“Vi, na mão direita daquele que estava
sentado no trono, um livro escrito por dentro e por fora, de todo selado com
sete selos” (Ap.5.1)
O livro de Apocalipse é alvo de muitos olhares
especulativos. Alguns veem o passado outros aguardam algo para o futuro.
Particularmente, entendo que este livro nos conta uma longa história em que boa
parte dos eventos já ocorreu nesses dois mil anos que se passaram. Para
entender melhor isso, sugiro a leitura do texto: Uma leitura pós-milenista
historicista de Apocalipse (Disponível em: http://voxscripturae.blogspot.com/2016/12/uma-leitura-pos-milenista-historicista.html).
Para ajudar na compreensão do todo, alguns detalhes tornam-se fundamentais.
Dentre estes, encontra-se a natureza do livro aberto (Ap.5.1) pelo “Cordeiro como tendo sido morto”
(Ap.5.6). Seu conteúdo é revelado pelos capítulos subsequentes de Apocalipse,
onde encontramos a vitória do Cordeiro sobre os inimigos da igreja (Ap.18-19),
culminando com o julgamento final e a chegada do novo céu e nova terra
(Ap.20-22).
Os capítulos 4 e 5 de apocalipse fazem transição entre a
Palavra de Cristo dada às sete igrejas dos dias em que vivia o apóstolo João
(Ap.2-3) e a revelação de dias futuros (a João) até a chegada do novo céu e
nova terra (Ap.6-22). O capítulo 5 do livro de Apocalipse nos conta algo curioso
que exige nossa atenção particular. Ele começa com a informação de que Deus, apresentado
gloriosamente no capítulo 4, tem em sua mão direita um “livro escrito por dentro e por fora, de todo selado com sete selos”
(Ap.5.1). A princípio, parece que o livro é mais uma revelação de Deus à
semelhança de todas as demais que formam a Escritura. Contudo, um dado
importante aparece em seguida: ninguém podia abrir o livro, a não ser o
Cordeiro que venceu (Ap.5.5). Se este livro fosse mais uma revelação da parte
de Deus, por que não podia ser aberto por mais ninguém além do Cordeiro
vitorioso?
O objetivo deste artigo é explicar o porquê só Cristo podia
abrir o livro que se encontrava na mão direita de Deus (Ap.5). Tendo em vista
que o conteúdo deste livro, completamente escrito por dentro e por fora
(Ap.5.1), é apresentado nos capítulos 6 a 22, entender a natureza do livro nos
ajudará a entender esses capítulos. A importância sem igual do livro que não
pode ser aberto por mais ninguém além do Cordeiro que venceu aponta para a
importância e amplitude do alcance do conteúdo dos capítulos 6 a 22 de
Apocalipse. Por isso, “bem-aventurado
aquele que lê e aqueles que ouvem as palavras da profecia e guardam as coisas
nela escritas” (Ap.1.3).
O Antigo Testamento já havia sido inteiramente revelado e
dado para o povo de Deus, de modo que todos poderiam lê-lo para conhecer tudo o
que Deus quis contar a seu povo. Seu conteúdo três vezes maior do que o Novo
Testamento foi revelado ao longo de mil anos por intermédio de diversos homens
de Deus. Com respeito aos atos revelatórios do Antigo Testamento não houve
qualquer restrição nem exigência. Deus escolheu homens pecadores (profetas)
como instrumentos para revelar sua Santa Palavra e entrega-la ao povo escolhido
como receptáculo dos oráculos divinos (Rm.3.2). O livro de Hebreus nos conta
que o Antigo Testamento foi revelado diretamente pelos profetas (Hb.1.1) e dado
aos judeus.
Por que o Antigo Testamento pôde ser revelado por homens
escolhidos por Deus? Para responder, precisamos lembrar o caráter do conteúdo
do Antigo Testamento. Podemos dizer que esta porção das Escrituras possui,
basicamente, três tipos de conteúdo: 1) A história do povo de Deus; 2) Ensinos
práticos para o povo de Deus; 3) Promessas e profecias sobre a futura redenção
do povo de Deus. Ou seja, o Antigo Testamento trata com um povo dentro da
realidade de um mundo caído, dando-lhe esperança por meio de promessas, sem
trazer “a concretização da promessa”
(Hb.11.39). Nenhuma das promessas foram concretizadas nos dias do Antigo
Testamento, porque o pagamento da dívida não havia sido realizado ainda. Sem o
sacrifício do Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, a Palavra de Deus
constava apenas de promessas de redenção (Gn.3.15; 12.1-3; 2Sm.7; Is.9.1-7;
11.1-10; Ez.36; etc.).
Tendo o Cordeiro de Deus cumprido a redenção, aquilo que era
promessa torna-se realidade para o povo de Deus. Podemos dizer que os céus se
abriram para a igreja e o diabo foi expulso das regiões celestiais onde acusava
o ser humano (Ap.12.1-12). Por isso, o Novo Testamento não é composto de
promessas, apenas. Seu conteúdo gira em torno da concretização daquilo que
Cristo trouxe à igreja por meio de sua vitória na Cruz. Nos Evangelhos
encontramos a concretização da obra redentora (Jo.20.30-31); em Atos dos
apóstolos, temos a história da igreja vitoriosa pelo sangue do Cordeiro
(At.2.42-47); e, nas cartas, Deus nos revela a dimensão das bênçãos advindas
por meio da redenção realizada pelo Cordeiro de Deus (Ef.3.1-12). E até as
promessas do Novo Testamento (volta de Cristo) dependiam completamente da
concretização da obra redentora de Cristo Jesus. Hebreus, então, no diz que “nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a
quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo”
(Hb.1.2). A revelação do Novo Testamento dependia completamente da obra
redentora, pois sem Cristo não haveria “toda
sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo” (Ef.1.3).
Sem Cristo, o desfecho da história redentora seria
impossível. Não haveria Novo Testamento, sem Cristo; não haveria Apocalipse,
sem Cristo; e, não haveria vitória para a igreja, sem Cristo. Portanto, o
problema em questão não se encontra na revelação de novas coisas futuras, à
semelhança do que ocorria nos dias do Antigo Testamento. A singularidade do
livro de Apocalipse 5 vai além da previsão do futuro para a concretização
deste. O Cordeiro era o único digno de abrir o livro para trazer cumprimento às
coisas que estavam escritas naquele que continha a última etapa da história
redentora planejada por Deus. Cristo era o único capaz de trazer o desfecho da
história redentora, pois Ele venceu tornando possível a vitória da igreja e a
completa derrota de seus inimigos, principalmente Satanás (Ap.18 e 20).
Apocalipse 6 a 22 é mais que a revelação de coisas que
aconteceriam no futuro. O “livro escrito
por dentro e por fora, de todo selado com sete selos” (Ap.5.1) é a etapa
final do projeto redentor, que ecoa semelhante a Gênesis 1, quando Deus criou
tudo pelo poder de sua Palavra: “e disse Deus, Haja...! e houve” (Gn.1.3,6,14,).
Mas, ele só seria possível por meio da redenção na cruz do Calvário. Por isso,
somente o Cordeiro de Deus que venceu, morreu e ressuscitou, poderia abri-lo
para trazer a consumação do plano redentor sobre a terra. Podemos dizer que, assim
como Cristo cumpriu o projeto criador do Pai trazendo à existência todas as
coisas (Jo.1.1-5) através de sua poderosa Palavra, Ele também se mostrou digno
de executar a consumação do projeto redentor, pois realizou a redenção por
meio de sua morte e ressurreição. Então, Cristo traz à existência a história
final, os últimos dias (Ap.6-22).
A natureza do livro aberto por Cristo nos ajuda a descartar
a possiblidade de que Apocalipse deva ser interpretado por um olhar preterista.
O fechamento da história redentora não possui caráter local e racial, mas
cósmico e universal. Os últimos dias da grande história da redenção culminam
com o juízo final e a chegada do novo céu e nova terra. O foco de Apocalipse,
portanto, não é o fim do judaísmo nem o tempo dos gentios, afinal o que teria
de tão importante no fim do judaísmo que somente o Cordeiro de Deus pudesse
revelar? Os profetas Isaías, Jeremias e Habacuque, já haviam profetizado dias
maus para os judeus em outra ocasião (cativeiro da Babilônia), mesmo sendo eles
pecadores indignos. Mas, nenhum deles seria digno de abrir o livro que estava
nas mãos de Deus (Ap.5.2-4). Em Apocalipse, há algo muito maior em jogo que
envolve todos os seres criados por Deus (Ap.5.13-14). Por isso, o livro revela
uma guerra entre seres celestiais e as lutas sofridas pelo povo de Deus que se
encontra sobre a terra, aguardando a vitória sobre o arqui-inimigo daqueles
dias: o império romano, e o desfecho de toda a história.
Quem poderia executar a consumação da história da redenção? Quem
mais poderia trazer o cumprimento paulatino da vitória sobre os inimigos do povo de Deus?
Quem poderia trazer a concretização da vitória decorrente da redenção alcançada
pelo Cordeiro de Deus? João é escolhido por Deus para revelar o conteúdo do
livro visto em forma de visão, mas somente Cristo poderia trazer o cumprimento
daquilo que estava escrito no livro, guardado para a última etapa da redenção. Ao abrir
o livro lacrado, Cristo trouxe o fim da história redentora. Essa vitória não
ocorreria em um só momento, como nos conta Apocalipse, mas certamente viria,
para a igreja, no decurso da história, cumprindo os santos propósito daquele
que tudo fez para o louvor de sua glória (Rm.11.33-36). E tudo dependia da
vitória do Cordeiro de Deus que venceu, tornando-se digno de ser louvado por
todos nos céus e sobre a terra. Aquele que fez ecoar a poderosa Palavra
criadora de Deus, também fez soar a poderosa voz consumadora do Senhor.
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