“em
silêncio, devo esperar o dia da angústia, que virá contra o povo que nos
acomete” (Hc.3.16)
O livro de Habacuque poderia ter terminado com o versículo
20 do capítulo dois: “O SENHOR, porém, está no seu santo templo; cale-se
diante dele toda a terra”. Com esta afirmação, Deus encerrou sua fala,
ratificando que sua vontade seria realizada com certeza. Como palavra de um rei
que não pode ser revogada, Deus revelou sua perfeita vontade para os dias
futuros. Diante disso, não havia mais o que questionar a Deus. Habacuque
deveria apenas guardar a Palavra do Senhor e confiar no agir de Deus em favor
daqueles que o amam (Hc.3.16). Como Isaías profetizara anos antes, o profeta
deveria esperar no cuidado de Deus em favor daqueles que descansam nEle: “Porque
desde a antiguidade não se ouviu, nem com ouvidos se percebeu, nem com os olhos
se viu Deus além de ti, que trabalha para aquele que nele espera.”
(Is.64.4).
Deus já nos deu sua palavra final sobre a história
redentora. A Escritura Sagrada está completa e nos revela tudo o que precisamos
saber até o dia da volta de Cristo (Mt.25.31-46) que trará para seu povo um
novo céu e uma nova terra (Ap.21-22), restaurando todo o universo que fora
afetado com o pecado do ser humano (Rm.8.18-22). Então, o que fazer diante da
Palavra final de Deus que nos revela sua vontade para a história redentora? O
mesmo que Habacuque foi ensinado a fazer: descansar no Senhor (Hc.3). O profeta
deixa de questionar a Deus e passa a louvá-lo, testemunhando que o Senhor lhe
ensinara a confiar em sua “boa, agradável e perfeita vontade” (Rm.12.2),
segundo aquele que faz todas as coisas conforme o conselho de seu querer
(Ef.1.11). O diálogo foi encerrado por Deus. Agora, Habacuque apresentará uma
oração em forma de cântico para louvor da glória do Senhor e conforto de todo
aquele que puder ouvir suas palavras (Hc.3.1). Leiamos alguns dos versículos do
canto de Habacuque:
Hc.3.1-4
Oração do profeta Habacuque sob a
forma de canto. 2 Tenho
ouvido, ó SENHOR, as tuas declarações, e me sinto alarmado; aviva a tua obra, ó
SENHOR, no decorrer dos anos, e, no decurso dos anos, faze-a conhecida; na tua
ira, lembra-te da misericórdia. 3
Deus vem de Temã, e do monte Parã vem o Santo. A sua glória cobre os céus, e a
terra se enche do seu louvor. 4
O seu resplendor é como a luz, raios brilham da sua mão; e ali está velado o
seu poder.
Hc.3.8-9
Acaso, é contra os rios, SENHOR, que
estás irado? É contra os ribeiros a tua ira ou contra o mar, o teu furor, já
que andas montado nos teus cavalos, nos teus carros de vitória? 9 Tiras a descoberto o teu arco, e
farta está a tua aljava de flechas. Tu fendes a terra com rios.
Hc.3.12-14
Na tua indignação, marchas pela
terra, na tua ira, calcas aos pés as nações.
13 Tu sais para salvamento do teu povo, para salvar o teu
ungido; feres o telhado da casa do perverso e lhe descobres de todo o
fundamento. 14 Traspassas a
cabeça dos guerreiros do inimigo com as suas próprias lanças, os quais, como
tempestade, avançam para me destruir; regozijam-se, como se estivessem para
devorar o pobre às ocultas.
Hc.3.16-19
Ouvi-o, e o meu íntimo se comoveu, à
sua voz, tremeram os meus lábios; entrou a podridão nos meus ossos, e os
joelhos me vacilaram, pois, em silêncio, devo esperar o dia da angústia, que
virá contra o povo que nos acomete. 17
Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da
oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas sejam
arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja gado, 18 todavia, eu me alegro no
SENHOR, exulto no Deus da minha salvação.
19 O SENHOR Deus é a minha fortaleza, e faz os meus pés como
os da corça, e me faz andar altaneiramente
Habacuque não esconde que sua perplexidade ainda permanecia
(Hc.3.2), mesmo tendo entendido a necessidade de descansar o coração no Senhor.
Uma guerra estava porvir e Deus castigaria duramente seu povo por todos os
pecados deliberadamente cometidos contra a Santidade do Senhor. Depois disso,
Deus julgaria a nação pagã que estava varrendo a terra e destruindo povos
enquanto tomava suas cidades, erguendo pela força e pela violência um império
luxuoso (império babilônico). Desse modo, O Senhor glorificaria seu Santo NOME,
revelando para todos que Ele é Deus e fora dele não há outro (Dt.33.26;
1Sm.2.2; 2Sm.7.22; 1Rs.8.60; 1Cr.17.20; Is.45.5-6; Dn.3.29).
Muitas vezes veremos os acontecimentos a nosso redor sem que
consigamos compreendê-los. Não é diferente com as circunstâncias em que estamos
vivendo isolados por causa do Coronavírus. Qual o propósito de Deus com tudo
isso? É difícil de responder, portanto é melhor não arriscar. Contudo, diante
de toda e qualquer situação o que o Senhor requer de seu povo é paciente
confiança, a fim de que não se desespere perante os problemas que sobrevém nem
desanime nas aflições. O Senhor foi, é e sempre será o Deus Criador e
Sustentador e todas as coisas. Assim, como Ele manda graciosas chuvas de
bênçãos sobre os homens também derrama sua ira sobre os pecadores, por várias
razões. Em tudo isso, seu amor pela igreja, a noiva do Cordeiro, não muda e
suas promessas jamais serão esquecidas ou negligenciadas. E mesmo que seja
difícil entender, mesmo nos piores dias da igreja ainda podemos afirmar que “todas
as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são
chamados segundo o seu propósito” (Rm.8.28).
Os versículos 2 e 3 da oração de Habacuque (Hc.3) expressam
ainda um rogo de misericórdia a Deus em favor de seu povo. O profeta pede que
Deus revitalize sua obra no meio daqueles que Ele havia escolhido para neles
colocar seu Santo NOME. Bem sabia Habacuque que “as misericórdias do SENHOR
são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim”
(Lm.3.22). Da mesma forma como Deus revela-se extremamente poderoso para operar
seu querer fora do homem, poderia agir dentro deste, como mais adiante revelará
o profeta Ezequiel: “Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito
novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei
dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os
meus juízos e os observeis” (Ez.36.26-27). Por isso, o profeta apela para
as misericórdias de Deus em favor de seu povo.
Davi agiu de modo semelhante após Deus ter anunciado a morte
de seu filho, filho do adultério com Bate-Seba (2Sm.12). Em vez de Davi esperar
que a criança morresse, “buscou Davi a Deus pela criança; jejuou Davi e,
vindo, passou a noite prostrado em terra” (2Sm.12.16). Davi sabia que Deus
era “grande em misericórdia, que perdoa a iniquidade e a transgressão” (Nm.14.18).
Semelhantemente, o rei Ezequias recebeu do Senhor uma dura palavra quando
adoeceu: “Assim diz o SENHOR: Põe em ordem a tua casa, porque morrerás e não
viverás” (Is.38.1). Contudo, Ezequias não esperou o dia da morte. Após a
saída do profeta Isaías que lhe havia dado a Palavra de Deus, diz o texto que “virou
Ezequias o rosto para a parede e orou ao SENHOR. E disse: Lembra-te, SENHOR,
peço-te, de que andei diante de ti com fidelidade, com inteireza de coração e
fiz o que era reto aos teus olhos; e chorou muitíssimo” (Is.38.2-3).
Ezequias orou na esperança de que as misericórdias de Deus o alcançassem e lhe
fosse concedida a cura. Sempre há esperança no coração daqueles que conhecem as
misericórdias do Senhor. Por isso, os filhos de Deus não devem deixar de orar,
mesmo quando não parece haver qualquer perspectiva, pois o Senhor é rico em
misericórdia (Ef.2.4).
O Senhor é retratado como um grande e glorioso rei que
cavalga para a batalha. Não há semelhante a Ele e todos tremem diante de sua
presença. Ninguém pode fugir de sua ira nem resistir a seu poder, e tudo a seu
redor se desfaz perante a sua glória, “esmigalham-se os montes primitivos;
os outeiros eternos se abatem” (Hc.3.6). Contudo, pergunta o profeta: “Acaso,
é contra os rios, SENHOR, que estás irado?” (Hc.3.8). Não! É a única
resposta cabível. Deus está irado contra o homem que fora criado à sua imagem e
semelhança, mas se rebelara contra sua Santa Palavra (Gn.1-3). Davi nos diz no
Salmo 7, versículos 11 e 12, que “Deus é justo juiz, Deus que sente
indignação todos os dias. Se o homem não se converter, afiará Deus a sua
espada; já armou o arco, tem-no pronto”.
Portanto, Deus sempre teve suas armas apontadas para o ser
humano, a fim de vingar seu Santo NOME afrontado. Contudo, por sua mui grande
misericórdia, Ele reprimiu sua ira até a chegada do justificador, pelo qual os
pecadores seriam redimidos da ira vindoura, a fim de que seu povo fosse salvo.
Por isso, também, devemos considerar graciosa a aparente demora da volta de
Cristo, sabendo que “não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a
julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo para convosco, não querendo
que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento” (2Pe.3.9).
Justiça e graça estão lado a lado com Deus, como partes da armadura de um
guerreiro. Enquanto Deus tem sua espada afiada e desembainhada para fazer
justiça contra toda impiedade, o Senhor tem no outro braço um forte escudo
capaz de livrar seu povo de todas as ameaças que lhe sobrevêm. Juízo e salvação
estão nas mãos de Deus e dá a cada um aquilo que lhe apraz, segundo sua
vontade: “Por isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se
mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de
Deus” (Jo.3.36).
Certo disso, cabe ao povo de Deus esperar pacientemente a
salvação do Senhor. Deus faz distinção entre seu povo e aquele que não é seu
povo: “o SENHOR distingue para si o piedoso” (Sl.4.3). Vemos isso em
toda a história redentora, desde a narrativa de Caim e Abel (Gn.4.1-16) até o
dia em que há de julgar os vivos e os mortos (Ap.20.11-15). O Senhor fez
distinção entre o povo de Israel e os egípcios (Ex.8.23; 9.4; 11.7) e Jesus
distinguiu entre o trigo e o joio (Mt.13.24-30), ou seja, entre os filhos de
Deus e os filhos do maligno (Mt.13.38). Na escolha de Judas para ser,
temporariamente, apóstolo, Cristo mostrou que Ele não julga segundo a
aparência, mas conforme a Verdade, e, portanto, não se engana. Por isso, o
distinguiu dos demais apóstolo, chamando-o de traidor (Mt.26.21; Jo.13.11,21).
Ele conhece suas ovelhas (Jo.10.14) e as distingue claramente tanto dos lobos
vorazes (Mt.7.15;10.16) quanto dos cabritos (Mt.25.33).
O final da oração de Habacuque é, provavelmente, a parte
mais conhecida do cântico (Hc.3.17-19). O profeta expressa sua confissão de fé
em dias difíceis. Como descansar o coração quando a figueira não floresceu nem
a videira deu fruto; a oliveira não frutificou nem há comida nos campos; as
ovelhas foram roubadas e os gados levados embora? Contudo, é exatamente nesse “vale
da sombra da morte” (Sl.23.4) que Deus manifesta sua graça e glória e quer
que seu povo demonstre sua plena confiança nas promessas do Senhor, como disse
o apóstolo Paulo: “porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade,
pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de
Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades,
nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco,
então, é que sou forte” (2Co.12.9-10).
Não apenas o profeta precisou passar por tribulações e
desenvolver nelas uma plena confiança em Deus. Também, Cristo passou por todo
tipo de privação e humilhação, sofrendo como um de nós, a fim de mostrar-se
fiel em todas as coisas para ser nosso perfeito substituto. Nos diz o autor de
Hebreus que “Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido, com forte
clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar da morte e tendo
sido ouvido por causa da sua piedade, embora sendo Filho, aprendeu a obediência
pelas coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da
salvação eterna para todos os que lhe obedecem” (Hb.5.7-9). E tendo
aprendido, Jesus foi até a cruz do Calvário confiando ao Pai a sua vida para cumprir
a vontade do Senhor acerca da redenção (Mt.26.42). Cristo mostrou o pleno
significado da confiança em Deus entregando sua vida para fazer a vontade do
Pai. Ele foi até a morte certo de que Deus o ressuscitaria (At.3.15; 4.10;
5.30; 13.30 etc.).
E você, confia realmente em Deus? Descobrimos melhor qual o
estado de nossa fé quando a despensa está vazia, a saúde abalada e o mundo ao
redor em desarmonia. Os dias maus, então, são grande bênção de Deus para
amadurecer o coração da igreja. É em dias difíceis que somos conduzidos a orar
mais, desfazendo-se da autoconfiança para depositar toda esperança unicamente
no Senhor, afinal “esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém
vê, como o espera?” (Rm.8.24). Por essa razão, o apóstolo Paulo nos diz: “nos
gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz
perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança. Ora, a
esperança não confunde, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo
Espírito Santo, que nos foi outorgado” (Rm.5.3-5). Portanto, cultive a
plena confiança em Deus, descansando o coração no Senhor, principalmente nos
dias maus. Assim, em vez de viver ansioso com as intempéries da vida, “a paz
de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa
mente em Cristo Jesus” (Fp.4.7).
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