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quinta-feira, 17 de março de 2016

Paulo contra os falsos evangelhos

E isto por causa dos falsos irmãos que se entremeteram com o fim de espreitar a nossa liberdade que temos em Cristo Jesus e reduzir-nos à escravidão” (Gl.2.4)

Diante dos ataques vis dos falsos profetas de seus dias, João Calvino fez ecoar as seguintes palavras: “O cão late quando seu dono é atacado. Eu seria um covarde se visse a verdade divina ser atacada e continuasse em silêncio, sem dizer nada.” Além de Calvino, muitos outros homens de Deus lutaram contra as heresias de seus dias, e estiveram prontos para pagar o preço de professar a verdadeira fé. E você? O que tem feito diante dos muitos ataques que a Palavra de Deus tem sofrido dos falsos profetas de nossos dias? Paulo rangeu os dentes e, por meio da espada do Espírito, atacou os inimigos de Deus, em sua carta aos Gálatas. Será que deveríamos nos omitir em nossos dias?
Os primeiros nove versículos da carta aos Gálatas mostram o cuidado de Paulo com o evangelho e a igreja de Jesus. Ainda que haja certo padrão nas saudações de Paulo encontradas em suas 13 cartas, há também peculiaridades relacionadas ao contexto de cada destinatário. Paulo se apresenta da forma mais adequada para cada tipo de leitor, tendo em vista o assunto que será abordado no corpo da epístola. Aos romanos, Paulo se apresenta como “escravo de Jesus Cristo” “separado para o evangelho” (Rm.1.1), identificando-se humildemente como mensageiro de uma importante mensagem oficial proveniente da parte de Deus. À igreja em Coríntio, Paulo é apóstolo “pela vontade de Deus” (1Co.1.1), ou seja, não por ambição pessoal, e se dirige à igreja, que possuía diversos problemas morais, chamando os cristãos de “santificados”, “chamados para ser santos” (1Co.1.2). Assim, Paulo chama a atenção de seus destinatários para a necessidade de buscarem a santificação. Em Gálatas, Paulo é um profeta “da parte de Deus” que anuncia o legítimo evangelho (Gl.1.1,6-9) Portanto, a saudação está intimamente relacionada com o conteúdo da carta, introduzindo estrategicamente o assunto, a fim de contribuir para o alcance de seu propósito.
Os cinco primeiros versículos de Gálatas não apenas introduzem remetente (Paulo apóstolo) e destinatários (para as igrejas da Galácia), mas, também, trazem o tom (severo) com que Paulo escreve e a autoridade (inerente) de seu escrito. Paulo é mensageiro direto de Jesus Cristo e de Deus Pai, e tem, junto a si, em plena concordância, nada menos que “todos os irmãos” seus companheiros (Gl.1.2). Ou seja, seu apostolado e ensino “não provinha de homens nem através de homem, mas por meio de Jesus Cristo e de Deus Pai que o ressuscitou dos mortos” (Gl.1.1). E, além disso, Paulo não está sozinho, pois “todos os irmãos” (Gl.1.2) estavam de comum acordo com o teor da carta. Quer possamos entender que Paulo se refere ao grupo que se encontra com Ele, companheiros em seu ministério, ou mesmo a todos os cristãos, a expressão tem o propósito de mostrar que o apóstolo não está trazendo palavras particulares, mas o ensino anunciado pelos cristãos desde o princípio e reconhecido pela igreja de Jesus. A origem da carta deveria fazer com que os Gálatas se aquietassem para ouvir atentamente todas as Palavras escritas da parte de Jesus Cristo e de Deus Pai e, também, de todos os irmãos. Portanto, a sudação da carta é revestida de especial autoridade que deveria intimidar os irmãos vacilantes, para que prestassem a devida atenção e obediência às palavras do apóstolo Paulo.
Após a saudação, o leitor acostumado com as cartas de Paulo espera encontrar uma palavra de gratidão a Deus pela vida da igreja. Contudo, ela não existe em Gálatas. Em todas suas cartas às igrejas, Paulo separa uma parte da introdução para render graças a Deus pela vida dos destinatários (Rm.1.8; 1Co.1.4; 2Co.1.3,7; Ef.1.16; Fp.1.3; Cl.1.3; 1Ts.1.2; 2Ts.1.3; Fm.4). Não foi por acaso que Paulo omitiu a ação de graças. A ausência da ação de graças demonstra para os destinatários a seriedade do assunto a ser tratado na carta. Havia uma insatisfação divina, autor primário da carta, uma insatisfação do apóstolo Paulo e de todos os irmãos, seus companheiros.
O apóstolo, também, não traz qualquer qualificador para a igreja. Não há elogios, não há bons adjetivos para os cristãos da Galácia. A atmosfera da carta não permite qualquer louvor para os destinatários. Assim, a ausência desses elementos, também, se constitui como parte da estratégia retórica de Paulo para atrair a atenção dos destinatários, preparando o coração deles para uma leitura mais cuidadosa e temente de todo o conteúdo da carta. Este conteúdo é resumido nos versículos seguintes. Os versículos de 6 a 9 apresentam o assunto da carta em forma de dois recursos retóricos comuns ao Antigo Testamento: 1) quiasmo (6-7); 2) e, paralelismo sinonímico (8-9): (a tradução se encontra um pouco mais abaixo)



Paulo diz estar perplexo com a atitude dos Gálatas. Sua admiração não é positiva, pois ele está decepcionado com a fraqueza deles. Os Gálatas não estavam tendo discernimento para diferenciar o verdadeiro evangelho das falsas doutrinas ensinadas pelos falsos mestres. Ao usar estruturas retóricas comuns ao Antigo Testamento, Paulo ajuda o leitor a visualizar melhor o ponto central das ideias e o contraste entre o verdadeiro evangelho e o falso ensino. Além disso, Paulo reforça a ideia de que seu escrito faz parte da continuidade da revelação de Deus. Os versículos 6 e 7 podem ser estruturados por meio do quiasmo abaixo. A ideia central é apresentada em contraste temático. Os falsos mestres estavam conduzindo os Gálatas para longe de Cristo ao apresentar outro ensino diferente do verdadeiro evangelho de Cristo, pois não há outro evangelho igual ao evangelho de Jesus:

Admiro
A) Que desta maneira, rapidamente, sois mudados
                         B) A partir daquele que chamou vocês em graça [Cristo]
                                                 C) Para outro (diferente) evangelho
                                                 C’) O qual não é outro (igual)
                         B’) Senão [que] alguns, os que estão perturbando vocês
A’) são aqueles que querem mudar o evangelho de Cristo

Os falsos mestres conseguiam enganar diversos cristãos ao apresentar seus ensinos com aparência de genuíno evangelho. Mas, a verdade é que eles estavam mudando o evangelho de Cristo, e nenhuma mudança do evangelho de Jesus poderia ser aceita. Aqueles que aderiam aos falsos ensinos estavam passando para outro evangelho (diferente daquele que receberam de Paulo). Contudo, o apóstolo lembra que não há outro evangelho (igual ao que receberam), o que significa, portanto, que eles estavam sendo enganados. Eles estavam deixando a graça de Cristo pela perturbação de homens. Esta mudança, obviamente não era sábia nem os conduziria à vida eterna, e, por isso, Paulo estava perplexo.
Paulo faz uso de dois adjetivos comumente considerados com significados distintos héteros– outro de natureza diferente; hállos – outro dentre dois elementos de mesma natureza, contudo há dúvidas se é possível considerar tais distinções para esses termos. Em alguns textos como 1 Coríntios 10.29, os termos são intercambiáveis: “Mas, digo a consciência, não a própria, porém a do outro (héteros); pois por que a minha liberdade é julgada pela consciência do outro (hállos)?” [grifo meu]. De qualquer forma, o contexto de Gálatas 1.6-9 deixa claro que os falsos mestres estavam ensinando outro evangelho diferente daquele que os Gálatas haviam aprendido de Paulo.
Os versículos 8 e 9 são arrumados em forma de paralelismo sinonímico, ou seja, as partes do primeiro período são repetidas no segundo período com termos sinônimos. Há dois períodos compostos formados de três partes: 1) mensageiro; 2) mensagem; 3) voto de maldição.

Porém
A) E se nós ou anjo dos céus
              B) Proclamasse [para vós] contrário ao que se proclamou para vocês
                         C) Maldito seja

Assim como advertimos (com implicações) e agora para todos falo:
A’) Se alguém
              B’) vos proclama contrário ao que recebestes
                         C’) Maldito seja

Paulo repete sua severa advertência, enfatizando a importância do assunto que estava sendo ignorado pelos Gálatas. Não importava a origem da falsa mensagem anunciada para eles. Era necessário que seu autor fosse tratado como maldito, mentiroso, pois trazia falsa mensagem, ou seja, mensagem que não provinha de Jesus Cristo nem de Deus Pai, e, por isso, também não era confirmada pela igreja do Senhor. Todo engano deveria ser enfaticamente rejeitado como maldição.
Em todas as igrejas para as quais Paulo escreveu havia dificuldades, problemas e pecados, contudo o evangelho estava sendo preservado. Mas, os gálatas estavam apostatando da fé cristã, deixando o legítimo evangelho por outro ensino que negava a suficiência da obra redentora de Cristo e a necessidade exclusiva da graciosa justificação pelo sangue do Cordeiro de Deus. Todo ensino que conduz o homem à salvação por meio de obras deve ser considerado como maldito, pois deseja usurpar a glória de Deus. Portanto, enfaticamente, a igreja deve lutar contra todos os ensinos que atribuem méritos ao homem, com respeito à salvação. Deus deve ser o único a ser glorificado no projeto redentor, como doador gracioso da redenção.
Os noticiários costumam mostrar grupos que lutam por diversas razões. Há aqueles que lutam por causa de um time de futebol. Há muitos brigando por causa de partidos políticos. Há lutas civis por questões econômicas etc. Contudo, ainda que o povo de Deus deva ser pacificador, manso e amável, deve, também, estar pronto para lutar pela fé, não com armas, mas pela Espada do Espírito que é a Palavra de Deus. Portanto, abra a boca para lutar, combatendo toda falsa doutrina, mesmo que tenha aparência de piedade. Ao lutar contra os falsos mestres, você estará protegendo a igreja contra todo engano. Afinal, não somos comparados a soldados em vão, pois todo soldado é convocado para lutar pelo seu Senhor (2Tm.2.3-4).
Além disso, não tente fazer coisas “boas” para conseguir algo de Deus. Deus não concede benefícios para aqueles que se consideram merecedores, mas para aqueles que confiam na graça superabundante dEle. O propósito primário das Escrituras não é tornar o homem perfeito para que ele tenha direito ao Reino dos céus. O objetivo da Palavra de Deus é apontar para Cristo, mostrando ao homem sua miséria e incapacidade de cumprir plenamente a vontade de Deus, a fim de que este homem corra humildemente para os braços de Cristo e encontre nEle a graciosa salvação que somente Ele pode dar ao perdido pecador. Diante disso, devem ecoar ao coração do homem as palavras do apóstolo Paulo: “porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Rm.11.36).


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