“E isto por causa dos falsos irmãos que se
entremeteram com o fim de espreitar a nossa liberdade que temos em Cristo Jesus
e reduzir-nos à escravidão” (Gl.2.4)
Diante dos ataques vis dos falsos profetas de seus dias, João Calvino fez
ecoar as seguintes palavras: “O cão late
quando seu dono é atacado. Eu seria um covarde se visse a verdade divina ser
atacada e continuasse em silêncio, sem dizer nada.” Além de Calvino, muitos
outros homens de Deus lutaram contra as heresias de seus dias, e estiveram
prontos para pagar o preço de professar a verdadeira fé. E você? O que tem
feito diante dos muitos ataques que a Palavra de Deus tem sofrido dos falsos
profetas de nossos dias? Paulo rangeu os dentes e, por meio da espada do
Espírito, atacou os inimigos de Deus, em sua carta aos Gálatas. Será que
deveríamos nos omitir em nossos dias?
Os primeiros nove versículos da carta aos Gálatas mostram o cuidado de
Paulo com o evangelho e a igreja de Jesus. Ainda que haja certo padrão nas
saudações de Paulo encontradas em suas 13 cartas, há também peculiaridades
relacionadas ao contexto de cada destinatário. Paulo se apresenta da forma mais
adequada para cada tipo de leitor, tendo em vista o assunto que será abordado
no corpo da epístola. Aos romanos, Paulo se apresenta como “escravo de Jesus Cristo” “separado para o evangelho” (Rm.1.1),
identificando-se humildemente como mensageiro de uma importante mensagem
oficial proveniente da parte de Deus. À igreja em Coríntio, Paulo é apóstolo “pela vontade de Deus” (1Co.1.1), ou
seja, não por ambição pessoal, e se dirige à igreja, que possuía diversos
problemas morais, chamando os cristãos de “santificados”,
“chamados para ser santos” (1Co.1.2).
Assim, Paulo chama a atenção de seus destinatários para a necessidade de
buscarem a santificação. Em Gálatas, Paulo é um profeta “da parte de Deus” que anuncia o legítimo evangelho (Gl.1.1,6-9)
Portanto, a saudação está intimamente relacionada com o conteúdo da carta,
introduzindo estrategicamente o assunto, a fim de contribuir para o alcance de
seu propósito.
Os cinco primeiros versículos de Gálatas não apenas introduzem remetente
(Paulo apóstolo) e destinatários (para as igrejas da Galácia), mas, também,
trazem o tom (severo) com que Paulo escreve e a autoridade (inerente) de seu
escrito. Paulo é mensageiro direto de Jesus Cristo e de Deus Pai, e tem,
junto a si, em plena concordância, nada menos que “todos os irmãos” seus companheiros (Gl.1.2). Ou seja, seu
apostolado e ensino “não provinha de
homens nem através de homem, mas por meio de Jesus Cristo e de Deus Pai que o
ressuscitou dos mortos” (Gl.1.1). E, além disso, Paulo não está sozinho,
pois “todos os irmãos” (Gl.1.2)
estavam de comum acordo com o teor da carta. Quer possamos entender que Paulo
se refere ao grupo que se encontra com Ele, companheiros em seu ministério, ou
mesmo a todos os cristãos, a expressão tem o propósito de mostrar que o
apóstolo não está trazendo palavras particulares, mas o ensino anunciado pelos
cristãos desde o princípio e reconhecido pela igreja de Jesus. A origem da
carta deveria fazer com que os Gálatas se aquietassem para ouvir atentamente
todas as Palavras escritas da parte de Jesus Cristo e de Deus Pai e, também, de
todos os irmãos. Portanto, a sudação da carta é revestida de especial
autoridade que deveria intimidar os irmãos vacilantes, para que prestassem a
devida atenção e obediência às palavras do apóstolo Paulo.
Após a saudação, o leitor acostumado com as cartas de Paulo espera
encontrar uma palavra de gratidão a Deus pela vida da igreja. Contudo, ela não
existe em Gálatas. Em todas suas cartas às igrejas, Paulo separa uma parte da
introdução para render graças a Deus pela vida dos destinatários (Rm.1.8;
1Co.1.4; 2Co.1.3,7; Ef.1.16; Fp.1.3; Cl.1.3; 1Ts.1.2; 2Ts.1.3; Fm.4). Não foi
por acaso que Paulo omitiu a ação de graças. A ausência da ação de graças demonstra para os destinatários a seriedade do assunto a ser tratado na carta.
Havia uma insatisfação divina, autor primário da carta, uma insatisfação do
apóstolo Paulo e de todos os irmãos, seus companheiros.
O apóstolo, também, não traz qualquer qualificador para a igreja. Não há
elogios, não há bons adjetivos para os cristãos da Galácia. A atmosfera da
carta não permite qualquer louvor para os destinatários. Assim, a ausência desses
elementos, também, se constitui como parte da estratégia retórica de Paulo para
atrair a atenção dos destinatários, preparando o coração deles para uma leitura
mais cuidadosa e temente de todo o conteúdo da carta. Este conteúdo é resumido
nos versículos seguintes. Os versículos de 6 a 9 apresentam o assunto da carta
em forma de dois recursos retóricos comuns ao Antigo Testamento: 1) quiasmo
(6-7); 2) e, paralelismo sinonímico (8-9): (a tradução se encontra um pouco mais abaixo)
Paulo diz estar perplexo com a atitude dos Gálatas. Sua admiração não é
positiva, pois ele está decepcionado com a fraqueza deles. Os Gálatas não
estavam tendo discernimento para diferenciar o verdadeiro evangelho das falsas
doutrinas ensinadas pelos falsos mestres. Ao usar estruturas retóricas comuns
ao Antigo Testamento, Paulo ajuda o leitor a visualizar melhor o ponto central
das ideias e o contraste entre o verdadeiro evangelho e o falso ensino. Além
disso, Paulo reforça a ideia de que seu escrito faz parte da continuidade da
revelação de Deus. Os versículos 6 e 7 podem ser estruturados por meio do
quiasmo abaixo. A ideia central é apresentada em contraste temático. Os falsos
mestres estavam conduzindo os Gálatas para longe de Cristo ao apresentar outro ensino
diferente do verdadeiro evangelho de Cristo, pois não há outro evangelho igual
ao evangelho de Jesus:
Admiro
A) Que desta maneira, rapidamente, sois mudados
B) A partir daquele que chamou vocês em
graça [Cristo]
C)
Para outro (diferente) evangelho
C’)
O qual não é outro (igual)
B’) Senão [que] alguns, os que estão
perturbando vocês
A’) são aqueles que querem mudar o evangelho de Cristo
Os falsos mestres conseguiam enganar diversos cristãos ao apresentar seus
ensinos com aparência de genuíno evangelho. Mas, a verdade é que eles estavam
mudando o evangelho de Cristo, e nenhuma mudança do evangelho de Jesus poderia
ser aceita. Aqueles que aderiam aos falsos ensinos estavam passando para outro
evangelho (diferente daquele que receberam de Paulo). Contudo, o apóstolo
lembra que não há outro evangelho (igual ao que receberam), o que significa, portanto,
que eles estavam sendo enganados. Eles estavam deixando a graça de Cristo pela
perturbação de homens. Esta mudança, obviamente não era sábia nem os conduziria
à vida eterna, e, por isso, Paulo estava perplexo.
Paulo faz uso de dois adjetivos comumente considerados com significados
distintos héteros– outro de natureza
diferente; hállos – outro dentre dois
elementos de mesma natureza, contudo há dúvidas se é possível considerar tais
distinções para esses termos. Em alguns textos como 1 Coríntios 10.29, os
termos são intercambiáveis: “Mas, digo a consciência, não a própria, porém a do
outro (héteros); pois por que a minha liberdade é julgada pela consciência
do outro (hállos)?” [grifo meu]. De qualquer forma, o contexto de Gálatas
1.6-9 deixa claro que os falsos mestres estavam ensinando outro evangelho
diferente daquele que os Gálatas haviam aprendido de Paulo.
Os versículos 8 e 9 são arrumados em forma de paralelismo sinonímico, ou
seja, as partes do primeiro período são repetidas no segundo período com termos
sinônimos. Há dois períodos compostos formados de três partes: 1) mensageiro;
2) mensagem; 3) voto de maldição.
Porém
A) E se nós ou anjo dos céus
B) Proclamasse [para vós] contrário ao
que se proclamou para vocês
C) Maldito seja
Assim como advertimos (com
implicações) e agora para todos falo:
A’) Se alguém
B’) vos proclama contrário ao que
recebestes
C’) Maldito seja
Paulo repete sua severa advertência, enfatizando a importância do assunto
que estava sendo ignorado pelos Gálatas. Não importava a origem da falsa
mensagem anunciada para eles. Era necessário que seu autor fosse tratado como
maldito, mentiroso, pois trazia falsa mensagem, ou seja, mensagem que não
provinha de Jesus Cristo nem de Deus Pai, e, por isso, também não era
confirmada pela igreja do Senhor. Todo engano deveria ser enfaticamente
rejeitado como maldição.
Em todas as igrejas para as quais Paulo escreveu havia dificuldades,
problemas e pecados, contudo o evangelho estava sendo preservado. Mas, os
gálatas estavam apostatando da fé cristã, deixando o legítimo evangelho por
outro ensino que negava a suficiência da obra redentora de Cristo e a
necessidade exclusiva da graciosa justificação pelo sangue do Cordeiro de Deus.
Todo ensino que conduz o homem à salvação por meio de obras deve ser
considerado como maldito, pois deseja usurpar a glória de Deus. Portanto, enfaticamente,
a igreja deve lutar contra todos os ensinos que atribuem méritos ao homem, com
respeito à salvação. Deus deve ser o único a ser glorificado no projeto
redentor, como doador gracioso da redenção.
Os noticiários costumam mostrar grupos que lutam por diversas razões. Há
aqueles que lutam por causa de um time de futebol. Há muitos brigando por causa
de partidos políticos. Há lutas civis por questões econômicas etc. Contudo,
ainda que o povo de Deus deva ser pacificador, manso e amável, deve, também,
estar pronto para lutar pela fé, não com armas, mas pela Espada do Espírito que
é a Palavra de Deus. Portanto, abra a boca para lutar, combatendo toda falsa
doutrina, mesmo que tenha aparência de piedade. Ao lutar contra os falsos
mestres, você estará protegendo a igreja contra todo engano. Afinal, não somos
comparados a soldados em vão, pois todo soldado é convocado para lutar pelo seu
Senhor (2Tm.2.3-4).
Além disso, não tente fazer coisas “boas” para conseguir algo de Deus.
Deus não concede benefícios para aqueles que se consideram merecedores, mas
para aqueles que confiam na graça superabundante dEle. O propósito primário das
Escrituras não é tornar o homem perfeito para que ele tenha direito ao Reino dos
céus. O objetivo da Palavra de Deus é apontar para Cristo, mostrando ao homem
sua miséria e incapacidade de cumprir plenamente a vontade de Deus, a fim de
que este homem corra humildemente para os braços de Cristo e encontre nEle a
graciosa salvação que somente Ele pode dar ao perdido pecador. Diante disso,
devem ecoar ao coração do homem as palavras do apóstolo Paulo: “porque dele, e por meio dele, e para ele são
todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Rm.11.36).
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