“Ora, destruídos os fundamentos, que poderá
fazer o justo?” (Sl.11.3)
No dia 1 de dezembro de 1903, estrelou o filme: “The great
train robbery”, o primeiro faroeste da história do cinema. O curta-metragem de
doze minutos empolgou as plateias com um pouco de ação, motivando diversos
outros filmes sobre a vida no Velho Oeste dos Estados Unidos, chamando assim, a
atenção da população para os perigos de uma sociedade “sem lei”, onde cada
família precisava defender seus direitos por meio da força.
Mesmo havendo um considerável número de filmes sobre o
faroeste, há algo comum entre eles: todos possuem mocinhos, bandidos,
dominadores “legais” da cidade e cidadãos comuns. Portanto, mesmo que o enredo
possa mudar, o coração das estórias faroestes gira em torno da luta pelo direito,
a propriedade privada e a liberdade. E para atender a essas necessidades, surge
a figura do mocinho que liberta famílias e cidades das garras malignas tanto
dos bandidos quanto dos tiranos que dominavam por meio da força política.
A presente conjuntura evangélica tem apresentado diversas
características similares ao faroeste norte-americano. A primeira semelhança é
o cenário. Não me refiro aos tumbleweed, plantas secas que rolam pela cidade,
mas ao ambiente pesado e agressivo no qual tem se desenrolado os mais diversos
enredos da igreja evangélica nacional, com personagens semelhantes. Deixamos,
então, de lutar contra o mundo lá fora para lutar contra dominadores e falsos profetas
dentro, pois a igreja está dividida, vivendo um cansativo período de guerra civil
nos quatro cantos do país.
Mas, o que levou a igreja a tal sofrimento? Por que a guerra
interna tornou-se mais forte que a luta contra o paganismo? Porque o mundo
conseguiu entrar na igreja visível! Os bandidos que outrora blasfemavam contra
Deus lá fora, estão ensinando heresias dentre o povo de Deus; os governantes
tiranos que dominavam o povo lá fora, agora estão manipulando a política
eclesiástica; o relativismo que predominava lá fora, agora está dissociando a
ortodoxia da ortopraxia, enganando o coração de líderes e liderados que se
gabam de suas tradições, mas negligenciam “os preceitos mais importantes da
Lei: a justiça, a misericórdia e a fé” (Mt.23.23).
Por esta razão, a igreja evangélica brasileira tornou-se um
faroeste gospel cheio de cenas de bang bang em que sempre sai alguém ferido,
quer pastor, presbítero ou ovelha. E parece que estamos longe de ver o fim
dessa guerra, pois pouquíssimos estão, realmente, interessados na preservação
da Verdade. Boa parte dos militantes luta pelo estabelecimento da própria
vontade disposta a um acordo de paz, apenas, por meio de sua vitória. Infelizmente,
na maioria das vezes, Deus tem sido desonrado, pois “o Nome de Deus é
blasfemado entre os gentios” (Rm.2.24) que assistem de camarote à guerra civil
da igreja, torcendo para que não sobre um só cristão para contar a história, no
final.
Com isso, não me refiro à luta contra diversos ensinos
heréticos que ressurgiram em nossos dias: a teologia da prosperidade,
gnosticismo, idolatria de pessoas importantes, liberalismo teológico, misticismos
e sincretismos evangélicos, apostolado hoje, ministério pastoral feminino e
coisas semelhantes. Há muitas seitas e heresias contra as quais devemos lutar
bravamente, como heróis que defendem a “fé que uma vez por todas foi entregue
aos santos” (Jd.3). Mas, ao contrário disso, deixamos de lutar contra ameaças
externas para impedir que roubem nossa liberdade cristã (Gl.2.4), pois
transformaram a igreja de Jesus em fonte de status e lucro.
O salmista havia advertido quanto ao perigo em destruir os
fundamentos (Sl.11.3). A Escritura é a expressão do governo do Senhor Jesus,
razão porque deve ser obedecida “à risca” (Sl.119.4). Por meio da Palavra de
Deus, a igreja é dirigida a “somente um corpo e um Espírito”, “um só Senhor,
uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age
por meio de todos e está em todos.” (Ef.4.4-6). Desta forma, todas as
divergências deveriam ser tratadas à luz da Escritura, não de opinião pessoais,
com toda piedade e temor, com o fim de manter a unidade da igreja de Cristo,
diligentemente (Ef.4.3); não “como dominadores dos que vos foram confiados,
antes, tornando-vos modelos do rebanho” (1Pe.5.3).
Portanto, ao criarem tradições de homens, invalidando a
Palavra de Deus, rejeitaram o governo do Senhor Jesus e abriram portas para
todas as mais variadas expressões da crendice humana, quer com aparência de
rigor ou mesmo com essência liberal. Além disso, ao tentarem dominar sobre a
igreja, estabelecendo regras que beneficiam a si mesmos, os pastores e
presbíteros desprezam o fato de que Deus “não faz acepção de pessoas” (1Pe.1.17),
sendo Senhor tanto de líderes quanto de liderados, e haverá de julgar aqueles
que fazem mal aos pequeninos de Jesus (Mt.18.6; Lc.20.10; Ef.6.9).
Urge, portanto, a necessidade de humilhação. Sim, humilhação!
Diferente do que o mundo pensa, a vitória e glória do homem não se encontram no
domínio, poder, status ou riqueza. A humilhação do homem perante o senhorio de Cristo Jesus é ponto de partida para a transformação que o Espírito e a Palavra
de Deus podem operar, “pois todo o que se exalta será humilhado; e o que se
humilha será exaltado” (Lc.14.11). Pastores, presbíteros, diáconos e todos os
demais irmãos precisam se humilhar perante o Senhor, confessando o pecado da
soberba, pois quiseram conduzir a igreja segundo o próprio coração, abandonando
a Palavra de Deus para cuidar de seus próprios interesses.
O faroeste gospel só chegará ao fim quando Jesus, o mocinho
da história, for o único protagonista da igreja do Senhor, o Xerife do povo de
Deus, para que todos recorram a sua Palavra, a fim de conhecer a perfeita
vontade de Deus. Nesse Reino, não há lugar para bandidos nem dominadores, pois
um só é Senhor de tudo e todos (Ap.21.1-7). Também, não há lugar para tradições
de homens, pois uma única lei regerá a vida da igreja: a Palavra de Deus. Portanto,
aqueles “que têm fome e sede de justiça” (Mt.5.6) devem clamar intensamente a nosso herói: Jesus, sabendo que Ele é nossa única esperança para dias melhores.
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