Pages

terça-feira, 21 de junho de 2022

A disciplina bíblica

 


O SENHOR enviou Natã a Davi.” (2Sm.12.1)


O pastor/presbítero não é um profeta, no sentido estrito. Todavia, há elementos vistos no ministério dos profetas que fazem parte do ministério pastoral: 


1) INTERCEDER PELAS PESSOAS, SOBRETUDO PELO POVO DO SENHOR: “ele é profeta e intercederá por ti, e viverás” (Gn.20.7). “Disse mais Samuel: Congregai todo o Israel em Mispa, e orarei por vós ao SENHOR” (1Sm.7.5); “Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo, em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados” (Tg.5.14-15).


2) PREGAR A PALAVRA DE DEUS PARA TODOS, PRINCIPALMENTE EM TEMPOS DE CRISE: “Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive e clama contra ela, porque a sua malícia subiu até mim” (Jn.1.2). “Vai e dize a meu servo Davi: Assim diz o SENHOR” (2Sm.7.5); “jamais deixando de vos anunciar coisa alguma proveitosa e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa, testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (At.20.20-21). “prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina” (2Tm.4.2).


3) E, CONFRONTAR OS PECADORES POR MEIO DO FIEL ENSINO DA PALAVRA DO SENHOR: “Filho do homem, eu te dei por atalaia sobre a casa de Israel; da minha boca ouvirás a palavra e os avisarás da minha parte.  18 Quando eu disser ao perverso: Certamente, morrerás, e tu não o avisares e nada disseres para o advertir do seu mau caminho, para lhe salvar a vida, esse perverso morrerá na sua iniquidade, mas o seu sangue da tua mão o requererei.  19 Mas, se avisares o perverso, e ele não se converter da sua maldade e do seu caminho perverso, ele morrerá na sua iniquidade, mas tu salvaste a tua alma.  20 Também quando o justo se desviar da sua justiça e fizer maldade, e eu puser diante dele um tropeço, ele morrerá; visto que não o avisaste, no seu pecado morrerá, e suas justiças que praticara não serão lembradas, mas o seu sangue da tua mão o requererei.  21 No entanto, se tu avisares o justo, para que não peque, e ele não pecar, certamente, viverá, porque foi avisado; e tu salvaste a tua alma” (Ez.3.17-21). “Tal testemunho é exato. Portanto, repreende-os severamente, para que sejam sadios na fé” (Tt.1.13). “Dize estas coisas; exorta e repreende também com toda a autoridade. Ninguém te despreze” (Tt.2.15).


O papel do profeta era sobremodo difícil, pois deveria anunciar a Palavra de Deus mesmo quando os destinatários não quisessem ouvi-la. E, normalmente, os ouvintes não queriam ouvir a Verdade, pois, frequentemente, ela revelava seus pecados e eles não estavam dispostos a abandona-los. Por isso, Jesus afirmou: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes!” (Mt.23.37). A dificuldade em se exercer o ministério da Palavra continua em nossos dias, porque comumente o pastor encontrará um povo indisposto a ouvir a Palavra do Senhor que os confrontará revelando-lhes a Verdade sobre o coração pecador. Portanto, pregar com fidelidade, exortando biblicamente, tanto de modo particular quanto público, não é uma tarefa fácil. Mas, esse é um dos papeis do pastor/presbítero: ser fiel na administração das exortações, correções e disciplinas.


Encontramos no Novo Testamento, alguns exemplos: Em Atos dos Apóstolos, Ananias e Safira são disciplinados publicamente, pois haviam mentido para o Espírito Santo perante toda a igreja (At.5.1-11). Conduzido pelo Espírito Santo, o apóstolo Pedro exortou o casal biblicamente e Deus mesmo aplicou a disciplina, confirmando as Palavras do apóstolo. Em Atos 8.9-25, há a narrativa do ingresso de um homem chamado Simão ao corpo cristão. Ele foi batizado, tornando-se parte da igreja de Jesus. Mas, pouco tempo depois, tentou comprar o dom do Espírito, oferecendo dinheiro aos apóstolos. Na mesma hora, Pedro o exortou biblicamente e o conduziu ao arrependimento: “Arrepende-te, pois, da tua maldade e roga ao Senhor; talvez te seja perdoado o intento do coração; pois vejo que estás em fel de amargura e laço de iniquidade” (At.8.22-23). Em Gálatas, o apóstolo Paulo nos conta que corrigiu Pedro quando viu que ele e outros irmãos “não procediam corretamente segundo a verdade do evangelho” (Gl.2.14). Paulo os corrigiu na presença de todos, de modo que tanto Pedro pode se arrepender e mudar seu comportamento quanto os demais irmãos tiveram a oportunidade de aprender sobre o assunto, vendo que ninguém está acima da Verdade, nem mesmo um apóstolo. É evidente que Paulo não corrigiu a Pedro particularmente, porque o erro do apóstolo fora cometido na presença de todos: “Quanto aos que vivem no pecado, repreende-os na presença de todos, para que também os demais temam” (1Tm.5.20).


Onde estão os pastores/presbíteros enviados por Deus para cuidar da igreja de Jesus? Onde estão os responsáveis por falar particularmente e publicamente a Palavra de Deus? Não há mais quem tenha coragem de dizer a Verdade? Parece que o conforto de nossos dias acovardou o coração dos homens dessa geração? O que aconteceu com a disciplina conforme ensinada pela Palavra de Deus? O que houve com o trato pessoal exortativo que Jesus ordenou à igreja, em Mateus 18? Quem autorizou os concílios eclesiásticos e as igrejas locais a substituir a exortação bíblica direta por reuniões secretas difamatórias, conluios maledicentes, planos ocultos visando promover o mal, maquinação de armadilhas como o uso de falsa identidade para promover a queda alheia, uso de artifícios políticos astutos para causar o mal ao indesejado, entre outros males até mesmo criminosos? Como poderia a igreja cometer diversos pecados (até criminosos) com o propósito de purificar a si mesma? Desde quando um pecado deve ser combatido com outro pecado? Nesse caso, se aplica a Palavra de Paulo aos romanos: “tu, pois, que ensinas a outrem, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar, furtas? Dizes que não se deve cometer adultério e o cometes? Abominas os ídolos e lhes roubas os templos? Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei?” (Rm.2.21-23). A igreja é advertida a preservar a pureza bíblica: “Não torneis a ninguém mal por mal [...] Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.” (Rm.12.17,21)


A disciplina eclesiástica deve ter propósito bíblico, conteúdo bíblico e forma bíblica. O propósito da disciplina é purificar a igreja de Cristo Jesus. Assim como um pai corrige seu filho para que ele seja purificado do pecado, Deus corrige seus filhos para santifica-los, como nos diz o autor aos Hebreus: “porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe. É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige?” (Hb.12.6-7). E a igreja é o instrumento de Deus para santificar os filhos de Deus. Pastores/presbíteros deveriam ter um real interesse no bem-estar espiritual de cada membro do corpo de Cristo (conciliares, membros e congregados), a fim de se dedicarem ao máximo no chamado ao arrependimento (At.20.28; 1Pe.5.1-4). Quando não há esse interesse, ocorre apenas um cumprimento “formal” institucional, muito mais com o fim de se livrar de um “problema” do que cuidar da igreja de Cristo. A purificação acontece quando o pastor/presbítero (e até mesmo algum outro membro) é bem-sucedido na condução do faltoso ao arrependimento por meio de exortação bíblica pessoal (olhando olho no olho), pois, uma vez arrependido verdadeiramente, ocorrerá a mudança de comportamento e, assim, a restauração de sua comunhão com Cristo e com a igreja de Cristo: “sabei que aquele que converte o pecador do seu caminho errado salvará da morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados” (Tg.5.20). Mas, essa purificação também ocorre através da excomunhão, quando aquele que pecou não quer reconhecer seu erro, mantendo endurecido o coração, mesmo após ter sido conduzido ao arrependimento, por meio de exortação bíblica. Em Mateus 18.1-15-20, Jesus nos ensina que a excomunhão somente deve acontecer após todo esforço possível para conduzir o faltoso ao arrependimento, afinal: “não tenho prazer na morte de ninguém, diz o SENHOR Deus. Portanto, convertei-vos e vivei” (Ez.18.32). Em ambos os casos, a igreja é purificada: quando o faltoso se arrepende ou quando o pecador é excluído por falta de arrependimento.


O conteúdo da disciplina também deve ser bíblico. Não podemos corrigir pessoas pelo que achamos. É um absurdo que pessoas sejam disciplinadas por usos e costumes. Pecado é uma ofensa contra Deus, não um capricho de homens ensimesmados que se acham senhores de tudo e todos. É preciso corrigir os faltosos por meio da Verdade, pois o pecado é a fuga da Verdade que procede de Deus, um desvio da Palavra do Senhor. Foi assim que Davi tratou seu pecado com Bate-Seba, após a exortação de Natã: “Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mal perante os teus olhos, de maneira que serás tido por justo no teu falar e puro no teu julgar” (Sl.51.4). A disciplina deve ser adornada pela Verdade o tempo todo, de modo que é necessário procurar saber a verdade sobre o pecado (principalmente da boca do próprio faltoso) e exortar conforme a verdade do evangelho. Na disciplina não pode haver más intenções, mentiras, dissimulações, planos ocultos, maquinações secretas etc. A disciplina é a aplicação da Verdade à vida de alguém que está se afastando da Verdade (Tg.5.19). Portanto, toda disciplina deve ser tratada com total justiça, imparcialidade, honestidade, boa intenção e amor, pois tudo isso procede da Verdade. Uma vez que a verdade sobre o faltoso veio à tona realmente, deve haver um ensino da Verdade ao faltoso para que, por meio da Palavra de Deus, ele possa se arrepender e ser conduzido à restauração de sua vida, comunhão com Cristo e com a igreja. Nenhuma mentira teórica ou prática conduzirá o faltoso à Verdade, “porque mentira alguma jamais procede da verdade” (1Jo.2.21).


A disciplina também deve ter forma bíblica. O conteúdo da disciplina bíblica é a Palavra de Deus e a forma como se deve disciplinar deve ser segundo a Palavra de Deus. Há vários textos que nos ensinam a proceder quando a disciplina é necessária: 2 Samuel 12.1-15; Ezequiel 3.17-21; Mateus 18.15-35; Atos 8.9-25; 2 Coríntios 2.5-11; 2 Tessalonicenses 3.10-15 (//1Co.5.11); 1 Timóteo 1.3-7; 5.19-20; 6.17-19. Podemos ver a forma correta de se disciplinar na prática de alguns personagens da Escritura. O profeta Natã disciplinou Davi por meio de exortação pessoal e direta, levando-o ao arrependimento por meio da Palavra de Deus (2Sm.12). O profeta Ezequiel deveria disciplinar os judeus de seus dias por meio de exortações claras e diretas, tanto individuais quanto coletivas (Ez.3.17-21). Paulo disciplinou o apóstolo Pedro, publicamente, por meio de exortação bíblica, levando o apóstolo ao arrependimento e mudança de comportamento (Gl.2.11). Em todos os casos, a forma da disciplina é a exortação bíblica direta e pessoal. Não há subterfúgios, não há maldade, não há documentos impessoais nem muito menos conluios criminosos. Infelizmente, a falta de ênfase na forma bíblica de se disciplinar tem levado pastores/presbíteros a negligenciar a disciplina bíblica. Eu mesmo já me deixei levar pela “politização” da disciplina deixando de ser mais pessoal e direto no tratamento com alguns faltosos em minha jornada ministerial. Graças a Deus, a meditação na Palavra do Senhor nos reconduz para o modo bíblico de fazer todas as coisas.


Jeremias 3:15  Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com conhecimento e com inteligência.

Gálatas 6:1  Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de brandura; e guarda-te para que não sejas também tentado

2 Timóteo 2:24-26  Ora, é necessário que o servo do Senhor não viva a contender, e sim deve ser brando para com todos, apto para instruir, paciente,  25 disciplinando com mansidão os que se opõem, na expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade,  26 mas também o retorno à sensatez, livrando-se eles dos laços do diabo, tendo sido feitos cativos por ele para cumprirem a sua vontade

2 Timóteo 4:2  prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina


Após o exposto acima, gostaria de focar no texto de 2 Samuel 12.1-15, no qual o profeta Natã cumpre seu papel profético corrigindo o rei Davi. Esse texto possui diversos ensinamentos práticos relacionados à disciplina, pois ele nos revela o propósito, o conteúdo e a forma como o profeta Natã disciplinou Davi, enviado da parte de Deus. Tudo fora feito com fidelidade, de modo que a disciplina cumpriu seu objetivo, glorificando a Deus e purificando a igreja, a começar com a vida do faltoso. A confirmação de que a disciplina fora realizada conforme a vontade do Senhor vem da resposta divina, pois Deus não matou Davi nem o abandonou, como vemos no restante da história desse rei tratado como modelo para todos os demais reis de Israel (e Judá). O perdão se torna mais evidente no nascimento de Salomão, filho de Bate-Seba, ao qual Natã deu o nome de “Jedidias” que significa: “amado do Senhor” (2Sm.12.25 – Ydidyah [dod + YHWH]). Mas, também podemos ver a confirmação de que a disciplina estava em acordo com a vontade de Deus no castigo que o Senhor aplicou a Davi segundo a Palavra do profeta Natã (2Sm.12.16-25).


O texto começa com a atitude de Natã: “O SENHOR enviou Natã a Davi. Chegando Natã a Davi, disse-lhe” (2Sm.12.1). Deus mandou e Natã obedeceu. Não há referência ao status de Davi, mas todos sabemos que Davi era rei, como nos diz 2 Samuel 11.24 e 2 Samuel 12.7. Essa informação é muito importante para nós, pois nos mostra que Natã temia a Deus, não ao rei Davi. Natã não se acovardou diante do fato de que o rei poderia mandar mata-lo. Era muito fácil para Davi mandar que algum soldado seu matasse Natã, ainda que nem todo soldado tivesse a ousadia de cometer esse pecado contra Deus. Todavia, também podemos dizer que Natã conhecia bem a Davi e sabia que ele era um homem temente a Deus, um homem piedoso. 


Natã teve coragem de falar a Verdade “nua e crua” contra o rei, pois nem mesmo o rei estava acima da Palavra de Deus. A coragem de Natã e sua obediência a Deus, a despeito do desafio, devem ser considerados modelos para o exercício pastoral de nossos dias. Infelizmente, está se tornando cada vez mais comum encontrarmos pastores/presbíteros que não têm coragem de falar a Verdade contra os faltosos, principalmente quando a pessoa que pecou possui algum status aparente, especialmente quando o faltoso é bom dizimista, afinal há a possibilidade de que ele deixe a igreja por causa da correção. Responda-me: Qual a diferença entre você não obedecer a Deus na administração da disciplina ordenada pelo Senhor e o faltoso que pecou desobedecendo a Deus a respeito de algum mandamento? Você se tornou tão faltoso quanto aquele que deveria ter sido exortado. Portanto, por que ainda se gaba de ser melhor do que ele? Deus cobrará de você por não ter sido fiel e não ter se arrependido de sua infidelidade. Natã não temeu o rei; ele temeu a Deus e, assim, glorificou o Senhor por meio do exercício fiel da disciplina.


Além de corajoso e fiel ao Senhor, Natã se mostra um homem sábio. Ele se dirige a Davi por meio de uma parábola, sem que o rei soubesse. Davi estava completamente desatento a seu pecado, pois já havia passado, aproximadamente, um ano. Natã percebe que precisa restaurar a consciência de certo e errado em Davi e, então, o desperta por meio de uma história fictícia (2Sm.12.1-4). Davi rapidamente reage com o correto senso de justiça (2Sm.12.5). O rei estava pronto para ser disciplinado, pois sua reação à narrativa mostrou que ele estava consciente de que não se deve cobiçar nem furtar o que pertence a outra pessoa. Natã aproveita a oportunidade para falar diretamente ao coração do rei: “Tu és o homem” (2Sm12.7). Devemos observar que toda a disciplina ocorre de modo pessoal e particular. Não há um concílio de profetas, não há um grupo de israelitas, não há documentos impessoais, não há enrolação alguma, nem há propósitos maldosos. Toda a disciplina acontece em um diálogo pessoal entre o profeta Natã e o rei Davi. Esse proceder de Natã está em pleno acordo com o ensino posterior de Jesus: “Se teu irmão pecar [contra ti], vai argui-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão” (Mt.18.15). Alguns manuscritos excluem a expressão “contra ti”, frisando que esse procedimento deve ser tomado não apenas quando o pecado for entre duas pessoas, mas, também, quando qualquer pecado for cometido por qualquer cristão.


Esse modo pessoal e particular de tratar o faltoso não exclui a necessidade de se disciplinar alguém publicamente. Todavia, é necessário observar a medida justa: quando a falta foi cometida publicamente, então é necessário disciplinar publicamente. Paulo fez exatamente isso quando exortou o apóstolo Pedro publicamente. Não seria possível chamar a atenção de Pedro de modo apenas particular, pois o que ele fez, fez aos olhos de todos os judeus e gentios presentes. Todavia, não é o que acontece com Simão, o mágico (At.8.9-25), que é exortado de forma pessoal e particular pelos apóstolos, pois o pecado dele fora cometido de modo privado. Em 2 Coríntios 12, Paulo nos conta que Deus o disciplinou pessoalmente e particularmente através de um “mensageiro de Satanás” (2Co.12.7), a fim de o apóstolo não se ensoberbecer. Mas, você me perguntará: Por que, então, Deus disse a Davi: “Porque tu o fizeste em oculto, mas eu farei isto perante todo o Israel” (2Sm.12.12). Nesse trocadilho, Deus está se referindo ao ato sexual ser realizado em um cômodo fechado. Deus não está dizendo que ninguém sabia o que Davi havia feito. Na verdade, muito provavelmente, boa parte das pessoas em Jerusalém soubessem do ocorrido, pois Davi havia contado com o auxílio de seus servos, principalmente Joabe, o comandante de seu exército (2Sm.8.16; 11.14). 


Alguns pastores/presbíteros de denominações diversas têm o hábito de disciplinar faltosos sempre de modo público, expondo os cristãos à vergonha pública mesmo quando os pecados foram cometidos de modo privado. Esse procedimento é desproporcional, injusto e, portanto, antibíblico. Toda disciplina deve ser justa, pois provém de Deus que opera no meio de sua igreja, e deveria expressar o amor de Deus por sua igreja, como um pai cuidando de seus filhos. Caso contrário, a disciplina não exaltará a justiça divina nem o cuidado pastoral do Senhor para com seus filhos. Todavia, a disciplina pessoal e particular não deve ser confundida com negligência. O pastor/presbítero deve buscar a Deus para que seja um instrumento do Sumo Pastor, Jesus, na purificação de sua noiva, a igreja, pela qual Cristo morreu “para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito” (Ef.5.27).


Uma evidência de que a disciplina está sendo negligenciada em nossos dias é a forma como ocorre a “medição dos pecados”. Nunca vi a ambição, o orgulho, o fingimento, a politicagem e a maldade serem razão para disciplina. Esses pecados estão mais presentes entre líderes do que as ovelhas podem imaginar, mas nunca são passivos de disciplinas. Há muito mais ambição pelo poder, status e dinheiro do que a aparência demonstra; há muito mais politicagem evangélica do que é possível mensurar. Mas, é claro, tudo discretamente e, até, com aparência de justiça e piedade. E, na verdade, muitos líderes sabem disso, mas ninguém faz nada. Parece muito com a corrupção que nunca se acaba na política brasileira. Mas, parece que ninguém se importa. Certa vez um pastor planejou derrubar outro pastor usando brechas na constituição da denominação. Tudo parecia correto, pois estava em acordo com o regimento interno, mas, a verdade, é que aquele pastor astuto estava tentando tirar um outro pastor de uma das igrejas jurisdicionada. Quanta maldade! Mas, ninguém fez nada para corrigir o pastor faltoso. E algo semelhante acontece constantemente por aí. Parece que todos já estão acostumados com tais pecados, então a disciplina é negligenciada e a igreja de Cristo não é purificada. A maldade do pastor astuto foi muito semelhante ao pecado de Davi, pois planejou a desgraça alheia mesmo que o outro pastor não lhe houvesse feito qualquer mal.


Natã segue em todo o texto proclamando a Palavra do Senhor para Davi. Ele descreve o pecado de Davi e a disciplina que o rei receberia da parte do próprio Deus. Após a correção, Davi, arrependido, reconhece seu pecado, confessando-o a Natã e pede perdão a Deus pelo que fez. A disciplina produziu fruto de justiça, Davi foi salvo da morte e seus pecados foram cobertos (Tg.5.20). Natã deve ter ficado muito feliz com a reação de Davi à disciplina, e lhe disse: “o SENHOR te perdoou o teu pecado; não morrerás” (2Sm.12.13). O propósito da disciplina foi alcançado: levar Davi ao arrependimento, pois Natã procedeu de forma correta, exortando Davi por meio de conteúdo correto: a Palavra de Deus. Todo o processo disciplinar ocorreu segundo a Verdade, de modo que Davi não foi tratado com injustiça nem a disciplina foi negligenciada. Deus glorificou seu nome perante todo o Israel, revelando-se como Deus Santíssimo que não se agrada do pecado, nem mesmo quando cometido por um rei. Ficou claro para todos que ninguém está acima da Palavra do Senhor e que a Santidade de Deus não pode ser negociada, em hipótese alguma.


A prática fiel da disciplina, da parte do profeta Natã, foi a causa da confecção de um dos mais belos salmos da Escritura, o Salmo 51. Neste Salmo, Davi mostra sua plena consciência de pecado (Sl.51.3-4a), o entendimento sobre a seriedade de toda ofensa contra Deus (Sl.51.2,9,11), a noção de amplitude e profundidade da santidade e da justiça divinas (Sl.51.4b,6) e a compreensão da grandeza das misericórdias do Senhor (Sl.51.1). Davi implora por redenção, pois somente a salvação divina poderia livrá-lo da justa ira do Deus Todo-Poderoso (Sl.51.10-14) e, ainda, transformar seu coração, purificando-o de todo pecado (Sl.51.7,10). Natã havia aberto os olhos de Davi e lhe ensinado a graça e a misericórdia do Senhor bem como a santidade e a justiça de Deus. Temor e esperança foram impregnados em Davi que os expressou em um cântico que exorta e consola multidões desde aqueles dias. A fiel disciplina praticada por Natã trouxe benefícios para a igreja visível não só de seus dias como, também, de todas as gerações seguintes, ensinando-nos quão necessária e abençoadora é a prática fiel da disciplina bíblica.


Onde está você quando um faltoso precisa ser disciplinado? Como você tem procedido diante da necessidade de se purificar a igreja? Peça a Deus para lhe dar coragem e fidelidade para ser instrumento na purificação da igreja de Cristo. Considere que, caso Natã não tivesse exortado Davi, ele seria tão disciplinado quanto o rei, como nos diz o profeta Ezequiel: “Também quando o justo se desviar da sua justiça e fizer maldade, e eu puser diante dele um tropeço, ele morrerá; visto que não o avisaste, no seu pecado morrerá, e suas justiças que praticara não serão lembradas, mas o seu sangue da tua mão o requererei” (Ez.3.20). Então, exorte biblicamente! Conduza cristãos ao arrependimento! E esteja disposto a ser conduzido também, à semelhança de Davi. É muito triste ver o cristianismo ser tratado como uma mera organização política; é muito triste ver pastores/presbíteros não terem coragem de falar a verdade; é muito triste ver a igreja sendo apenas dominada, mas não pastoreada como Deus quer. Então, tenha coragem para fazer a vontade de Deus! Porque, no dia que você precisar corrigir a mim, encontrará a porta da casa aberta para você ser um instrumento de Deus no chamado ao arrependimento, assim como eu farei com você, também.

Nenhum comentário:

Postar um comentário