“Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez
digo: alegrai-vos” (Fp.4.4)
Comércio cheio de segunda a segunda, pessoas olhando
vitrines de shoppings sem necessidade alguma e sem saber o que comprar. Carência
emocional levando rapazes e moças, homens e mulheres à constante troca de
relacionamento. Bebedice e glutonaria fazem a festa até altas horas, deixando
marcas nas ruas, nas casas e na saúde da geração. Esses e outros fenômenos de
nossos dias mostram o vazio do coração do homem que tenta se preencher de
alguma forma. A infelicidade paira como nuvem densa, razão para o estado
emocional das pessoas estar tão desestruturado e tão confuso.
Após a compra desnecessária, o coração que sentiu certa
alegria pela nova aquisição já se encontra vazio outra vez, pois na alegria
passageira e superficial não encontrou a felicidade. A carência preenchida pelo
prazer e a sensação de realização amorosa logo se esvai dando lugar ao coração
desocupado, tal qual uma casa abandonada, pois na paixão instável e mortal não
se encontra a verdadeira e eterna felicidade. A sensação de satisfação pelo
estômago cheio e a cabeça tomada pelo álcool desaparece na manhã seguinte,
exigindo nova aventura que proporcione algum tipo de sensação para iludir o
coração infeliz. Sem perceber, o ser humano vive insaciável, como um poço sem
fundo, impossível de ser enchido pelas coisas dessa vida. Mas, até quando essa
angustia durará?
A procura por algo que preencha o coração vazio só cessa
quando este coração for completamente e permanentemente enchido. Mas, quem pode
fazer isso? O que poderia preencher o coração humano de tal forma que haja
contentamento pleno? Barriga cheia não indica coração cheio; emoções
satisfeitas não indicam um coração plenamente e incondicionalmente feliz; mente
ocupada não representa a plena satisfação da alma. Coisa alguma que há no mundo
mostra-se suficiente para preencher o vazio do coração: nem comida nem bebida
nem riquezas nem poder nem amor nem prazer nem realizações nem lazer. Por essa
razão, a busca por preencher o coração continua geração após geração como uma
empreitada infrutífera rumo a lugar nenhum.
O que seria esse pleno contentamento? Por analogia, podemos
dizer que é semelhante a ter um copo completamente cheio de água, portanto sem
qualquer necessidade de receber nem mesmo mais uma gota. Esse copo tem tudo o
que poderia ter, por isso não precisa de mais nada. Ao mesmo tempo, ele não tem
muitas outras coisas que poderia ter: suco, refrigerante, sorvete, mousse, vinho
etc. Ele não precisa de nada mais por estar plenamente cheio daquilo que é puro,
límpido, saciador, completo, suficiente, tendo a medida certa que não será
tirada dele em nenhum momento.
Como isso se aplica ao coração do homem? Nenhuma comida ou
bebida, nenhum prazer ou sentimento, nenhum poder ou riqueza pode encher o
coração do homem nem muito menos mantê-lo cheio. Portanto, é preciso algo capaz
de entrar direto no coração e fazê-lo plenamente e permanentemente satisfeito,
de tal modo que haja ampla e completa felicidade. Por meio desse contentamento,
o muito e o pouco serão sempre suficientes, como disse Paulo: “Tendo sustento e com que nos vestir,
estejamos contentes” (1Tm.6.8).
Esse pleno contentamento deve ser compreendido como completa
felicidade. Logo, não deve ser confundido com ter tudo o que se deseja, mas
significa estar plenamente satisfeito mesmo não tendo nada daquilo que pode ser
desejado. Tudo ou nada não importarão para aquele que encontrou o pleno
contentamento. Portanto, a felicidade não é encontrada numa vida ascética de
eremita ou monge. Saber viver com pouco não é sinônimo de ter o pleno
contentamento no coração nem ter tudo o que se deseja significa estar
plenamente feliz. Abundância ou escassez não preenchem o coração insaciável do
homem, apenas transmitem uma falsa ideia de felicidade, já que ambos são
fundamentos circunstanciais.
Lembremos agora daqueles brinquedos educativos de encaixe em
que cada figura geométrica tem seu devido lugar. Os espaços vazios somente são
preenchidos pelas formas geométricas corretas e tentar forçar o encaixe de
outra forma geométrica somente quebrará o brinquedo. Caso uma das formas geométricas
seja perdida, o espaço destinado para ela ficará vazio para sempre, pois nada
substitui a forma respectiva. O apóstolo Paulo faz uso de raciocínio semelhante,
dizendo: “os alimentos são para o
estômago, e o estômago, para os alimentos; mas Deus destruirá tanto estes como
aquele. Porém o corpo não é para a impureza, mas, para o Senhor, e o Senhor,
para o corpo” (1Co.6.13). O espaço vazio do coração do homem tem uma forma
que somente Deus pode preencher, de modo que sem Ele o coração continuará vazio
por todos os seus dias.
Apenas Aquele que criou o ser humano pode preencher o vazio
do coração, pois criou o homem para si mesmo (Rm.11.36). Como aquele brinquedo
de encaixe em que há diversos desenhos vazados, cada qual feito para uma forma
geométrica, assim o coração do homem possui um desenho vazado muito peculiar,
preparado sob medida para o Criador, Senhor e Deus. Por isso, somente Cristo, o
Filho de Deus, é capaz de encher o coração do homem com o pleno contentamento,
a pura felicidade que provém do Espírito Santo. As demais coisas da vida são como
figuras geométricas diferentes que ficam sobrepostas ao espaço vazado, mas não preenchem
o vazio. Além disso, uma figura geométrica sobreposta não permanece muito tempo
no local, pois não tendo sido encaixada está sujeita à locomoção, assim que ocorra qualquer leve mudança circunstancial tal como trepidações, ventanias,
inclinações etc.
Mas, por que o homem sente a necessidade de ser preenchido
por Deus, através de Cristo que nos envia seu Santo Espírito? Porque a
desobediência de Adão e Eva separou o homem de seu Criador, como podemos ver no
rumo da sociedade em cada geração. O pecado arrancou brutalmente a “peça” que
se encaixava perfeitamente, pois Deus se recusa a permanecer em um lugar sujo,
até que seja verdadeiramente limpo, tornando-o aceitável à presença de Deus. Essa
separação deixou um vazio na raça humana, razão para que todo ser humano busque
incansavelmente algo que lhe proporcione a sensação de estar cheio, sem saber
que tal sensação é apenas uma ilusão sobreposta, incapaz de fazê-lo verdadeiramente
e permanentemente feliz.
No Evangelho de Lucas (Lc.1.39-45) há um evento encantador
que nos ajuda a mostrar a felicidade proporcionada por Deus, independente das
circunstâncias da vida. Maria e Isabel, ambas grávidas, se encontram por
ocasião da visita de Maria a sua parente (Lc.1.36,39-40). Nesse encontro, João
Batista, ainda no ventre de sua mãe, Isabel, sente a presença de Cristo ao
ouvir a voz de Maria que estava grávida de Jesus, o Filho de Deus (Lc.1.41). João
Batista, antes de nascer, foi agraciado com o contentamento pleno em Cristo
Jesus, estremecendo “de alegria” dentro do ventre de sua mãe (Lc.1.44). Não
havia nada mais em que ele pudesse se alegrar, mas o Espírito Santo proporcionou a
plena alegria proveniente de Cristo. Essa é a mesma alegria indizível e não
circunstancial que Jesus concede àqueles que recebem o Cordeiro de Deus
que tira o pecado do mundo.
Por causa da presença do pleno contentamento proporcionado
pelo Espírito de Deus, Cristo disse aos discípulos que deveriam se alegrar em
meio às perseguições e os discípulos de Jesus alegraram-se mesmo em
circunstâncias bastante adversas:
Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos
perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e
exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos
profetas que viveram antes de vós (Mt.5.11-12)
Chamando os apóstolos, açoitaram-nos e, ordenando-lhes que não falassem em
o nome de Jesus, os soltaram. E eles se retiraram do Sinédrio regozijando-se
por terem sido considerados dignos de sofrer afrontas por esse Nome (At.5.40-41)
Este, recebendo tal ordem, levou-os para o cárcere interior e lhes prendeu
os pés no tronco. Por volta da meia-noite, Paulo e Silas oravam e cantavam
louvores a Deus, e os demais companheiros de prisão escutavam (At.16.24-25)
Entretanto, mesmo que seja eu oferecido por libação sobre o sacrifício e
serviço da vossa fé, alegro-me e, com todos vós, me congratulo. Assim, vós
também, pela mesma razão, alegrai-vos e congratulai-vos comigo (Fp.2.17-18)
Essa alegria não é sinônimo de religiosidade. Há muitas
formas de pessoas sentirem-se aparentemente “bem” dentro das mais diversas
religiões. Contudo, o contentamento em Cristo, que é a vontade de Deus para seu
povo, é diametralmente oposto ao desejo por poder, status, fama, glória,
elogios, bajulações, riquezas, cargos, grandeza, êxtases, entre outras coisas
semelhantes. Tais buscas revelam o vazio do coração ensimesmado que, não
desfrutando da plenitude da alegria da presença de Deus (Sl.16.11), procura
satisfazer-se em alguma suposta glória aparente, quer proposta por uma vida acética
quer sugerida por uma vida de fama, engano do coração pecador (Jr.17.9).
Por isso, falando para multidões, dentre as quais se
encontravam os escribas, os fariseus e os saduceus que amavam a grandeza
aparente, Jesus disse: “Guardai-vos dos
escribas, que gostam de andar com vestes talares e das saudações nas praças; e
das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos primeiros lugares nos banquetes”
(Mc.12.38-39). Tão cheios de aparência, mas tão vazios de coração, não
conseguiram ver que o filho de um carpinteiro (Mt.13.55) era o Senhor de toda a
criação (Hb.1.3). A religiosidade dos homens não é sinônimo de contentamento em
Cristo, por isso há tanta gente infeliz dentro das denominações, razão para tantas
pessoas causarem problema para a igreja de Jesus.
Todavia, Cristo, sendo Senhor e Rei, ofereceu-se a si mesmo
para que a glória e a alegria de seu povo estivesse somente nEle. E vivendo
como um de nós, exclamou: “aprendei de
mim, porque sou manso e humilde de coração” (Mt.11.19), pois “quem fala por si mesmo está procurando a sua
própria glória; mas o que procura a glória de quem o enviou, esse é verdadeiro,
e nele não há injustiça” (Jo.7.18). Cristo ensinou aos discípulos que sua presença
é o único caminho para a plena satisfação da alma (Sl.16) e nada mais seria
necessário para complementar a felicidade que Ele proporciona ao cristão. Assim,
Cristo basta! Cristo basta hoje e eternamente bastará! Por isso, mesmo não
sabendo como será o novo céu e a nova terra, o cristão pode alegrar-se nas
promessas do Senhor por meio de uma viva esperança, pois Deus será a razão da
felicidade eterna dos filhos de Deus, não o fato de que tudo será bonito e
perfeito naquele dia.
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