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quinta-feira, 18 de outubro de 2018

O clamor de Davi dentro da história redentora


SENHOR, como tem crescido o número dos meus adversários!” (Sl.3.1)

Os Salmos de Davi têm servido de inspiração para um incontável número de pessoas que, nas aflições, recorrem a Deus como última esperança. Provavelmente, você que lê este texto já deve ter chorado diante do Senhor orando algum dos salmos de Davi, identificando-se com as palavras do salmista. Muitos desses salmos (Sl.3-7; 13; 17; 22; 25-31; 35; 40 etc.) cantam os clamores de Davi quando este recorria ao Senhor, pedindo livramento diante das perseguições sofridas.

 Alguns elementos desses salmos davídicos ajudam a criar uma relação entre o texto e o leitor: 1) Davi revela-se um homem igual a qualquer outro homem, ou seja, não foi um herói sobrecomum, não fez proezas extraordinárias, à nossa semelhança; 2) os erros de Davi são expostos, revelando que o grande amor incondicional de Deus é a razão para jamais abandoná-lo, confortando-nos em nossas quedas; 3) Davi mostra fraqueza, necessidades, angústia diante dos problemas sofridos, razão para se humilhar diante de Deus na esperança de ser socorrido, lembrando-nos de nossas próprias fraquezas. Lendo tanto a vida de Davi quanto seus cânticos, encontramos um homem igual a nós, que nos motiva a buscar a Deus da mesma forma como ele buscou, na esperança de sermos atendidos assim como o Senhor o atendeu.

 Portanto, Davi foi um homem comum em termos de natureza humana, assim como todos nós o somos. Mesmo tendo sido o principal rei de Israel, Davi não fez qualquer proeza como fizeram os profetas do passado (Moisés, Josué, Samuel) e do futuro (Elias, Elizeu). Todavia, o filho de Jessé foi escolhido para uma missão especial que torna especial sua história. Além de ter sido o rei de Israel, Davi possui dois papéis fundamentais dentro da história redentora: Em primeiro lugar, Davi é um tipo de Cristo. Ou seja, características da vida de Davi (amor, fidelidade, zelo, coragem, sofrimento etc.) têm o propósito de apontar para Cristo, incluindo seu ofício real. Em segundo lugar, Davi foi um dos progenitores de Jesus, de forma que Cristo herdou a realeza “humana” de Davi, seu pai, o rei de Israel. Ou seja, a conservação da vida de Davi estava intimamente ligada à preservação do plano de trazer à luz o Filho de Deus, filho de Davi.

 Mas, em que tudo isso é importante para a compreensão dos salmos de clamor de Davi? O coração do clamor de Davi nesses salmos não é sua vida pessoal, mas o que ela representa para a história redentora. O filho de Jessé não estava sofrendo por questões particulares ou por problemas cotidianos. Seu sofrimento está intimamente relacionado com Cristo, tendo em vista que Davi foi herdeiro da promessa redentora de Deus (2Sm.7), que terminou por trazer-lhe muitas angústias, não apenas alegrias. Mais que orações de um sofredor, que promovem profunda simpatia/empatia em nosso coração, os salmos de Davi nos contam quão penosa foi a história da salvação, quão grande foi a dor de parto sofrida pelo povo de Deus para dar à luz ao Messias (Gn.3.16).

 Caso não reflitamos sobre a real causa para todos os problemas sobrevindos ao salmista Davi, à luz da história redentora, corremos o risco de olhar para o filho de Jessé apenas como um pecador e mau pai que tinha problemas e inimigos. As “lições” sobre a vida de Davi não passarão de mensagens morais soltas e desconexas do grande projeto redentor de Deus. A chave para a compreensão do propósito da revelação dos salmos de clamores de Davi é Cristo, seu filho, pois Ele é o propósito final de toda a história redentora, também da história de Davi.

 Davi, portanto, não está cantando situações corriqueiras da vida, apenas, mesmo que diversas necessidades básicas da vida tenham aparecido também. No entanto, o coração do problema sofrido por Davi, em praticamente todos os salmos em que ele invoca o Senhor pedindo por justiça, socorro, livramento e proteção, é a perseguição injusta que lhe sobrevinha da parte de inimigos os mais variados que queriam dar cabo da vida dele, com o propósito de interferir na salvação prometida desde os dias de Adão e Eva (Gn.3.15; 49.8-12).

 O propósito de Deus não se encerrava no reinado de Davi. Deus o escolheu para ser progenitor do Filho de Deus de modo que o Messias prometido seria chamado: filho de Davi. A partir dessa promessa (2Sm.7), revelação do projeto redentor, todas as forças inimigas se voltaram contra este homem de Deus, a fim de impedir o cumprimento do plano divino: inimigos estrangeiros guerrearam contra Davi (2Sm.8-10); tentações lhe sobrevieram (2Sm.11); crises familiares procuraram desestruturar a vida de Davi (2Sm.13-14); e, até um de seus filhos tentou tomar o trono a força, intentando matar o próprio pai (2Sm.15-18). Tudo isso, para tentar impedir que Deus cumprisse sua promessa feita a Davi: seu filho sentará para sempre no trono (2Sm.7).

 Tudo isso aconteceu com Davi, porque ele fora escolhido para dar seguimento ao cumprimento da promessa redentora. Davi seria o pai do grande Rei de Israel, o Messias redentor, o Salvador do homem pecador. Portanto, eliminar Davi seria uma forma de impedir o cumprimento da promessa divina, à semelhança de como Herodes tentou matar Jesus (Mt.2.16-18//Ap.12). Olhando para o capítulo 12 de Apocalipse, entendemos melhor a razão de aparecerem tantos inimigos do povo de Deus no decurso de toda a história redentora: Satanás esteve ocupado tentando impedir que a redenção fosse concretizada. O problema em questão não era realmente Davi, mas aquilo que Deus realizaria por meio dele: o advento de Cristo.

 Observe que a partir da compreensão completa do papel da vida de Davi dentro do projeto redentor, podemos entender melhor a importância de seus clamores revelados nos salmos, pois está em questão o projeto redentor de Deus. Por isso, também, os clamores de Davi podem ser considerados messiânicos. Ou seja, por boca de Davi, ouvimos Cristo clamando ao Pai, a fim de que o ajude a cumprir sua missão derrotando os inimigos: o pecado, a morte e o diabo (Ef.2.1-10; Ap.5.5). As lutas que Davi enfrentou servem, em parte, para tipificar as batalhas travadas por Cristo até sua vitória final sobre os inimigos de Deus. Ou seja, já em Davi podemos ver que o preço da redenção foi bastante alto e custou muito sofrimento, angústia, perseguição e até morte.

 Davi, então, não está apenas chorando problemas comuns da vida. O valente rei de Israel precisava que Deus o ajudasse, pois todos os inimigos do Senhor investiam contra ele, fazendo-o questionar: “Até quando acometereis vós a um homem, todos vós, para o derribardes, como se fosse uma parede pendida ou um muro prestes a cair?” (Sl.62.3). Mais do que a vida de um grande homem de Deus, as ameaças sofridas por Davi ameaçavam o projeto redentor do Senhor. Portanto, em livrar Davi da morte, dando-lhe vitória sobre seus muitos adversários, o Senhor estava preservando sua promessa e livrando todo seu povo da condenação eterna, pois assegurava o cumprimento da promessa redentora.

 É dentro da mesma história redentora que devemos compreender nossas vidas hoje. A forma correta de aplicarmos os salmos de clamores de Davi é relacionando-o a nosso papel dentro da história da salvação. Deus também tem um plano dentro da redenção para seus filhos de todas as gerações e isso inclui todo verdadeiro filho de Deus por meio de Cristo. É esse plano divino, em Cristo, que explica o fato do mundo nos odiar, de aparecerem tantas provações e tentações em nossas vidas, e a razão dos cristãos serem como ovelhas indo para o matadouro (Rm.8.36).

 Compreendendo isso, Paulo diz que “a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes” (Ef.6.12). Portanto, a Escritura convida você a olhar mais atentamente para sua vida dentro do projeto redentor, a fim de que seu clamor não se limite às circunstancialidades aparentemente desconexas do projeto redentor de Deus. Sua vida faz parte de algo muito maior e mesmo que você não queira estará em harmonia com todo o plano divino.

 Então, os salmos de Davi nos motivam a orar como a igreja orou, demonstrando pleno entendimento sobre o caráter da vida cristã dentro do plano maior, a redenção cósmica:


Ouvindo isto, unânimes, levantaram a voz a Deus e disseram: Tu, Soberano Senhor, que fizeste o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há;  25 que disseste por intermédio do Espírito Santo, por boca de Davi, nosso pai, teu servo: Por que se enfureceram os gentios, e os povos imaginaram coisas vãs?  26 Levantaram-se os reis da terra, e as autoridades ajuntaram-se à uma contra o Senhor e contra o seu Ungido;  27 porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gente de Israel,  28 para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram;  29 agora, Senhor, olha para as suas ameaças e concede aos teus servos que anunciem com toda a intrepidez a tua palavra,  30 enquanto estendes a mão para fazer curas, sinais e prodígios por intermédio do nome do teu santo Servo Jesus. (Atos 4.24-30)


A primeira geração de cristãos compreendeu que toda inimizade contra a igreja tinha relação direta com Deus, ou seja, era uma reação contrária à realeza de Cristo, o Salvador. Portanto, clame a Deus como Davi clamou, peça a Deus como a igreja orou, pedindo que o Senhor a ajudasse na luta contra os inimigos da cruz de Cristo, fazendo-a forte nas fraquezas, pronta para as batalhas, firme nas tribulações e fiel em todo momento, a fim de que Cristo seja glorificado por meio das vitórias do povo de Deus contra os adversários. Assim, suas orações contemplarão muito mais do que necessidades momentâneas e seus clamores serão verdadeiras guerras travadas contra o império das trevas.


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