“tu as inculcarás a teus filhos, e delas
falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao
levantar-te” (Dt.6.7).
Antes
mesmo dos filhos nascerem, os pais costumam planejar a caminhada junto a eles.
Bons pais têm prazer em andar com seus filhos, conversar com eles, ensinar-lhes
muitas coisas e participar da vida deles. Nos dias em que o trabalho tinha
uma natureza familiar, pois era desenvolvido dentro do ambiente doméstico, quer
fosse o campo quer fosse uma oficina ao lado da casa, pais e filhos andavam
juntos, até por necessidade (Sl.127.5). Os pais ensinavam a profissão aos filhos
para que tanto pudessem ajudar a desenvolver o trabalho em benefício da família
quanto viessem a dar seguimento ao trabalho aprendido após a formação de uma nova
família. Pais e filhos andavam juntos naturalmente, no dia a dia, “assentado em tua casa, e andando pelo
caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te” (Dt.6.7).
Em
nossos dias, filhos se assemelham a bens adquiridos que são entregues às mãos de terceiros
para que administrem em lugar dos pais. Desde o mundo moderno, quando o trabalho ganhou
um caráter mais ambicioso e menos doméstico, a família está sendo dividida. O
lar doce lar foi substituído por uma hospedaria, razão, também, para os imóveis
estarem cada vez menores, afinal as pessoas só vão para casa para dormir. A
relação entre os cônjuges é fragilizada pela falta de convívio e o
relacionamento entre pais e filhos praticamente não existe. Muitos filhos só
veem seus pais nos finais de semana, quando outras atividades não usurpam o
tempo precioso da família. Portanto, já não faz parte do dia a dia dos pais
andar com seus filhos, de modo que a relação familiar se resume a encontros
esporádicos entre pessoas que dormem sob o mesmo teto.
Como
ensinar aos cristãos o andar com Deus se as pessoas não andam umas com as
outras? O modelo pagão social de nossos dias substituiu o “andar com” o próximo
por um mero encontro com o outro. O andar com alguém pode
ser representado por uma linha contínua, indicando algo constante. Já o que a
sociedade atual vivencia deve ser representado por pontos distantes uns dos
outros que indicam encontros momentâneos, periódicos ou esporádicos. Os
cristãos da igreja de Atos dos apóstolos, “diariamente
perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas
refeições com alegria e singeleza de coração” (At.2.46). Em nossos dias, os
cristãos se encontram periodicamente para o culto e voltam (correndo) para
casa. Logo, não há convívio nem conhecimento mútuo, apenas momentos curtos. As
famílias têm sofrido com o mesmo mal, pois seus membros passam o dia fora de
casa, trabalhando ou estudando, e encontram-se durante algumas poucas horas no
final do dia, quando cada um entrará em seu aposento solitário para comer e
acessar o computador. A presente geração, portanto, não sabe o que significa
andar com alguém no dia a dia, pois foi privada dessa bênção por causa das
escolhas que fez ao longo das décadas.
Nosso
primeiro desafio, então, é resgatar o conceito de “andar com”. O paganismo
criou uma imensa confusão invertendo diversos valores. Dentre as muitas
inversões, propagaram a ideia de que aquilo que deveria ser tratado como algo
objetivo (a verdade) passasse a ser visto como subjetivo (relativismo).
Enquanto isso, o que deveria ser tratado de modo subjetivo (as relações
humanas) passou a ser tratado de forma objetiva (como objeto, número,
utilidade). A verdade perdeu seu valor absoluto e a família tornou-se um objeto
descartável como tantos outros vendidos nas prateleiras dos supermercados. Não
é de se estranhar que líderes de denominações (presbíteros e pastores) olhem
para a igreja como uma empresa religiosa e, em vez de pastorear ovelhas, estão
administrando números.
“Andar
com” alguém não significa ter encontros esporádicos com aquela pessoa. Jesus
andou com seus discípulos convivendo com eles dia e noite de cada dia a dia.
Essa era a prática de um rabino (mestre) que assumia o propósito de educar seus
discípulos. O aprendizado acontecia por meio do ouvir, ver e fazer dentro de
uma convivência diária. O relacionamento entre o mestre e seu discípulo era a
metodologia eficaz para um aprendizado certo. Isso exigia esforço da parte do
discípulo, que deveria estar disposto a andar com seu mestre, e uma vida exemplar
do rabino, que tinha a responsabilidade de ser modelo em tudo, a fim de ser
imitado por seu discípulo (Ef.5.1; Fp.3.17). Foi nesse convívio diário que
Jesus disse aos discípulos: “assim como
eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros” (Jo.13.34).
Portanto,
para ensinar aos filhos o andar com Deus é preciso mostrar-lhes como andar com
alguém. Os pais precisam primeiramente rever seus conceitos e suas práticas
familiares, a fim de reajustá-los à luz da Palavra de Deus. Os pais precisam
resgatar o desfrute de uma vida familiar contínua, ampliando ao máximo possível
o contato entre os cônjuges e a relação entre pais e filhos. Essa é a prática
do conceito de “andar com”, vivenciado dentro do relacionamento mais íntimo entre
pessoas: a família. Assim, o conceito de “andar com” estará resgatado dentro do
lar e os filhos poderão compreender melhor como deve ocorrer a caminhada com
Deus. Enquanto isso não acontecer, as pessoas confundirão encontros semanais de
cultos ao Senhor com “andar com Deus” como Enoque andou (Gn.5.24).
O
atual contexto das relações sociais também prejudicou a vida pastoral. Nenhum
pastor de nossos dias poderá dizer que anda com as ovelhas. Mesmo fazendo
visitas mais frequentes, o pastor não anda com as famílias da igreja. Não vemos
o relacionamento diário entre o marido e a esposa nem a forma como educam seus
filhos. Não acompanhamos o comportamento das ovelhas dentro e fora de casa, a
não ser quando estão presentes em alguma atividade da igreja. Logo, não podemos
dizer que andamos com as ovelhas de modo a conhece-las e fazer-nos conhecidos
para elas. O máximo que podemos fazer é potencializar o ensino da Palavra de
Deus, utilizando as diversas formas de comunicação de nossos dias.
Ou
seja, visitar alguém, mesmo periodicamente, não é “andar com” essa pessoa. Só
conhecemos bem o outro por meio de uma caminhada constante, razão para a
família que tem um bom convívio doméstico ter um conhecimento sobre seus
membros que nem sempre condiz com as impressões que as pessoas fora da família
têm acerca de cada um desses membros. Então, não podemos dizer que alguém que é
assíduo em participar dos cultos dominicais esteja realmente andando com Deus,
ainda que não falte nenhum culto durante o ano inteiro. Poderíamos dizer que
uma pessoa assídua nos cultos, mas que não lê a Palavra de Deus e ainda faz da
oração apenas uma reza proferida mecanicamente em alguns momentos tradicionais,
realmente anda com Deus? Dificilmente a vida dessa pessoa terá algum sinal de
intimidade com Cristo.
Para
ensinar aos filhos o andar com Deus, os pais precisam andar com Deus. Conforme
Deuteronômios (Dt.6.5-7) os pais deveriam amar a Deus de todo o coração e
ensinar aos filhos o amar o Senhor da mesma forma. Esse ensino ocorreria no dia
a dia do convívio entre pais e filhos, não apenas em palavras ditadas
periodicamente. No andar dos pais com os filhos, estes veriam como seus pais
amam a Deus de todo o coração, andando com Deus por meio de um relacionamento
constante com o Senhor. Então, estariam presentes três relacionamentos: pais
com Deus; pais com filhos; filhos com Deus. Os filhos veriam como se anda com
alguém, tanto na relação com seus pais que estariam presentes na vida de seus
filhos como, também, na relação diária, íntima e constante dos pais com Deus.
Fica
evidente, então, que a família é o melhor e mais eficaz ambiente para se
ensinar a andar com Deus. Por essa razão, Satanás é tão insistente em destruir
as famílias, sabendo que uma sociedade sem famílias saudáveis está fadada à
completa destruição. Não podemos, então, deixar que o mundo dite as regras
sobre o viver familiar. A famílias cristãs precisam reagir revertendo os
valores que foram invertidos pelo paganismo. Os pais precisam lutar contra o
sistema ímpio focado apenas no materialismo e revalorizar as relações
familiares para que tanto cônjuges (e pais com filhos) andem uns com os outros de
forma saudável quanto cristãos andem com o Senhor nosso Criador, Deus e
Redentor.
Para
isso, serão necessárias atitudes da parte dos pais. O paganismo tem escravizado
as famílias prendendo-as por meio da corrente da necessidade material. Pais
cristãos precisam refletir sobre o que realmente é necessário para uma vida
familiar materialmente saudável. Muito do que o homem pós-moderno diz ser necessário
é apenas capricho de um coração tentado a buscar uma vida supérflua. Não é
incomum que mães abandonem seus filhos entregando-os para creches, a fim de
satisfazerem anseios particulares, quer denominem de realização profissional
quer seja o interesse de comprar mais roupas etc. Diversas promoções oferecidas
no trabalho vêm acompanhadas de um alto preço: deixar o convívio familiar.
Diante disso, os pais precisam pensar bem: Vale a pena deixar o convívio
familiar por um pouco mais de bens materiais? Jesus nos responde, dizendo: “a vida de um homem não consiste na abundância
dos bens que ele possui” (Lc.12.15).
Mas,
não é só o convívio familiar que é prejudicado pela busca material. Os cristãos
de nossos dias não têm mais tempo para andar com Deus. A vida comunitária da
igreja tem sido reduzida paulatinamente. Boa parte das justificativas está
associada à falta de tempo. O trabalho é esgotante, estressante, intolerante e
sufocante. O comércio investe pesado em propagandas que tanto cativam mentes
vazias quanto aprisionam as pessoas emocionalmente. E quanto mais endividadas
estiverem as famílias ou maior for a sensação de precisarem de coisas
desnecessárias, mais facilmente as pessoas se submeterão ao sistema
escravocrata do paganismo materialista de nossos dias. Então, refém do
paganismo materialista, o homem não tem tempo para viver, trabalhando de
segunda a segunda como um objeto de utilidade pública, escravo de um sistema
pagão. Sem tempo para Deus, a vida do homem perdeu o sentido, resumindo o ciclo
de vida em três etapas: nascer; trabalhar-comprar; e, morrer, afinal o deus
deste século é o bem material.
Pais,
parem enquanto há tempo! Tomem a atitude de refletir sobre o que vocês estão
fazendo com o tempo de vida dado por Deus e com a família recebida do Senhor.
Pensem sobre o que é mais importante! Julguem entre aquilo que é passageiro e o
que é eterno (Cl.3.1-4): as coisas são passageiras, as pessoas têm almas
eternas; a vida terrena é passageira, a vida pós-morte é eterna. Os pais
precisam parar, orar ao Senhor, meditar sobre a vontade de Deus revelada em sua
Santa Palavra e, então, tomar algumas atitudes para o bem da família toda.
Reflitam sobre a forma como vocês estão administrando o tempo de vocês, pois é
no uso do tempo que nós podemos desfrutar tanto da comunhão com Deus quanto da
relação familiar. Portanto, o uso correto do tempo é fundamental para o
cristão.
Pais,
tomem a atitude de dedicar tempo diário para falar com Deus e ouvir sua voz que
ecoa pela Escritura Sagrada. Andar com Deus não é o mesmo que o visitar
dominicalmente. Então, cultivem um relacionamento diário e abundante com Deus,
como filhos amados que tem prazer de estar com o Pai. Quando amamos pessoas
queremos estar com essas pessoas. Seria muito estranho que duas pessoas
declarassem verdadeiro amor uma pela outra, mas não tivessem interesse de estarem juntas. Pessoas que se amam se esforçam para conseguir algum tempo, a
fim de estarem juntas estreitando o relacionamento, principalmente por meio do
diálogo. Portanto, é completamente estranho que cristãos afirmem amarem a Deus
acima de todas as coisas, mas não se esforcem para investir o maior tempo
possível com Deus. Então, pais, andem com Deus e nesse andar com Deus, ensinem
seus filhos a andarem com Deus, também.
E
para que os filhos também usufruam do convívio com os pais, planejem o dia a
dia de vocês de tal maneira que possam desfrutar do maior tempo possível com a
família. Caso, tenham condições de tomar café, almoçar e jantar juntos, não
percam esse benefício, pois poderão conversar com seus filhos e conduzi-los
para Cristo. Ao chegarem em casa, aproveitem aquelas horas antes de dormir para
estreitarem os relacionamentos. São poucas horas, mas de grande valor. E, se
bem aproveitadas, podem ter implicações eternas, pois nesse pouco tempo em
família é possível orar, ler a Bíblia, conversar sobre Cristo e amadurecer o
amor familiar. O amor cresce à medida em que ele é cultivado por meio de um
convívio marcado por diálogo. Essa dedicação de tempo para estar com os filhos
mostrará para eles a importância de dedicar tempo para se relacionar com Deus,
também. Eles sentirão a importância de andar com os pais, podendo aplicar o
mesmo princípio ao relacionamento com Cristo Jesus.
Portanto,
a melhor forma de ensinar aos filhos o andar com Deus é andando com o Senhor
junto aos filhos. Durante a caminhada com os pais, os filhos aprenderão a dar
valor à dedicação de tempo para construir relacionamentos saudáveis, inclusive
com Cristo. Então, por imitação, os filhos poderão desenvolver um andar com
Deus semelhante ao que viram na vida cristã de seus pais. São esses os filhos
que estarão prontos para sair de casa e percorrer a própria jornada junto ao
Senhor e, um dia, também ensinar aos próprios filhos o andar com Deus, preservando
sucessivas gerações de famílias que andam com Cristo Jesus.
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