“Tu me farás ver os caminhos da vida; na tua
presença há plenitude de alegria, na tua destra, delícias perpetuamente” (Sl.16.11)
Em nosso país, aquilo que é público costuma estar sujo e
quebrado. O povo não se preocupa em guardar bem o que pertence à nação nem o
governo tem sido zeloso o suficiente para guardar o bem público e ensinar ao
povo o proceder da mesma forma. Todavia, isso não costuma ocorrer com o bem
privado, pois seus donos procuram guardar com singular cuidado aquilo que
possuem particularmente: carro, casa, celular etc. E tamanho pode ser o cuidado
que se torna necessário advertir os homens quanto ao perigo da idolatria, ou
seja, que o dever de guardar não deve ser transformado em apego demasiado às
coisas; não deve ser uma expressão de amor aos bens.
Guardar é uma palavra importante na Bíblia, diversas vezes
ordenada aos homens, com respeito à Palavra de Deus, conforme ocorre no Salmo
119 (Sl.119.4, 5, 8, 9, 17, 34, 44, 55, 57, 60, 63, 67, 88, 101, 106, 134, 136, 146, 158, 167, 168).
Ela aparece desde o Éden, quando o Senhor colocou o homem no jardim “para o cultivar e o guardar” (Gn.2.15).
Após a queda de Adão e Eva, Gênesis nos conta que Deus colocou uma “espada inflamada” “para guardar o caminho da árvore da vida” (Gn.3.24). Guardar em
ambos os textos aponta para um cuidado protetor, com o fim de impedir que
alguém faça uso indevido daquilo que está sob guarda. Porém, diferente de Adão que
não foi fiel em guardar o jardim do Senhor, deixando que o pecado corrompesse o
paraíso (a partir da tentação de Satanás), Deus guarda com eficácia a árvore da
vida, destinada para aqueles que herdarão novo céu e nova terra (Ap.2.7;
22.2,14,19). No Salmo 16, Davi, que bem conhecia o fiel guardar de Deus, pede
que o Senhor o guarde, também.
Mesmo tendo vencido um leão, um urso e um gigante
(1Sm.17.36,50), Davi não confiava sua vida às próprias mãos. No Salmo 16, Davi
pede ao Senhor que o guarde. Que lugar seria mais seguro do que a poderosa mão
de Deus? Desde Gênesis, Deus se revelara fiel e eficaz em guardar aquilo que
lhe pertencia. O Senhor havia guardado Israel em toda sua jornada, desde os
dias dos patriarcas (Gn.28.15), “pois,
que o SENHOR, teu Deus, é Deus, o Deus fiel, que guarda a aliança e a
misericórdia até mil gerações aos que o amam e cumprem os seus mandamentos”
(Dt.7.9). Em toda a história redentora, Deus se revelou fiel guarda de seu povo
(Sl.145.20), como diz o salmista: “É
certo que não dormita, nem dorme o guarda de Israel” (Sl.121.4). Então, quem
melhor do que o Senhor, Deus de Israel, para guardar a vida de um homem?
Semelhante pedido é feito em outros salmos. Em toda sua
jornada junto ao Senhor, Davi experimentou a perseguição de um mundo contrário
ao plano redentor divino. Conforme Apocalipse 12, devemos entender que Satanás
esteve, ao longo de toda a história, tentando impedir a chegada do Filho de
Deus (Mt.2.16), aquele que pisaria a cabeça da serpente (Gn.3.15), e Davi havia
sido escolhido pelo Senhor para ser progenitor do Messias, além de um
importante tipo de Cristo. A relevância do chamado de Davi para o projeto
redentor lança luz sobre o assunto, ajudando-nos a compreender a razão pela
qual ele sofreu tantas perseguições, desde o momento em que fora ungido para
ser rei sobre Israel. Por isso, era tão importante guardar a vida de Davi:
“Guarda-me como a
menina dos olhos, esconde-me à sombra das tuas asas” (Sl.17.8).
“Guarda-me a alma
e livra-me; não seja eu envergonhado, pois em ti me refugio” (Sl.25.20).
“Guarda-me,
SENHOR, da mão dos ímpios, preserva-me do homem violento, os quais se empenham
por me desviar os passos” (Sl.140.4).
“Guarda-me dos
laços que me armaram e das armadilhas dos que praticam iniquidade” (Sl.141.9)
Davi realmente precisava da guarda divina diante dos
adversários, razão para clamar a Deus. E, enquanto ele clamava ao Senhor,
mostrava também sua fidelidade em guardar o coração diante de Deus, à
semelhança do que dirá Salomão, posteriormente, no livro de Provérbios: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o
coração, porque dele procedem as fontes da vida” (Pv.4.23). Todavia, mais
uma vez não devemos considerar que a vitória de Davi provinha de suas forças.
No Salmo 141.3-4, Davi pede que o Senhor coloque guarda em seu coração para não
pecar: “Põe guarda, SENHOR, à minha boca;
vigia a porta dos meus lábios. Não permitas que meu coração se incline para o
mal, para a prática da perversidade na companhia de homens que são malfeitores;
e não coma eu das suas iguarias”. Portanto, da mesma forma como Davi
precisava da proteção divina contra os adversários ao redor, também necessitava
do cuidado do Senhor diante das lutas travadas no coração, das fraquezas da
carne, das tentações do mundo.
Diversas características da vida de Davi nos remetem a
Cristo. Estas características podem ser encontradas tanto nos livros históricos
de 1 Samuel, 2 Samuel e 1 Crônicas quanto no livro de Salmos. As principais
características são a unção para a realeza, a fidelidade a Deus no governo do
povo, o amor pelo povo de Deus, o sofrimento-perseguição e o amor intenso a
Deus. Nos livros históricos, lemos sobre as perseguições sofridas por Davi;
algumas delas provenientes de pessoas achegadas, como seu filho Absalão. Seu
sofrimento é ouvido, também, nos salmos que compôs em oração ao Senhor. Essa
importante característica de sua vida visava apontar para o sofrimento do
Messias, razão de diversos dos clamores de Davi serem prenúncios proféticos que
aparecem nas páginas do Novo Testamento (Sl.16.10; Sl.22; Sl.31.5; Sl.35.19;
Sl.40.6-8; Sl.41.9; Sl.48.2; Sl.69; Sl.78.2; Sl.109.25; Sl.110.1; Sl.118.26).
No Salmo 16, há diversas elementos que apontam para o
coração de seu autor: apego a Deus (Sl.16.2); alegria no povo de Deus
(Sl.16.3); repúdio contra os idólatras (Sl.16.4); encanto diante do Senhor
(Sl.16.6); coração pronto para ser ensinado (Sl.16.7); regozijo no Senhor
(Sl.16.9); confiança em Deus (Sl.16.1,10); plena satisfação no Senhor
(Sl.16.11). Seu coração, portanto, estava bem guardado, prova do cuidado divino
para com Davi e, também, de seu amor e fidelidade a Deus, a quem ele clama por
socorro. Deus se revela mais uma vez poderoso e fiel para guardar aquilo que
lhe pertence e garantir o cumprimento de seu plano redentor.
Encontramos os mesmos elementos desse Salmo na vida de
Cristo. Jesus sofreu sua geração desde a infância, pois Herodes procurou
mata-lo (Mt.2.16). Desde esse tempo, os Evangelhos nos contam que Deus estava
guardando seu Filho, livrando-o dos inimigos (Mt.2.19-23) com eficácia, até ao
tempo em que Jesus deveria morrer para nos salvar: “Naquele momento, disse Jesus às multidões: Saístes com espadas e
porretes para prender-me, como a um salteador? Todos os dias, no templo, eu me
assentava convosco ensinando, e não me prendestes. Tudo isto, porém, aconteceu
para que se cumprissem as Escrituras dos profetas” (Mt.26.55-56). Todavia,
o fato do Senhor o guardar não o privou de muitas angústias. Cristo sofreu uma
“geração incrédula e perversa”
(Mt.17.17) por longos anos antes e durante seu ministério, mantendo-se firme e
fiel na Palavra de Deus, mesmo tentado pelo diabo (Mt.4.1-11) e pelos homens
(Lc.11.16; Jo.8.6).
Podemos dizer que, em Cristo, o Senhor guarda seu povo
livrando-o das constantes ameaças de um mundo que jaz no maligno (1Jo.5.19). Os
apóstolos experimentaram semelhante jornada de perseguição (At.4.1-22; 5.17-42;
7.54-8.3; 12.1-19; 14.19; 16.19-40; 21.27-28.29) e foram fiéis no “bom combate da fé” (1Tm.6.12),
perseverando até o fim (2Tm.4.7), com a ajuda do Senhor que os “assistiu” e “revestiu” de forças (2Tm.4.17). Eles experimentaram o guardar do
Senhor garantindo que o projeto redentor seria bem-sucedido por meio da
pregação da Palavra de Deus, “poder de
Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm.1.16).
Enquanto o Senhor os guardava, o Espírito Santo lhes
concedia a alegria da salvação (Jo.16.22), por meio do novo coração (Ez.36.26-27;
Jo.3.3,5), capacitando-os a louvar o Senhor mesmo em meio à perseguição e
tribulação (At.16.25). O mesmo Espírito que operava em Davi guardando sua vida
e, também, seu coração está presente na vida da igreja, transformando-a “de glória em glória” na imagem de Cristo
Jesus (2Co.3.18). Por isso, após dois mil anos de muitas batalhas travadas
contra a igreja, podemos vê-la em pé, guardada pelo Senhor que é fiel em suas
promessas e nos prometeu estar conosco “todos
os dias até a consumação do século” (Mt.28.20).
Portanto, continue entregando sua vida nas mãos do Senhor
que é poderoso para guardar você, em Cristo Jesus, dos muitos males de um mundo
que “jaz no maligno” (1Jo.5.19) e do próprio
coração “desesperadamente corrupto”
(Jr.17.9). Deus sabe que precisamos ser guardados para o último dia, a fim de
que o glorifiquemos por meio do recebimento da vida eterna. Isso o glorifica! Orar
pedindo o guardar de Deus representa o reconhecimento tanto da pequenez humana
quando da fraqueza do coração pecador. Ao mesmo tempo, quando oramos por essa
causa, testemunhamos que Deus é poderoso para cuidar de seus filhos (1Pe.5.7) e
tem feito isso ao longo dos milênios da história redentora. Afirmamos, então,
que o Senhor é a esperança de seu povo (presente e futura) e que a vitória da
igreja se encontra em sua poderosa mão. E, como Davi, podemos exclamar: “Tu me farás ver os caminhos da vida; na tua
presença há plenitude de alegria, na tua destra, delícias perpetuamente” (Sl.16.11)
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