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sábado, 20 de agosto de 2016

Teologia do apóstolo Paulo

RIDDERBOS, Herman, A Teologia do Apóstolo Paulo, São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 2004.

Herman Ridderbos é um respeitado teólogo holandês reformado. Foi catedrático entre 1943 a 1978 na área de Novo Testamento na Universidade Teológica das Igrejas Reformadas nos Países Baixos, em Kampen. A obra segue a abordagem histórico-redentora de interpretação de Paulo. Para o autor, Paulo dá continuidade à revelação que o próprio Jesus fez de si mesmo e do Reino de Deus.
Conforme Ridderbos, Paulo não foi influenciado pelas culturas de sua época, o que geraria uma teologia paulina completamente diferente, e até mesmo contraditória, dos ensinos de Jesus, demais apóstolos e seus próprios escritos; o apóstolo não é considerado um judeu frustrado que se propôs a inaugurar uma nova religião judaica; nem tampouco é o resultado de alguma influência protognóstica adquirida em seu contato com o mundo helênico. Antes, tendo em vista ser Jesus o cumprimento das promessas redentoras feitas no Antigo Testamento, outrora ocultas em Palavras e fatos, Paulo anuncia o tempo presente como últimos dias, ou plenitude dos tempos, em que os mistérios de Deus foram revelados em fatos e Palavras. Jesus é a revelação plena de Deus trazida ao mundo para inauguração de uma nova época, de um Reino abrangente sem fronteiras, iniciando a contagem regressiva da história enquanto aponta para um estado ainda melhor, com Cristo.

OS ULTIMOS DIAS INAUGURADOS
Ridderbos vê mais que uma ênfase soteriológica nos Escritos de Paulo. O conteúdo da pregação de Paulo está centrado na escatologia, os últimos dias. Cristo traz consigo a revelação factual redentora de Deus. Cristo é a revelação do mistério de Deus, e Paulo o anuncia, assim como os demais apóstolos o fazem também: Cristo morto e ressurreto. O apóstolo entende que sua pregação somente tem sentido por causa da vida, sofrimento, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré. Desta forma, não há escatologia sem Cristologia. A escatologia presente é resultado do cumprimento da obra de Deus realizada em Cristo Jesus. Jesus expõe em sua própria vida e obra a revelação do Antigo Testamento e finaliza a seqüência de cumprimentos redentores na história. A pregação do Cristo ressurreto é a própria pregação dos últimos dias, a plenitude dos tempos. O ultimo adão, Jesus, trouxe a concretização de todo plano anunciado desde os tempos primórdios da revelação, inaugurando um novo tempo marcado pela presença do Reino inaugurado por Jesus. Esse Reino está expresso de forma visível através da igreja que participa da morte e ressurreição de Jesus e vive numa nova vida não somente individual, mas, também, coletiva. Uma nova e gloriosa realidade é inaugurada, e a antiga era foi substituída por causa do advento do Cristo Jesus, a perfeita imagem e semelhança de Deus. Quando Paulo anuncia Jesus, a imagem de Deus, ele está fazendo referência à divindade eterna de Jesus, pois existe antes do mundo e veio para cumprir o ministério da redenção. A expressão, também, é uma correlação com o primeiro Adão em seu “papel definido” de obedecer a Deus e satisfazer a Sua justiça. Durante o tempo entre a assunção de Jesus e sua volta, Cristo, o Senhor, mantém seu relacionamento com a igreja através do Espírito concedendo-a benefícios.

A VIDA EM PECADO
O autor compreende que a doutrina do pecado em Paulo deve ser entendida do ponto de vista coletivo. Não se trata do pecado pessoal cometido, mas da natureza contrária a Deus assumida pelo homem natural. O mundo presente está debaixo do pecado agindo sempre de forma contraria ao Reino de Santidade de Deus, estabelecido em perfeição. Os termos Mundo e Reino não são dicotômicos como se houvessem forças opostas lutando entre si o tempo todo. Tudo fora criado por Cristo e nada existe sem Ele. Em Cristo são conquistadas todas as coisas e reconciliadas com Deus, pelo seu sangue derramado na cruz. No entanto, o pecado está presente de forma universal “no mundo” que se rebelou contra Deus, gemendo o pecado à espera de sua redenção. Através do homem o pecado entrou no mundo e está presente em sua fraqueza e sua transitoriedade. A ira de Deus é revelada na lei que repugna o pecado, apontando para a necessidade da graça e amor de Cristo. O ministério de Cristo Jesus anunciado pelos apóstolos é a reconciliação do homem com Deus.

A REVELAÇÃO DA JUSTIÇA DE DEUS
Ridderbos demonstra que a justiça de Deus não se trata das virtudes de Deus concedidas aos homens. Não se limita à moralidade advinda de Deus para que o homem agrade-o. A justiça de Deus é a libertação escatológica, concedida em Cristo Jesus, da ira de Deus. Desta forma, para Paulo, a justiça revelada no evangelho tanto é presente quanto futura. A justiça é presente por ter sido consumada na vinda, morte e ressurreição de Cristo, e aplicada, imputada, sobre o crente já nesta era, tornando a salvação algo certo e irrevogável, desfrutável no tempo presente que Paulo chama de “agora”. Mas a justiça de Deus também é futura, pois há de ser manifesto o resultado dessa justiça na completude do relacionamento da igreja com Deus, que já se iniciou. Também, pode-se dizer que a justiça de Deus, tanto é legal ao livrar da condenação eterna, resultante da ira de Deus sobre o pecador, quanto traz implicações práticas ao resultar numa vida pelo fruto do Espírito. A justiça de Deus, presente e futura, legal e prática, não pode ser desassociada de Cristo, em sua revelação escatológica, pois somente o advento de Cristo trouxe a este tempo o cumprimento da promessa salvadora tanto livrando o pecador da ira vindoura, quanto possibilitando o relacionamento entre o homem e Deus. A justiça, então é tanto escatológica quanto cristológica, pois depende e aponta para ambos os temas.

RECONCILIAÇÃO
Assim como a justificação provém de Deus para a satisfação do próprio Deus, beneficiando o homem com a eterna salvação, livrando-o da ira vindoura, a reconciliação inicia-se em Deus, que é seu autor, ao enviar seu Filho que dá início a era escatológica com a concretização de sua obra cristológica. A reconciliação, também, está associada com a escatologia realizada e com a cristologia. Cristo possibilitou a reconciliação, um fenômeno escatológico que marca a era vindoura como base para a nova criação. A reconciliação, ainda que iniciada em Deus, requer a disposição do homem que passa a ter paz com Deus por ter sido removido o que estava impossibilitando o relacionamento harmônico entre o Deus Criador e Santo e sua criatura, obra de suas mãos, para refletir Sua glória. A reconciliação possibilitou mais que o relacionamento harmônico entre o homem e Deus, tornou o que crê um filho pela adoção em Cristo. O fato de Cristo ser Filho de Deus, e nEle ter nos justificado e reconciliado, fez com que a nova criação seja marcada, desde o tempo presente, pela ampla filiação da igreja que é tratada como herdeira da herança real do Filho de Deus. Nisto, vê-se a amplitude dos benefícios herdados pelos que foram reconciliados com Deus em Cristo.

A NOVA VIDA
Ridderbos demonstra que o conceito de nova vida em Paulo está relacionado com o projeto histórico-redentivo e escatológico de Deus. A nova vida não se trata de uma mudança de comportamento moral e ético tão somente, nem primariamente. Este fator será resultante da razão pela qual Paulo diz que somos nova criatura. A identificação com Cristo, sua morte e ressurreição é a razão pela qual o crente é chamado de nova criatura, ou seja, é uma realidade escatológica, se tratando do início da nova criação. Tem efeitos individuais, mas seu entendimento é coletivo, pois diz respeito à recriação do cosmos através de Cristo. Por essa razão, pode-se dizer que morremos para o pecado, ou seja, fomos crucificados com cristo, não pertencendo mais aos réus que vivem debaixo da ira Divina, escravos do pecado. A nova vida é o real nascer de novo pelo Espírito Santo regenerador que aplica a obra de Cristo, obra redentora escatológica, recriando o ser á imagem dEle. Desta forma, a pneumatologia é, também, cristológica e escatológica, pois o Espírito é o Espírito de Cristo e a nova vida pertence à nova era inaugurada por Cristo, sendo assim uma obra divina na criação. Uma vez que a era vindoura não chegou a plenitude ainda, o crente vive a tensão da nova vida com a inclinação para fazer o que errado. Através da fé genuína na obra de Cristo, o crente usufrui da justiça de Jesus e é conduzido pelo Espírito Santo para dar frutos de justiça, sendo moldado ao caráter de Cristo. A Santificação, impossível ao ser humano, torna-se possível pelo poder de Deus, manifesta na obra do Espírito e do Evangelho, a fim de reluzir a glória da nova criação de Deus.

A NOVA OBEDIÊNCIA
Neste capítulo, Ridderbos aborda o conteúdo moral da pregação de Paulo. A nova vida trazida por Deus através de Cristo é caracterizada pela vivencia de uma nova disposição mental, ético-moral, resultante do agir eficaz do Espírito Santo numa manifestação recriadora que torna possível a realidade escatológica na vida presente, ainda que não em sua plenitude e completude, assim como resulta, também, da disposição por fé em obedecer. Encontra-se, desta forma, a tensão entre a realidade, escatologia realizada, trazida por Deus em Cristo pelo Espírito que aplicou a obra da redenção, e por outro lado a necessidade do crente desenvolver uma vida de fidelidade aos mandamentos de Deus com o propósito de glorificar a Deus numa vida santa. A obra é do Espírito, mas a responsabilidade não é anulada. No entanto, é a certeza do propósito de Deus, a nossa santificação para a glória da Trindade, que motiva o crente a lutar por sua santificação, certo de seu desenvolvimento prometido por Deus. As boas obras são exigidas pelo apóstolo Paulo, como resultantes da nova vida recebida por ação Divina. O crente chamado à liberdade vive por uma consciência movida pela atuação divina, cativa à vontade de Deus, a fim de satisfazer o propósito para o qual Deus o chamou. Sendo assim, a liberdade não revogou a lei que fora cumprida por Cristo e imputada sobre o pecador. Ela deve ser obedecida pela disposição de vida daquele que recebeu o Espírito, vivendo uma realidade nova, mesmo estando imerso num velho mundo marcado pelo pecado, até que a criação seja totalmente recriada à semelhança dos filhos de Deus.

A IGREJA COMO POVO DE DEUS
A igreja é o povo de Deus que fora escolhido e chamado para cumprir o propósito de testificar a respeito do próprio Deus, glorificando-o. A igreja do Novo Testamento não é um apêndice, e sim a continuação da igreja do Antigo Testamento, povo de Deus, descendência prometida a Abraão. Essa igreja, nas epístolas paulinas, é universal e local. É universal, pois é composta de todos os verdadeiros crentes espalhados pelo mundo. A igreja é local, pois cada reunião de crentes de uma determinada região, por meio da fé em Cristo, é, também, igreja, mesmo que seja apenas uma parte da igreja universal. O conceito de igreja é tão escatológico quanto os termos vistos nos capítulos anteriores. A igreja do Novo Testamento compõe os eleitos por Deus, amados e chamados em Cristo e pelo Espírito Santo, considerados Santos ao aplicar, imputar, a obra do justo e justificador, Jesus. A última renovação da aliança de Deus é feita em Cristo, beneficiando a igreja, revelando, desta forma, que a igreja é a continuação do povo histórico de Deus, substituindo Israel físico por um Israel espiritual e universal. A igreja aponta para Cristo através do Espírito que a conduz para a glória de Deus.

A IGREJA COMO CORPO DE CRISTO
A igreja é chamada, de forma bastante peculiar, nas epístolas paulinas, de corpo de Cristo. Ridderbos demonstra que a expressão “corpo de Cristo” denota o relacionamento especial e próximo entre Cristo e a igreja. A igreja pertence a cristo no sentido histórico-redentor e é identificada nEle num significado figurativo e metafórico, mesmo que seja real e literal sua comunhão com Cristo. Os muitos que foram inseridos no povo de Deus, incluídos em Cristo, através de seu sacrifício representado pelos sacramentos do batismo e da Ceia do Senhor, são identificados como corpo, por serem representados e unidos em Cristo e desfrutam da presença do Espírito Santo. Individualmente os crentes são membros uns dos outros identificados como um só corpo sendo Cristo o Cabeça, parte mais proeminente do corpo, que governa com poder, autoridade e domínio, e dirige-a, tendo o controle permanente de todas as coisas. A igreja deve viver pela plenitude de Cristo, ou seja, deve viver em plena convicção de que Cristo é o Senhor absoluto e poderoso sobre todas as coisas. A igreja deve distinguir entre o viver segundo o mundo escravizador que é contrário a Deus, e o viver segundo Cristo, por meio do Espírito.

O BATISMO E A CEIA DO SENHOR
Ridderbos define o batismo, segundo as epístolas paulinas em três maneiras diferentes. Para ele, Paulo faz menção do batismo como lavagem de purificação dos pecados que deve ser entendido no contexto da atividade salvadora e escatológica de Deus. Essa lavarem representa o novo nascimento operado pelo Espírito Santo que transporta de um modo de vida dominado pelo pecado para outro caracterizado pela vida segundo o Espírito e seus frutos de justiça, característicos deste Reino escatológico. Outro conceito é a comunicação do Espírito Santo, ou seja, o batismo anuncia a presença do Espírito como fenômeno escatológico. A nova vida é marcada pelo domínio do Espírito, não somente no que diz respeito aos dons, mas, também, com respeito ao relacionamento concreto que fora possibilitado em Cristo. A forma mais característica de Paulo, segundo Ridderbos é a incorporação em Cristo, a entrada numa ordem de vida representada por Cristo, que admite ao mesmo tempo o ingresso no corpo de Cristo. O Batismo faz com que os crentes encontrem-se envolvidos profundamente com o evento histórico-redentor da morte de Cristo, identificando-os com a cruz. O ato batismal é divino, depende dEle e é Ele a pessoa que atua, não acrescentando nada ao conteúdo da fé, sendo ambos, meios para a apropriação do conteúdo do evangelho. Paulo trata da Ceia do Senhor em duas passagens: I Coríntios 10.14-22 e 11.17-34. Segundo Ridderbos, na Ceia do Senhor, Jesus fez o papel de anfitrião convidando e distribuindo entre os presentes, os elementos da Ceia que não era uma ceia comum, e sim uma refeição sacrificial. Por isso o crente não pode participar das refeições sacrificiais de ídolos, pois estaria comungando com demônios. A refeição sacrificial de Cristo deve ser lembrada por seu significado histórico-redentor de resultados permanentes e presentes. Ao partilharem da Ceia do Senhor, estariam anunciando o significado, de forma profética, da morte de Cristo. A igreja manifesta sua unidade manifestada e experimentada com Cristo neste partilhar da Ceia. Enquanto o batismo incorpora no corpo de Cristo a Ceia manifesta a unidade do corpo de Cristo ao partilhar do mesmo pão que deve ser tomado após exame consciente.

A EDIFICAÇÃO DA IGREJA
A edificação da igreja deve ser vista dentro do projeto histórico-redentor como obra constante de Deus em seu povo, chamando os que estão de fora e aperfeiçoando os que estão em Cristo. A edificação ocorre em Cristo e sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, confirmando continuamente esse fundamento. A igreja, então, progride em sua maturidade e é guardada e purificada de todas as doutrinas e poderes estranhos. Os dons e poderes são concedidos por Deus à igreja visando sua edificação, assim como os diversos ministérios. Quando reunida, a igreja é edificada pela proclamação da Palavra de Deus, despertada para seu papel no mundo. A edificação tanto diz respeito ao aumento da igreja quanto à sua manutenção interna. Os dons e ministérios dados à igreja são igualmente espirituais e não devem receber distinções especiais como institucionais e carismáticos. No entanto, os ministérios e dons possuem estabilidade, institucionalidade e ordem. A diversidade de dons deve estar em acordo com a unidade do corpo e tem como propósito o bem geral da igreja. No usufruto de todos os dons, e em sua vivência cotidiana a igreja deve manter a ordem e a disciplina. Esses elementos são importantes para a edificação organizada da igreja, com a propagação da Palavra de Deus, a observância da Ceia do Senhor, e o entoar de salmos, hinos, e cânticos espirituais.

O FUTURO DO SENHOR
Jesus deu início à consumação do século com a Sua vinda. A era escatológica já começou e o Reinado de Cristo, entronizado à destra de Deus, como soberano sobre todo o cosmos, é a demonstração e antecipação do Reinado eterno e glorioso do Senhor Jesus. Antes da consumação, alguns eventos devem ocorrer. Os que viverem serão glorificados e aqueles que dormem no Senhor ressuscitarão. Deus será tudo em todos e estaremos todos com o Senhor onde herdaremos a incorruptibilidade, salvos por Cristo para desfrutar da eterna glória, onde o veremos face a face, e a vida santa que o Espírito Santo estava aperfeiçoando na igreja será, finalmente, uma realidade completa e plena. Tudo o que era conhecido em parte, pela igreja constantemente edificada por Deus, será finalmente completo para a glória eterna de Deus.

CONCLUSÃO
Encontramos nesse livro uma teologia bastante abrangente do apóstolo Paulo, centrada na presença da plenitude dos tempos, inaugurada por Jesus diante da necessidade do homem pecador ser reconciliado com Deus através da morte e ressurreição de Cristo. O pecado tornou necessária a obra de Cristo, e a obra de Cristo trouxe o Reino de Deus sobre esta era presente. Todos os desdobramentos vivenciados pela igreja, tanto nos elementos da aliança quanto na manifestação do Espírito, apontam para seu papel no mundo e sua expectativa da gloriosa volta de Jesus.

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