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segunda-feira, 23 de março de 2020

Habacuque (3.1-19) - Ainda que a figueira não floresça


em silêncio, devo esperar o dia da angústia, que virá contra o povo que nos acomete” (Hc.3.16)

O livro de Habacuque poderia ter terminado com o versículo 20 do capítulo dois: “O SENHOR, porém, está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra”. Com esta afirmação, Deus encerrou sua fala, ratificando que sua vontade seria realizada com certeza. Como palavra de um rei que não pode ser revogada, Deus revelou sua perfeita vontade para os dias futuros. Diante disso, não havia mais o que questionar a Deus. Habacuque deveria apenas guardar a Palavra do Senhor e confiar no agir de Deus em favor daqueles que o amam (Hc.3.16). Como Isaías profetizara anos antes, o profeta deveria esperar no cuidado de Deus em favor daqueles que descansam nEle: “Porque desde a antiguidade não se ouviu, nem com ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu Deus além de ti, que trabalha para aquele que nele espera.” (Is.64.4).

Deus já nos deu sua palavra final sobre a história redentora. A Escritura Sagrada está completa e nos revela tudo o que precisamos saber até o dia da volta de Cristo (Mt.25.31-46) que trará para seu povo um novo céu e uma nova terra (Ap.21-22), restaurando todo o universo que fora afetado com o pecado do ser humano (Rm.8.18-22). Então, o que fazer diante da Palavra final de Deus que nos revela sua vontade para a história redentora? O mesmo que Habacuque foi ensinado a fazer: descansar no Senhor (Hc.3). O profeta deixa de questionar a Deus e passa a louvá-lo, testemunhando que o Senhor lhe ensinara a confiar em sua “boa, agradável e perfeita vontade” (Rm.12.2), segundo aquele que faz todas as coisas conforme o conselho de seu querer (Ef.1.11). O diálogo foi encerrado por Deus. Agora, Habacuque apresentará uma oração em forma de cântico para louvor da glória do Senhor e conforto de todo aquele que puder ouvir suas palavras (Hc.3.1). Leiamos alguns dos versículos do canto de Habacuque:

Hc.3.1-4  Oração do profeta Habacuque sob a forma de canto.  2 Tenho ouvido, ó SENHOR, as tuas declarações, e me sinto alarmado; aviva a tua obra, ó SENHOR, no decorrer dos anos, e, no decurso dos anos, faze-a conhecida; na tua ira, lembra-te da misericórdia.  3 Deus vem de Temã, e do monte Parã vem o Santo. A sua glória cobre os céus, e a terra se enche do seu louvor.  4 O seu resplendor é como a luz, raios brilham da sua mão; e ali está velado o seu poder.
Hc.3.8-9  Acaso, é contra os rios, SENHOR, que estás irado? É contra os ribeiros a tua ira ou contra o mar, o teu furor, já que andas montado nos teus cavalos, nos teus carros de vitória?  9 Tiras a descoberto o teu arco, e farta está a tua aljava de flechas. Tu fendes a terra com rios.
Hc.3.12-14  Na tua indignação, marchas pela terra, na tua ira, calcas aos pés as nações.  13 Tu sais para salvamento do teu povo, para salvar o teu ungido; feres o telhado da casa do perverso e lhe descobres de todo o fundamento.  14 Traspassas a cabeça dos guerreiros do inimigo com as suas próprias lanças, os quais, como tempestade, avançam para me destruir; regozijam-se, como se estivessem para devorar o pobre às ocultas.
Hc.3.16-19  Ouvi-o, e o meu íntimo se comoveu, à sua voz, tremeram os meus lábios; entrou a podridão nos meus ossos, e os joelhos me vacilaram, pois, em silêncio, devo esperar o dia da angústia, que virá contra o povo que nos acomete.  17 Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja gado,  18 todavia, eu me alegro no SENHOR, exulto no Deus da minha salvação.  19 O SENHOR Deus é a minha fortaleza, e faz os meus pés como os da corça, e me faz andar altaneiramente

Habacuque não esconde que sua perplexidade ainda permanecia (Hc.3.2), mesmo tendo entendido a necessidade de descansar o coração no Senhor. Uma guerra estava porvir e Deus castigaria duramente seu povo por todos os pecados deliberadamente cometidos contra a Santidade do Senhor. Depois disso, Deus julgaria a nação pagã que estava varrendo a terra e destruindo povos enquanto tomava suas cidades, erguendo pela força e pela violência um império luxuoso (império babilônico). Desse modo, O Senhor glorificaria seu Santo NOME, revelando para todos que Ele é Deus e fora dele não há outro (Dt.33.26; 1Sm.2.2; 2Sm.7.22; 1Rs.8.60; 1Cr.17.20; Is.45.5-6; Dn.3.29).

Muitas vezes veremos os acontecimentos a nosso redor sem que consigamos compreendê-los. Não é diferente com as circunstâncias em que estamos vivendo isolados por causa do Coronavírus. Qual o propósito de Deus com tudo isso? É difícil de responder, portanto é melhor não arriscar. Contudo, diante de toda e qualquer situação o que o Senhor requer de seu povo é paciente confiança, a fim de que não se desespere perante os problemas que sobrevém nem desanime nas aflições. O Senhor foi, é e sempre será o Deus Criador e Sustentador e todas as coisas. Assim, como Ele manda graciosas chuvas de bênçãos sobre os homens também derrama sua ira sobre os pecadores, por várias razões. Em tudo isso, seu amor pela igreja, a noiva do Cordeiro, não muda e suas promessas jamais serão esquecidas ou negligenciadas. E mesmo que seja difícil entender, mesmo nos piores dias da igreja ainda podemos afirmar que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm.8.28).

Os versículos 2 e 3 da oração de Habacuque (Hc.3) expressam ainda um rogo de misericórdia a Deus em favor de seu povo. O profeta pede que Deus revitalize sua obra no meio daqueles que Ele havia escolhido para neles colocar seu Santo NOME. Bem sabia Habacuque que “as misericórdias do SENHOR são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim” (Lm.3.22). Da mesma forma como Deus revela-se extremamente poderoso para operar seu querer fora do homem, poderia agir dentro deste, como mais adiante revelará o profeta Ezequiel: “Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis” (Ez.36.26-27). Por isso, o profeta apela para as misericórdias de Deus em favor de seu povo.

Davi agiu de modo semelhante após Deus ter anunciado a morte de seu filho, filho do adultério com Bate-Seba (2Sm.12). Em vez de Davi esperar que a criança morresse, “buscou Davi a Deus pela criança; jejuou Davi e, vindo, passou a noite prostrado em terra” (2Sm.12.16). Davi sabia que Deus era “grande em misericórdia, que perdoa a iniquidade e a transgressão” (Nm.14.18). Semelhantemente, o rei Ezequias recebeu do Senhor uma dura palavra quando adoeceu: “Assim diz o SENHOR: Põe em ordem a tua casa, porque morrerás e não viverás” (Is.38.1). Contudo, Ezequias não esperou o dia da morte. Após a saída do profeta Isaías que lhe havia dado a Palavra de Deus, diz o texto que “virou Ezequias o rosto para a parede e orou ao SENHOR. E disse: Lembra-te, SENHOR, peço-te, de que andei diante de ti com fidelidade, com inteireza de coração e fiz o que era reto aos teus olhos; e chorou muitíssimo” (Is.38.2-3). Ezequias orou na esperança de que as misericórdias de Deus o alcançassem e lhe fosse concedida a cura. Sempre há esperança no coração daqueles que conhecem as misericórdias do Senhor. Por isso, os filhos de Deus não devem deixar de orar, mesmo quando não parece haver qualquer perspectiva, pois o Senhor é rico em misericórdia (Ef.2.4).

O Senhor é retratado como um grande e glorioso rei que cavalga para a batalha. Não há semelhante a Ele e todos tremem diante de sua presença. Ninguém pode fugir de sua ira nem resistir a seu poder, e tudo a seu redor se desfaz perante a sua glória, “esmigalham-se os montes primitivos; os outeiros eternos se abatem” (Hc.3.6). Contudo, pergunta o profeta: “Acaso, é contra os rios, SENHOR, que estás irado?” (Hc.3.8). Não! É a única resposta cabível. Deus está irado contra o homem que fora criado à sua imagem e semelhança, mas se rebelara contra sua Santa Palavra (Gn.1-3). Davi nos diz no Salmo 7, versículos 11 e 12, que “Deus é justo juiz, Deus que sente indignação todos os dias. Se o homem não se converter, afiará Deus a sua espada; já armou o arco, tem-no pronto”.

Portanto, Deus sempre teve suas armas apontadas para o ser humano, a fim de vingar seu Santo NOME afrontado. Contudo, por sua mui grande misericórdia, Ele reprimiu sua ira até a chegada do justificador, pelo qual os pecadores seriam redimidos da ira vindoura, a fim de que seu povo fosse salvo. Por isso, também, devemos considerar graciosa a aparente demora da volta de Cristo, sabendo que “não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento” (2Pe.3.9). Justiça e graça estão lado a lado com Deus, como partes da armadura de um guerreiro. Enquanto Deus tem sua espada afiada e desembainhada para fazer justiça contra toda impiedade, o Senhor tem no outro braço um forte escudo capaz de livrar seu povo de todas as ameaças que lhe sobrevêm. Juízo e salvação estão nas mãos de Deus e dá a cada um aquilo que lhe apraz, segundo sua vontade: “Por isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus” (Jo.3.36).

Certo disso, cabe ao povo de Deus esperar pacientemente a salvação do Senhor. Deus faz distinção entre seu povo e aquele que não é seu povo: “o SENHOR distingue para si o piedoso” (Sl.4.3). Vemos isso em toda a história redentora, desde a narrativa de Caim e Abel (Gn.4.1-16) até o dia em que há de julgar os vivos e os mortos (Ap.20.11-15). O Senhor fez distinção entre o povo de Israel e os egípcios (Ex.8.23; 9.4; 11.7) e Jesus distinguiu entre o trigo e o joio (Mt.13.24-30), ou seja, entre os filhos de Deus e os filhos do maligno (Mt.13.38). Na escolha de Judas para ser, temporariamente, apóstolo, Cristo mostrou que Ele não julga segundo a aparência, mas conforme a Verdade, e, portanto, não se engana. Por isso, o distinguiu dos demais apóstolo, chamando-o de traidor (Mt.26.21; Jo.13.11,21). Ele conhece suas ovelhas (Jo.10.14) e as distingue claramente tanto dos lobos vorazes (Mt.7.15;10.16) quanto dos cabritos (Mt.25.33).

O final da oração de Habacuque é, provavelmente, a parte mais conhecida do cântico (Hc.3.17-19). O profeta expressa sua confissão de fé em dias difíceis. Como descansar o coração quando a figueira não floresceu nem a videira deu fruto; a oliveira não frutificou nem há comida nos campos; as ovelhas foram roubadas e os gados levados embora? Contudo, é exatamente nesse “vale da sombra da morte” (Sl.23.4) que Deus manifesta sua graça e glória e quer que seu povo demonstre sua plena confiança nas promessas do Senhor, como disse o apóstolo Paulo: “porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte” (2Co.12.9-10).

Não apenas o profeta precisou passar por tribulações e desenvolver nelas uma plena confiança em Deus. Também, Cristo passou por todo tipo de privação e humilhação, sofrendo como um de nós, a fim de mostrar-se fiel em todas as coisas para ser nosso perfeito substituto. Nos diz o autor de Hebreus que “Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar da morte e tendo sido ouvido por causa da sua piedade, embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem” (Hb.5.7-9). E tendo aprendido, Jesus foi até a cruz do Calvário confiando ao Pai a sua vida para cumprir a vontade do Senhor acerca da redenção (Mt.26.42). Cristo mostrou o pleno significado da confiança em Deus entregando sua vida para fazer a vontade do Pai. Ele foi até a morte certo de que Deus o ressuscitaria (At.3.15; 4.10; 5.30; 13.30 etc.).

E você, confia realmente em Deus? Descobrimos melhor qual o estado de nossa fé quando a despensa está vazia, a saúde abalada e o mundo ao redor em desarmonia. Os dias maus, então, são grande bênção de Deus para amadurecer o coração da igreja. É em dias difíceis que somos conduzidos a orar mais, desfazendo-se da autoconfiança para depositar toda esperança unicamente no Senhor, afinal “esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera?” (Rm.8.24). Por essa razão, o apóstolo Paulo nos diz: “nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança. Ora, a esperança não confunde, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado” (Rm.5.3-5). Portanto, cultive a plena confiança em Deus, descansando o coração no Senhor, principalmente nos dias maus. Assim, em vez de viver ansioso com as intempéries da vida, “a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus” (Fp.4.7).

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