“Eu, porém, vos digo que
todo aquele que sem motivo se irar contra seu irmão estará sujeito a
julgamento; e quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento
do tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo” (Mt.5.22)
Em
seu famoso “sermão do monte” (Mateus 5 a 7), Jesus apresentou profundas
implicações de alguns dos dez mandamentos: o sexto mandamento (Mt.5.21-26), o
sétimo mandamento (Mt.5.27-32) e o nono mandamento (Mt.5.33-37 // Lv.19.12), além de fazer menção a Êxodo 21.24, Levítico 19.18,
Deuteronômio 6.4-5 entre outros textos do Antigo Testamento. Em seus
ensinos, Jesus costumava fazer referência aos principais problemas encontrados
tanto entre as multidões quanto entre os líderes dos judeus. Portanto, não foi
por acaso que Cristo escolheu abordar apenas alguns dos mandamentos em seu
sermão. Tais problemas eram mascarados pela prática mecânica de ritos e
tradições, ou seja, havia uma falsa ideia de cumprimento da lei do Senhor, enquanto
os mandamentos de Deus eram transgredidos no mais profundo do coração daquela
geração religiosa.
Devemos
salientar que o propósito de Deus nunca foi salvar pecadores por meio do
cumprimento da lei. Conforme Jesus, a lei do Senhor nos mostra a miséria de
nosso coração e, consequentemente, nossa incapacidade de adentrar ao reino dos
céus por nossos próprios méritos, pois eles não existem: “Porque vos digo
que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais
entrareis no reino dos céus” (Mt.5.20). Quando Cristo extraiu profundas
aplicações dos mandamentos de Deus (Mt.5-7), ele tornou evidente que a justiça
necessária ao homem está muito acima da capacidade do pecador. Deste modo, a
lei do Senhor não deveria promover um senso de autojustificação, como ocorreu
com os escribas e fariseus (Lc.18.10-14), mas a consciência da imensa
necessidade da graça e da misericórdia divinas.
Portanto,
devemos ensinar aos filhos os mandamentos de Deus evitando, ao mesmo tempo, que
o coração deles alimente um orgulho de si mesmos. Para o coração pecador, até
aquilo que é bom pode ser motivo para fomentar algum pecado. É possível que uma
pessoa ensinada a viver a prática dos mandamentos comece, sem perceber, a
orgulhar-se de si mesma considerando-se mais santa que as demais pessoas.
Devemos, então, ensinar a prática da Palavra de Deus com um constante cuidado
com a disposição do coração, impedindo o cultivo do orgulho. O senso de
dependência do Senhor (que leva à humildade) deve ser constantemente
alimentado, para que todo bem aprendido e praticado seja límpido e glorifique a
Deus, verdadeiramente.
O
primeiro dos mandamentos citados por Jesus em Mateus 5 é: “Não matarás”
(Ex.20.13 // Mt.5.21-26). Lendo as páginas dos quatro Evangelhos (Mateus,
Marcos, Lucas e João), podemos ver que os judeus tinham sérios problemas a
respeito da aplicação deste mandamento. Os escribas e fariseus se gabavam de
cumprir toda a Lei de Deus (Lc.18.11-12), mas não percebiam que a quebravam
profundamente em seus corações (Mt.23). A gravidade do
problema pode ser melhor observada em João 18.29-31 que nos revela a ocasião na
qual eles entregaram Jesus para ser morto por Pilatos sem qualquer peso na
consciência, achando, ainda, que não estavam quebrando o sexto mandamento:
“Então, Pilatos saiu para lhes falar e
lhes disse: Que acusação trazeis contra este homem? Responderam-lhe: Se este
não fosse malfeitor, não to entregaríamos. Replicou-lhes, pois, Pilatos:
Tomai-o vós outros e julgai-o segundo a vossa lei. Responderam-lhe os judeus: A
nós não nos é lícito matar ninguém” (Jo.18.29-31). Desse modo, os judeus
não mataram Jesus com as mãos, mas o mataram no coração, tornando-se assassinos
diante de Deus, como disse o apóstolo Pedro: “vós o matastes, crucificando-o
por mãos de iníquos” (At.2.23).
Tendo
em vista a ampla ignorância tanto dos líderes quanto das multidões sobre as
implicações do sexto mandamento, Jesus nos deu a correta compreensão e
aplicação dele (Mt.5.21-26): “todo aquele que sem motivo se irar contra seu
irmão estará sujeito a julgamento; e quem proferir um insulto a seu irmão
estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará
sujeito ao inferno de fogo”. Conforme Cristo, o coração é a fonte para todo
tipo de pecado: “do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios,
prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias” (Mt.15.19). É dele
que procedem a ira indevida e injusta, a maldade para com o próximo, a ofensa contra
as pessoas, os desejos de vingança, a inimizade sem qualquer motivo, a
tentativa de prejudicar pessoas indesejadas etc. É do coração que surgem
sentimentos e desejos ruins contrários ao amor. Antes de alguém matar, seu
coração desejou o mal contra o outro e em seu coração já o matou na presença de
Deus.
Diante
disso, devemos considerar que a briga entre filhos não indica apenas um
problema de relacionamento circunstancial, mas, também, a necessidade de se
trabalhar os corações. As crianças precisam conhecer o próprio coração, a fim
de domina-lo, corrigi-lo e redireciona-lo para o que realmente é bom. Crianças não
trabalhadas tornam-se adultos com diversos problemas, de modo que aquilo que
aparentemente é simples na infância pode tornar-se bastante complicado na fase
adulta. Grandes problemas encontrados em adultos: orgulho, egoísmo, hedonismo, narcisismo,
avareza, indisposições etc., não surgem de uma hora para a outra. Tais pecados
fazem parte natural do coração pecador desde o nascimento da pessoa e são
desenvolvidos (potencializados) durante a vida. Portanto, um dos principais papéis
dos pais é evitar que tais pecados se desenvolvam, reduzindo-os ao máximo por
meio do fiel ensino da Palavra de Deus, capacitando a criança, em Cristo e para
Cristo, a lutar contra todos os maus desejos do coração por meio do poder do
Espírito de Deus.
A principal raiz da indisposição do coração contra o próximo
é o demasiado amor próprio. Por querer que tudo gire em torno de si mesmo, o
coração reage hostilmente ao encontrar alguém que impede o sucesso do
egocentrismo em alguma medida. O coração pecador não gosta de dividir, pois
quer tudo para si; não gosta de ser corrigido, pois quer estar sempre certo;
não gosta de ser menor que outros, pois se acha o mais importante de todos; não
se contenta com o que tem, pois se considera digno do melhor; não aceita as
pessoas como elas são, pois se acha o padrão de vida para todos etc. Portanto, a
principal resposta na luta contra a quebra do sexto mandamento é: “Amarás o
teu próximo como a ti mesmo” (Mt.22.39) e “ameis uns aos outros; assim
como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros” (Jo.13.34). E para
que isso ocorra é preciso, primeiramente, negar a si mesmo, ou seja, subjugar o
coração ao senhorio de Jesus Cristo (Mt.16.24).
Enquanto
o coração da criança, ou do adulto, for senhor da própria vida, encontraremos a
tirania de um rei déspota que faz tudo como lhe apraz não se importando com as
implicações de suas atitudes (Jr.17.9). Quando o coração
pecador domina, Deus é colocado de lado em todas as decisões. Tudo o que importa
para o coração tirano é a satisfação de sua própria vontade. Por isso, é
preciso destronar tal coração, tirando-o do trono da vida do pecador, a fim de
que Cristo seja o único Rei da vida da criança, ou do adulto. Os pais devem
ajudar os filhos a entregar o coração ao Senhor Jesus numa disposição
consciente contra a tirania do próprio coração. Para isso, é preciso que os
pais sejam claros e precisos em mostrar aos filhos que certos comportamentos
decorrem da tirania do coração e que, portanto, precisarão lutar contra este
coração, fazendo o contrário daquilo que desejam. Não é uma tarefa fácil, mas
com insistência e compreensão pode ser bem-sucedida, pela graça de Deus.
Ensine
seu filho a lutar contra o demasiado amor próprio amando as pessoas ao redor,
em grande medida. Insista em fazê-lo dividir tudo com satisfação, não apenas
por obrigação. Mostre que o amor de Deus não diminui (nem dos pais) ao
dividi-lo com outras pessoas. Mostre que dar é mais feliz do que receber,
ensinando-o a ser feliz com a felicidade dos outros. Ensine-o a falar bem das
pessoas, compartilhando coisas boas a respeito dos outros e impedindo que
comentários maledicentes ocorram em casa. Faça-o experimentar o prazer pelo bem
comum, ou seja, ajude-o a participar de momentos que não foram decididos por
ele (e até sejam contrários ao gosto dele), mas que são bons para o conjunto. Ou
seja, não apenas fale sobre o amor, mas, acima disso, mostre o amor
conduzindo-o a praticá-lo também.
Portanto,
para que os filhos aprendam a não matar, precisarão aprender a negar a si mesmos.
E no lugar do demasiado amor próprio deverão colocar o amor pelo outro. Essas substituições
ocorrerão silenciosamente dentro deles, assistidas unicamente por Deus.
Todavia, os pais são de grande importância na condução dos filhos, a fim de
viabilizar o processo de substituição daquilo que é mau pelo que é bom. E mesmo
que ninguém possa ver o que há dentro do coração, os resultados serão vistos
por todos no decurso da vida deles, “porque a boca fala do que está cheio o
coração. O homem bom tira do tesouro bom coisas boas; mas o homem mau do mau
tesouro tira coisas más” (Mt.12.34-35).
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