“Porque para Deus não haverá impossíveis em
todas as suas promessas.” (Lc.1.37)
A vida contém inúmeras experiências completas. O casamento,
por exemplo, possui um começo, quer considerando o namoro quer o dia da
cerimônia de casamento; possui um longo meio repleto de muitas outras
experiências; e, possui um fim posto por Deus por meio da morte. Portanto, é
possível analisar o tema casamento na vida de uma pessoa considerando seu
começo meio e fim. A partir dessa observação, podemos tirar conclusões e
glorificar o Senhor por toda sua providência presente desde o início ao fim,
nos altos e baixos, da longa experiência do casamento.
O mesmo pode ser dito sobre muitas outras experiências,
sejam longas sejam breves. A experiência de um retiro proporcionado por uma
igreja possui começo, meio e fim, e, após sua conclusão, é possível avaliar a
providência de Deus no decurso de toda a experiência de retiro. Algo semelhante
ocorrerá com a experiência universitária que tem início com a preparação para o
ingresso (ou com o primeiro dia de aula), passando por todo desenvolvimento
acadêmico e relacional que ocorre ao longo de alguns anos, culminando com a
formatura que dá fim à experiência universitária. Após sua conclusão, o
formando poderá olhar para trás, a fim de avaliar sua experiência universitária,
observando a providência do Senhor em todo o processo marcado por alegrias,
lutas, dificuldades e expectativas.
Poderíamos citar inúmeras experiências completas que uma
pessoa desfruta ao longo da vida. A própria vida é uma experiência completa,
pois tem começo, meio e fim. Mas, nosso propósito aqui é analisar uma
experiência específica de Israel, conforme revelada pela Palavra de Deus, no
livro de Números. O livro, que na Bíblia Hebraica chama-se “Deserto” (quinta
palavra do texto hebraico de Números 1.1), tem por objetivo revelar a
providência de Deus na jornada de Israel, ou seja, o começo, o meio e o fim da
caminhada de Israel por quarenta anos no deserto até sua chegada à “campinas de Moabe, junto ao Jordão, na
altura de Jericó” (Nm.36.13), em frente à terra de Canaã. O coração do
livro revela a caminhada do povo enquanto o começo e o fim tratam algumas leis dadas
por Moisés ao povo de Deus (Nm.1-6; 27-36), como providência divina para
diversas questões.
A experiência de Israel no deserto, conforme o livro de
Números, foi emoldurada por dois censos. O primeiro censo ocorre no primeiro
capítulo, segundo mandado do Senhor:
No segundo ano após a saída dos filhos de Israel do
Egito, no primeiro dia do segundo mês, falou o SENHOR a Moisés, no deserto do
Sinai, na tenda da congregação, dizendo:
2 Levantai o censo de toda a congregação dos filhos de
Israel, segundo as suas famílias, segundo a casa de seus pais, contando todos
os homens, nominalmente, cabeça por cabeça.
3 Da idade de vinte anos para cima, todos os capazes de sair
à guerra em Israel, a esses contareis segundo os seus exércitos, tu e Arão. (Nm.1.1-3)
O segundo censo de Israel ocorre no final da jornada, após o
ultimo castigo dado por Deus ao povo por causa da idolatria incitada por Balaão
(Nm.25), quando Deus manda uma praga sobre Israel, matando vinte e quatro mil
pessoas (Nm.25.9). Após o castigo, Deus ordena a Moisés que levante o segundo
censo de Israel:
Passada a praga, falou o SENHOR a Moisés e a Eleazar, filho de Arão, o
sacerdote, dizendo: 2
Levantai o censo de toda a congregação dos filhos de Israel, da idade de vinte
anos para cima, segundo as casas de seus pais, todo que, em Israel, for capaz
de sair à guerra. 3 Moisés e
Eleazar, o sacerdote, pois, nas campinas de Moabe, ao pé do Jordão, na altura
de Jericó, falaram aos cabeças de Israel, dizendo: 4 Contai o povo da idade de vinte
anos para cima, como o SENHOR ordenara a Moisés e aos filhos de Israel que
saíram do Egito: (Nm.26.1-4)
A pergunta principal que desejamos responder nesse artigo é:
Qual o propósito dos censos que emolduram a revelação da caminhada de Israel
pelo deserto? Ou seja, o que Deus quis nos mostrar por meio da contagem do povo
no início e no fim da caminhada, após quarenta anos no deserto onde morreria
toda uma geração incrédula? Devemos lembrar que apenas duas famílias foram
preservadas: a família de Calebe e a família de Josué (Nm.32.11-12). Todas as
demais pessoas do povo de Israel (a partir dos vinte anos de idade) morreram
durante os quarenta anos de caminhada no deserto por causa da incredulidade do
povo. O que Deus quer nos revelar, então?
Toda narrativa bíblica possui propósito tanto em seu
conteúdo quanto em sua estrutura. Podemos ver isso na organização dos
evangelhos que nem sempre coincidem quanto a ordem dos eventos nem com respeito
à seleção desses acontecimentos. A fidelidade dos autores em relação à precisão
no registro dos fatos ocorridos não anula a liberdade autoral para organizar as
informações conforme o propósito teológico de cada um. Desse modo, tanto no
Antigo Testamento quanto no Novo Testamento, encontraremos uma
história-teológica, ou seja, a revelação fiel da história redentora contada a
partir de propósitos teológicos específicos de cada autor, adornando com singular
beleza literária cada evento da grande história da salvação.
Emoldurados pelos dois censos de Israel, como já dissemos, ocorrem
alguns eventos revelados pelo livro de Números. Interessante observar que os eventos
parecem formar um quiasmo, ou seja, uma estrutura da retórica hebraica que tem
como propósito apontar para um centro:
1) Os príncipes
de Israel levam ofertas para a obra do Senhor a ser realizada pelos levitas
(Nm.7);
2) A consagração dos levitas para
realizarem a obra do Senhor (Nm.8);
3) A celebração da festa da páscoa com
a manifestação da presença do Senhor sobre o tabernáculo (Nm.9);
4) A fabricação das trombetas para
conduzir o povo (Nm.10.1-10);
5) A direção de Deus para que Israel
soubesse caminhar pelo deserto (Nm.10.11-36);
6) A distribuição das responsabilidades
de Moisés com setenta anciãos e o sustento dispensado sobre o povo (Nm.11);
7) Deus confirma o chamado e a
autoridade de Moisés (Nm.12);
8) O povo duvida da providência de Deus,
não acreditando ser possível herdar a terra prometida por causa de aparentes
obstáculos (Nm.13-14);
9) Deus dá leis sobre ofertas e sacrifícios
para que o povo pudesse ser aceito por Deus (Nm.15);
10) Deus castiga os rebeldes que foram
contra Moisés (Nm.16);
11) Deus confirma o sacerdócio de Arão
e os direitos e deveres dos sacerdotes e dá um rito de
purificação para o povo (Nm.17-19);
12) Deus providencia água da rocha para
o povo sedento (Nm.20);
13) Deus providencia cura para as
pessoas picadas por serpentes de veneno mortal (Nm.21);
14) Deus providencia a vitória de
Israel sobre Seom e Ogue, reis de Hesbom e Basã (Nm.21);
15) Deus livra
Israel das maldições de Balaão, abençoando o povo três vezes (Nm.22-24).
Os dois censos de Israel emolduram uma série de providências
divinas que foram dispensadas a Israel no deserto. O mais interessante é que o
centro do quiasmo é a incredulidade do povo, mostrando que nem mesmo a dureza
do coração de Israel poderia impedir Deus de cumprir sua vontade revelada: primeiramente, fazer o povo herdar a terra que fora prometida e, como plano maior, trazer
o Messias prometido ao mundo (Gn.3.15) por meio do qual seriam “benditas todas as famílias da terra” (Gn.12.3).
Mas, como os dois censos nos ajudam a ver essa providência de Deus?
Entendemos que o mais importante nos dois censos é seu
número final relacionado às providências de Deus, presentes no restante do
livro. O número de israelitas do primeiro censo é 603.550 (Nm.1.46), e o número
contado no segundo censo é 601.730 (Nm.26.51). Mas, o que isso significa? Para
entendermos, devemos lembrar o que Deus disse a respeito da geração incrédula:
Porém, tão certo como eu vivo, e como toda a terra se encherá da glória do
SENHOR, 22 nenhum dos homens
que, tendo visto a minha glória e os prodígios que fiz no Egito e no deserto,
todavia, me puseram à prova já dez vezes e não obedeceram à minha voz, 23 nenhum deles verá a terra que,
com juramento, prometi a seus pais, sim, nenhum daqueles que me desprezaram a
verá. (Nm.14.21-23)
Deus havia dito que toda aquela geração que saíra do Egito,
de vinte anos para cima, morreria no deserto. Ou seja, o primeiro censo revela
a quantidade de homens que morreria no deserto (603.550 – Nm.1.46), além de um
número provavelmente semelhante ou superior de mulheres, já que estas não foram
contadas. Diante disso, poderíamos pensar: Já que todo esse povo deve morrer no
deserto por causa do castigo divino, então quem vai entrar na terra prometida?
Lembre-se que o deserto é um lugar hostil, principalmente para dar à luz e criar
filhos. Então, as condições para que Israel se multiplicasse não eram boas.
Todavia, Deus mostra seu poder para cumprir sua palavra mesmo em meio a todas
as adversidades possíveis.
O número de homens que entrariam na terra prometida (601.730
– Nm.26.51) é praticamente o mesmo número de homens que morreram no deserto. A
semelhança numérica não deve ser considerada casual, mas uma revelação do poder
providenciador de Deus que cumpre sua palavra a despeito de todos os empecilhos
que aparecem. Deus levantou outra geração melhor do que a geração anterior, em
semelhante número, para herdar a terra prometida e cumprir os propósitos de Deus,
como disse o salmista: “Da boca de
pequeninos e crianças de peito suscitaste força, por causa dos teus
adversários, para fazeres emudecer o inimigo e o vingador.” (Sl.8.2).
Portanto, nada pode impedir os planos de Deus! É nesse
sentido que devemos entender as seguintes palavras de Deus, ditas pelo profeta
Isaías: “assim será a palavra que sair da
minha boca: não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e prosperará
naquilo para que a designei” (Is.55.11). Deus é poderoso para cumprir sua
vontade sempre, não importando quantos empecilhos apareçam pelo caminho. A
revelação do poder de Deus em sua providência deve levar a igreja a uma plena
confiança e segurança diante das muitas adversidades que aparecem em sua
jornada, a fim de jamais desistir de realizar a obra do Senhor, mesmo diante das
mais hostis ameaças dos inimigos de Cristo.
Então, descanse seu coração em Deus, confiando no poder do
Senhor para nos sustentar e na graça que dele recebemos, graça que nos basta
(2Co.12.9). Lembre-se do longo caminho duro e difícil percorrido pelo povo de
Deus para dar à luz a Cristo, o Salvador (Hb.11). Então, dedique-se, também,
para realizar a obra de Deus com firmeza e perseverança, confiando no poder
providenciador de Deus (1Co.15.57-58). Faça o que disse o apóstolo: “Não andeis ansiosos de coisa alguma; em
tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração
e pela súplica, com ações de graças.” (Fp.4.6), a fim de que a “a paz de Deus, que excede todo o
entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus” (Fp.4.7),
lembrando sempre que nada pode nos separar do amor de Cristo, como disse Paulo:
Que diremos, pois, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será
contra nós? 32 Aquele que não
poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não
nos dará graciosamente com ele todas as coisas?
33 Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus
quem os justifica. 34 Quem os
condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está
à direita de Deus e também intercede por nós.
35 Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou
angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? 36 Como está escrito: Por amor de
ti, somos entregues à morte o dia todo, fomos considerados como ovelhas para o
matadouro. 37 Em todas estas
coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou. 38 Porque eu estou bem certo de
que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do
presente, nem do porvir, nem os poderes,
39 nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra
criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso
Senhor. (Rm.8.31-39)
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