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sábado, 15 de abril de 2023

Com verdadeiro amor

 


Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração” (Jr.29.13)


A vida pastoral gira em torno de uma necessidade: as ovelhas precisam ser alimentadas com a Palavra, protegidas dos lobos vorazes e guiadas por caminho seguro, Cristo, até o aprisco eterno. Portanto, é difícil saber quando as ovelhas procuram o pastor como amigo e quando elas procuram apenas por necessidade; quando há um relacionamento de amor fraterno ou apenas uma relação eclesiástica necessária, afinal o pastor é pastor, não apenas está pastor, pois o ministério pastoral não é uma profissão, mas uma condição existencial.


Esse fenômeno não é estranho à Palavra de Deus. Os profetas eram chamados por Deus para suprir uma necessidade de uma geração. Não dá para separar o homem João, filho de Zacarias e Isabel, do profeta João Batista. Ele nasceu para ser profeta, assim como Isaías, Jeremias e o apóstolo Paulo falam de seu chamado como algo precedente ao nascimento, ainda que iniciado em determinado momento de sua vida: “Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te constituí profeta às nações” (Jr.1.5)


A relação do pastor com as ovelhas, então, costuma ser pastoral, mesmo quando as coisas mais triviais são feitas entre ambos. Todavia, por mais que o pastor seja sempre pastor, é possível ter um relacionamento com as ovelhas extrapolando o caráter pastoral, um relacionamento fraterno adornado de amor entre irmãos, como amigos em Cristo Jesus. Quando esse relacionamento é estabelecido, todo convívio e diálogo torna-se mais prazeroso, pois o livre e voluntário amor torna a vida mais bonita e agradável.


De modo semelhante, Deus é Deus, o Senhor e sustentador de todas as coisas. Ele é o supremo pastor da igreja (1Pe.5.4). E até as pessoas que não o conhecem precisam dEle em tempo integral, pois tudo é sustentado pela graça divina. Não existe vida sem Deus, porque “todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez” (Jo.1.3). Portanto, todas as pessoas precisam buscar a Deus em algum momento da vida e, assim, procedem mesmo que seja com toda ignorância. As religiões são uma expressão da tentativa humana de encontra o Criador, guiados pela cegueira espiritual e pela corrupção do coração pecador (Jr.17.9), “para buscarem a Deus se, porventura, tateando, o possam achar, bem que não está longe de cada um de nós” (At.17.27).


Mas, será que Deus quer ser procurado apenas por causa da necessidade humana? Pensemos como pais: os pais têm prazer em abençoar seus filhos em suas necessidades, mas desejam ser procurados não apenas porque podem dar o que os filhos precisam. Os pais querem ser amados por seus filhos. De modo semelhante, cônjuges, e até amigos, querem sentir-se amados, não pelo que tem para dar, mas pelo simples e verdadeiro fato de serem realmente amados. Todas as pessoas querem ser procuradas por serem amadas de verdade, não apenas porque possuem algo para dar ao outro. Podemos dizer que o ideal humano de relacionamentos fundamentados em amor verdadeiro é algo divino, pois Deus nos ensina que nosso relacionamento com Ele deve ser fundamentado em total e verdadeiro amor (Dt.6.5), e nos ordena três mandamentos do amor: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento” (Mt.22.37); “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt.22.39); e “que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros” (Jo.13.34).


Contudo, as pessoas costumam buscar a Deus quando surgem as necessidades. E ainda oram com mais ardor quando precisam de ajuda. Mesmo aquelas, que não fazem da oração um hábito diário, são propícias a inclinar-se em orações e jejuns, clamando nas horas de aflição. Isso ocorre porque muitos problemas fogem ao suposto controle humano, e, na necessidade de uma cura, uma solução financeira, um alento para o coração etc., vale todas as tentativas, dentre as quais se encontram o clamar a Deus. Portanto, nem sempre a devoção é o resultado de uma vida cheia do Espírito de Deus, de um coração cheio de amor ao divino, pois muitos a praticam com um único propósito: resolver o problema que incomoda tanto. E você já pensou na razão e no propósito pelos quais ora ao Senhor?


Durante o cativeiro de Judá, o povo adotou uma série de Jejuns que foram praticados durante mais de setenta anos (Zc.7.5; 8.19). Tendo acabado o cativeiro, um grupo de homens se dirige ao Senhor para perguntar até quando deveriam praticar aquele jejum, afinal o contexto dos judeus havia mudado. Então, veio a Palavra do Senhor ao profeta Zacarias, confrontando a causa e propósito daqueles rituais (Zc.7.1-7): Vocês oram e jejuam por minha causa, por amor a mim, ou apenas por si mesmos? Como disse o profeta Isaías: “Eis que, no dia em que jejuais, cuidais dos vossos próprios interesses e exigis que se faça todo o vosso trabalho” (Is.58.3) Toda aquela devoção dedicada por mais de setenta anos servia apenas ao propósito de atender às próprias necessidades do povo, pois não buscavam ao Senhor com o fim de glorificá-lo e amá-lo. Porém, Deus não queria jejuns e rituais de autocomiseração. O Senhor procurava um povo que o buscasse em ESPÍRITO e em VERDADE (Jo.4.23-24); um povo que “executasse juízo verdadeiro e mostrasse bondade e misericórdia” (Zc.7.9).


O livro de Salmos é uma coletânea de cânticos para serem entoados a Deus, principalmente nos cultos. Boa parte dos salmos são, também, orações ao Senhor. E muitas dessas orações mostram as profundas necessidades de um homem e de um povo. Todavia, em nenhum dos salmos encontramos alguém apenas interessado nas bênçãos divinas. Os salmistas amam a Deus e sabem que Deus ama seu povo, por isso, também o buscam em suas necessidades. Nos salmos davídicos, encontramos um homem aflito, mas confiante; necessitado, mas desejando a glória de Deus. Os clamores de Davi não são o resultado de um desejo egoísta querendo ser atendido e socorrido na hora da angústia. Ele almejava a glória do Senhor, por isso não clamou contra aqueles que eram apenas seus inimigos, mas contra os que eram inimigos de Deus. Davi se incomodava com o pecado no meio de seu povo; ele se irritava em ver o ímpio desonrar a Deus, praticando a injustiça, maltratando o pobre, perseguindo o justo; ele confrontou os arrogantes que confiavam na própria força, e resistiu a todos que afrontavam ao Senhor da glória. Davi amava Deus e desejava ver a glória do Senhor se manifestar na vida de seu povo (Sl.5.11). Mesmo as orações aflitas de Davi estão marcadas por seu amor a Deus e zelo por Israel. Em outras Palavras, Davi orava para que santificado fosse o Nome do Senhor e manifesto fosse o seu Reino, de forma que a vontade de Deus fosse feita “assim na terra como no céu” (Mt.6.9).


As orações de Davi nos lembram os clamores de Jesus. As poucas orações de Cristo, reveladas nos Evangelhos, mostram que seu coração estava centrado na glória do Pai e seu cuidado era dedicado à igreja que tanto amava (Jo.17). Suas orações expressavam seu anseio pela glória de Deus e desejo em ver as bênçãos do Senhor sobre seu povo. Seus inimigos eram aqueles que odiavam a Deus, por isso não clamou por si mesmo, antes intercedeu pelo povo e buscou a glória do Senhor (Lc.22.42). Mesmo diante da humilhação da cruz, ele olhou para as multidões perdidas e intercedeu por elas (Lc.23.34), porém não deixou de proferir palavras imprecatórias contra os líderes político-religiosos que enganavam e pervertiam aquela geração (Mt.23.13-36), transformando-a num covil de salteadores (Mt.21.13), pois Ele amava as ovelhas que lhe foram confiadas pelo Pai, e seu propósito era guarda-las de todo mal. Jesus confrontou aquela geração mentirosa (Jo.8.44) e mostrou seu zelo pela casa de oração (Jo.2.13-17), pois seu prazer era fazer toda a vontade de Deus (Jo.17.4).


A igreja deve imitar a Cristo em sua vida com Deus. O cristão deve ter prazer em Deus, andando com Ele em uma relação fundamentada em verdadeiro amor. Os justos consideram as grandes obras do Senhor e louvam a Deus por todas elas (Sl.111.2). A gratidão e a admiração devem estar sempre presentes no coração (1Ts.5.18). Isso é agradar-se do Senhor e são estes que Deus te prazer em satisfazer-lhes os desejos do coração (Sl.37.5).


Qual a razão de suas orações? Nossas orações devem ser fruto de nosso amor a Deus, não de nossas necessidades apenas. Portanto, ore como alguém que deseja falar com Deus; clame porque você está incomodado com o pecado; jejue porque você quer passar horas na presença do Senhor, em oração. Sejam as afrontas dos inimigos de Deus, o motivo para seu gemido angustiado. Não deixe que as necessidades sejam a única razão de sua busca pelo Senhor, pois Deus procura os que são movidos à sua presença por meio do Espírito e pela Verdade. Os que buscam a Deus porque precisam resolver um problema podem até encontrar solução, pois em ouvi-los, Deus manifesta a grandeza de sua misericórdia. Porém, somente os que anseiam a glória de Deus, manifesta entre os homens, verão a beleza do novo céu e nova terra, pois são estes que Deus procura para habitar na nova Jerusalém.

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