RIDDERBOS,
Herman, A Teologia do Apóstolo Paulo, São
Paulo, Ed. Cultura Cristã, 2004.
Herman Ridderbos é um respeitado teólogo holandês reformado. Foi
catedrático entre 1943 a
1978 na área de Novo Testamento na Universidade Teológica das Igrejas
Reformadas nos Países Baixos, em Kampen. A obra segue a abordagem
histórico-redentora de interpretação de Paulo. Para o autor, Paulo dá
continuidade à revelação que o próprio Jesus fez de si mesmo e do Reino de
Deus.
Conforme Ridderbos, Paulo não foi influenciado pelas culturas de sua
época, o que geraria uma teologia paulina completamente diferente, e até mesmo
contraditória, dos ensinos de Jesus, demais apóstolos e seus próprios escritos;
o apóstolo não é considerado um judeu frustrado que se propôs a inaugurar uma
nova religião judaica; nem tampouco é o resultado de alguma influência
protognóstica adquirida em seu contato com o mundo helênico. Antes, tendo em
vista ser Jesus o cumprimento das promessas redentoras feitas no Antigo
Testamento, outrora ocultas em Palavras e fatos, Paulo anuncia o tempo presente
como últimos dias, ou plenitude dos tempos, em que os mistérios de Deus foram
revelados em fatos e Palavras. Jesus é a revelação plena de Deus trazida ao
mundo para inauguração de uma nova época, de um Reino abrangente sem
fronteiras, iniciando a contagem regressiva da história enquanto aponta para um
estado ainda melhor, com Cristo.
OS ULTIMOS DIAS INAUGURADOS
Ridderbos vê mais que uma ênfase soteriológica nos Escritos de Paulo. O
conteúdo da pregação de Paulo está centrado na escatologia, os últimos dias. Cristo
traz consigo a revelação factual redentora de Deus. Cristo é a revelação do
mistério de Deus, e Paulo o anuncia, assim como os demais apóstolos o fazem
também: Cristo morto e ressurreto. O apóstolo entende que sua pregação somente
tem sentido por causa da vida, sofrimento, morte e ressurreição de Jesus de
Nazaré. Desta forma, não há escatologia sem Cristologia. A escatologia presente
é resultado do cumprimento da obra de Deus realizada em Cristo Jesus. Jesus
expõe em sua própria vida e obra a revelação do Antigo Testamento e finaliza a
seqüência de cumprimentos redentores na história. A pregação do Cristo
ressurreto é a própria pregação dos últimos dias, a plenitude dos tempos. O
ultimo adão, Jesus, trouxe a concretização de todo plano anunciado desde os
tempos primórdios da revelação, inaugurando um novo tempo marcado pela presença
do Reino inaugurado por Jesus. Esse Reino está expresso de forma visível
através da igreja que participa da morte e ressurreição de Jesus e vive numa
nova vida não somente individual, mas, também, coletiva. Uma nova e gloriosa realidade
é inaugurada, e a antiga era foi substituída por causa do advento do Cristo
Jesus, a perfeita imagem e semelhança de Deus. Quando Paulo anuncia Jesus, a
imagem de Deus, ele está fazendo referência à divindade eterna de Jesus, pois
existe antes do mundo e veio para cumprir o ministério da redenção. A expressão,
também, é uma correlação com o primeiro Adão em seu “papel definido” de
obedecer a Deus e satisfazer a Sua justiça. Durante o tempo entre a assunção de
Jesus e sua volta, Cristo, o Senhor, mantém seu relacionamento com a igreja
através do Espírito concedendo-a benefícios.
A VIDA EM PECADO
O autor compreende que a doutrina do pecado em Paulo deve ser entendida
do ponto de vista coletivo. Não se trata do pecado pessoal cometido, mas da
natureza contrária a Deus assumida pelo homem natural. O mundo presente está
debaixo do pecado agindo sempre de forma contraria ao Reino de Santidade de
Deus, estabelecido em
perfeição. Os termos Mundo e Reino não são dicotômicos como
se houvessem forças opostas lutando entre si o tempo todo. Tudo fora criado por
Cristo e nada existe sem Ele. Em Cristo são conquistadas todas as coisas e
reconciliadas com Deus, pelo seu sangue derramado na cruz. No entanto, o pecado
está presente de forma universal “no mundo” que se rebelou contra Deus, gemendo
o pecado à espera de sua redenção. Através do homem o pecado entrou no mundo e
está presente em sua fraqueza e sua transitoriedade. A ira de Deus é revelada
na lei que repugna o pecado, apontando para a necessidade da graça e amor de
Cristo. O ministério de Cristo Jesus anunciado pelos apóstolos é a reconciliação
do homem com Deus.
A REVELAÇÃO DA JUSTIÇA DE DEUS
Ridderbos demonstra que a justiça de Deus não se trata das virtudes de
Deus concedidas aos homens. Não se limita à moralidade advinda de Deus para que
o homem agrade-o. A justiça de Deus é a libertação escatológica, concedida em Cristo Jesus , da ira
de Deus. Desta forma, para Paulo, a justiça revelada no evangelho tanto é
presente quanto futura. A justiça é presente por ter sido consumada na vinda,
morte e ressurreição de Cristo, e aplicada, imputada, sobre o crente já nesta
era, tornando a salvação algo certo e irrevogável, desfrutável no tempo
presente que Paulo chama de “agora”. Mas a justiça de Deus também é futura,
pois há de ser manifesto o resultado dessa justiça na completude do relacionamento
da igreja com Deus, que já se iniciou. Também, pode-se dizer que a justiça de
Deus, tanto é legal ao livrar da condenação eterna, resultante da ira de Deus
sobre o pecador, quanto traz implicações práticas ao resultar numa vida pelo
fruto do Espírito. A justiça de Deus, presente e futura, legal e prática, não
pode ser desassociada de Cristo, em sua revelação escatológica, pois somente o
advento de Cristo trouxe a este tempo o cumprimento da promessa salvadora tanto
livrando o pecador da ira vindoura, quanto possibilitando o relacionamento
entre o homem e Deus. A justiça, então é tanto escatológica quanto
cristológica, pois depende e aponta para ambos os temas.
RECONCILIAÇÃO
Assim como a justificação provém de Deus para a satisfação do próprio
Deus, beneficiando o homem com a eterna salvação, livrando-o da ira vindoura, a
reconciliação inicia-se em Deus, que é seu autor, ao enviar seu Filho que dá
início a era escatológica com a concretização de sua obra cristológica. A
reconciliação, também, está associada com a escatologia realizada e com a
cristologia. Cristo possibilitou a reconciliação, um fenômeno escatológico que
marca a era vindoura como base para a nova criação. A reconciliação, ainda que
iniciada em Deus, requer a disposição do homem que passa a ter paz com Deus por
ter sido removido o que estava impossibilitando o relacionamento harmônico
entre o Deus Criador e Santo e sua criatura, obra de suas mãos, para refletir
Sua glória. A reconciliação possibilitou mais que o relacionamento harmônico
entre o homem e Deus, tornou o que crê um filho pela adoção em Cristo. O fato de Cristo
ser Filho de Deus, e nEle ter nos justificado e reconciliado, fez com que a
nova criação seja marcada, desde o tempo presente, pela ampla filiação da
igreja que é tratada como herdeira da herança real do Filho de Deus. Nisto,
vê-se a amplitude dos benefícios herdados pelos que foram reconciliados com
Deus em Cristo.
A NOVA VIDA
Ridderbos demonstra que o conceito de nova vida em Paulo está relacionado
com o projeto histórico-redentivo e escatológico de Deus. A nova vida não se
trata de uma mudança de comportamento moral e ético tão somente, nem
primariamente. Este fator será resultante da razão pela qual Paulo diz que
somos nova criatura. A identificação com Cristo, sua morte e ressurreição é a
razão pela qual o crente é chamado de nova criatura, ou seja, é uma realidade
escatológica, se tratando do início da nova criação. Tem efeitos individuais,
mas seu entendimento é coletivo, pois diz respeito à recriação do cosmos
através de Cristo. Por essa razão, pode-se dizer que morremos para o pecado, ou
seja, fomos crucificados com cristo, não pertencendo mais aos réus que vivem
debaixo da ira Divina, escravos do pecado. A nova vida é o real nascer de novo
pelo Espírito Santo regenerador que aplica a obra de Cristo, obra redentora
escatológica, recriando o ser á imagem dEle. Desta forma, a pneumatologia é,
também, cristológica e escatológica, pois o Espírito é o Espírito de Cristo e a
nova vida pertence à nova era inaugurada por Cristo, sendo assim uma obra
divina na criação. Uma vez que a era vindoura não chegou a plenitude ainda, o
crente vive a tensão da nova vida com a inclinação para fazer o que errado.
Através da fé genuína na obra de Cristo, o crente usufrui da justiça de Jesus e
é conduzido pelo Espírito Santo para dar frutos de justiça, sendo moldado ao
caráter de Cristo. A Santificação, impossível ao ser humano, torna-se possível
pelo poder de Deus, manifesta na obra do Espírito e do Evangelho, a fim de
reluzir a glória da nova criação de Deus.
A NOVA OBEDIÊNCIA
Neste capítulo, Ridderbos aborda o conteúdo moral da pregação de Paulo. A
nova vida trazida por Deus através de Cristo é caracterizada pela vivencia de
uma nova disposição mental, ético-moral, resultante do agir eficaz do Espírito
Santo numa manifestação recriadora que torna possível a realidade escatológica
na vida presente, ainda que não em sua plenitude e completude, assim como
resulta, também, da disposição por fé em obedecer. Encontra-se ,
desta forma, a tensão entre a realidade, escatologia realizada, trazida por
Deus em Cristo pelo Espírito que aplicou a obra da redenção, e por outro lado a
necessidade do crente desenvolver uma vida de fidelidade aos mandamentos de
Deus com o propósito de glorificar a Deus numa vida santa. A obra é do
Espírito, mas a responsabilidade não é anulada. No entanto, é a certeza do
propósito de Deus, a nossa santificação para a glória da Trindade, que motiva o
crente a lutar por sua santificação, certo de seu desenvolvimento prometido por
Deus. As boas obras são exigidas pelo apóstolo Paulo, como resultantes da nova
vida recebida por ação Divina. O crente chamado à liberdade vive por uma
consciência movida pela atuação divina, cativa à vontade de Deus, a fim de
satisfazer o propósito para o qual Deus o chamou. Sendo assim, a liberdade não
revogou a lei que fora cumprida por Cristo e imputada sobre o pecador. Ela deve
ser obedecida pela disposição de vida daquele que recebeu o Espírito, vivendo
uma realidade nova, mesmo estando imerso num velho mundo marcado pelo pecado,
até que a criação seja totalmente recriada à semelhança dos filhos de Deus.
A IGREJA COMO POVO DE DEUS
A igreja é o povo de Deus que fora escolhido e chamado para cumprir o
propósito de testificar a respeito do próprio Deus, glorificando-o. A igreja do
Novo Testamento não é um apêndice, e sim a continuação da igreja do Antigo
Testamento, povo de Deus, descendência prometida a Abraão. Essa igreja, nas
epístolas paulinas, é universal e local. É universal, pois é composta de todos
os verdadeiros crentes espalhados pelo mundo. A igreja é local, pois cada
reunião de crentes de uma determinada região, por meio da fé em Cristo, é,
também, igreja, mesmo que seja apenas uma parte da igreja universal. O conceito
de igreja é tão escatológico quanto os termos vistos nos capítulos anteriores.
A igreja do Novo Testamento compõe os eleitos por Deus, amados e chamados em
Cristo e pelo Espírito Santo, considerados Santos ao aplicar, imputar, a obra
do justo e justificador, Jesus. A última renovação da aliança de Deus é feita
em Cristo, beneficiando a igreja, revelando, desta forma, que a igreja é a
continuação do povo histórico de Deus, substituindo Israel físico por um Israel
espiritual e universal. A igreja aponta para Cristo através do Espírito que a
conduz para a glória de Deus.
A IGREJA COMO CORPO DE CRISTO
A igreja é chamada, de forma bastante peculiar, nas epístolas paulinas,
de corpo de Cristo. Ridderbos demonstra que a expressão “corpo de Cristo” denota
o relacionamento especial e próximo entre Cristo e a igreja. A igreja pertence
a cristo no sentido histórico-redentor e é identificada nEle num significado
figurativo e metafórico, mesmo que seja real e literal sua comunhão com Cristo.
Os muitos que foram inseridos no povo de Deus, incluídos em Cristo, através de
seu sacrifício representado pelos sacramentos do batismo e da Ceia do Senhor,
são identificados como corpo, por serem representados e unidos em Cristo e
desfrutam da presença do Espírito Santo. Individualmente os crentes são membros
uns dos outros identificados como um só corpo sendo Cristo o Cabeça, parte mais
proeminente do corpo, que governa com poder, autoridade e domínio, e dirige-a,
tendo o controle permanente de todas as coisas. A igreja deve viver pela
plenitude de Cristo, ou seja, deve viver em plena convicção de que Cristo é o
Senhor absoluto e poderoso sobre todas as coisas. A igreja deve distinguir
entre o viver segundo o mundo escravizador que é contrário a Deus, e o viver
segundo Cristo, por meio do Espírito.
O BATISMO E A CEIA DO SENHOR
Ridderbos define o batismo, segundo as epístolas paulinas em três
maneiras diferentes. Para ele, Paulo faz menção do batismo como lavagem de
purificação dos pecados que deve ser entendido no contexto da atividade
salvadora e escatológica de Deus. Essa lavarem representa o novo nascimento
operado pelo Espírito Santo que transporta de um modo de vida dominado pelo
pecado para outro caracterizado pela vida segundo o Espírito e seus frutos de
justiça, característicos deste Reino escatológico. Outro conceito é a
comunicação do Espírito Santo, ou seja, o batismo anuncia a presença do
Espírito como fenômeno escatológico. A nova vida é marcada pelo domínio do
Espírito, não somente no que diz respeito aos dons, mas, também, com respeito
ao relacionamento concreto que fora possibilitado em Cristo. A forma mais
característica de Paulo, segundo Ridderbos é a incorporação em Cristo, a
entrada numa ordem de vida representada por Cristo, que admite ao mesmo tempo o
ingresso no corpo de Cristo. O Batismo faz com que os crentes encontrem-se
envolvidos profundamente com o evento histórico-redentor da morte de Cristo, identificando-os
com a cruz. O ato batismal é divino, depende dEle e é Ele a pessoa que atua, não
acrescentando nada ao conteúdo da fé, sendo ambos, meios para a apropriação do
conteúdo do evangelho. Paulo trata da Ceia do Senhor em duas passagens: I
Coríntios 10.14-22 e 11.17-34. Segundo Ridderbos, na Ceia do Senhor, Jesus fez
o papel de anfitrião convidando e distribuindo entre os presentes, os elementos
da Ceia que não era uma ceia comum, e sim uma refeição sacrificial. Por isso o
crente não pode participar das refeições sacrificiais de ídolos, pois estaria
comungando com demônios. A refeição sacrificial de Cristo deve ser lembrada por
seu significado histórico-redentor de resultados permanentes e presentes. Ao
partilharem da Ceia do Senhor, estariam anunciando o significado, de forma
profética, da morte de Cristo. A igreja manifesta sua unidade manifestada e
experimentada com Cristo neste partilhar da Ceia. Enquanto o batismo incorpora
no corpo de Cristo a Ceia manifesta a unidade do corpo de Cristo ao partilhar
do mesmo pão que deve ser tomado após exame consciente.
A EDIFICAÇÃO DA IGREJA
A edificação da igreja deve ser vista dentro do projeto
histórico-redentor como obra constante de Deus em seu povo, chamando os que
estão de fora e aperfeiçoando os que estão em Cristo. A edificação
ocorre em Cristo e sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, confirmando
continuamente esse fundamento. A igreja, então, progride em sua maturidade e é
guardada e purificada de todas as doutrinas e poderes estranhos. Os dons e
poderes são concedidos por Deus à igreja visando sua edificação, assim como os
diversos ministérios. Quando reunida, a igreja é edificada pela proclamação da
Palavra de Deus, despertada para seu papel no mundo. A edificação tanto diz
respeito ao aumento da igreja quanto à sua manutenção interna. Os dons e
ministérios dados à igreja são igualmente espirituais e não devem receber
distinções especiais como institucionais e carismáticos. No entanto, os
ministérios e dons possuem estabilidade, institucionalidade e ordem. A
diversidade de dons deve estar em acordo com a unidade do corpo e tem como
propósito o bem geral da igreja. No usufruto de todos os dons, e em sua
vivência cotidiana a igreja deve manter a ordem e a disciplina. Esses elementos
são importantes para a edificação organizada da igreja, com a propagação da
Palavra de Deus, a observância da Ceia do Senhor, e o entoar de salmos, hinos,
e cânticos espirituais.
O FUTURO DO SENHOR
Jesus deu início à consumação do século com a Sua vinda. A era
escatológica já começou e o Reinado de Cristo, entronizado à destra de Deus,
como soberano sobre todo o cosmos, é a demonstração e antecipação do Reinado
eterno e glorioso do Senhor Jesus. Antes da consumação, alguns eventos devem
ocorrer. Os que viverem serão glorificados e aqueles que dormem no Senhor ressuscitarão.
Deus será tudo em todos e estaremos todos com o Senhor onde herdaremos a
incorruptibilidade, salvos por Cristo para desfrutar da eterna glória, onde o
veremos face a face, e a vida santa que o Espírito Santo estava aperfeiçoando
na igreja será, finalmente, uma realidade completa e plena. Tudo o que era
conhecido em parte, pela igreja constantemente edificada por Deus, será
finalmente completo para a glória eterna de Deus.
CONCLUSÃO
Encontramos nesse livro uma teologia bastante abrangente do apóstolo
Paulo, centrada na presença da plenitude dos tempos, inaugurada por Jesus
diante da necessidade do homem pecador ser reconciliado com Deus através da
morte e ressurreição de Cristo. O pecado tornou necessária a obra de Cristo, e
a obra de Cristo trouxe o Reino de Deus sobre esta era presente. Todos os
desdobramentos vivenciados pela igreja, tanto nos elementos da aliança quanto
na manifestação do Espírito, apontam para seu papel no mundo e sua expectativa
da gloriosa volta de Jesus.
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