“Mas rejeita as fábulas profanas e de velhas
caducas. Exercita-te, pessoalmente, na piedade.” (1Tm.4.7)
Você já observou que as histórias bíblicas são reais e límpidas,
pois não visam agradar aos leitores, mas ensinar-lhes a Verdade sobre o
desenrolar da história redentora? Quando lemos sobre os grandes personagens da
história da salvação, descobrimos que erraram e sofreram consequências. Somos
ensinados que as vitórias do povo de Deus não vinham da força do valente, mas
da manifestação da graça divina em favor de seu povo. Nas histórias bíblicas,
nem sempre os “mocinhos” conseguem o que querem, de forma que nem mesmo a
Moisés foi permitido entrar na terra de Canaã (Dt.3.23-28). São essas mesmas
histórias que Deus ordena que sejam ensinadas para toda a família, desde a
criança mais tenra (Dt.6.5-7), sem ocultar nem a graça divina nem os pecados do
povo (Ex.13.14-15; Dt.6.20-25), a fim de que todas as gerações conheçam a
Verdade sobre o problema do pecado e, também, a salvação graciosa do Senhor.
Antes do surgimento dos contos de fadas como os conhecemos
hoje, as estórias contadas para as crianças visavam alertá-las quanto aos
perigos do mundo. Por essa razão, os contos não tinham finais felizes nem eram
melosos. Então, no século XVII, Charles Perrault (1628-1703) deu início a uma
nova forma de escrever para o novel público, introduzindo, na literatura
infantil, os contos de fadas, nos moldes conhecidos em nossos dias, dentre os
quais estão: Cinderela, a Bela Adormecida, Barba Azul, o Gato de Botas,
Chapeuzinho Vermelho, as Fadas e o Pequeno Polegar. Seu objetivo era amenizar o
peso das estórias, a fim de não chocar nem amedrontar as crianças,
proporcionando-lhes bem-estar na relação com as estórias infantis.
Charles Perrault foi bem-sucedido em seu propósito, de modo
que é difícil não ser atraído para o mundo dos contos de fadas que alimentam,
no leitor, sonhos e esperanças adornados por alguns valores morais. Se é
assim, qual a razão de refletirmos sobre os perigos nos contos de fadas? Não
seria bom alimentar a esperança das pessoas, motivando-as a não desistirem de
seus sonhos? Talvez! Mas, e se esses sonhos estiverem alicerçados em ilusões? E
se essa esperança estiver focada em conquistas meramente físico-materiais? E se
os contos de fadas direcionarem os olhos das pessoas para si mesmas,
desviando-as da felicidade eterna que se encontra somente em Cristo? Diante de
tudo isso, veremos que o inocente mundo dos contos de fadas pode ser uma larga
estrada rumo a uma vida de ilusões.
Gostaríamos de mostrar três problemas encontrados nos contos
de fadas: 1) os contos de fadas conduzem as pessoas para longe da realidade; 2)
os contos de fadas conduzem as pessoas para uma esperança de felicidade terrena;
3) os contos de fadas conduzem as pessoas para supostos elementos redentores, à
parte de Cristo. Observe-se que mencionamos pessoas, em vez de nos referirmos
apenas às crianças, porque os contos de fadas alcançam públicos de todas as
faixas etárias, tornando-se um instrumento perigoso para a educação de toda a
sociedade, a partir da criança, ensinando-lhe a viver e desejar o irreal, em um
mundo sem Deus nem necessidade de redenção.
1. Os contos de fadas conduzem as pessoas para
longe da realidade
Antes de tudo, é importante salientarmos que não devemos confundir conto de fadas com figuras de
linguagem, pois enquanto estas servem para enfatizar e esclarecer uma mensagem
relacionada à realidade, aquele cria um mundo completamente imaginário em que a
realidade costuma ser irrelevante. Os contos de fadas são narrativas fictícias
em que diversos elementos fogem da realidade, oferecendo modelos ilusórios para
a vida. Neles, as mulheres são sempre lindas tanto de rosto quanto de corpo,
encantadoras no modo de agir e falar e praticamente não cometem erros. Os
homens são príncipes bonitões, corajosos, educados, gentis, amorosos e impecáveis no modo
de falar e agir. Além desses, encontramos os super-heróis com força,
inteligência e conquistas irreais, mas deslumbrantes, apresentadas de tal forma
que induzem a criança, o jovem e até o adulto a almejarem tais coisas. Todavia,
elas não existem!
Além disso, nos contos de fadas não existe Deus, de forma que
a felicidade “eterna” é depositada nas mãos de personagens que sempre se dão
bem no final de tudo. Para os protagonistas, não há morte; não há frustrações;
não há pecados. Os únicos inimigos são os personagens malignos vencidos pela
força, até desaparecerem ou serem aniquilados. Ignora-se completamente o maior
adversário do ser humano: o pecado, alimentando, assim, uma fé em si mesmo. E todo
aquele que se coloca no caminho entre o príncipe e a princesa é considerado
inimigo, como se toda orientação contrária aos relacionamentos fosse má e o
amor romântico fosse o principal propósito da vida.
Os contos de fadas, portanto, distanciam as pessoas da
realidade, oferecendo-lhes um mundo imaginário, em vez de motivá-las a
trabalhar sobre o mundo em que elas vivem, a partir da esperança de transformação do ser imperfeito. Estimula-se um olhar superestimado sobre si mesmo,
supervalorizando o “eu” enquanto se ignora a necessidade de combater o próprio
coração pecador. O problema encontra-se sempre no outro, semelhante à “síndrome
de Adão”, como se o universo girasse em torno dos protagonistas da narrativa,
contribuindo para a satisfação de suas vontades. Ocorre, então, a exaltação da
natureza humana, onde o homem é um príncipe imaginário e a mulher, uma donzela
encantada, motivando o desejo pelo estereótipo utópico oferecido tanto no
príncipe quanto na princesa.
Após contato com os contos de fadas, os leitores estarão inclinados
a desprezar a realidade tão díspar do imaginário. Semelhante aos personagens
fictícios, os homens desejarão mulheres encantadas que jamais perdem a beleza e
a compostura enquanto as mulheres procurarão príncipes matadores de dragões e
montados em cavalos brancos. A busca, ou espera, inútil gera frustração e
intolerância com a realidade. E, sem que tenham sido ensinados a lidar com a
vida, homens e mulheres se angustiam com o presente, preferindo trocar aqueles
que não se enquadram em seus sonhos a se esforçar para conviver com eles, quer
marido quer esposa, sejam pais sejam filhos.
Nos clássicos contos de fadas, não há lugar para o
imperfeito nem necessidade de restauração do ser. Todo problema possui cunho
meramente social, pois os personagens não partilham da natureza pecadora. Portanto,
ocorre a idealização do homem perfeito sem, contudo, apresentar a realidade
caída da natureza humana, para que ocorra sua restauração por meio do agir
gracioso e eficaz de Deus dentro do coração. O pecado, então, está sempre fora
do indivíduo e sua redenção se encontra na luta contra o “outro”, motivando,
assim, toda e qualquer resistência ao que não favorece o ideal particular de felicidade.
E para que vençam os inimigos, os protagonistas devem ter autoconfiança, ou
seja, uma fé inabalável em si mesmos.
2. Os contos de fadas conduzem as pessoas para
uma esperança de felicidade terrena
Em todos os contos de fadas, os protagonistas buscam a
felicidade terrena. A morte é sempre o fim de tudo, dentro de um universo
fatalista, de modo que a felicidade deve ser buscada aqui e agora. Não havendo
Deus, não há esperança de vida eterna nem “refúgio e fortaleza, socorro bem
presente nas tribulações” (Sl.46.1). Tudo depende da força e inteligência dos
heróis. E estando o homem no centro do universo, todas as coisas devem
colaborar para seu bem-estar, durante os dias de sua vida. Por essa razão, a
infelicidade é retratada pela ausência de um relacionamento amoroso ou através
da presença de problemas cotidianos ou por meio de uma vida simples marcada por
afazeres comuns diários. Basicamente, é infeliz ser uma pessoa normal com habituais
problemas corriqueiros.
A esperança é um dos principais temas dos contos de fadas.
Ele está presente antes do protagonista iniciar sua jornada rumo à conquista da
felicidade; está presente durante a jornada, principalmente nos momentos em que
aparecem obstáculos aparentemente intransponíveis, a fim de motivar o herói a
não desistir de seus sonhos; e, está presente no final de tudo quando,
finalmente, o mocinho alcança sua felicidade, motivando, assim, os leitores a
não desistirem de seus desejos, por mais difíceis que pareçam ser. Toda
esperança é concretizada por meio do alcance da felicidade proporcionada pelo
amor romântico, desfrute da prosperidade e bem-estar encontrado numa vida tranquila
e sem problemas.
Como devem ter percebido, encontramos três principais
motivos da felicidade nos contos de fadas: O principal dos três motivos costuma
ser a relação amorosa. Príncipes e princesas percorrem longas jornadas até o
casamento, onde alcançarão a felicidade. Todo esforço dedicado visa o “sagrado”
encontro e “imaculado” beijo, a fim de que sejam “felizes para sempre”. Neste universo
romântico, os inimigos são aqueles que procuram impedir que a felicidade seja
alcançada por meio da concretização do laço matrimonial entre os protagonistas.
Estimulados pelo ideal de felicidade através de realização amorosa, uma sociedade
educada por contos de fadas encontra, na “incompatibilidade” e “falta de
sentimento”, justificativas para o divórcio, visando encontrar a felicidade num
suposto par perfeito.
Em segundo lugar, normalmente atrelado ao romance, encontramos
a conquista material. Quando a razão da felicidade é a prosperidade, a jornada
dos protagonistas visa a conquista de grandes coisas. Os personagens moram em
castelos, vestem os mais finos trajes, calçam sapatinhos de cristais, andam em
carruagens espetaculares e possuem serviçais a sua disposição. O trono torna-se
símbolo de máximo êxito e motivo de felicidade plena, motivando os leitores a
buscarem, nas conquistas materiais, a fonte da felicidade humana. Diversos
protagonistas percorrem uma jornada que vai da pobreza e simplicidade à riqueza
e luxúria, como no conto da Cinderela. Não há pobres felizes nem pessoas
simples plenamente satisfeitas, pois em ter mais está o segredo para a
felicidade, despertando, assim, a ambição e avareza, descontentamento e
materialismo naqueles que são influenciados por tais contos de fadas.
Um terceiro motivo da felicidade de personagens de contos de
fadas é a vida tranquila e sem problemas, ou seja, uma felicidade contextual. Nesse
caso, os problemas tornam-se grandes vilões que impedem que pessoas sejam
felizes. Portanto, as circunstâncias moldam o contentamento dos protagonistas
que anseiam por uma vida estável e confortável, tranquila e sem contrariedade. Diante
das adversidades, a esperança dos personagens é posta sobre o alcance do
retorno à tranquilidade outrora desfrutada. Não há contentamento em toda e
qualquer situação nem fortalecimento de uma esperança no porvir, pois tudo que
existe é o aqui e agora. Sendo assim, caso a tranquilidade não seja alcançada,
nada mais resta para fundamentar o contentamento que deveria estar presente no
coração, mesmo em dias maus. E não havendo nada sólido para servir de base ao
edifício da felicidade, aqueles que são iludidos pelos contos de fadas
sentem-se completamente infelizes na vida real, pois esperam alcançar a
satisfação de uma vida sem problemas.
Em todos os três motivos, o leitor é induzido a confiar sua
felicidade a grandes feitos temporários em sua vida, como se nada mais houvesse
após a morte. A esperança, então, é curta e provisória, frágil e incerta, pois
fundamenta-se em coisas passageiras e vulneráveis. E por mais felizes que
pareçam ser os protagonistas dos contos de fadas, tais “finais felizes” são
meras ilusões, pois ignoram a realidade de um mundo que “jaz no maligno”
(1Jo.5.19) e está reservado “para o dia do juízo e destruição dos homens
ímpios” (2Pe.3.7). Por isso, Jesus advertiu com respeito a que “não acumuleis
para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e
onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu,
onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque,
onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (Mt.6.19-21). Desse
modo, os contos de fadas ajudaram a criar uma geração descontente com tudo,
pois aquilo que lhes fora prometido não existe.
3. Os contos de fadas conduzem as pessoas para
supostos elementos redentores, à parte de Cristo
Como dissemos anteriormente, nos contos de fadas não há
Deus. Sua ausência é percebida na causa, no propósito e no desenrolar da vida
dos protagonistas. A “solidão” do divino é contrabalançada por uma abundante
autoconfiança, razão da perseverança e das vitórias dos heróis. E diante da
“não-existência do divino” outros elementos redentores aparecem para salvar os personagens
principais, quer dentro ou fora deles.
Essa salvação, no entanto, não deve ser entendida como
livramento ou resgate de algum problema externo, apenas. A solidão, a
infelicidade, o sofrimento e a falta de paz também devem ser considerados
problemas que requerem um “agir redentor”, a fim de que o protagonista possa
ter uma “vida plena”. Assim, o amor romântico, a força, a coragem, a
autoconfiança (fé em si mesmo), a amizade, príncipes e princesas, riquezas e
magias, entre outros diversos elementos aparecem como agentes salvadores capazes
de libertar os personagens principais da infelicidade que os aprisiona.
Por essa razão, é tão presente nos contos de fadas a
idolatria do amor redentor. O amor liberta, transforma, constrói, restaura e
possibilita a felicidade “eterna” para aquele que são por ele alcançados. Toda
esperança, portanto, é depositada sobre o amor romântico e alcança-lo vale mais
do que tudo no mundo. O amor romântico é exaltado sobre todas as demais coisas
como propósito da vida humana. E por ser tão indispensável, qualquer sacrifício
é justificado em nome desse amor, incluindo: negar valores, quebrar
compromissos, se matar ou mesmo viver exclusivamente em função desse amor. O
amor romântico torna-se um ídolo que exige total dedicação e entrega da vida,
senhor daqueles que desejam desfrutar de suas benefices graciosas.
Dentro desse mundo em que o amor romântico basta para fazer
as pessoas felizes, Cristo torna-se completamente desnecessário. O coração do
homem deseja a própria satisfação acima de tudo, e o caminho mais curto e fácil sempre lhe
será o melhor. Portanto, ao apresentar a ideia de que a felicidade habita no
amor romântico, a sociedade passou a cultivá-lo acima de tudo, dando início a
uma corrida pelo “amor eterno”. E para alcança-lo, vale tudo, até as mais
bárbaras ideias, decisões e ações. Não é sem razão que boa parte das obras
cinematográficas, até as mais sangrentas, possui um romance que faz meninos e
meninas suspirarem.
Tenho visto maridos e esposas indispostos dentro do
casamento, não se esforçando para tornar o lar algo agradável a Deus, porque
acreditam que ainda poderão encontrar o “par perfeito” que lhes fará plenamente
felizes, fora do casamento. Eles colocam toda a esperança da vida na
possibilidade de viverem um relacionamento amoroso romântico e ideal, nos
moldes dos contos de fadas. Desse modo, substituem a redenção realizada por
Cristo pelo mito do "amor redentor". Os contos de fadas, então, tornam-se uma
espécie de anticristo ao atraírem a atenção do mundo para si mesmos, oferecendo
outra espécie de redenção para a vida marcada pelo sofrimento. E em vez de
correrem para Jesus, a fim de encontrarem, nEle, esperança de vida eterna, as
pessoas vivem a ilusão de que poderão ser plenamente felizes por intermédio da
conquista do amor, da prosperidade e da tranquilidade. E sem Cristo, o mundo tem vivido em
depressão, confuso por não conseguir discernir entre o real e o imaginário.
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