“Levantaram-se os reis da terra, e as autoridades
ajuntaram-se à uma contra o Senhor e contra o seu Ungido; porque
verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao
qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gente de Israel, para
fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram” (At.4.26-28)
O judaísmo dos dias que antecederam a queda de Judá, com a
primeira deportação em 598 a.C. para a Babilônia, é notoriamente diferente do
judaísmo dos dias de Jesus e dos apóstolos. Algumas características negativas
apontadas pelos profetas não são mais encontradas no Novo Testamento, enquanto
outras ainda permanecem no coração do povo que carecia da troca de coração,
conforme profetizado por Ezequiel (Ez.36.26-27). E dentre essas mudanças, a
mais significativa foi o abandono da idolatria. Essa mudança foi o resultado de
uma série de eventos político-religiosos que ocorreram no período chamado de
interbíblico. O cativeiro Babilônico foi de grande valia para o começo de uma
longa jornada de mudanças que os judeus sofreriam, lapidados a ferro e fogo, a
fim de que estivessem prontos para o principal evento da história: a chegada do
Messias prometido. Contudo, o cativeiro não foi o único acontecimento que contribuiu
para a mudança da nação, preparando-a para o advento da vinda do Filho de Deus
e seu Reino.
1. Helenização do mundo
Jerusalém estava debaixo do império Persa até que em 331 a.C., Alexandre
toma o império, por meio de algumas vitórias consecutivas nas batalhas de Granico
(334 a.C.), Isso (333 a.C.) e Arbela (331 a.C.), e assume o domínio sobre o
vasto governo persa. Os judeus já possuíam certos privilégios dentro do império
Persa e conseguiram continuar com esses privilégios debaixo da política de
Alexandre. Este tinha uma política administrativa mais pacífica que impérios
anteriores e possibilitou que as diversas nações sob seu domínio tivessem certa
liberdade religiosa, e, por isso, os judeus desfrutaram desse privilégio,
também. A helenização do mundo já vinha ocorrendo pouco a pouco nas diversas
interações comerciais que os gregos realizavam.
Contudo, foi o domínio político Greco-Macedônio que ampliou em larga
escala a difusão da cultura grega: língua, arte e filosofia. Os gregos
trouxeram junto ao domínio político todo seu acervo filosófico com o intuito de
catequizar os povos. E para que pudessem receber a educação helênica, as
pessoas precisavam aprender o grego, tornando-o uma língua conhecida por todos.
Tamanha foi a influência da cultura helênica sobre as nações que em poucos anos
o mundo falava duas línguas: a nativa e a grega. Esse foi um dos grandes
eventos que contribuíram com a propagação do cristianismo, pois a igreja pôde
pregar o evangelho pelo mundo utilizando uma única língua: a língua grega. Mas,
o império Greco-Macedônio contribuiu de outras formas também.
Ao conceder liberdade religiosa dentro do contexto político-religioso
pagão, o império ajudou a fortalecer a identidade político-religiosa da nação
Judaica, pois os judeus reagiram às práticas pagãs com o apego à lei que os
caracterizavam quanto nação. Os judeus precisaram resgatar os elementos que
distinguiam e fortaleciam a raça, para que o povo não se enfraquecesse e se
dissolvesse por meio da miscigenação. Além disso, de acordo com a tradição, já
no período das dinastias dos generais de Alexandre, Ptolomeu Filadelfo teria
solicitado que fosse feita uma tradição grega do Antigo Testamento, a
septuaginta (LXX). Essa tradução serviu para difundir a Palavra de Deus para
povos diversos que agora estavam unificados pela língua grega, assim como
ajudou a tornar as Escrituras do Antigo Testamento conhecidas entre os gentios
nos dias do Novo Testamento.
2. Enrijecimento do judaísmo
Mas, o ambiente nem sempre foi tranquilo e durante o período das dinastias,
os judeus foram alvo de várias tentativas de invasão. Quanto mais Selêucidas e
Ptolomeus lutavam para conquistar a Palestina, mais provocavam reações
patrióticas dos judeus já cansados da falta de liberdade nacional. Essas
reações foram necessárias para a nação, pois a fortaleceram em torno das
Escrituras, elemento que caracterizava e ligava o povo em torno de um ideal
comum como expressão máxima da cultura judaica. As sinagogas, formadas desde o
período persa, eram fundamentais para o estudo da Lei, fortalecendo o senso
patriótico do povo judeu.
Tentativas de levar os judeus para o paganismo fizeram com que judeus
piedosos reagissem tanto agressivamente, como os Macabeus, quanto aceticamente,
como os Essênios que viviam em comunidades monásticas. Quando ergueram um
ginásio em Jerusalém para a prática de esportes à moda grega, ou seja, o
exercício esportivo nu, judeus piedosos se escandalizaram, provocando maior
zelo e apego radical às Escrituras. Além disso, o muito sofrimento que passaram,
como castigo por causa de seus pecados, ajudaram a implantar um censo de temor
à Lei, pois haviam sido advertidos pelos profetas que tais sofrimentos seriam
providenciados por Deus como instrumento de disciplina sobre a nação.
Nesse período surgem alguns grupos dentro do judaísmo, tanto de caráter
fortemente religioso: os hasidim conhecidos pelo rigor no trato com a piedade,
quanto de caráter mais político: os hasmoneus que lutavam pela liberdade
política de sua nação e se envolviam com todos os embates políticos internos e
externos. Surgem também os Essênios que tinham um caráter mais acético e, por
isso, se retiravam para viver a religiosidade longe do ambiente cotidiano.
Alguns desses grupos aparecem no Novo Testamento. Os hasidim resistem ao tempo
e aparecem com o nome de Fariseus no período do Novo Testamento. Eles
reconheciam todo o Antigo Testamento como Palavra de Deus e criam na
ressurreição e davam grande valor à tradição que foi passada pelos mestres da
lei que a interpretavam para o povo, criando regras práticas que se passavam
como correta leitura da Lei de Deus.
Os hasmoneus mantiveram sua luta política, mas não zelaram pelas
Escrituras como os hasidins. Assim os Saduceus, antigos hasmoneus, aparecem no
Novo Testamento com muitos problemas doutrinários: criam apenas no Pentateuco,
não acreditavam em vida após a morte e se envolviam com politicagens, por isso
estavam diretamente ligados ao poder político-religioso do povo judeu,
assumindo indevidamente o sumo-sacerdócio, com a ajuda da intervenção do império.
Os grupos bem definidos do Novo Testamento são o resultado dos anos anteriores
do judaísmo no período interbíblico.
3. Expectativa messiânica acentuada
O cansaço do constante jugo debaixo do qual os judeus vinham se
submetendo um império após o outro somado às profecias Messiânicas dos últimos
profetas que prometiam um reino próspero e eterno criaram expectativas
Messiânicas mais acentuadas entre os judeus. Apolônio (168 a.C.) contribuiu
para a chegada desse período ao forçar o paganismo dentre os judeus, tornando o
judaísmo ilegal enquanto queimava as Escrituras do Antigo Testamento e erguia
estátuas pagãs para a prática obrigatória de sacrifícios aos deuses gregos.
Judeus eram obrigados a adorar as imagens e oferecer sacrifícios. É nesse
período que Matatias reage à obrigação de sacrificar aos ídolos e desencadeia
uma revolução que ficou conhecida como o período dos Macabeus. Nesse período, a
expectativa de que se cumprissem as profecias sobre a vinda do Reino cresceu,
pois a Judeia conseguiu sua independência. Foi um período de guerras, não de
paz, mas a Judeia conseguiu se ver livre do jugo de outras nações. Enquanto o
povo se apegava mais às Escrituras, na expectativa de que Deus cumprisse suas
promessas, o anseio pelo surgimento do Messias, filho de Davi, aumentou dentre
o povo, preparando, assim, o terreno para o advento do Messias, o Filho de
Deus. Os manuscritos apocalípticos de Qumran testificam as expectativas
crescentes dos judeus quanto ao advento do Reino eterno de Davi.
4. Estabelecimento de aliança entre os
judeus e os romanos
Por fim, após o período dos Macabeus, o império Romano subjuga a
palestina concedendo para os judeus, liberdade religiosa, ou seja, reconhecendo
o judaísmo como uma religião lícita. Esse fato contribuiu nos dias do Novo
Testamento também para a propagação do cristianismo uma vez que o mesmo era
visto como uma vertente do judaísmo, podendo, assim, trafegar livremente pelo
império sem ser incomodado.
Estes fenômenos sociais formam o contexto político-cultural-religioso do
Novo Testamento. Com a idolatria curada, o povo estava mais atento ao Deus de
Israel e mais disposto a rejeitar o paganismo ao redor. A rigidez do judaísmo
do primeiro século serviu como instrumento para o cumprimento do projeto
redentor, pois foi por esta rigidez que os Fariseus e Sacerdotes entregaram Jesus
para Pôncio Pilatos, a fim de que fosse crucificado. Mas, esse fenômeno também
auxiliou na perseverança da igreja com respeito à doutrina dos apóstolos após a
conversão dos judeus no dia de Pentecostes (At.2.42). Portanto, nada aconteceu
por acaso; antes, Deus preparou tudo para que sua vontade fosse concretizada no
devido tempo, para o louvor de sua glória e salvação de seu povo.
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