“me
tornei ministro de acordo com a dispensação da parte de Deus, que me foi
confiada a vosso favor, para dar pleno cumprimento à palavra de Deus”
(Cl.1.25)
Não há preceito cultural na Escritura! Tem sido comum o
equivocado pronunciamento que a igreja não pratica certas ordenanças da Bíblia,
porque eram culturais, não sendo, portanto, necessárias para os dias de hoje. O
problema de tal afirmação é a falta de critérios dados pela própria Escritura,
a fim de que alguém possa atribuir a qualquer texto o caráter cultural, dando
margem para que pessoas mal-intencionadas transformem a Palavra de Deus numa
colcha de retalhos.
O texto mais usado para dizer que há certos elementos
culturais na Escritura é 1 Coríntios 11.2-16. No entanto, a razão da igreja não
usar véu hoje é porque Paulo não está defendendo o uso do véu, mas, sim, o uso
do cabelo longo por parte da mulher, conforme ele mesmo explica no final do
texto: “Pois o cabelo foi dado em lugar do véu” (1Co.11.15); e se foi dado em
lugar do véu, nenhum malabarismo com o texto pode dizer que Paulo não quis
dizer o que disse. Uma vez que a Escritura não invalida, posteriormente, a
palavra do apóstolo, o texto é direcionado para todas as gerações e a mulher
deve, sim, usar cabelo longo como símbolo de submissão ao masculino, que é a
temática principal desse texto.
Ao dizer que um texto é cultural, a hermenêutica bíblica
torna-se subjetiva e vaga, pois se despe de critérios dados pela própria
Escritura para que possamos interpretá-la corretamente. Dizer que um texto é
cultural é o mesmo que afirmar: - Eu acho que tal ordenança não vale mais para
nossos dias, porque foi dada para pessoas de outra geração com práticas culturais
diferentes. Um grande problema disso é que toda a Escritura foi revelada para
pessoas de outras gerações com culturas completamente diferentes da nossa no
que diz respeito à boa parte de nossos hábitos. Deveríamos, então, invalidar
toda a Escritura, por causa disso?
Somente a Escritura pode nos revelar o que tem ou não
duração permanente. Quando algo ordenado pelo Antigo Testamento deixa de ser
praticado pela igreja é porque o Novo Testamento revela o fim de tal preceito.
Isso não acontece porque algo era cultural, mas porque determinados mandamentos
tinham seu cumprimento nos dias do Novo Testamento, alcançando, portanto, seu
fim, como ocorreu com a ordenação relacionada aos alimentos (cf. Lv.11;
Dt.14.3-20 //At.10.9-16). Por causa disso, Paulo apresenta-se como “despenseiro dos mistérios de
Deus” (1Co.4.1), escolhido “para dar pleno cumprimento à palavra de Deus: o
mistério que estivera oculto dos séculos” (Cl.1.25-26).
Isso ocorre, porque a Escritura nos revela que determinadas
ordenanças eram proféticas ou tipológicas e tinham, portanto, um fim planejado.
É o caso da Páscoa judaica (Ex.12) que deixou de ser praticada pelos discípulos
de Jesus, porque Cristo lhes revelara que tal festa tinha como propósito
apontar para Sua morte substitutiva. O texto não era cultural, mas tipológico
e, tendo cumprido seu papel, deixa de ter uso, pois aquele para quem ele
apontava já chegou. Quem decide isso não é o intérprete de cada geração, mas a
própria Escritura que no Novo Testamento nos revela o propósito e cumprimento
das profecias e tipologias do Antigo Testamento.
Não podemos, ainda, confundir texto prescritivo com texto
narrativo da Escritura, pois este último não pretende trazer ordenanças, mas
contar fatos. Um exemplo disso é a conhecida “festa do amor” que ocorria em
ocasião à Ceia do Senhor (1Co.11.17-22). Essa festa não é ordenada por Paulo,
apenas parcialmente contada. Todavia, em seguida, o apóstolo lembra a ordenança
de Jesus acerca da instituição da Ceia (1Co.11.23-30) e esta, sim, deve ser
praticada. Nos Evangelhos e em Atos dos Apóstolos, também, encontraremos a
realização de muitos milagres feitos por Jesus e pelos apóstolos. A igreja de
hoje não deve sentir-se obrigada a presenciar aquelas mesmas manifestações
sobrenaturais em seu meio como se fossem ordenanças. O texto sagrado nos conta
o que aconteceu; não está ordenando que façamos igual. Em Atos dos Apóstolos,
um dos lugares usados para a prática da oração era o Templo judaico; e as
Sinagogas costumavam ser utilizadas para a pregação do Evangelho (At.2.46;
At.13). Contudo, a igreja não está obrigada a fazer uso de tais lugares, porque
eles não foram dados por ordenança, apenas revelados por narrativa. Portanto,
mesmo que o Novo Testamento conte uma prática da igreja, não estará,
necessariamente, ordenando que esta prática seja seguida. Devemos, então,
diferenciar ordenanças de narrativas e deixar que a Escritura defina o que tem
valor permanente e o que teve seu propósito cumprido.
É importante lembrar, ainda, que além de errada a afirmação
de que algum texto da Escritura é cultural, tal postura diante dos textos
sagrados abre portas para que qualquer pessoa afirme que a Bíblia é um livro
ultrapassado inadequado para nossos dias. A Palavra de Deus, então, passa a ser
julgada pelos homens com critérios completamente subjetivos sujeita a tornar-se
totalmente obsoleta. A igreja foi posta por coluna e baluarte da Verdade
(1Tm.3.15) e deve, portanto, zelar pela Escritura, tendo cuidado para
interpretá-la corretamente, a partir dos critérios que a própria Escritura
revela para a igreja.
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