“Portanto, quer comais, quer bebais ou façais
outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1Co.10.31)
A Europa possui marcas do cristianismo espalhadas por todos
os lugares. As construções, pinturas, utensílios domésticos, culinária, móveis,
leis e modo como os trabalhos são executados estão impregnados de arte. Não é
difícil, mesmo para quem olha de relance, observar que há um toque artístico em
tudo, agradando até os olhares mais críticos. Há beleza nas paredes, nas casas,
nas ruas, nas fazendas, pois todas essas obras foram talhadas por mãos de quem
desejava transmitir beleza, refletindo nossa imagem e semelhança de Deus que
tudo fez com perfeição.
Portanto, a arte fazia parte do cotidiano cristão, não em
museus, mas nas casas das pessoas, nas oficinas, nas lojas, no campo, como
manifestação estética, desenvolvida por pessoas capacitadas para expressar
visualmente o “belo” de forma clara, excelente e objetiva, relacionada com o
cotidiano da sociedade, a fim de que o homem apreciasse a beleza das obras
divinas presentes no ser humano, na sociedade e na criação em geral.
Com o fim do reinado cristão no mundo (término da Idade
Média), o homem rejeitou pouco a pouco toda a cosmovisão cristã, mudando o
referente de sua vida para o próprio ser humano. As grandes contribuições do
cristianismo foram abandonadas com o fim de se retornar ao paganismo clássico
Greco-Romano. Com esse retorno, a arte foi expulsa da vida diária das pessoas e
transformada numa religião de iluminados e privilegiados, com o fim de ser
apreciada em templos chamados de Museus; “definida como uma atividade que
manifesta a estética visual, desenvolvida por artistas que se baseiam em suas
próprias emoções”. Desta forma, a arte também deixou de ser objetiva e
tornou-se uma expressão do subjetivismo humano, confusa e sem beleza.
A mudança de referente ocorreu lentamente a partir do século
XIV, com a insatisfação pública contra a igreja da época, que de fato precisava
de uma grande reforma. Iniciou-se um processo de libertação do “jugo” da igreja
e estabelecimento da autonomia do homem, a fim de alcançar plena liberdade para
ser, pensar e fazer o que quiser. O espírito humanista se espalhou na Europa,
ganhando força aos poucos, resgatando o paganismo ao tornar o homem “a medida
de todas as coisas”, expressão do sofista Protágoras (487 – 420 a .C.) expressa no desenho
denominado “Homem Vitruviano” (1490 d.C.) de Leonardo da Vinci. Conforme
Rookmaaker, “no iluminismo (século 18, a Idade da Razão), o movimento ganhou
força e avançou. A arte tornou-se “belas artes” e as artes manuais foram postas
de lado, como algo inferior.[1]”
Desta forma, a arte começou sua jornada rumo ao subjetivismo (expressão de
sentimentos do artista), separada das demais ciências, e o artista foi
desassociado da vida objetiva cotidiana.
Com a arte associada à genialidade somente, desassociada da
vida cotidiana, tendo como propósito expressar a subjetividade de alguém, os
artistas perderam valor para o dia a dia da sociedade (associados apenas ao
lazer e contemplação) e suas obras tornaram-se confusas, incapazes de conduzir
o homem à importância da arte realizada com técnica, dedicação e excelência
para o dia a dia das pessoas, a fim de atrair a apreciação das pessoas para um
bom trabalho adornado de beleza. Hoje, dificilmente um trabalhador comum se
considerará um artista no desempenho de seu serviço, pois a arte foi banida da
vida objetiva.
Criaram-se dois tipos de artistas: o genial que costuma alcançar
as classes mais prósperas que, praticamente, precisam de um curso para entender
a subjetividade de seus artistas; e o artista popular que faz da arte uma meio,
normalmente relacionado ao turismo e comércio, com o objetivo de conseguir
dinheiro. Desta forma, a arte perdeu sua beleza objetiva e universal, servindo
apenas de instrumento para a avareza daqueles que fazem dela um meio de
enriquecer. A arte, portanto, deixou de ter fim na própria arte para glorificar
a Deus com a excelência do que é feito.
Em 2013, estive no Museu Oscar Niemeyer (Museu do Olho), em
Curitiba. Dentre as “obras de artes” presentes, deparei-me com “garranchos”,
frutos do subjetivismo de seus “artistas”. Para compreendê-las, o público
precisa fazer um “curso especial” ou “se tornar adepto a algum tipo de religião
exotérica que transporte o homem para o mais profundo subjetivismo”. Tais
“garranchos” não eram bonitos nem claros, e quem os admirasse deveria ser
comparado aos súditos da fábula “A roupa nova do rei” (Hans Christian, 1837). Nesse
simples exemplo, note-se que a arte perdeu, completamente, seu valor para a
cultura, pois tanto encontra-se enclausurada em museu, longe do cotidiano das
pessoas, quanto está totalmente desassociada à objetividade da vida,
tornando-se uma mera expressão do subjetivismo de cada “artista” que tenta
expressar ao público seus sentimentos e impressões tão confusos quanto suas
obras.
E como o cristianismo compreende a arte? No cristianismo,
Deus é o referente da arte, o referente da beleza. Sabemos o que é o amor e
somos capazes de amar porque Deus é amor; sabemos o que é justiça e somos
capazes de ser justos porque Deus é justo; sabemos o que é bondade e somos
capazes de ser bons porque Deus é bom; sabemos o que é longanimidade e somos
capazes de ser longânimes porque Deus é longânime. Desta forma, tudo o que é
santo e belo tem em Deus sua referencia, e somos capazes de praticá-los porque
Deus nos fez à sua imagem e semelhança (Gn.1.26). Da mesma forma, a beleza expressa
pela arte só é possível porque Deus é belo (Sl.27.4; 29.2; 96.9), faz tudo com
beleza (Sl.104.24) e nos fez capazes de produzir artisticamente (Gn.4.20-22).
Por conseguinte, a criação foi produzida com beleza de forma
a expressar a sabedoria, poder e glória de Deus (Sl.148; Pv.3.19; Jr.32.18-19).
Desta forma, o universo material e imaterial, visível e invisível é objetivo,
ou seja, real, concreto, definido, conhecível e compreensível. Sendo assim, a
arte divina é objetiva e envolve a realidade física e espiritual como um todo. Por
isso, a única forma de conceituar “belo” é tendo um referente objetivo e absoluto,
e o ser humano, apesar de fazer parte do universo objetivo criado por Deus, é
um ser cheio de subjetivismo e imperfeições, de forma que o homem não pode ser
referencial de “belo”. O que é o “belo”, então? Belo é tudo que reflete a
beleza de Deus, seus atributos, suas obras.
Ao retirar Deus do centro da vida pessoal e social, tornando
o homem o referencial para todas as esferas da vida privadas e públicas
(política, ciência, economia e arte como nova categoria), então a arte tornou-se subjetiva tendo como propósito expressar a subjetividade de seus
artistas, ou seja, suas impressões e sentimentos pessoais que podem ou não estar
em acordo com a realidade. Contudo, o subjetivismo não conduz o ser humano para
nada além de si mesmo, portanto, não pode ensinar nada além de si mesmo. Assim
como o mundo considerou a religião uma esfera subjetiva (em oposição à ciência
como esfera objetiva) a arte tornou-se uma espécie de “religião irreligiosa”
(Rookmaaker).
A cultura pós-moderna é completamente subjetiva, pois faz
leitura do mundo a partir do subjetivismo do ser humano. A cosmovisão subjetiva
do mundo não é capaz de oferecer conceitos objetivos sobre a realidade, pois
não passa de uma leitura fugaz, embaçada e imperfeita a partir das sensações
humanas. Com a cultura relativizada, o conceito de “belo” também foi
relativizado. Por isso, garranchos, imoralidade e literatura inapropriada
passaram a ser apreciados por muitos como se fossem arte. O problema está na
mudança de referente que deixou de ser Deus, santo, imutável, perfeito, justo e
bom, e passou a ser o homem pecador, passageiro, imperfeito, injusto e mau. O
“belo”, então, tornou-se aquilo que agrada a subjetividade do homem, mudando de
pessoa para pessoa, produzido à imagem e semelhança do homem pecador.
Se a arte humanista não produz o “belo”, o que ela faz,
então? A arte pós-moderna transmite apenas o subjetivismo corrompido do ser
humano. Há beleza técnica foi substituída por inspiração; há beleza visual foi
substituída pela abstração; há beleza racional foi substituída pela emoção; há
beleza cotidiana foi substituída por amostras. Desta forma, a arte está
desaparecendo das cidades. Muitas das “obras” de nossos dias não podem ser
chamadas de arte, pois não há beleza nelas em nenhum aspecto (técnica,
excelência, razão, propósito, clareza). O que o mundo está chamando de arte
pós-moderna é apenas um conjunto de “garranchos” sem sentido, sem razão e sem
propósito, feito por quem é incapaz de fazer algo “belo”, algo que perpetue-se na
história humana, porque o referente para toda produção artística foi
retirado da sociedade.
Desta forma, para que a arte seja restaurada é preciso
desconstruir o subjetivismo de nossos dias. Frases comuns como: “gosto não se
discute”, veiculam o subjetivismo pós-moderno, desprovido de referencial
absoluto. Quando a realidade é lida a partir do subjetivismo humano, torna-se confusa para o homem e impossível de ser conhecida. Sem um referente objetivo e
absoluto não haveria “belo”, pois a beleza não poderia ser definida
objetivamente. E sem arte, o pedreiro trabalha de qualquer jeito com o único
fim de ganhar seu dinheiro. Por isso, não deixa marcas que causem admiração da
sociedade. Sem arte, o serviço é mal oferecido, a comida não tem cor, os móveis
são apenas objetos necessários e os artistas populares tornam-se utilitaristas,
dentro de um mercado voltado para o turismo.
A arte deve ser redimida em Cristo! A arte glorifica a Deus
não apenas porque expressa bons sentimentos de seus artistas, mas por ser uma
expressão objetiva do “belo”, fazendo parte do dia a dia da sociedade, presente
em todo trabalho manual feito com técnica e excelência para agradar as pessoas,
mostrando amor e dedicação, engrandecendo a Deus com um serviço bem feito.
Encontramos esta arte em diversas profissões descritas nas Escrituras Sagradas
(Ex.28:3,11; 30:25; 31.3,6; 35.26,31,35; 36.1; 1Rs.7:2; 1Cr.28:21; Dan 1:17;
At.17:29; 18:3; Ap.18:22). Nesses textos, Deus é glorificado na excelência do
que é feito, pois Ele é a fonte da beleza e da capacidade para produzir com
arte, a fim de que a glória de Deus seja expressa nas obras humanas. A arte humana
é uma imitação do poder criativo do Criador, e tudo que fazemos como imitação
de Deus glorifica Deus que nos fez para sermos seus imitadores (Mt.5.48;
Lc.6.36; 1Co.11.1; ). O trabalho desenvolvido com excelência, com arte, é
reflexo da grandeza das obras de Deus, e, por isso, deixa marcas eternas na
sociedade, glorificando a Deus.
Além disso, um trabalho artístico agrada ao próximo, feito a
imagem de Deus. O homem possui a noção de beleza arraigada em seu coração
(Rm.2.15), por isso tanto sabe apreciar o que é verdadeiramente belo quanto é
capaz de produzir belas obras. O trabalho desenvolvido para servir ao próximo
deve ser preparado com arte, a fim de que agrade àquele que está sendo servido.
Desta forma, o trabalho feito com arte manifesta prazer em servir ao outro com
excelência e amor. Para isso, o cristão deve trazer a arte para seu trabalho
cotidiano, a fim de que haja beleza em suas obras, oferecendo o melhor para o
próximo quer seja uma comida, uma casa, um móvel, um utensílio, uma pintura,
uma escultura ou outra coisa qualquer. Um trabalho feito com arte, marca a
história humana e reflete a beleza da glória de Deus, pois tudo que é bom
provém dEle.
Cristo convoca todo cristão a produzir com arte em seu dia a
dia, pois “precisamos muito de uma arte
que seja saudável e boa, e que as pessoas entendam. Se os cristãos fizerem esse
tipo de trabalho, talvez não alcancem grande fama, mas muitos amarão suas
obras. E muitos conseguirão ganhar a vida assim. Portanto, não há razão para
autopiedade. Há uma contribuição a ser feita em uma época que é, de maneira
geral, explicitamente anticristã. [2]”
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