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quinta-feira, 14 de março de 2019

Mais que revelação, consumação da redenção

Vi, na mão direita daquele que estava sentado no trono, um livro escrito por dentro e por fora, de todo selado com sete selos” (Ap.5.1)

O livro de Apocalipse é alvo de muitos olhares especulativos. Alguns veem o passado outros aguardam algo para o futuro. Particularmente, entendo que este livro nos conta uma longa história em que boa parte dos eventos já ocorreu nesses dois mil anos que se passaram. Para entender melhor isso, sugiro a leitura do texto: Uma leitura pós-milenista historicista de Apocalipse (Disponível em: http://voxscripturae.blogspot.com/2016/12/uma-leitura-pos-milenista-historicista.html). Para ajudar na compreensão do todo, alguns detalhes tornam-se fundamentais. Dentre estes, encontra-se a natureza do livro aberto (Ap.5.1) pelo “Cordeiro como tendo sido morto” (Ap.5.6). Seu conteúdo é revelado pelos capítulos subsequentes de Apocalipse, onde encontramos a vitória do Cordeiro sobre os inimigos da igreja (Ap.18-19), culminando com o julgamento final e a chegada do novo céu e nova terra (Ap.20-22).

Os capítulos 4 e 5 de apocalipse fazem transição entre a Palavra de Cristo dada às sete igrejas dos dias em que vivia o apóstolo João (Ap.2-3) e a revelação de dias futuros (a João) até a chegada do novo céu e nova terra (Ap.6-22). O capítulo 5 do livro de Apocalipse nos conta algo curioso que exige nossa atenção particular. Ele começa com a informação de que Deus, apresentado gloriosamente no capítulo 4, tem em sua mão direita um “livro escrito por dentro e por fora, de todo selado com sete selos” (Ap.5.1). A princípio, parece que o livro é mais uma revelação de Deus à semelhança de todas as demais que formam a Escritura. Contudo, um dado importante aparece em seguida: ninguém podia abrir o livro, a não ser o Cordeiro que venceu (Ap.5.5). Se este livro fosse mais uma revelação da parte de Deus, por que não podia ser aberto por mais ninguém além do Cordeiro vitorioso?

O objetivo deste artigo é explicar o porquê só Cristo podia abrir o livro que se encontrava na mão direita de Deus (Ap.5). Tendo em vista que o conteúdo deste livro, completamente escrito por dentro e por fora (Ap.5.1), é apresentado nos capítulos 6 a 22, entender a natureza do livro nos ajudará a entender esses capítulos. A importância sem igual do livro que não pode ser aberto por mais ninguém além do Cordeiro que venceu aponta para a importância e amplitude do alcance do conteúdo dos capítulos 6 a 22 de Apocalipse. Por isso, “bem-aventurado aquele que lê e aqueles que ouvem as palavras da profecia e guardam as coisas nela escritas” (Ap.1.3).

O Antigo Testamento já havia sido inteiramente revelado e dado para o povo de Deus, de modo que todos poderiam lê-lo para conhecer tudo o que Deus quis contar a seu povo. Seu conteúdo três vezes maior do que o Novo Testamento foi revelado ao longo de mil anos por intermédio de diversos homens de Deus. Com respeito aos atos revelatórios do Antigo Testamento não houve qualquer restrição nem exigência. Deus escolheu homens pecadores (profetas) como instrumentos para revelar sua Santa Palavra e entrega-la ao povo escolhido como receptáculo dos oráculos divinos (Rm.3.2). O livro de Hebreus nos conta que o Antigo Testamento foi revelado diretamente pelos profetas (Hb.1.1) e dado aos judeus.

Por que o Antigo Testamento pôde ser revelado por homens escolhidos por Deus? Para responder, precisamos lembrar o caráter do conteúdo do Antigo Testamento. Podemos dizer que esta porção das Escrituras possui, basicamente, três tipos de conteúdo: 1) A história do povo de Deus; 2) Ensinos práticos para o povo de Deus; 3) Promessas e profecias sobre a futura redenção do povo de Deus. Ou seja, o Antigo Testamento trata com um povo dentro da realidade de um mundo caído, dando-lhe esperança por meio de promessas, sem trazer “a concretização da promessa” (Hb.11.39). Nenhuma das promessas foram concretizadas nos dias do Antigo Testamento, porque o pagamento da dívida não havia sido realizado ainda. Sem o sacrifício do Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, a Palavra de Deus constava apenas de promessas de redenção (Gn.3.15; 12.1-3; 2Sm.7; Is.9.1-7; 11.1-10; Ez.36; etc.).

Tendo o Cordeiro de Deus cumprido a redenção, aquilo que era promessa torna-se realidade para o povo de Deus. Podemos dizer que os céus se abriram para a igreja e o diabo foi expulso das regiões celestiais onde acusava o ser humano (Ap.12.1-12). Por isso, o Novo Testamento não é composto de promessas, apenas. Seu conteúdo gira em torno da concretização daquilo que Cristo trouxe à igreja por meio de sua vitória na Cruz. Nos Evangelhos encontramos a concretização da obra redentora (Jo.20.30-31); em Atos dos apóstolos, temos a história da igreja vitoriosa pelo sangue do Cordeiro (At.2.42-47); e, nas cartas, Deus nos revela a dimensão das bênçãos advindas por meio da redenção realizada pelo Cordeiro de Deus (Ef.3.1-12). E até as promessas do Novo Testamento (volta de Cristo) dependiam completamente da concretização da obra redentora de Cristo Jesus. Hebreus, então, no diz que “nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo” (Hb.1.2). A revelação do Novo Testamento dependia completamente da obra redentora, pois sem Cristo não haveria “toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo” (Ef.1.3).

Sem Cristo, o desfecho da história redentora seria impossível. Não haveria Novo Testamento, sem Cristo; não haveria Apocalipse, sem Cristo; e, não haveria vitória para a igreja, sem Cristo. Portanto, o problema em questão não se encontra na revelação de novas coisas futuras, à semelhança do que ocorria nos dias do Antigo Testamento. A singularidade do livro de Apocalipse 5 vai além da previsão do futuro para a concretização deste. O Cordeiro era o único digno de abrir o livro para trazer cumprimento às coisas que estavam escritas naquele que continha a última etapa da história redentora planejada por Deus. Cristo era o único capaz de trazer o desfecho da história redentora, pois Ele venceu tornando possível a vitória da igreja e a completa derrota de seus inimigos, principalmente Satanás (Ap.18 e 20).

Apocalipse 6 a 22 é mais que a revelação de coisas que aconteceriam no futuro. O “livro escrito por dentro e por fora, de todo selado com sete selos” (Ap.5.1) é a etapa final do projeto redentor, que ecoa semelhante a Gênesis 1, quando Deus criou tudo pelo poder de sua Palavra: “e disse Deus, Haja...! e houve” (Gn.1.3,6,14,). Mas, ele só seria possível por meio da redenção na cruz do Calvário. Por isso, somente o Cordeiro de Deus que venceu, morreu e ressuscitou, poderia abri-lo para trazer a consumação do plano redentor sobre a terra. Podemos dizer que, assim como Cristo cumpriu o projeto criador do Pai trazendo à existência todas as coisas (Jo.1.1-5) através de sua poderosa Palavra, Ele também se mostrou digno de executar a consumação do projeto redentor, pois realizou a redenção por meio de sua morte e ressurreição. Então, Cristo traz à existência a história final, os últimos dias (Ap.6-22).

A natureza do livro aberto por Cristo nos ajuda a descartar a possiblidade de que Apocalipse deva ser interpretado por um olhar preterista. O fechamento da história redentora não possui caráter local e racial, mas cósmico e universal. Os últimos dias da grande história da redenção culminam com o juízo final e a chegada do novo céu e nova terra. O foco de Apocalipse, portanto, não é o fim do judaísmo nem o tempo dos gentios, afinal o que teria de tão importante no fim do judaísmo que somente o Cordeiro de Deus pudesse revelar? Os profetas Isaías, Jeremias e Habacuque, já haviam profetizado dias maus para os judeus em outra ocasião (cativeiro da Babilônia), mesmo sendo eles pecadores indignos. Mas, nenhum deles seria digno de abrir o livro que estava nas mãos de Deus (Ap.5.2-4). Em Apocalipse, há algo muito maior em jogo que envolve todos os seres criados por Deus (Ap.5.13-14). Por isso, o livro revela uma guerra entre seres celestiais e as lutas sofridas pelo povo de Deus que se encontra sobre a terra, aguardando a vitória sobre o arqui-inimigo daqueles dias: o império romano, e o desfecho de toda a história.

Quem poderia executar a consumação da história da redenção? Quem mais poderia trazer o cumprimento paulatino da vitória sobre os inimigos do povo de Deus? Quem poderia trazer a concretização da vitória decorrente da redenção alcançada pelo Cordeiro de Deus? João é escolhido por Deus para revelar o conteúdo do livro visto em forma de visão, mas somente Cristo poderia trazer o cumprimento daquilo que estava escrito no livro, guardado para a última etapa da redenção. Ao abrir o livro lacrado, Cristo trouxe o fim da história redentora. Essa vitória não ocorreria em um só momento, como nos conta Apocalipse, mas certamente viria, para a igreja, no decurso da história, cumprindo os santos propósito daquele que tudo fez para o louvor de sua glória (Rm.11.33-36). E tudo dependia da vitória do Cordeiro de Deus que venceu, tornando-se digno de ser louvado por todos nos céus e sobre a terra. Aquele que fez ecoar a poderosa Palavra criadora de Deus, também fez soar a poderosa voz consumadora do Senhor.

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