“vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de
mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que
recebêssemos a adoção de filhos.” (Gl.4.4-5)
Não é difícil observar
que Paulo foi um escritor profundamente impactado pela escatologia inaugurada
por Cristo. A teologia do apóstolo aos gentios é de caráter escatológico-cristológico.
Escatológico, porque sua pregação anuncia os últimos dias, a plenitude do
tempo, ou seja, a chegada do último tempo do mundo, o tempo correspondente à
conclusão de sua história. Seus escritos fazem parte do advento da revelação do
mistério de Deus, manifesto nesses últimos dias. Mas, não se pode falar de
escatologia em Paulo sem a obra histórico-redentora realizada por Cristo, pois
sua compreensão de últimos dias depende completamente da cristologia. Portanto,
a escatologia de Paulo, fundamentalmente cristológica, não tem caráter apenas
futuro. Cristo é o agente inaugurador da Escatologia. Sua morte e ressurreição
trouxeram o advento do Reino de Deus que com poder está sobrepondo este mundo
em pecado até que venha a consumação desta era quando Cristo será manifesto,
trazendo a vitória final sobre a morte e seus inimigos. A presença do Reino de
Deus alimenta a esperança dos que creem, apontando para o advento futuro da
chegada da plenitude do Reino, o novo céu e nova terra.
O Reino anunciado por
Paulo, ainda que presente, não é de caráter externo, político-econômico, mas
manifesta sua glória alcançando e restaurando todas as esferas da vida humana
(Rm.14.17; Ef.4.17-32). A nova vida do cristão é parte fundamental do Reino
inaugurado, tanto em seu aspecto mais objetivo, a imputação da participação no
Reino de Deus (Ef.2.19); quanto em seu aspecto mais subjetivo, o chamado para
uma vida de boas obras coerentes com a santidade da presença do Reino de Deus
(Ef.2.10). O cristão não pode ignorar a realidade de uma nova vida moral
naqueles que pertencem ao Reino de Deus, pois o juízo do Senhor virá sobre os
que praticam o mal (Rm.2.1-16). O Espírito é dado à igreja para que Cristo,
assunto aos céus e exaltado nas alturas, tenha comunhão com seu povo,
manifestando sua presença e poder naqueles que estão nele pela fé (Rm.8.13-14).
Assim, os diversos temas abordados pelo apóstolo só podem ser corretamente
compreendidos quando lidos à luz da escatologia-cristológica de Paulo, pois a
nova realidade da era cristã é decorrente do advento dos últimos dias
inaugurados por Jesus.
Na literatura paulina, Cristo
traz consigo a revelação histórico-redentora de Deus. Ele é a revelação do
mistério de Deus anunciado por Paulo (Ef.3.8-9), e toda sua pregação somente
tem sentido por causa da vida, sofrimento, morte e ressurreição de Jesus de
Nazaré. Desta forma, não há escatologia sem Cristologia. A escatologia presente
é resultado do cumprimento da obra de Deus realizada em Cristo Jesus. Jesus
cumpriu em sua própria vida e obra a revelação do Antigo Testamento e finalizou
a sequência de cumprimentos redentores na história. A pregação do Cristo
ressurreto é a própria pregação dos últimos dias, a plenitude do tempo. O
ultimo adão, Jesus (1Co.15.45), trouxe a concretização de todo plano anunciado
desde os tempos primórdios da revelação, e, agora, mais que nunca a
história-redentora precisa ser proclamada por causa do caráter presente e real
do Reino de Deus inaugurado por Jesus. Esse Reino é manifesto pelo poder
redentor de Deus, expresso de forma visível através da igreja que participa da
morte e ressurreição de Jesus e vive numa nova vida não somente individual, mas
também coletiva (Gl.2.20; Ef.2.19). Uma nova realidade foi inaugurada e a
antiga era, da carne, é sobreposta, por causa do advento de Cristo Jesus, a
perfeita imagem e semelhança de Deus (Cl.1.13-23).
A justiça de Deus, tema
fundamental nas cartas de Paulo, manifesta pelo advento dos eventos
histórico-redentores não deve ser compreendida como um conjunto de valores
ético-morais pelos quais o cristão deva viver. A justiça de Deus é a libertação
escatológica da ira de Deus, concedida em Cristo Jesus (Rm.1.16-17; 2Co.5.21).
Desta forma, para Paulo, a justiça revelada no evangelho tanto é presente como
é futura. A justiça é presente por ter sido consumada no advento da morte e ressurreição
de Cristo, imputada sobre o crente já nesta era, tornando a salvação algo certo
e irrevogável, desfrutável no tempo presente que Paulo chama de “agora”
(Rm.5.1-11). Mas a justiça de Deus, também, é futura, pois há de ser manifesto
o resultado dessa justiça na completude do relacionamento da igreja com Deus,
que já se iniciou (1Ts.1.10). A inauguração do tempo escatológico alerta a
todos os homens que o juízo de Deus está próximo de ser manifestado para todos
os que desprezarem a justiça de Deus revelada em Cristo. Também, pode-se dizer
que a justiça de Deus, tanto é legal (de caráter jurídico) ao livrar o cristão
da condenação eterna, a ira de Deus sobre o pecador, quanto traz implicações
práticas ao resultar numa vida guiada pelo fruto do Espírito. A justiça de Deus,
presente e futura, legal e prática, não podem ser desassociadas de Cristo e sua
revelação escatológica, pois somente o advento de Cristo trouxe a este tempo o
cumprimento da promessa salvadora tanto livrando o pecador da ira vindoura
quanto possibilitando o relacionamento entre o homem e Deus. A justiça, então é
tanto escatológica quanto cristológica, pois depende e aponta para ambos os
temas.
Assim como a
justificação provém de Deus para a satisfação do próprio Deus, beneficiando o
homem com a eterna salvação, livrando-o da ira vindoura, a reconciliação
inicia-se em Deus que é seu autor, ao enviar seu Filho que dá início à era
escatológica com a concretização de sua obra redentora. A reconciliação também
está associada com a escatologia realizada e com a cristologia (2Co.5.18-21).
Cristo possibilitou a reconciliação, um dos fenômenos escatológicos que marcam
a era presente e vindoura como base para a nova criação. A reconciliação, ainda
que iniciada em Deus, também requer a disposição do homem movido pelo Espírito
de Cristo, enviado para gerar o novo nascimento necessário para se entrar no
Reino de Deus (Cl.1.22-23). A reconciliação possibilitou mais que o
relacionamento harmônico entre o homem e Deus, pois aqueles que são
reconciliados são chamados de filhos de Deus pela adoção em Cristo
(Rm.8.14-16). Ao justificar e reconciliar aquele que crê, Cristo, o Filho de
Deus, trouxe ao crente um novo status como filho de Deus. Esse novo status
diferencia o cristão do mundo pecador e caracteriza o novo relacionamento
objetivo entre o homem e Deus. A filiação torna o cristão herdeiro de todas as
promessas de Deus por meio de Cristo (Rm.8.17). Essa herança não é apenas
futura, afinal Deus já tem abençoado sua igreja com toda sorte de bênçãos por
meio de Jesus Cristo (Ef.1.3). Dentre os elementos dessa herança se encontra a
nova vida do cristão.
A nova vida que o
crente desfruta está relacionada com o projeto histórico-redentivo e
escatológico de Deus. A nova vida não se trata apenas de uma mudança de
comportamento moral e ético. A identificação com Cristo, sua morte e
ressurreição é a razão pela qual o crente é chamado de nova criatura, ou seja,
é uma realidade escatológica, se tratando do início da nova criação. Tem
efeitos individuais, mas seu entendimento é coletivo, pois diz respeito à
recriação do cosmos através de Cristo. Por essa razão, pode-se dizer que
morremos para o pecado, ou seja, fomos crucificados com cristo, deixando de ser
réus do justo tribunal de Deus. Uma nova criação surgiu, livre do pecado pelo
qual virá a justa ira do Senhor sobre os filhos da desobediência. A nova vida é
o real nascer de novo pelo Espírito Santo regenerador que aplica a obra de
Cristo, obra redentora escatológica, recriando o ser á imagem dEle. Desta
forma, a pneumatologia é também cristológica e escatológica, pois o Espírito é
o Espírito de Cristo e a nova vida pertence à nova era inaugurada por Cristo. O
cristão possui uma nova natureza pela qual deve viver manifestando em sua
própria vida a presença do Reino de Deus. Uma vez que a era vindoura não chegou
a sua plenitude ainda, o crente ainda tem que lutar contra a inclinação da
carne que o impulsiona para o que errado. Isso acontece, porque a chegada do
Reino não substituiu o mundo pecador. Os dois mundos coabitarão nesta era até a
volta de Jesus e sua vitória final sobre a morte e seus inimigos (1Co.15.54).
Através da fé genuína na obra de Cristo, o crente usufrui da justiça de Jesus e
é conduzido pelo Espírito Santo para dar frutos de justiça, sendo moldado ao
caráter de Cristo. A Santificação, impossível ao ser humano sem Cristo,
torna-se possível pelo poder de Deus manifesto na obra do Espírito e do
Evangelho, a fim de reluzir a glória da nova criação de Deus (Gl.5.1-26).
Conquanto a nova
criação tenha caráter objetivo presente, ela implica numa nova vida marcada por
uma nova disposição mental, ético-moral, resultante do agir eficaz do Espírito
Santo. Esse agir recriador que manifesta no indivíduo a realidade escatológica
da vida presente, ainda que não em sua plenitude e completude, resulta, também,
da disposição por fé em obedecer (Gl.5.24-25). O cristão deve desenvolver uma
vida de fidelidade aos mandamentos de Deus com o propósito de glorificar a Deus
numa vida santa também operada pelo Espírito de Deus na vida do cristão, garantindo
a eficácia de sua vontade (Fp.2.13). A obra é do Espírito, mas a
responsabilidade não é anulada. No entanto, na certeza de que o bom propósito
de Deus, a nossa santificação, há de ser completado, o crente é motivado a
lutar contra o pecado certo de seu desenvolvimento prometido por Deus. As boas
obras são exigidas como resultado da nova vida recebida por ação Divina. O crente
chamado à liberdade possui uma consciência movida pela atuação divina, cativa à
vontade de Deus, a fim de satisfazer o propósito para o qual Deus o chamou.
Sendo assim, a liberdade não revogou a lei que fora cumprida por Cristo e
imputada sobre o pecador. A justiça de Cristo cancelou a dívida, e a presença
do Espírito de Deus na igreja torna possível que a lei seja obedecida pela nova
disposição de mente e coração recebida do Espírito, a fim de que o homem viva
uma realidade nova, mesmo estando imerso num velho mundo marcado pelo pecado
até que a criação seja totalmente recriada à semelhança dos filhos de Deus.
Além dos conceitos
acima, compreendidos dentro do advento escatológico de Cristo, Paulo faz menção
do batismo como lavagem de purificação dos pecados que deve ser entendido no
contexto da atividade salvadora e escatológica de Deus (Rm.6.1-13). Essa
lavagem representa o novo nascimento operado pelo Espírito Santo e a imputação
da justiça de Cristo, transportando o crente de seu antigo modo de vida
dominado pelo pecado para outro caracterizado pela vida segundo o Espírito e
seus frutos de justiça, característicos deste reino escatológico. O batismo
anuncia a presença do Espírito como fenômeno escatológico. A nova vida é
marcada pelo domínio do Espírito, não somente no que diz respeito aos dons,
mas, sobretudo, quanto ao relacionamento concreto que fora possibilitado em
Cristo. Pelo Espírito, o indivíduo é incorporado a Cristo, passando a viver
nele, e o batismo representa essa identificação com Cristo. Sua atuação não é
mágica, mas sua ministração faz parte da nova realidade escatológica. O Batismo
comunica a identificação do crente com o evento histórico-redentor da morte de
Cristo. Desta forma, a morte de Cristo passa a ser a morte daquele que crê,
para que aquele que creu também usufrua da ressurreição à semelhança da
ressurreição de Cristo.
Paulo trata da Ceia do
Senhor em duas passagens: I Coríntios 10.14-22 e 11.17-34. Na Ceia do Senhor,
Jesus fez o papel de anfitrião, distribuindo, entre os presentes, os elementos
da Ceia. A refeição sacrificial de Cristo deve ser lembrada por seu significado
histórico-redentor de resultados permanentes e presentes. Ao partilharem da
Ceia do Senhor, os cristãos anunciam a morte de Cristo e suas implicações tanto
para o presente como para o futuro (1Co.11.26). Por meio da Ceia do Senhor, a
igreja anuncia sua unidade experimentada em Cristo. Enquanto o batismo
incorpora no corpo de Cristo a Ceia manifesta a unidade do corpo de Cristo ao
partilhar do mesmo pão que deve ser tomado após exame consciente. Os dois
sacramentos são de caráter escatológico-cristológico, pois comunicam a chegada
dos últimos dias e a presença do Reino de Deus enquanto apontam para a
esperança do cristão com respeito à gloriosa volta do Senhor Jesus (1Co.11.26).
Portanto, fica claro
que todos os conceitos paulinos estão arraigados na escatologia-cristológica, a
realidade do “já e ainda não”. A igreja, na teologia de Paulo, é explicada
dentro da nova realidade escatológica realizada em Cristo. A igreja do Novo
Testamento é composta pelos eleitos de Deus, amados e chamados em Cristo,
considerados Santos (Ef.1.3-14). A última renovação da aliança de Deus é feita
em Cristo beneficiando a igreja, revelando, desta forma, que a igreja é a
continuação do povo histórico de Deus, e que o povo de Deus não é formado por
um Israel físico, mas por um Israel espiritual e universal. A igreja está
alicerçada em Cristo e sua obra redentora, e aponta para Cristo através do
Espírito que nela habita (1Co.6.19).
Todos os elementos
visíveis e invisíveis do cristianismo apontam para a presença do Reino de Deus.
Para Paulo, era fundamental que a igreja compreendesse tanto a realidade
presente do Reino de Deus quanto a esperança futura. Os cristãos não viviam
pela expectativa de uma concretização futura, apenas, pois Jesus deu início à
consumação do século, por meio de Sua vinda. A era escatológica já começou e o
Reinado de Cristo, entronizado à destra de Deus como soberano sobre todo o
cosmos, é a demonstração e antecipação do Reinado eterno e glorioso do Senhor
Jesus.
Mas, os cristãos sempre
estiveram ansiosos pela concretização do fim desta era e a chegada da
eternidade. Por isso, Paulo ensina à igreja que antes da consumação uma série
de fenômenos deve ocorrer: presença da apostasia, manifestação do homem da
iniquidade (2Ts.2.1-17). O cristão deve viver de tal forma que o dia do Senhor
não lhe seja surpreendente, ou seja, que a vinda do Senhor não encontre o
crente em desarmonia com o caráter santo do Reino de Deus (1Ts.5.1-11). A
conclusão dos últimos dias se dará com o retorno do Senhor Jesus. Cristo
voltará fisicamente (1Ts.4.16) e publicamente (1Ts.3.13; 2Ts.1.7) trazendo o
clímax da história. Sua volta trará para o crente a glória do Reino cósmico de
Deus e a incorruptibilidade do corpo (Rm.8.22-23). Portanto, toda a criação
será transformada, redimida de seu estado de corrupção por meio da manifestação
dos filhos de Deus. Os cristãos receberão corpos glorificados, físicos e
espirituais (1Co.15.44-54). Os que morreram ressuscitarão primeiro, a fim de se
unirem aos que estiverem vivos, e todos verão a glória de Cristo (1Ts.4.16).
Então, os que creram durante a vida e viveram em Cristo, por meio da fé, serão
coroados de glória. Mas, ao mesmo tempo em que a graça superabundante de Deus,
por meio da obra redentora de Cristo traz os últimos efeitos da história
redentora, os descrentes receberão o justo castigo por toda a rebeldia contra
Deus e rejeição de sua graça (2Ts.1.5-10).
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