“abençoou ele a Abrão e disse: Bendito seja
Abrão pelo Deus Altíssimo, que possui os céus e a terra; e bendito seja o Deus
Altíssimo, que entregou os teus adversários nas tuas mãos. E de tudo lhe deu
Abrão o dízimo.” (Gn.14.19-20)
Em 1 Timóteo
6.10, o apóstolo Paulo diz que “o amor do
dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e
a si mesmos se atormentaram com muitas dores”. Deste amor procedem invejas,
vaidades, ambições e idolatrias. Por causa dele, pessoas fazem mal para outras
enquanto alguns são iludidos por promessas religiosas de prosperidade. Além desses
prejuízos para as relações sociais, o amor do dinheiro transtorna o coração
humano tornando-o em um constante mar bravio não velejável.
O amor do
dinheiro também adoeceu o universo do trabalho humano, desde a indústria até o
comércio. Mentiras de quem vende, exploração de trabalhadores, especulações
imobiliárias, pessoas comprando o que não precisam etc. revelam uma geração
doente por causa do amor do dinheiro. Enganar e ser enganado passou a fazer
parte do dia a dia das cidades grandes e a corrupção foi acrescida à cultura da
nação.
Os problemas
causados pelo amor do dinheiro não devem amedrontar o cristão, mas deixa-lo
atento para a necessidade de buscar em Deus o conhecimento necessário sobre o
assunto. Desde os primórdios (Gn.13.2), o dinheiro faz parte do cotidiano da
sociedade como instrumento de troca. E, em nossos dias, ganhou um destaque
especial em todas as relações trabalhistas. Portanto, é importante que o
cristão saiba como lidar com o assunto, parte do dia a dia de todos os cidadãos
urbanos.
Nosso propósito
aqui não é trabalhar amplamente sobre o tema finanças, mas mostrar como Abrão tratou
o assunto. Veremos isso em um evento específico da vida deste patriarca, conhecido
como pai da fé, que seguiu os passos do Senhor percorrendo a jornada proposta por
Deus. Com um pouco mais de atenção podemos ver que sua fé era ampla e profunda,
prática e cotidiana. Portanto, a fé de Abrão também envolvia sua relação com os
bens, tanto diante de Deus quanto diante do mundo.
Para isso,
gostaríamos de voltar os olhos a um texto muito antigo, que precede a Lei
mosaica e tem íntima relação com Cristo, por causa de sua tipologia: Gênesis
14. Nesse texto, Deus nos revela a guerra de quatro reis contra cinco reis, a
vitória de Abrão na luta para resgatar seu sobrinho Ló que havia sido levado
como escravo e o diálogo entre Abrão e dois personagens bem distintos: o rei de Salém e o rei de Sodoma (Gn.14.18,21). E, assim, se dá o desfecho do texto por meio do maravilhoso encontro entre Abrão e Melquisedeque, tipo de Cristo, o
Messias prometido (Gn.14.18).
O texto é
iniciado com o relato de que Quedorlaomer, rei de Elão (Gn.14.4,9), dominava
sobre outros reinos, dentre os quais cinco já não queriam mais se submeter. O
domínio de um rei sobre outros povos costumava envolver a cobrança de impostos
altos, constantes ameaças para amedrontar o povo, abuso de mulheres e
escravidão. Portanto, viver uma vida tranquila contentando-se com a
subsistência diária necessária, respeitando as pessoas ao redor, não era
suficiente para Quedorlaomer.
Essa sede pelo
poder resulta em uma guerra para tentar reaver os povos que já não queriam mais
viver debaixo do jugo de Quedorlaomer. Os cinco reis, dentro os quais
encontrava-se Bera, rei de Sodoma (Gn.14.2), lutavam pela liberdade e, mesmo
sendo maior em número, perderam a guerra contra os quatro reinos do exército de
Quedorlaomer. A tentativa de alcançar a liberdade por meio das próprias forças foi
frustrada.
A introdução
desse capítulo é bastante importante para realçar o que está por vir. As
ambições do mundo levam à guerra, morte, destruição, confusão e coisas
semelhantes. Homens matam homens por causa de poder e dinheiro. Pessoas tentam
prejudicar outras pessoas pelo simples fato de quererem dominar sobre elas.
Como disse Jesus: “Os reis dos povos
dominam sobre eles, e os que exercem autoridade são chamados benfeitores”
(Lc.22.25).
Contrastando
com este triste cenário de pecados, aparece Abrão para libertar seu sobrinho Ló
que havia sido levado cativo pelos quatro reis que venceram a guerra. A batalha
não era de Abrão, mas a necessidade de libertar seu sobrinho o fez sentir-se no
dever de entrar na guerra com um único propósito: libertar seus familiares. Abrão
não lutava por si, mas pelos outros, e a confiança que o levou à guerra para
vencer não estava em suas armas ou valentia, mas naquele que havia prometido
estar presente para abençoá-lo: Deus (Gn.12.2).
Sodoma e os
demais reis aliados também lutaram pela liberdade, todavia foram derrotados.
Eles mostraram-se incapazes de se ver livres por suas próprias forças. Contudo,
Abrão, na força do Senhor “que entregou
os teus adversários nas tuas mãos” (Gn.14.20), venceu os quatro reis e
libertou todos os cativos, dentre os quais encontrava-se Ló, seu sobrinho. Consideramos
que esse episódio seja uma possível indicação que a liberdade divina seria
providenciada a partir de Abrão, em seu descendente: Cristo, no qual seriam “benditas
todas as famílias da terra” (Gn.12.3).
Surge, então, um
encontro inesperado com o rei de Salém (antiga Jerusalém): profeta, sacerdote e
rei. Abrão recebe a bênção de Deus, dada por Melquisedeque. À vista disso, Abrão
toma de todos os seus bens e dá o dízimo de tudo a Melquisedeque (tipo de
Cristo – Sl.110.4; Hb.5.6, 10; 6.20; 7.1-19). Assim, Abrão reconheceu que tudo
o que possuía vinha do Criador e que sua vitória deveria ser tributada a Deus.
O coração de Abrão não estava no dinheiro, mas no Senhor, seu Deus, e sua
confiança encontrava-se na providência divina. E, ao contrário de Quedorlaomer,
Abrão age como um humilde servo de Deus.
Por ter vencido
a guerra, Abrão tinha o direito de ficar com todos os bens envolvidos. Por
isso, o rei de Sodoma se dirige a Abrão, dizendo: “Dá-me as pessoas, e os bens ficarão contigo” (Gn.14.21). Mas, o
coração de Abrão não estava nos bens, seu coração estava no Senhor que lhe
havia feito promessas muito superiores e, em tudo, o abençoava (Gn.13.2). Então,
Abrão recusa ficar com os pertences daqueles reis pagãos (Gn.14.22-24),
mostrando integridade em não se aproveitar da fragilidade daqueles povos, ao
contrário do que havia feito Quedorlaomer. As bênçãos do Senhor eram suficientes
para Abrão que recusa as riquezas do mundo e demonstra sua plena confiança na
provisão divina. Os olhos de Abrão permanecem fitos em Deus e nas promessas divinas,
de modo que suas conquistas não o desviam da jornada proposta pelo Senhor.
O amor a Deus
resultou numa dedicação da vida ao Senhor e num desapego das riquezas dessa
vida. O dízimo de Abrão foi um ato de fé e amor de muito maior valor
qualitativo do que quantitativo. Por isso, Jesus disse: “onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (Mt.6.21).
Em Abrão, vemos que dizimar é uma prática didática que nos lembra
cotidianamente que tudo vem de Deus e que não devemos ambicionar as riquezas
desse mundo, pois nosso maior tesouro é Cristo nosso Senhor e Salvador. O
dízimo de Abrão contrapõe a avareza e a tirania do mundo maligno que busca
poder e riquezas, usando tudo a seu redor em benefício próprio.
O dízimo de
Abraão antecede em muito a Lei de Moisés estando, portanto, completamente
desvinculado dos impostos do Tabernáculo/Templo que foi construído por ocasião
da organização da vida cúltica de Israel. Sem qualquer vínculo com a Lei mosaica,
Abrão pode ser chamado de pai do dízimo da fé, não do imposto do Templo. Essa
prática foi transmitida adiante de modo que a encontramos em Jacó que prometeu
dar o dízimo de tudo para Deus depois de sua jornada de ida e volta em busca de
uma esposa (Gn.28.22).
Abrão fez o
caminho inverso de Quedorlaomer que ambicionava poder e riquezas. As duas
posturas de Abrão demonstram sua fé nas promessas de Deus e sua firme esperança
no cumprimento da Palavra de Deus. Abrão tributou a Deus toda glória por tudo,
devolvendo ao Senhor dez por cento de tudo o que tinha. Assim, Abrão mostrou
que tanto confiava na providência de Deus quanto estava livre do amor às coisas
e, por isso, também rejeitou ser enriquecido por Sodoma, uma cidade que seria revelada como perversa aos olhos de Deus.
Além do contraste
encontrado entre Abrão e Quedorlaomer, encontramos uma profunda diferença entre
o rei tirano pagão, Quedorlaomer, e o rei tipológico, Melquisedeque. Enquanto o
rei de Elão desejava dominar sobre outros povos para tirar proveito deles, o
rei de Salém aparece para abençoar o servo do Senhor, Abrão. O primeiro tira
proveito dos mais fracos enquanto o segundo leva pão e vinho para comemorar a
vitória concedida por Deus a Abrão. Quedorlaomer vai à guerra para sua glória e
benefício, enquanto Melquisedeque sai em louvores a Deus, bendizendo Aquele que
é Senhor dos céus e da terra.
Nesse evento da
vida de Abrão, podemos ver que, muito mais do que o imposto do templo, o dízimo
demonstra que o povo de Deus aponta para um caminho contrário ao mundo.
Enquanto reis dominam sobre outros por causa da ambição, querendo ter cada vez
mais, pois nada lhes é suficiente, a igreja é ensinada a se contentar com o que
recebe da parte do Senhor, como disse o apóstolo Paulo: “aprendi a viver contente em toda e qualquer situação” (Fp.4.11). Enquanto,
no mundo, pessoas se tornam escravas por causa da ganância dos homens, na
igreja um irmão deve servir a outro com tudo que é e tem. Enquanto o mundo
vive em guerra por causa das ambições, a igreja é conclamada a encontrar nas
promessas do Senhor “a paz de Deus, que
excede todo o entendimento” (Fp.4.7). E, assim, didaticamente, o dízimo
aponta para a confiança que todo servo de Deus deve ter nas promessas do
Senhor, pois, como disse o apóstolo Pedro: “Ele tem cuidado de vós” (1Pe.5.7).
Nenhum comentário:
Postar um comentário