deus, pois sempre estava pronto para reconhecer seus pecados, confessa-los na presença do Senhor e abandona-los (Sl.32; Sl.51). O cristão precisa fazer da confissão algo natural sem, contudo, vulgarizar seu valor. Quem não confessa seus pecados demonstra um coração endurecido (Hb.3.15) e quem se acostuma a confessar pecados sem mudar de comportamento corre sério perigo de se acostumar com o pecado, vivendo a vida enganando a si mesmo (Mt.7.15-23).


5)      O testemunho de sua própria humilhação (v.28-33)

Não costumamos contar às pessoas as nossas humilhações, pois o pecado faz com que todos os seres humanos tenham alguma medida de orgulho dentro de si. E quanto maior o status de alguém perante as demais pessoas, mais difícil fica lidar com possíveis experiências de humilhação. Nas crônicas dos reis, encontramos registros de glórias, vitórias e proezas que, às vezes, são narradas com exageros, no afã de engrandecer a realeza. Dificilmente, encontraremos o registro de dias maus, quando o rei foi humilhado por outro. Contudo, o imperador da Babilônia fez questão de contar para todos os seus súditos uma importantíssima experiência de humilhação a qual fora submetido pelo Deus de Israel.

Como fora dito no tópico anterior, Nabucodonosor reconheceu sua soberba, razão para que tenha sido castigado pelo Senhor, sendo humilhado severamente por Deus (Dn.4.31-32). O imperador teve suas faculdades mentais adoecidas pela poderosa mão de Deus, passando a “comer erva como os bois” (Dn.4.33). Não é possível se saber, exatamente, o que aconteceu e como se deu a “loucura de Nabucodonosor”, mas ele mesmo nos conta de sua perda do entendimento (Dn.4.34,36) por um período significativo de “sete tempos” (Dn.4.23). Aquele que se exaltava pela luxúria de todo seu reino, passou a viver entre os animais e comer como um deles (Dn.4.33). Nabucodonosor foi de um extremo de grandeza ao extremo de miséria. O Senhor lhe mostrou a fragilidade humana que, como os animais, não passa de uma criatura. O imperador é conduzido a ver que tudo o que havia possuído antes provinha das mãos do Criador, pois “toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança” (Tg.1.17).

Nabucodonosor fez questão de tornar conhecida sua experiência de justa humilhação. Não somente os povos que lhe eram submetidos souberam da dura experiência do rei como, também, todas as demais gerações conheceriam o que Deus fez com o soberbo imperador. No início da carta, o rei nos disse que pareceu-lhe bem fazer com que tudo isso fosse conhecido de todos (Dn.4.2). A lição aprendida por ele seria de grande valia para todos os homens, a fim de que não exaltassem a si mesmos. Ao tratar sua humilhação como importante lição de vida para todos, em que o Deus de Israel é o único glorificado em toda a narrativa, podendo, inclusive, tirar o imperador do poder a qualquer momento, segundo o livre querer de sua vontade, parece-nos ser um importante sinal de mudança no coração de Nabucodonosor. Sua carta não expressa a arrogância de um imperador cheio de si mesmo, mas a humildade de um homem posto temporariamente, por Deus, no governo dos povos. Desse modo, o rei reconhece que devia completa subserviência ao Deus de Israel, o único que realmente permanecia para sempre (Dn.4.3).

Daniel encerra a participação de Nabucodonosor, em seu livro, de uma forma completamente positiva. O rei não faz nada de errado depois disso, ele simplesmente desaparece do livro. Ao ler o capítulo quatro do livro, o leitor passa a ter uma imagem positiva do rei. Até a derrota prevista, segundo a interpretação do sonho dado a Nabucodonosor (Dn.2), ocorrera no reinado do filho do rei: Belsazar. Desse modo, fechamos o livro com uma boa imagem final do imperador, como um homem que fora transformado por Deus. A ultima referência feita, no livro de Daniel, ao nome do rei, também tem um caráter positivo, em nada desfazendo a imagem que nos fora gravada pelo capítulo 4: “Ó rei! Deus, o Altíssimo, deu a Nabucodonosor, teu pai, o reino e grandeza, glória e majestade” (Dn.5.18). Portanto, parece-nos bem considerar que, realmente, Deus converteu o coração desse homem.

Dois erros ainda bastante comuns entre os cristãos são abordados no capítulo quatro de Daniel. O cristão precisa desenvolver melhor a compreensão de que: 1) Deus é o Senhor da política, quem coloca e tira os governantes; 2) Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. Os cristãos precisam meditar com mais ponderação na soberania de Deus, uma doutrina tão importante para o cristianismo. Os mesmos cristãos que professam a fé na soberania de Deus têm agido de forma contrária a essa doutrina: o uso de anticoncepcional é um exemplo popular disso (Sl.127.3). E quando o assunto é política, vão para as janelas bater panela em vez de ir ao quarto dobrar os joelhos e orar ao Senhor. O cristão não pode agir como se o mundo estivesse nas mãos dos homens, como se nossas ações definissem o curso da história humana, pois se isso fosse verdade, então Deus não seria Soberano sobre sua criação. Portanto, seja coerente com a certeza de que Deus é o único Senhor de tudo “do SENHOR é o reino, é ele quem governa as nações” (Sl.22.28); “Ele, em seu poder, governa eternamente; os seus olhos vigiam as nações” (Sl.66.7).


[1] BALDWIN, Joyce G. Daniel: Introdução e Comentário. São Paulo: Editora Vida Nova, 2008, p.117

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