“Se teu irmão pecar contra ti,
vai argui-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão.” (Mt.18.15)
A igreja de nossos dias
desaprendeu a lidar com problemas relacionados ao pecado. Vamos pensar: Quando
foi a última vez que você chamou um irmão em Cristo para conversar, a fim de
mostrar, pela Escritura, a necessidade de se mudar o comportamento? Já fez isso
alguma vez? Provavelmente, você já pediu ao pastor para fazer isso em seu
lugar. Mas, por que você mesmo não foi até a pessoa que fez algo errado e falou
com ela? Teve receio de desagradá-la e ela ficar chateada com você? Ou não
sabia o que dizer? Ambas as perguntas mostram a necessidade de um maior apreço
pela Palavra de Deus, já que é dever do cristão buscar o conhecimento de Deus e
zelar por ele, ainda que seja necessário pagar um preço por isso (Mt.10.37-39).
Infelizmente, o problema
tornou-se tão abrangente que pode ser encontrado entre os líderes: Quantos
pastores ou presbíteros são capazes de chamar um colega de ministério para
ajudá-lo a se corrigir ou para melhorar o relacionamento? É mais fácil fazer um
mega evento do que tratar o assunto de modo pessoal. Não é incomum haver
problemas de relacionamento dentro de Conselhos de igrejas locais e, também,
dentro de Concílios superiores, como um presbitério. Pastores (junto às igrejas
que pastoreiam) saem de um presbitério para outro por causa de relacionamento
com os demais colegas de Concílio. Problemas pessoais e políticos são a causa
de divisões conciliares enquanto que a Escritura ensina o diálogo com vistas à recíproca
compreensão, mútuo perdão e sincera atitude humilde e altruísta, a fim de que os
líderes sirvam de exemplos para toda a igreja de Cristo sobre o modo como devem
ser tratados os relacionamentos para a glória de Deus. Tudo isso nos mostra a
necessidade de se meditar sobre o assunto.
Obviamente, já que estou
chamando a atenção, fiz isso diversas vezes, mas algumas delas não foram
produtivas nem tampouco fáceis. Nem sempre aqueles que deveriam tomar alguma
iniciativa o fazem. É mais fácil ignorar o problema e manter a postura de
superioridade. Então, precisamos olhar para a cruz, onde Jesus se humilhou para
reconciliar pecadores tornando-os uma só família, a família de Deus (Ef.2.19). Já
tentei convencer orgulhosos sobre o problema do orgulho e negligentes a
respeito da necessidade de viver uma vida santa e dedicada ao Senhor, só ao
Senhor. Já questionei problemas pessoais e, também, conciliares. Já fui atrás
de quem não gosta (gratuitamente) de mim e já tentei ensinar a verdade nos
relacionamentos. Em geral, por causa da falta de cultivo dessa prática na
cristandade de nossos dias, boa parte das pessoas se sente ofendida, e não
grata, quando alguém tenta mostrar que algo não está certo, não está bom.
O relacionamento cristão
tornou-se formal e aparente, semelhante aos dias que antecedem eleições, quando
todos sorriem. A falta de preocupação real com a pureza da igreja tem feito com
que se negligencie o ensino Bíblico (Mt.18.15-35) sobre o modo como devemos tratar aqueles que cometem
qualquer tipo de erro. Tem sido mais importante que haja conformação com a
vontade alheia do que com a Palavra do Senhor. A paz implantada está dissociada
da Verdade e, por isso, mostra-se tão superficial. E por ser mais fácil ignorar
o problema ou resolve-lo do modo político brasileiro, o ensino de Cristo vai
sendo esquecido. Assim, aquilo que parecia ser uma solução mais fácil para o
problema mostra-se incapaz de purificar a igreja, conduzindo-a a uma vida
superficial e aparente. Vemos, então, que Cristo tem razão mais uma vez e sua
Palavra revela-se a única solução eficaz ao problema do coração humano: pecado.
O texto de Mateus 18.15-35 exorta os cristãos a terem uma
relação pessoal sincera e humilde entre si, objetivando a glória de Deus na
santificação da igreja. As três tentativas para conduzir o faltoso ao arrependimento
demostram dedicação, esforço, zelo e real interesse no bem do indivíduo e,
também, do corpo (igreja). Jesus chama o faltoso de “irmão” (Mt.18.15), pois
este faz parte da igreja visível de Deus. O propósito da exortação ensinada por
Cristo é ganhar o irmão que se desviou da Verdade (Mt.18.15). A insistência nos
fala de um relacionamento não institucionalizado, não politizado, não
formalizado. A Verdade não é negligenciada para agradar alguns nem manipulada
para condenar outros, mas proferida com pureza e amor, com sinceridade e
humildade, a fim de restaurar vidas para a glória de Deus.
Conforme o texto, a
disciplina dentro da igreja não visa a condenação dos fiéis, mas seu
arrependimento, à semelhança do que nos diz Ezequiel 18.23: “Acaso, tenho eu
prazer na morte do perverso? -- diz o SENHOR Deus; não desejo eu, antes, que
ele se converta dos seus caminhos e viva?”. Seu propósito não é meramente
formal (nem teórico acadêmico), mas verdadeiramente prático, com vistas à
confissão e arrependimento para a reabilitação daquele que havia se desviado da
pureza de Cristo. Uma vez alcançado seu objetivo: a mudança de atitude do
faltoso, a correção pode ser considerada bem-sucedida e cumprida. Ou seja,
assim como Deus nos perdoa graciosamente ao nos arrependermos de nossos
pecados, também deve a igreja (cada cristão) estar pronta a receber alegremente
aqueles que confessam e deixam seus pecados (Mt.18.12-14).
É verdade, no entanto,
que encontramos nas escrituras exemplos de disciplinas aplicadas mesmo após o
perdão concedido por Deus. Em Números, após a rebelião do povo que se nega a
subir para possuir a terra de Canaã, desacreditando da promessa de Deus, o
Senhor se manifesta com ira no propósito de destruir a nação por toda sua
rebeldia contra Ele (Nm.13.25-33). Contudo, Moisés intercede pelo povo e Deus
aceita sua intercessão perdoando o pecado daquela geração rebelde (Nm.14.20).
Mas, mesmo tendo perdoado os pecados deles, Deus mantém seu juízo rejeitando toda
uma geração de incrédulos para que não entre na terra prometida (Nm.14.1-23[20-23]).
Nesse caso, devemos considerar que o perdão divino foi alcançado pela
intercessão de terceiros, Moisés, não por uma sincera confissão dos faltosos
que pecaram contra Deus diversas vezes durante a caminhada no deserto. O perdão
tinha como propósito a continuidade do plano redentor a ser concretizado pela nação
israelita (Nm.14.13-19). Na verdade, não houve arrependimento nem confissão nem
mudança de comportamento dos rebeldes. O povo agia por impulso e vivia como
animal que só pensa em comer e beber.
Outro exemplo importante
encontra-se em 2 Samuel 12. Davi havia planejado a morte de Urias, esposo de
Bate-Seba, após ter coabitado com ela, a fim de que não descobrisse que ele a
havia possuído e engravidado. Davi cometeu dois pecados: homicídio e adultério
(2Sm.11). O tempo passou e Davi não confessou seus pecados ao Senhor. Aquele
grande homem de Deus estava com o coração entorpecido. A prosperidade
desfrutada como resultado das bênçãos do Senhor parece ter acomodado o coração
do valente Davi. Então, o Senhor envia o profeta Natã para mostrar ao rei seu
pecado contra a santidade de Deus (2Sm.12), à semelhança do que Jesus
(posteriormente) ensinou a ser feito na igreja (Mt.18.15-17). Diante da
exortação de Natã, Davi reconhece seu erro e, arrependido, confessa seu pecado perante
o profeta e diante do Senhor (2Sm.12.13). Natã afirma que Deus o perdoou, mesmo
sendo digno de morte (Lv.20.10; 24.17), mas não deixaria de discipliná-lo, pois
seu pecado tornou-se conhecido dando motivo para os inimigos do Senhor blasfemarem
de seu Santo NOME. (2Sm.12.14). Por isso, a criança que nasceu, resultado do
adultério, morreu (2Sm.12.15-23), ainda que Deus não tenha tirado Davi da
realeza nem retirado dele a unção que lhe fora dada ao ser ungido por Samuel (1Sm.16.13;
Sl.51).
Contudo, a igreja deve
ter cuidado em querer aplicar o proceder de Deus referente à disciplina. Conforme
Cristo, a disciplina eclesiástica pretende levar o faltoso ao arrependimento,
chegando a seu fim sempre que alcançar seu objetivo. Caso não haja sucesso em
seu propósito, então aquele que estava sendo disciplinado é considerado não
mais um irmão na fé, mas um pagão, alguém que se mostrou incapaz e indisposto a
arrepender-se de seus pecados. Desse modo, uma espécie de “castigo” gratuito
não parece encontrar fundamento bíblico, tornando a disciplina em algo sem propósito.
A igreja precisa aprender que toda disciplina visa a glória de Deus e a
purificação de seu povo, e, por isso, deve ser aplicada de maneira a conduzir o
faltoso a se arrepender de seus pecados e retornar a um proceder em acordo com
a Escritura Sagrada. Esse modelo deve ser aplicado não somente nas igrejas
locais e Concílios, mas, ainda, nas famílias.
Portanto, deve-se ter
muito cuidado para não confundir a disciplina bíblica com o orgulho pessoal de
quem deseja passar na cara do outro as seguintes palavras: “Eu avisei! Eu falei!
Eu disse para você!” etc.; ou ainda, com o perigoso orgulho de quem é líder e deseja
mostrar superioridade sobre os demais. Essa atitude pode ser comum dentro das
famílias e não é raro que pais digam a seus filhos: “Eu falei para você”,
apenas para satisfazer um orgulho do coração. Menos ainda deve a disciplina
servir ao propósito pecaminoso da vingança de quem deseja prejudicar alguém por
qualquer que seja a razão. Pessoas raivosas devem ter muito cuidado ao disciplinar
alguém, como nos diz Paulo: “Irai-vos e não pequeis” (Sl.4.4; Ef.4.26). A
ira não pode conduzir um processo disciplinar, “porque a ira do homem não
produz a justiça de Deus” (Tg.1.20). Em ambos os pecados, a disciplina é vulgarizada
tornando-se um instrumento para satisfação da natureza pecadora, não um
instrumento para a purificação da igreja nem para a glória de Deus.
Jesus nos ensina como a
disciplina deve ser aplicado às relações pessoais dos cristãos. Cristo não está
oferecendo um manual de disciplina para uso de concílios, apenas. Seu ensino é
aplicado a cada cristão, de modo a exigir de todos que exercitem tanto a
exortação quanto o perdão, contribuindo com a purificação da igreja a partir de
cada relação pessoal. O pastor e os presbíteros não são os únicos responsáveis
pela manutenção e purificação da igreja de Jesus. Todos os membros tem igual
responsabilidade e devem contribuir para o bem-estar da noiva do Cordeiro. Portanto,
da próxima vez que vir seu irmão pecar, chame-o em particular e mostre para ele
a beleza da nova vida em Cristo Jesus, ensinando-lhe, com dedicação, a Palavra
do Senhor. E, só em último caso, quando tudo já foi feito para convencê-lo de
seus pecados, é que a igreja deverá considera-lo como pagão, pois mostrou-se
incapaz de arrepender-se de seus pecados.
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