“Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre
esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão
contra ela” (Mt.16.18)
Pedro não fazia a menor ideia que a mudança de seu nome
causaria tantos debates entre os cristãos, muito menos que as palavras de
Cristo direcionadas ao apóstolo (Mt.16.18) pudessem ser alvo de tantas
controvérsias. Mas, a questão é tão difícil assim? Na verdade, entendo que não
é. Todavia, os dogmas associados ao texto conduzem a discussão de tal modo que
em vez dos estudiosos fazerem uma análise exegética do texto, fazem uma análise
apologética de uma doutrina, se esforçando para “garantir” a veracidade de um
dogma criado antes mesmo do texto ser interpretado. Por essa razão, tentaremos
apresentar uma sucinta e simples analise exegética do texto, sem preocupação
com qualquer dogma, a fim de auxiliar a resolver o conflito em torno do texto.
Para sermos bem-sucedidos nessa jornada interpretativa,
voltaremos nossos olhos para o início do ministério de Jesus, quando encontramos
o verdadeiro nome de Pedro: Simão, conforme nos revela os evangelhos (Mt.4.18;
Mc.3.16; Lc.4.38; Jo.1.42). No início de seu ministério, Cristo chamou 12
homens para serem seus discípulos, a fim de testemunharem todas as palavras e
todos os feitos realizados em seu ministério (Mt.10.1-4; Mc.3.14-19;
Lc.6.13-16; ). Três desses homens tiveram o nome mudado, sendo eles os mais
íntimos de Jesus: Pedro, Tiago e João (Mc.3.16-17). Outro, dentre eles, foi
escolhido para ser o traidor: Judas Iscariotes (Jo.6.70-71), mostrando que
Cristo tinha propósitos específicos para alguns dentre os discípulos. Mas,
dentre os três discípulos mais achegados, Simão é o único que teve seu nome de
nascimento realmente trocado por um novo nome (Pedro em grego e Cefas em
aramaico) que aparece em diversos livros do Novo Testamento. Seu novo nome
significa “rocha” (“Pétros” em grego e “Kefá” em aramaico): “Ele achou primeiro o seu próprio irmão,
Simão, a quem disse: Achamos o Messias (que quer dizer Cristo), e o levou a
Jesus. Olhando Jesus para ele, disse: Tu és Simão, o filho de João; tu serás
chamado Cefas (que quer dizer Pedro)”. (Jo.1.41-42)
Cefas é uma palavra aramaica (“Kefá”), língua falada pelos
judeus nos dias de Jesus, correlata de “kef”, palavra hebraica que significa
rocha, usada no Antigo Testamento apenas duas vezes: Jó 30.6 e Jeremias 4.29.
Sua tradução para o grego é “pétros” ou “pétra”, usada pela Septuaginta
(tradução grega do Antigo Testamento) para traduzir tanto os textos de Jó 30.6
(“pétros”) e Jeremias 4.29 (“pétra”) quanto outros textos em que aparecem duas
palavras hebraicas que também significam rocha: “sélah” – Nm.20.8,10,11; 24.21; Dt.32.13; Is.2.21; 7.19; 57.5;
Jr.16.16; 49.16; 51.25; Ob.1.3 e “tsur”
– Ex.17.6; 33.21,22; Dt.8.15; 32.13; Is.2.19 etc.. Tanto o termo “pétros”
quanto “pétra” são usados para traduzir ambas as palavras hebraicas (“sélah” ou
“tsur”) de modo que não devemos cair no erro de tentar encontrar diferenças de
significado para os termos gregos, já que os judeus que traduziram o texto
hebraico para o grego não viram significativa diferença entre as palavras.
O novo nome dado por Jesus a Simão, “kefá” / “Pétros”, aparece
diversas vezes no Novo Testamento, tanto em grego (163 vezes, sendo apenas 4
delas nas cartas – Gl.2.7,8; 1Pe.1.1; 2Pe.1.1) quanto em aramaico (9 vezes – Jo.1.42;
1Co.1.12; 3.22; 9.5; 15.5; Gl.1.18; 2.9,11,14), substituindo, ou qualificando,
o nome de nascimento do apóstolo. Enquanto isso, o original nome, Simão,
aparece em menor frequência tanto nos Evangelhos quanto em Atos dos apóstolos
(At.10.5,18,32; 11.13; 15.14), praticamente não aparecendo nas cartas (apenas
2Pe.1.1). Em 1 Coríntios, o apóstolo Paulo chama Simão exclusivamente pelo nome
de Cefas (1Co.1.12; 3.22; 9.5; 15.5) enquanto que em Gálatas, Paulo faz uma
alternância, chamando Simão tanto pelo nome de Pedro (Gl.2.7,8) quanto de Cefas
(Gl.1.18; 2.9,11,14).
Por que Jesus mudou o nome de Simão para “Kefá” (Pedro), ou
seja, para Rocha? Qual a relação do novo nome com o chamado de Simão para o
apostolado? Qual o propósito de Cristo ter chamado Simão de Rocha? Essas
perguntas são importantes tendo em vista que os nomes dentro da literatura
hebraica, principalmente no Antigo Testamento, cumprem o propósito de indicar o
papel do personagem dentro da história redentora. Deus chama Abrão de Abraão
(Gn.17.5) e Jacó de Israel (Gn.32.28) apontando para a promessa divina dada aos
patriarcas. O nome do Filho de Deus não é Jesus por acaso, pois significa: “O
Senhor Salva”, conforme disse o evangelista: “Ela dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará
o seu povo dos pecados deles.” (Mt.1.21). Além disso, o profeta Isaías o
chamou de Emanuel (Is.7.14; 8.8) “que é
traduzido: Deus conosco” (Mt.1.23).
Quando Jesus trocou o nome de Simão para Rocha (“Kefá” ou
“Pétros”) ele queria indicar alguma coisa. Para compreendermos melhor esse
propósito, os Evangelhos nos mostram Pedro (Cefas) destacado entre os demais apóstolos,
quer fazendo parte de um grupo mais próximo de discípulos, que testemunham
algumas coisas que mais ninguém vê (Mt.17.1-9), quer tomando a frente dos
demais, com suas atitudes fortes e ousadas (Mt.14.27-32). Seu nome (Pedro)
aparece 100 vezes nos Evangelhos, enquanto que Tiago (considerando ambos: o
filho de Zebedeu e, também, o filho de Alfeu) apenas 27 vezes, João 20 vezes,
Filipe 20 vezes, André 12 vezes, Tomé 10 vezes, Mateus (também chamado de Levi)
8 vezes, Bartolomeu 3 vezes, Judas Tadeu 4 vezes, Simão (o Zelote) 3 vezes e
Judas Iscariotes (o traidor) 24 vezes. Portanto, a diferença numérica é
bastante significativa, razão para lhe atribuirmos algum valor, tendo em vista
que o autor de uma obra não faz tantas referências a uma pessoa por acaso.
Em Lucas 22.31-32, Jesus diz: “Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como
trigo! Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois,
quando te converteres, fortalece os teus irmãos”. O curioso dessa fala de
Jesus é o aparente fato de que Satanás reclamou pela vida apenas de Pedro. Não
sabemos ao certo o que poderia ter sido dito sobre os demais, todavia (conforme
revela a Escritura) Cristo refere-se apenas a Pedro que passaria por
uma experiência singular: negar Jesus três vezes (Lc.22.34). Devemos considerar
que a oração de Jesus está relacionada à negação de Pedro, mas o que nos chama
a atenção é o destaque que ele recebe. Além disso, Jesus pede apenas para Pedro
que este cuide dos demais discípulos, seus irmãos, fortalecendo-os durante a
caminhada como apóstolo, o que ele procurou fazer conforme registra o livro de
Atos dos apóstolos. Pedro foi, realmente, o apóstolo com maior número de
experiências com Cristo e aquele que recebeu o maior número de instruções de
Jesus (Mt.8.14-15; 14.28-31; 16.16-19,22-23; 17.24-27; 18.21-22; 26.31-35,
69-75; Mc.16.7; Lc.5.8; 12.41; 24.12; Jo.6.68-69; 13.6-10; 18.10-11; 20.2-8;
21.3,7,11; 21.15-17).
Em Atos dos apóstolos, Pedro tem proeminência nos 12
primeiros capítulos, considerado coluna dentre os apóstolos, junto a Tiago e
João, conforme informação de Paulo (Gl.2.9). É Pedro quem toma a frente dos
apóstolos, conduzindo-os à eleição do substituto de Judas Iscariotes (At.1.15-26),
e quem se levanta nos dias de Pentecostes para pregar a Palavra de Deus pela
primeira vez diante de todo o povo judeu, após a ressurreição de Cristo
(At.2.14-41). É Pedro, ainda, quem realiza o primeiro milagre curando um coxo
de nascença (At.3.1-10) e, aproveitando a ocasião, prega para outra multidão de
judeus (At.3.11-26). Consequentemente, Pedro também inaugura, junto a João, o
sofrimento padecido pelos apóstolos (At.4.18-22). No capítulo 5 de Atos dos
apóstolos, Pedro manifesta o juízo divino sobre os infiéis, mediando o castigo
de Deus sobre Ananias e Safira (At.5.1-11). E tamanha foi sua atuação como
apóstolo do Senhor Jesus que as pessoas chegaram ao “ponto de levarem os enfermos até pelas ruas e os colocarem sobre leitos
e macas, para que, ao passar Pedro, ao menos a sua sombra se projetasse nalguns
deles.” (At.5.15).
Considerando que todas as coisas reveladas pelas Escrituras
têm propósito definido (cf. Jo.20.30-31), não deveríamos pensar que a mudança
de nome de Simão para Rocha (“Kefá” ou “Pétros”) e a ênfase dada a este
apóstolo, tanto nos Evangelhos quanto em Atos dos apóstolos, sejam casuais. Devemos
lembrar que, durante a história redentora, Deus chamou muitos outros homens
(Noé, Abraão, Isaque, Jacó, Moisés, Davi etc.) conferindo a eles uma missão
especial para cumprir um propósito divino específico. O mesmo ocorre com o
apóstolo Paulo que viu em seu status social (cidadão romano – At.22.25-30), sua
competência acadêmica (estudou aos pés de Gamaliel – At.22.3; Gl.1.14), sua
profissão (fazedor de tendas – At.18.3) e seu chamado destinado aos gentios
(At.13.47) uma missão especial que não foi recebida por nenhum outro dos
apóstolos de Cristo, conforme ele nos diz em Gálatas 2.7-9:
quando viram que o evangelho da incircuncisão me fora confiado, como a
Pedro o da circuncisão 8
(pois aquele que operou eficazmente em Pedro para o apostolado da circuncisão
também operou eficazmente em mim para com os gentios) 9 e, quando conheceram a graça que
me foi dada, Tiago, Cefas e João, que eram reputados colunas, me estenderam, a
mim e a Barnabé, a destra de comunhão, a fim de que nós fôssemos para os
gentios, e eles, para a circuncisão (Gl.2.7-9)
Observe-se que Paulo destaca Pedro dentre os demais
apóstolos escolhidos por Jesus, dizendo que a Pedro fora confiado o ministério
da pregação aos judeus. Todavia, Jesus não chamou apenas Pedro para pregar aos
judeus (At.1.8), mas outros 11 discípulos (considerando Matias que substituiu
Judas Iscariotes). Parece, então, que Pedro realmente destacou-se tornando-se
um representante do colegiado apostólico, pois Deus estava operando eficazmente
por meio dele, fazendo jus ao chamado diferenciado que lhe fizera, conforme seu novo nome: Rocha (“Kefá” / “Pétros”). Simão havia sido chamado de Rocha e estava
sendo firme em cumprir o papel de edificar a igreja lançando seu fundamento: a
doutrina dos apóstolos (At.2.42; Ef.2.20).
Dentre as experiências singulares de Pedro, encontra-se o diálogo
revelado no texto de Mateus 16.16-19:
Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. 17 Então, Jesus lhe afirmou:
Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to
revelaram, mas meu Pai, que está nos céus.
18 Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra
edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra
ela. 19 Dar-te-ei as chaves
do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado nos céus; e o que
desligares na terra terá sido desligado nos céus. (Mt.16.16-19)
Esse texto é importante porque marca a transição da primeira
para a segunda parte do ministério de Jesus que, por Ele, foi dividido entre o
testemunho acerca de seu ser (Mt.16.13) e o ensino sobre sua obra (Mt.16.21).
Quando Jesus pergunta sobre o entendimento dos discípulos a respeito de quem
era o Filho do homem, Pedro, como de costume, assume a dianteira e responde à
pergunta, dizendo: “Tu és o Cristo, o
Filho do Deus vivo” (Mt.16.16). A primeira lição, portanto, havia sido
compreendida pelos apóstolos que receberam de Deus a graça para entenderem (Mt.13.11)
que tudo o que Jesus havia dito e feito até aquele momento apontava para a Verdade
sobre quem Ele era: o Messias prometido (Cristo), o Filho de Deus.
Pedro se dirigiu diretamente para Jesus (“Tu”), afirmando
sua convicção sobre quem Ele era: “Cristo”, ou seja, o Ungido de Deus. Então,
Cristo faz um trocadilho dirigindo-se diretamente a Pedro (“tu”) para
revelar-lhe seu propósito para ele, contido em seu novo nome: Pedro (Rocha). O
trocadilho só tem real significado por causa do novo nome que Cristo dera a
Simão. Ele não disse: “Tu és Simão, e sobre esta pedra edificarei minha
igreja”. Jesus chamou Simão pelo novo nome que lhe dera: Rocha (que em grego
chama-se “Pétros” e em aramaico “kefá”). Ou seja, “aportuguesando” o texto,
podemos dizer que Cristo disse: “Tu és Rocha, e sobre esta rocha edificarei
minha igreja”. Portanto, para os discípulos que ouviam as palavras de Jesus,
não houve dificuldade em compreender que Cristo realmente estava se dirigindo a
Pedro, a fim de explicar-lhe a razão para ter trocado seu nome.
A mudança de termos, “Pétros” para “pétra”, conforme aparece
no trocadilho feito por Jesus (Mt.16.18), não deve ser considerada como
indicação de significados diferentes (rocha e pedra respectivamente). Jesus,
provavelmente, usou o mesmo termo aramaico, “Kefá”, no trocadilho (não é
possível saber se usou outro termo como “sélah” e “tsur”). Todavia, o autor do
Evangelho optou por embelezar o texto grego fazendo uso de duas palavras
diferentes, mas sinônimas (“Pétros” e “pétra” = rocha). Esse mesmo recurso
aparecerá outras vezes no Novo Testamento e tem seu valor estético (Jo.21.15-17).
Como dissemos anteriormente, “Kefá”, nome dado por Jesus a Pedro, foi traduzido
pela Septuaginta tanto por “pétros” quanto por “pétra”, como se ambos
significassem a mesma coisa (rocha): Jó 30.6 (“pétros”) e Jeremias 4.29 (“pétra”).
Cabe aqui uma observação vocabular. Quando procuramos a
expressão “pedra angular” nas Escritura não encontramos os termos “pétros”
nem “pétra”, mas outros dois termos que fazem referência a Cristo: “líthos”
(pedra) e “akrogoniaios” (pedra de esquina). O primeiro termo (“líthos”)
aparece nos seguintes versículos:
A pedra que os construtores rejeitaram,
essa veio a ser a principal pedra, angular (Sl.118.22).
Portanto, assim diz o SENHOR Deus: Eis que eu assentei
em Sião uma pedra, pedra já provada, pedra preciosa, angular,
solidamente assentada; aquele que crer não foge (Is.28.16).
Perguntou-lhes Jesus: Nunca lestes nas Escrituras: A pedra
que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular;
isto procede do Senhor e é maravilhoso aos nossos olhos? (Mt.21.42).
inda não lestes esta Escritura: A pedra que
os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular;
(Mc.12.10).
Mas Jesus, fitando-os, disse: Que quer dizer, pois, o que
está escrito: A pedra que os construtores rejeitaram, esta veio a
ser a principal pedra, angular? (Lc.20.17).
Este Jesus é pedra rejeitada por vós, os
construtores, a qual se tornou a pedra angular. (At.4.11).
Pois isso está na Escritura: Eis que ponho em Sião uma pedra
angular, eleita e preciosa; e quem nela crer não será, de modo algum,
envergonhado; Para vós outros, portanto, os que credes, é a preciosidade; mas,
para os descrentes, A pedra que os construtores rejeitaram, essa
veio a ser a principal pedra, angular (1Pe.2.6-7).
O segundo termo (“akrogoniaios”) aparece apenas três vezes
na Escritura:
Portanto, assim diz o SENHOR Deus: Eis que eu assentei em
Sião uma pedra, pedra já provada, pedra preciosa, angular,
solidamente assentada; aquele que crer não foge (Is.28.16).
Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas,
sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular. (Ef.2.20)
Pois isso está na Escritura: Eis que ponho em Sião uma
pedra angular, eleita e preciosa; e quem nela crer não será, de
modo algum, envergonhado (1Pe.2.6)
Portanto, devemos ter cuidado com o apego demasiado aos
vocábulos gregos, já que eles podem assumir diversos sentidos semânticos, a
depender de seu contexto. As referências a Cristo como “pedra angular” vão
além dos termos de Mateus 16.18 (“pétros” e “pétra”), assim como podemos dizer
que todos esses termos citados até agora podem ser utilizados, também, para
fazer referência apenas a pedras comuns (Mt.3.9; 4.3; 27.50,61 etc.). Em dois
textos do Novo Testamento, aparecem concomitantemente os termos “líthos” e “pétra”:
“como está escrito: Eis que ponho em Sião uma pedra (“líthos”)
de tropeço e rocha (“pétra”) de escândalo, e aquele que nela crê
não será confundido” (Rm.9.33); “Pedra (“líthos”) de
tropeço e rocha (“pétra”) de ofensa. São estes os que tropeçam na
palavra, sendo desobedientes, para o que também foram postos” (1Pe.2.8).
Esses dois textos são citações de Isaías 8.14 que diz: “Ele vos será
santuário; mas será pedra (“líthos”) de tropeço e rocha
(“pétra”) de ofensa às duas casas de Israel, laço e armadilha aos moradores de
Jerusalém”. Devemos, então, procurar explicar o que cada texto quis nos
dizer especificamente, dentro de seu contexto literário. Ou seja, precisamos,
aqui, nos dedicar a saber o que Cristo quis nos dizer em Mateus 16.18 em seu
diálogo com Simão a quem Ele chamou propositadamente de Pedro (“Pétros”).
Em tudo isso, o alvo de Cristo é a igreja. Há três
pronomes pessoais no diálogo que ocorre em Mateus 16.18: Eu (Jesus), tu (Pedro)
e ela (igreja). Jesus é a autoridade, Pedro é o instrumento e a igreja é o alvo
de seu cuidado. Cristo visa a edificação de sua igreja e, para isso,
providenciou aqueles que lançariam seu forte fundamento por meio do fiel ensino,
sendo Pedro o representante escolhido por Jesus para realizar tal
empreendimento. A obra não pertencia a Pedro (Mt.28.18-20), mas Jesus o tomou
por representante daqueles que foram escolhidos, chamados, separados,
preparados e enviados para lançar o fundamento da igreja neotestamentária: a
pregação apostólica (At.2.42). Por ser o representante, Pedro tanto foi o
pioneiro na pregação aos judeus (At.2.14-40) quanto na pregação aos gentios
(At.10). Pedro, portanto, lançou o fundamento da igreja para que esta fosse
edificada sobre o fundamento dos apóstolos.
Esse fundamento posto por Pedro, e demais apóstolo, seria
forte como uma rocha, capaz de sustentar a igreja e capacitá-la para a guerra
contra o império das trevas, de modo que “as
portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt.16.18). Complementando
sua fala, Jesus dá a Pedro mais uma promessa: “Dar-te-ei as chaves do Reino dos céus” (Mt.16.19). O direcionamento
das palavras para Pedro, usando a segunda pessoa do singular novamente (tu),
torna mais evidente que as palavras do versículo anterior realmente referiam-se
ao apóstolo. Jesus não está falando de si mesmo: “Eu tenho a chave do Reino dos
céus”, mas entregando aquilo que é dEle para que Pedro (e demais apóstolos)
cuidasse da igreja por meio do ministério apostólico. O Reino dos céus pertence
a Cristo e Ele queria que Pedro (e demais apóstolos) transmitisse a
vontade desse Reino para sua igreja na terra. Ou seja, o fundamento posto pelos
apóstolos era verdadeiramente celeste, proveniente de Deus que estava dando-lhes
autoridade para falar em seu nome por meio da pregação do Evangelho. Esse
versículo autentica o Novo Testamento, confirmando que todo ensino
neotestamentário provém de Deus que deu aos apóstolos autoridade para falar em
nome de Cristo como embaixadores dEle, sendo Pedro o representante do colegiado
apostólico.
É nesse texto, então, que Jesus responde nossas perguntas.
Ele mudou o nome de Simão porque tem autoridade sobre Simão, já que Jesus é “o Cristo, o Filho do Deus vivo”
(Mt.16.16). Portanto, acima de Pedro estava Cristo e em mudar seu nome Ele
revela sua autoridade, além de seu propósito para a vida dele: ser lançador do
fundamento da igreja por meio do fiel ensino do Evangelho de Cristo (Rm.15.20;
1Co.3.10-14; Ef.2.20). Pedro não era melhor que os demais apóstolos, todavia
foi escolhido para liderar o colegiado apostólico com firmeza (como servo –
Lc.22.26), o que ocorreu, conforme nos revela os 12 primeiros capítulos de Atos
dos apóstolos. E apesar de todas as suas falhas e fraquezas, a igreja seria
edificada sobre fundamento sólido, razão para Jesus ter mudado o nome de Simão,
chamando-o de Rocha. A igreja deveria confiar em Cristo que escolheu os
apóstolos para que por meio deles a edificasse. Por isso, Lucas nos diz que os
novos convertidos foram ensinados a perseverar na doutrina dos apóstolos
(At.2.42).
Portanto, o fato de Cristo ter trocado o nome de Pedro e
dito que sobre a rocha edificaria sua igreja não significa que Pedro seria o
representante de uma longa linhagem de Papas. Não significa que Pedro era mais
santo que qualquer outro discípulo, razão para Paulo ter chamado a atenção dele
quando foi necessário (Gl.2.11-18). Não significa ainda que Pedro seja a pedra
angular, pois nunca lhe foi dirigida tal palavra, sendo Cristo a única pedra
angular da igreja (Sl.118.22; Is.28.16; Zc.10.4; Mt.21.42; Mc.12.10; Lc.20.17;
At.4.11; Ef.2.20; 1Pe.2.6,7). Mas, significa sim que Pedro foi responsabilizado
pelo colegiado apostólico diante da missão de edificar a igreja sobre o
“fundamento dos apóstolos” (Ef.2.20), a “doutrina dos apóstolos” (At.2.42).
Podemos afirmar que Pedro representou o colegiado dos
apóstolos, tendo sido responsabilizado para lidera-lo durante, pelo menos, o
início da jornada deles frente à missão de ser testemunhas de Jesus (At.1.8).
Todavia, Pedro não foi posto por cabeça da igreja (Ef.5.23; Cl.1.18) nem muito
menos por “pedra angular” (Mt.21.42; Mc.12.10; Lc.20.17; At.4.11; Ef.2.20;
1Pe.2.6-7). Lucas nos diz que os primeiros cristãos “perseveravam na doutrina dos apóstolos” (At.2.42), não na doutrina
de Pedro, ainda que Pedro tenha tomado a frente do colegiado apostólico e
realizado a primeira pregação que levou à conversão uma multidão composta por
três mil pessoas (At.2.14-41). Desse modo, não devemos nem supervalorizar Pedro
nem o desvalorizar, mas reconhecer aquilo que Deus lhe confiou para o bem de
sua igreja.
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