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quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A amizade cristã

Tendo purificado a vossa alma, pela vossa obediência à verdade, tendo em vista o amor fraternal não fingido, amai-vos, de coração, uns aos outros ardentemente” (1Pe.1.22)


Após ter dado ao homem a responsabilidade de cuidar de toda a criação, Deus disse: “Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea” (Gn.2.18). Esta frase diz muito sobre o que Deus queria para o homem, e a indicação da necessidade de uma esposa é uma das ideias. Naquele momento, o Senhor mostra seu propósito de que o homem viva em sociedade, na qual pudesse AMAR e SERVIR, vivendo os atributos comunicáveis de Deus e as responsabilidades confiadas para Adão.


Ao receber Eva, Adão ganhou uma amiga. Após o nascimento de seus filhos, Adão teria outros amigos com os quais pudesse viver a beleza de um relacionamento perfeito que refletisse a grandeza do amor divino. Portanto, a partir da relação familiar, o homem teve a solidão trocada por relações fraternas; Adão ganhou amigos para amá-los e servi-los, conforme posteriormente nos diz o apóstolo Paulo: “sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor” (Gl.5.13).


Uma das conclusões que podemos tirar de Gênesis 2.18 é que Deus não quer que o homem viva solitário, conforme dizem o livro de Salmos e o livro de Provérbios: “Deus faz que o solitário more em família” (Sl.68.6) e “O solitário busca o seu próprio interesse e insurge-se contra a verdadeira sabedoria” (Pv.18.1). Em Lamentações, o profeta Jeremias fala da solidão como um jugo posto sobre aqueles que iriam para o cativeiro: “Assente-se solitário e fique em silêncio; porquanto esse jugo Deus pôs sobre ele” (Lm.3.28). Portanto, desde o princípio, Deus quis, para si, um povo, no qual seu Filho seria glorificado tanto pela vida quanto pela morte na cruz. 


Toda a revelação da história redentora ocorre dentro de sociedades. Inicialmente, a esposa seria a melhor amiga do homem, e vice-versa. Um casal vivendo como melhores amigos, um do outro, dividindo não somente a mesma cama, o mesmo teto, mas, ainda, os planos, os sonhos, os assuntos, o trabalho etc. Observamos isso na cumplicidade presente no casamente de Abraão e Sara que dividiram lutas e esperanças durante a longa jornada que tiveram juntos até a morte de Sara, aos 127 anos de idade (Gn.12.10-20; 16.1-14; 18.1-15; 20.1-18; 21.1-14).


Mas, a amizade não é restrita ao relacionamento familiar, afinal, diz Provérbios 18.24 que “há amigo mais chegado do que um irmão”. Em Gênesis, Abimeleque tem um amigo muito próximo chamado Auzate (Gn.26.26) e Judá tem um amigo chamado Hira (Gn.38.12). Davi teve alguns amigos como Husai (2Sm.15.37), mas um deles era mais chegado que um irmão: Jônatas (1Sm.18.1//Dt.13.6). Davi teve, ainda, outros amigos que o ajudaram lutando a seu lado nos momentos mais difíceis (2Sm.15.14-23). Todos esses amigos de Davi lhe foram importantes tanto na alegria quanto na tristeza, tanto na paz quanto na guerra, e Deus usou os amigos de Davi para protege-lo diversas vezes dos inimigos que tentaram tirar-lhe a vida. A amizade foi um recurso muito importante para o grande rei de Israel.


Nos evangelhos também encontramos importantes amigos. Considerando que os discípulos de João Batista andavam com ele, à semelhança do que ocorreu com Jesus e seus discípulos (Mt.9.14), podemos dizer que João Batista teve amigos, mesmo vivendo parte de sua vida no deserto da Judéia (Mt.3.1). Jesus chamou seus discípulos de amigos (Lc.12.4; Jo.15.14,15) e se referiu a Lázaro como “nosso amigo” (Jo.11.11). Dentre os discípulos, Jesus separou Pedro, Tiago e João com os quais conversava mais (Mt.17.1). E dentre esses três, Pedro aparece como aquele que mais estava presente no ministério de Jesus (sugestão de leitura: http://voxscripturae.blogspot.com/2018/10/tu-es-pedro.html). Cristo andava, conversava, orava e dividia o dia a dia com seus discípulos (Mt.9.10; 12.1; Mc.3.7; 8.10; Jo.2.1-2; 3.22; 6.3; 18.1). Ele compartilhou com eles suas angústias (Mt.26.38) e contava com a ajuda deles no dia a dia (Jo.4.2). Foram esses amigos que testemunharam a morte e ressurreição de Jesus, para a anunciarem ao mundo (At.2.32).


Em todos os exemplos de amizade acima, somente Cristo Jesus era homem puro e sem pecado. Enquanto isso, todas as demais pessoas eram pecadoras. Todavia, as amizades eram duradouras e edificantes. Amigos lutaram uns pelos outros e Cristo mostrou que devemos até mesmo estar prontos para morrer uns pelos outros (Jo.13.34,35). Muitas virtudes devem estar presentes nas amizades, sobrepondo os muitos defeitos naturais do homem pecador. Por isso, a Escritura diz que os cristãos devem suportar, perdoar, consolar, edificar e exortar uns aos outros, de modo que o pecado não corrompa nem a vida nem os relacionamentos cristãos: 


“Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós” (Cl.3.13).

“Consolai-vos, pois, uns aos outros e edificai-vos reciprocamente, como também estais fazendo” (1Ts.5.11).

“pelo contrário, exortai-vos mutuamente cada dia, durante o tempo que se chama Hoje, a fim de que nenhum de vós seja endurecido pelo engano do pecado” (Hb.3.13).


O cultivo de toda amizade carece de boas sementes, afinal cada semente faz crescer uma espécie de árvore que produz se respectivo fruto. Quando se planta carinho, se colhe amor; quando se planta misericórdia se colhe gratidão; quando se planta bondade se colhe alegria... Mas, se alguém planta inveja colherá desconfiança; se planta arrogância colherá desagrado; se planta maldade colherá inimizade. Portanto, as virtudes são necessárias nas relações humanas. E pela graça de Deus, todo cristão é capacitado pelo Espírito Santo a viver uma vida virtuosa que é o fruto do Espírito operando diariamente por meio da Palavra divina: “Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio” (Gl.5.22-23). 


Naturalmente, todo cristão espera encontrar verdadeiros amigos dentro do ambiente cristão, pois Cristo opera nos corações daqueles que são chamados de cristãos. Esperamos a confiabilidade decorrente da integridade de quem deve ser verdadeiro em todo tempo, não vivendo de aparência (falsidade), estando pronto para exortar quando houver pecado, confortar quando houver sofrimento e motivar diante das lutas da vida. Esperamos a forte presença do prazer em servir, pela satisfação em abençoar, tanto lutando na guerra para defender o amigo quanto compartilhando as coisas mais simples do dia a dia. 


Conforme Cristo, a amizade verdadeira inevitavelmente fundamentada no amor é uma marca da igreja do Senhor (Jo.13.34-35). Portanto, a formação de grupos sectários dentro da igreja é uma prática completamente contrária à Palavra do Senhor. Os cristãos são desafiados a amar não por interesse, mas por haver o amor de Deus no coração. Jesus nos falou sobre isso com as seguintes palavras: “Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo?” (Mt.5.46-47).


Temos visto que o comportamento cristão não mudou em relação ao mundo. Dentro das igrejas locais, muitos cristãos criam seus próprios grupos fechados que, muitas vezes, tornam-se até mesmo “roda de escarnecedores”, pois a maledicência é praticada contra outros cristãos, tanto da mesma igreja quanto de igrejas diferentes. Dessa forma, os mesmos cristãos que falam de amor dentro de seu grupo fechado, difamam com presunçosa arrogância os demais cristãos que estão fora do grupo, conforme diz Tiago: “Com ela, bendizemos ao Senhor e Pai; também, com ela, amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. De uma só boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não é conveniente que estas coisas sejam assim” (Tg.3.9-10).


A amizade solidificada em Cristo é uma bênção do Senhor, de modo que o Novo Testamento ordena que os cristãos se amem assim como Cristo nos amou (Jo.13.34-35), “esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz” (Ef.4.3). A igreja deve estar repleta de relações fraternas saudáveis e abençoadoras. São esses amigos que nos exortam quando erramos; nos consolam quando choramos; nos ajudam quando precisamos; nos levantam quando caímos; nos edificam por meio do compartilhar da Palavra de Deus; nos defendem em meio às ameaças desse mundo mau; nos apontam Cristo por meio de uma vida cheia do Espírito do Senhor; ouvem nossas angústias, nossos problemas e nossas conquistas do dia a dia; e, ficam ao nosso lado em todo tempo. É esse tipo de amigo que Deus quer que sejamos! É esse tipo de amigo que nós tanto precisamos!

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