“Ora,
destruídos os fundamentos, que poderá fazer o justo?” (Sl.11.3)
O relativismo e o pluralismo ganharam muito mais terreno no
cristianismo do que parece. É fácil demonstrar sua ampla presença no
cristianismo de nossos dias. Pergunte para diversos cristãos se os seis últimos
mandamentos de Êxodo 20.1-17 são válidos para todas as gerações e se, portanto,
deveríamos obedecê-los hoje, também: Honrar pai e mãe, não matar, não
adulterar, não furtar, não dizer falso testemunho e não cobiçar. Com certeza, a
grande maioria dos cristãos afirmará com convicção, até citando textos do Novo
Testamento, que tais mandamentos devem ser obedecidos hoje. Podemos perguntar o
mesmo sobre os três primeiros mandamentos das tábuas da Lei (Ex.20.1-17): Não
ter outros deuses, não fazer imagens de Deus, não dizer o nome de Deus em vão.
A resposta será tão convicta quanto a primeira, mesmo que surjam algumas ressalvas.
Mas, se, em uma terceira pergunta, questionássemos sobre a
validade do quarto mandamento da Lei moral para nossos dias: guardar o dia do
Senhor (Ex.20.8-11), encontraríamos grandes divergências e rejeições à
permanência desse mandamento que, em linhas gerais, será considerado atrelado
apenas aos dias do Antigo Testamento. Eis a presença do relativismo e do
pluralismo em nossos dias. Ou seja, a interpretação de um texto dependerá de
vários fatores pessoais e culturais relacionados àqueles que leem. A
hermenêutica cristã foi atingida pelo relativismo, tornando-se, tantas vezes,
confusa e desordenada, pela ausência de uma coerência absoluta no uso de regras
extraídas da própria Palavra de Deus.
Esse é apenas um exemplo de muitos outros que poderiam ser
dados. Quando um cristão (principalmente preletor) prega sobre humildade, mas
busca a fama, a glória e o domínio; fala sobre amor, mas rejeita aqueles que
lhe são indesejados; proclama Sola Scriptura, mas alimenta a necessidade de tradições
extra bíblicas; defende a igualdade, mas trata irmãos em Cristo com diferenças;
anuncia a justiça, mas faz uso da política (eclesiástica ou não) desonestamente;
ensina sobre a necessidade de se orar antes de toda e qualquer decisão, mas
apresenta propostas para serem aprovadas sem qualquer tempo dedicado à oração,
tal pessoa está praticando o relativismo, mostrando que a Verdade não é
absoluta, já que não se aplica a todos indistintamente nem a todo caso
inquestionavelmente.
O mesmo pode ser visto nas relações familiares. Todo cristão
sabe que o primeiro grande mandamento é amar a Deus de todo o coração, de toda
a alma e de toda a força (Dt.6.5) e que o segundo é amar ao próximo como a si
mesmo (Mt.22.36-40). Mas, a quem deveriam ser aplicados esses mandamentos? Já
que devemos amar a Deus, obedecê-lo quando a vontade dEle é contrária à nossa
não deveria ser uma expressão desse amor? Porque o amor parece ser aplicado
apenas quando é conveniente para nós, ou quando parece que Deus está
satisfazendo nossas vontades, graciosamente? Esse mandamento não deveria ser
aplicado à guarda do dia do Senhor, à ordenança para se perdoar setenta vezes
sete e à preservação do casamento a despeito de todas as lutas inerentes? Deus
não deveria ter completa primazia no uso de “nosso” tempo, esforço e bens?
Já que devemos amar ao próximo, a esposa e os filhos não
seriam próximos também? Ser submissa ao marido não seria uma expressão de amor
a Deus e ao próximo? Abrir mão de vontades e conforto pessoais para conduzir a
família a Cristo não seria uma forma do líder da família amar a Deus e ao próximo?
Sem a Verdade absoluta, os relacionamentos são relativizados e até mesmo a relação entre cristãos (pastores e membros) dependerá da
conveniência, de modo que o interesse particular poderá reinterpretar o
significado de próximo e a forma como este próximo deverá ser tratado. Tudo
isso resulta da relativização da verdade dentro dos corações.
A Verdade foi relativizada em sua teoria e prática, razão
para ser lida e aplicada apenas quando convém às partes interessadas. Conceitos
fundamentais como Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola fide, Solus Christus e Soli
Deo Gloria dependerão do contexto pessoal e cultural daqueles que fazem uso de
tais expressões. Sempre haverá um ídolo de estimação (que precisa ser expulso)
guardado e intocável no coração dos pecadores. Portanto, a relativização da
verdade demonstra que o humanismo secular tem prevalecido na cultura (cristã)
do mundo ocidental, estabelecendo o homem como a medida de todas as coisas, à
moda greco-romana.
Urge, então, a necessidade de se estabelecer uma cosmovisão
bíblica em nossa geração. Ou seja, é preciso que a Verdade seja realmente
absoluta como pressuposto mais fundamental do coração do homem de nossos dias,
sobretudo do cristão (não importa quem a diga). Por conseguinte, é extremamente
importante que tal Verdade absoluta seja orientadora de todas as ações e
decisões daqueles que um dia disseram ter sido resgatados do império das trevas
(diabo, mundo e carne) e transportados para o Reino do Filho do amor de Deus
(Cl.1.13).
Para adquirir uma cosmovisão bíblica, será necessário muito
mais do que “aparecer na igreja” de vez em quando, ainda que seja
dominicalmente. É preciso andar com Cristo, pois quanto mais se anda com Deus,
mais parecidos nos tornamos com Ele. Paulo nos diz que o Espírito Santo e a
Sagrada Escritura têm esse propósito: “E todos nós, com o rosto desvendado,
contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de
glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito”
(2Co.3.18).
Por que os filhos costumam se parecer com os pais? A razão
é simples: eles andam com seus pais durante anos de suas vidas. Mesmo que os
pais não sejam tão presentes na vida de seus filhos, o simples fato de conviverem
com eles será instrumento para molda-los à semelhança de seus pais, quer bons
quer ruins. Por esse motivo, não adiantará ensinar verbalmente o que é certo aos
filhos se, no dia a dia, os pais vivem de forma contrária a esse ensino. Nos
tornamos parecidos com aqueles com quem andamos diariamente, sejam pais sejam
amigos, quer por meio da convivência quer através de seus escritos.
Portanto, a família e a igreja precisam, urgentemente,
assumir uma cosmovisão verdadeiramente bíblica que, consequentemente, abarque
toda a realidade, pois Deus é sua única fonte. Essa cosmovisão será coerente
em seu todo e suas partes. A Verdade será absoluta para todos e em todas as
circunstâncias, possibilitando uma vida integralmente coerente enquanto
capacitará cada cristão a dar respostas coerentes para um mundo completamente
confuso. Algo que o humanismo é completamente incapaz de fazer.
O perigo da relativização da Verdade não se encontra dentro
dos centros acadêmicos quando discutida em teorias de doutores. A relativização
da Verdade revela seus piores males ao encontrar-se na vida cotidiana dentro
dos lares, das escolas primárias, dos centros comerciais, da segurança pública
e das igrejas locais. Ela é a responsável pelo favorecimento do aborto, pela
aderência à ideologia de gênero, pelo reducionismo das academias naturalistas
dos centros educacionais, pelo vasto número de divórcios tanto entre cristãos
quanto não cristãos.
Então, famílias e igrejas, reavaliem a forma como estão se
relacionando com a Verdade. Quão absoluta a Verdade é para vocês, tanto na
prática quanto na teoria? A Escritura tem sido tratada como Palavra de Deus em
toda e qualquer situação? Seus ensinos tem sido observados a despeito das
dificuldades presentes por ocasião de estarmos em um mundo pecador? A
cosmovisão bíblica tem sido o pressuposto direcionador de suas escolhas e
atitudes? Suas respostas às mais diversas questões levantadas por esse mundo
são fruto de uma convicção profunda do novo coração dado e ensinado por Cristo?
Somente a Verdade absoluta poderá conduzir você a responder essas e outras
perguntas importantes a seu dia a dia.
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