Nasci em 1959, e como toda criança não tenho lembrança de meus primeiros
anos de vida. O que sei é que eles foram comuns como os dias de muitas tenras
vidas sobre a terra. Assim, me contaram meus pais...
- Que menino lindinho! Disse minha tia Lena que estava presente em nossa
casa no dia que nasci.
Pois é... Nasci em casa, em parto realizado por Rosinha, uma parteira
conhecida da vila José de Abreu, onde morávamos. Entre os presentes se
encontrava a vizinha, amiga de muitos anos (tantos quantos meus pais moravam na
vila), e que não perdia a oportunidade de ajudar minha mãe em suas necessidades.
Todos chamavam-na de Dona Graça; nome bem sugestivo para alguém que estava
disposta a ajudar em momentos necessários, como no dia em que nasci. Seu nome
era Maria das Graças (nome bastante comum na região), mas sua índole superava,
com certeza, à de muitas outras Marias que existem por aí, pois havia algo
diferente nela, algo que contava com muita alegria dizendo: Graças a Deus!
Também estava presente minha tia Lena, como já mencionei. Ela não era tão
prestativa quando a Dona Graça, mas gostava de fazer corriqueiras visitas à
casa dos Baum, sobrenome de nossa família. Estatura mediana (com 1,68 metros de
altura), cabelo castanho escuro; nem magra nem gorda nem muito menos esbelta.
Gostava de falar bastante, principalmente sobre assuntos alheios. Mas, com toda
a paciência que minha mãe tinha, aguentava os longos dias de sua visita a nossa
casa, procurando ensinar-lhe o bom proceder de uma mulher agradável a Deus.
Era 2 de Novembro de 1959, dia de finados. Enquanto a maioria estava
perturbando os mortos nos cemitérios, eu estava nascendo, adornando em tons
singelos com cheirinho de bebê aquele dia tão macabro e fedido a flores de
defunto. O interessante é que havia mais pessoas no cemitério, desenterrando do
coração os seus mortos, que em nossa casa onde uma vida, e que bela vida (modéstia
à parte), estava surgindo para conhecer o mundo. Naquele dia, o mundo se
mostrou mais sombrio que a barriga de minha mãe, de onde eu nasci; e, se eu
pudesse entender o que acontecia, talvez desejasse voltar rapidamente para o
lugar de onde vim.
Você deve estar se perguntando: “- Cadê o pai deste menino?” Meu pai
estava trabalhando, e, como todo bom chefe de casa, garantindo o pão de cada
dia. Não houve tempo de informar-lhe o nascimento de seu filho, pois o telefone
não era tão comum quanto em nossos dias nem tampouco havia celular, já que
somente em 1984 foi implantada a telefonia móvel no país. O jeito foi chamar
rapidamente a parteira, Dona Rosinha, que morava a três quarteirões de nossa
casa, na Rua João da Mata, número 430.
Rapidamente, ela se dirigiu à casa de minha mãe, e em poucos minutos
depois, mais precisamente 37, eu estava oficialmente nascido para este mundo.
Meu pai, que trabalhava na Metalúrgica, principal fonte de empregos de nossa
cidadezinha, somente receberia a maravilhosa notícia ao chegar em casa. No
entanto, minha tia, desbocada como era, rapidamente dispôs-se a chamar um
jovem, um dos filhos da vizinhança, e por alguns cruzeiros convenceu o menino a
correr até a Metalúrgica que ficava à uma hora de nossa casa. Mas, na carreira
que minha tia ordenou que fosse, em pouco mais que trinta minutos o garoto
estava dando a notícia para meu pai. No desespero para ver seu primogênito que
a pouco nascera, João de Lima Baum, meu pai, rapidamente conseguiu uma licença
do chefe para, correndo, ver finalmente o resultado da espera de nove meses.
Antes de contar sobre a carreira que o senhor Baum deu, preciso explicar-lhe,
caro leitor, que nosso bisavô era de origem inglesa. Desta forma, nosso sobrenome
era diferente dos demais da região; e, por mais brasileiro que fôssemos (o sotaque
não nos deixava mentir), tínhamos uma veia inglesa passando pela família. Meu
bisavô havia chegado ao Brasil, no início do século, num dos navios que traziam
imigrantes esperançosos de começar uma nova vida nesta terra chamada Brasil. O
que meu bisavô não sabia ainda é que a nova vida que ele tanto desejava só
ocorreria depois de alguns anos, em seu encontro com o mais sublime Rei, Senhor
de um Reino diferente e perfeito, Rei de uma pátria celestial.
Meu bisavô veio ao Brasil debaixo de promessas de um futuro brilhante;
sonho que estava presente no coração de muitos europeus daqueles dias. Aqueles
que viviam aqui anunciavam uma terra tranquila de abundante prosperidade, pois
não haviam percebido ainda que sem Cristo a paz do homem não passa de um breve
lampejo de trégua e autoconfiança. Por isso, milhares de sonhadores desembarcaram
aqui para descobrirem mais tarde que não há paraísos nesse mundo de pecadores.
Minha mãe chamava-se Luciana, e sua origem era a mais Brasileira possível;
se é que podemos dizer isso de alguém que nasce num país invadido por todas as
raças que há sobre a face da terra. De origem humilde e batalhadora, ela se
contentava com tudo; e, sem perder o brilho no olhar, diariamente, agradecia ao
Senhor por cada alegria e tristeza da vida. Sendo assim, por mais brasileiro
que eu fosse, carregava em meu sangue um pouco da herança inglesa de meu pai;
e, melhor ainda, a esperança de uma eterna glória que um dia meu bisavô
conheceu e meus pais me ensinariam a ter.
Voltando um pouco para a carreira sufocante que meu pai se preparava para
dar, seria falho de minha parte se não convidasse o querido leitor a tentar
imaginar a mistura de sentimentos e pensamentos que naquele momento estavam
preenchendo cada poro do senhor Baum. Um conjunto complexo e heterogêneo de
abstrações e psicossomatizações que somente poderiam resultar numa grande
atitude: correr. E nesse ímpeto de correr desesperadamente para encontrar o tão
esperado filho, ele lembrara nas primeiras dez grandes passadas que havia
deixado para trás a bicicleta e o menino que trouxera a grande notícia. Ele até
deixaria tudo para trás e prosseguiria em seu objetivo de chegar o mais rápido
possível em seu destino ansiado. Mas lembrou-se, também, que conseguiria chegar
mais rapidamente se fosse de bicicleta. Voltou ligeiro, colocou o garoto no
bagageiro da bicicleta e, agora sim, pedalou velozmente, quase derrubando o
menino que assustado gritava alegremente pela emoção da velocidade.
Se em trinta minutos o garoto chegou à Metalúrgica, motivado pelos poucos
cruzados que recebera com ordens explícitas para correr, em quinze minutos meu
pai estava na frente de casa, sem ter atentado para a distância que havia percorrido.
Rapidamente, como tudo que estava acontecendo naquele dia, ele largou a
bicicleta e correu abrindo abruptamente a porta da casa. Tendo entrado, olhou para
ambos os lados da sala e não tendo visto ninguém, senão o ar de suspense que
envolvia o ambiente, gritou:
- Luciana?! Você está aí?
O silêncio permaneceu suspenso, e em poucos segundos ouve-se o som do
choro de seu filho. Era eu, ainda informando minhas impressões sobre o novo
mundo que acabara de conhecer. Você deve saber que quase nenhuma criança gosta
de mudança. A mudança sempre acompanha rostos tristes, chateados, zangados com
os pais, pois muitas coisas construídas na antiga morada são deixadas para trás.
Toda mudança arranca um pouco de nós. Eu havia morado nove meses na barriga de
minha mãe e já estava gostando daquele lugar. E quando já havia me acostumado
me expulsaram como se fosse um inquilino indesejado que há cinco meses não pagava
o aluguel. Bem, de fato não me lembro de ter pagado alguma vez algum tipo de
aluguel, afinal foram dias de “sombra e água fresca”. Portanto, não poderia ser
outra a minha reação: chorar aborrecidamente, pois acabaram de me expulsar de
minha adorável casa.
Tendo ouvido o choro, meu pai, orientado pelas ondas sonoras de minha
desesperada garganta, se direcionou até a possível origem do som. Estávamos no
terraço que ficava no quintal da casa. Lá, minha mãe teria mais privacidade e
melhor ventilação para refrescar-se. Rapidamente, meu pai chegou ao quintal e
encontrou minha mãe com aquela expressão indescritível de alegria e dor, alívio
e dor, admiração e dor. Por mais que meu pai amasse minha mãe, sendo a
recíproca verdadeira, ao ver ligeiramente que sua esposa estava bem, ele
dirigiu os olhos para mim e segurando-me olhava quieto e atentamente para a
pequena criaturinha que só havia aprendido a chorar, até aquele momento.
Após alguns minutos de olhos fitos na pequena criança, saem às primeiras
palavras de admiração:
- É o meninão lindo do papai?! Gracejou com a mais jovem vitória de sua
vida nas mãos.
- É a sua cara! Disse minha mãe sussurrando, no intento de agradar o
paizão orgulhoso do filho.
- Tem seus lindos e brilhantes olhos! Disse meu pai, dando um beijo
carinhoso em minha mãe.
- Também parece muito com o avô. Intrometeu-se tia Lena, quebrando a
singeleza do momento, a fim de “puxar a sardinha” para sua família.
Com tantos comentários, até a vizinha e a parteira já haviam entrado na
conversa, e deixavam suas observações sobre os traços de semelhança que eu
possuía em relação aos mais diversos parentes. Meu Pai olhava atentamente para
as expressões desordenadas que eu fazia como se cada uma expressasse um pouco
dele mesmo. Parecia ter nascido “da costela” de meu pai que me olhava como se
fosse dizer: “- este é osso dos meus ossos e carne da minha carne”. Afinal, eu
era parte dele, fagulha de sua alma, sua imagem e semelhança.
Muitos e preciosos foram os sentimentos envoltos de meu singelo
nascimento. Mas, a beleza de tudo era acompanhada de uma grande
responsabilidade: guiar aquela pequena vida à eternidade. Minha trajetória havia
apenas começado, e uma grande jornada pela frente precisava ser desbravada, com
muito auxílio e graça. Meus pais seriam personagens fundamentais em minha
história, conduzindo-me ao “autor e consumador da salvação”. E por mais belo
que tenha sido aquele dia, o melhor de minha vida ainda estava por vir. Afinal,
um dia eu conheceria a maravilhosa graça de Deus em Cristo Jesus, e, nesse dia,
eu experimentaria a verdadeira vida...
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