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sexta-feira, 6 de março de 2020

A disciplina bíblica no dia a dia




Se teu irmão pecar contra ti, vai argui-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão.” (Mt.18.15)

A igreja de nossos dias desaprendeu a lidar com problemas relacionados ao pecado. Vamos pensar: Quando foi a última vez que você chamou um irmão em Cristo para conversar, a fim de mostrar, pela Escritura, a necessidade de se mudar o comportamento? Já fez isso alguma vez? Provavelmente, você já pediu ao pastor para fazer isso em seu lugar. Mas, por que você mesmo não foi até a pessoa que fez algo errado e falou com ela? Teve receio de desagradá-la e ela ficar chateada com você? Ou não sabia o que dizer? Ambas as perguntas mostram a necessidade de um maior apreço pela Palavra de Deus, já que é dever do cristão buscar o conhecimento de Deus e zelar por ele, ainda que seja necessário pagar um preço por isso (Mt.10.37-39).

Infelizmente, o problema tornou-se tão abrangente que pode ser encontrado entre os líderes: Quantos pastores ou presbíteros são capazes de chamar um colega de ministério para ajudá-lo a se corrigir ou para melhorar o relacionamento? É mais fácil fazer um mega evento do que tratar o assunto de modo pessoal. Não é incomum haver problemas de relacionamento dentro de Conselhos de igrejas locais e, também, dentro de Concílios superiores, como um presbitério. Pastores (junto às igrejas que pastoreiam) saem de um presbitério para outro por causa de relacionamento com os demais colegas de Concílio. Problemas pessoais e políticos são a causa de divisões conciliares enquanto que a Escritura ensina o diálogo com vistas à recíproca compreensão, mútuo perdão e sincera atitude humilde e altruísta, a fim de que os líderes sirvam de exemplos para toda a igreja de Cristo sobre o modo como devem ser tratados os relacionamentos para a glória de Deus. Tudo isso nos mostra a necessidade de se meditar sobre o assunto.

Obviamente, já que estou chamando a atenção, fiz isso diversas vezes, mas algumas delas não foram produtivas nem tampouco fáceis. Nem sempre aqueles que deveriam tomar alguma iniciativa o fazem. É mais fácil ignorar o problema e manter a postura de superioridade. Então, precisamos olhar para a cruz, onde Jesus se humilhou para reconciliar pecadores tornando-os uma só família, a família de Deus (Ef.2.19). Já tentei convencer orgulhosos sobre o problema do orgulho e negligentes a respeito da necessidade de viver uma vida santa e dedicada ao Senhor, só ao Senhor. Já questionei problemas pessoais e, também, conciliares. Já fui atrás de quem não gosta (gratuitamente) de mim e já tentei ensinar a verdade nos relacionamentos. Em geral, por causa da falta de cultivo dessa prática na cristandade de nossos dias, boa parte das pessoas se sente ofendida, e não grata, quando alguém tenta mostrar que algo não está certo, não está bom.

O relacionamento cristão tornou-se formal e aparente, semelhante aos dias que antecedem eleições, quando todos sorriem. A falta de preocupação real com a pureza da igreja tem feito com que se negligencie o ensino Bíblico (Mt.18.15-35) sobre o modo como devemos tratar aqueles que cometem qualquer tipo de erro. Tem sido mais importante que haja conformação com a vontade alheia do que com a Palavra do Senhor. A paz implantada está dissociada da Verdade e, por isso, mostra-se tão superficial. E por ser mais fácil ignorar o problema ou resolve-lo do modo político brasileiro, o ensino de Cristo vai sendo esquecido. Assim, aquilo que parecia ser uma solução mais fácil para o problema mostra-se incapaz de purificar a igreja, conduzindo-a a uma vida superficial e aparente. Vemos, então, que Cristo tem razão mais uma vez e sua Palavra revela-se a única solução eficaz ao problema do coração humano: pecado.

O texto de Mateus 18.15-35 exorta os cristãos a terem uma relação pessoal sincera e humilde entre si, objetivando a glória de Deus na santificação da igreja. As três tentativas para conduzir o faltoso ao arrependimento demostram dedicação, esforço, zelo e real interesse no bem do indivíduo e, também, do corpo (igreja). Jesus chama o faltoso de “irmão” (Mt.18.15), pois este faz parte da igreja visível de Deus. O propósito da exortação ensinada por Cristo é ganhar o irmão que se desviou da Verdade (Mt.18.15). A insistência nos fala de um relacionamento não institucionalizado, não politizado, não formalizado. A Verdade não é negligenciada para agradar alguns nem manipulada para condenar outros, mas proferida com pureza e amor, com sinceridade e humildade, a fim de restaurar vidas para a glória de Deus.

Conforme o texto, a disciplina dentro da igreja não visa a condenação dos fiéis, mas seu arrependimento, à semelhança do que nos diz Ezequiel 18.23: “Acaso, tenho eu prazer na morte do perverso? -- diz o SENHOR Deus; não desejo eu, antes, que ele se converta dos seus caminhos e viva?”. Seu propósito não é meramente formal (nem teórico acadêmico), mas verdadeiramente prático, com vistas à confissão e arrependimento para a reabilitação daquele que havia se desviado da pureza de Cristo. Uma vez alcançado seu objetivo: a mudança de atitude do faltoso, a correção pode ser considerada bem-sucedida e cumprida. Ou seja, assim como Deus nos perdoa graciosamente ao nos arrependermos de nossos pecados, também deve a igreja (cada cristão) estar pronta a receber alegremente aqueles que confessam e deixam seus pecados (Mt.18.12-14).

É verdade, no entanto, que encontramos nas escrituras exemplos de disciplinas aplicadas mesmo após o perdão concedido por Deus. Em Números, após a rebelião do povo que se nega a subir para possuir a terra de Canaã, desacreditando da promessa de Deus, o Senhor se manifesta com ira no propósito de destruir a nação por toda sua rebeldia contra Ele (Nm.13.25-33). Contudo, Moisés intercede pelo povo e Deus aceita sua intercessão perdoando o pecado daquela geração rebelde (Nm.14.20). Mas, mesmo tendo perdoado os pecados deles, Deus mantém seu juízo rejeitando toda uma geração de incrédulos para que não entre na terra prometida (Nm.14.1-23[20-23]). Nesse caso, devemos considerar que o perdão divino foi alcançado pela intercessão de terceiros, Moisés, não por uma sincera confissão dos faltosos que pecaram contra Deus diversas vezes durante a caminhada no deserto. O perdão tinha como propósito a continuidade do plano redentor a ser concretizado pela nação israelita (Nm.14.13-19). Na verdade, não houve arrependimento nem confissão nem mudança de comportamento dos rebeldes. O povo agia por impulso e vivia como animal que só pensa em comer e beber.

Outro exemplo importante encontra-se em 2 Samuel 12. Davi havia planejado a morte de Urias, esposo de Bate-Seba, após ter coabitado com ela, a fim de que não descobrisse que ele a havia possuído e engravidado. Davi cometeu dois pecados: homicídio e adultério (2Sm.11). O tempo passou e Davi não confessou seus pecados ao Senhor. Aquele grande homem de Deus estava com o coração entorpecido. A prosperidade desfrutada como resultado das bênçãos do Senhor parece ter acomodado o coração do valente Davi. Então, o Senhor envia o profeta Natã para mostrar ao rei seu pecado contra a santidade de Deus (2Sm.12), à semelhança do que Jesus (posteriormente) ensinou a ser feito na igreja (Mt.18.15-17). Diante da exortação de Natã, Davi reconhece seu erro e, arrependido, confessa seu pecado perante o profeta e diante do Senhor (2Sm.12.13). Natã afirma que Deus o perdoou, mesmo sendo digno de morte (Lv.20.10; 24.17), mas não deixaria de discipliná-lo, pois seu pecado tornou-se conhecido dando motivo para os inimigos do Senhor blasfemarem de seu Santo NOME. (2Sm.12.14). Por isso, a criança que nasceu, resultado do adultério, morreu (2Sm.12.15-23), ainda que Deus não tenha tirado Davi da realeza nem retirado dele a unção que lhe fora dada ao ser ungido por Samuel (1Sm.16.13; Sl.51).

Contudo, a igreja deve ter cuidado em querer aplicar o proceder de Deus referente à disciplina. Conforme Cristo, a disciplina eclesiástica pretende levar o faltoso ao arrependimento, chegando a seu fim sempre que alcançar seu objetivo. Caso não haja sucesso em seu propósito, então aquele que estava sendo disciplinado é considerado não mais um irmão na fé, mas um pagão, alguém que se mostrou incapaz e indisposto a arrepender-se de seus pecados. Desse modo, uma espécie de “castigo” gratuito não parece encontrar fundamento bíblico, tornando a disciplina em algo sem propósito. A igreja precisa aprender que toda disciplina visa a glória de Deus e a purificação de seu povo, e, por isso, deve ser aplicada de maneira a conduzir o faltoso a se arrepender de seus pecados e retornar a um proceder em acordo com a Escritura Sagrada. Esse modelo deve ser aplicado não somente nas igrejas locais e Concílios, mas, ainda, nas famílias.

Portanto, deve-se ter muito cuidado para não confundir a disciplina bíblica com o orgulho pessoal de quem deseja passar na cara do outro as seguintes palavras: “Eu avisei! Eu falei! Eu disse para você!” etc.; ou ainda, com o perigoso orgulho de quem é líder e deseja mostrar superioridade sobre os demais. Essa atitude pode ser comum dentro das famílias e não é raro que pais digam a seus filhos: “Eu falei para você”, apenas para satisfazer um orgulho do coração. Menos ainda deve a disciplina servir ao propósito pecaminoso da vingança de quem deseja prejudicar alguém por qualquer que seja a razão. Pessoas raivosas devem ter muito cuidado ao disciplinar alguém, como nos diz Paulo: “Irai-vos e não pequeis” (Sl.4.4; Ef.4.26). A ira não pode conduzir um processo disciplinar, “porque a ira do homem não produz a justiça de Deus” (Tg.1.20). Em ambos os pecados, a disciplina é vulgarizada tornando-se um instrumento para satisfação da natureza pecadora, não um instrumento para a purificação da igreja nem para a glória de Deus.


Jesus nos ensina como a disciplina deve ser aplicado às relações pessoais dos cristãos. Cristo não está oferecendo um manual de disciplina para uso de concílios, apenas. Seu ensino é aplicado a cada cristão, de modo a exigir de todos que exercitem tanto a exortação quanto o perdão, contribuindo com a purificação da igreja a partir de cada relação pessoal. O pastor e os presbíteros não são os únicos responsáveis pela manutenção e purificação da igreja de Jesus. Todos os membros tem igual responsabilidade e devem contribuir para o bem-estar da noiva do Cordeiro. Portanto, da próxima vez que vir seu irmão pecar, chame-o em particular e mostre para ele a beleza da nova vida em Cristo Jesus, ensinando-lhe, com dedicação, a Palavra do Senhor. E, só em último caso, quando tudo já foi feito para convencê-lo de seus pecados, é que a igreja deverá considera-lo como pagão, pois mostrou-se incapaz de arrepender-se de seus pecados.

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