“E não
pensemos que a palavra de Deus haja falhado, porque nem todos os de Israel são,
de fato, israelitas” (Rm.9.6)
Pastores engraçados, programações atraentes, pregações
massageadoras de egos, fundos musicais comoventes, apelos emocionantes,
preletores famosos, ativismo eclesiástico enchem denominações em meio a uma
geração cliente bastante exigente. Líderes, praticamente, imploram para que as
pessoas se tornem membro de suas igrejas como se a salvação delas dependesse
tão somente disso. Denominações agem como se Jesus tivesse ordenado: consigam o
maior número de membros possível. Assim, a missão da igreja se resumiu (outra
vez) a buscar o maior número possível de pessoas que queira participar
regularmente das atividades semanais de uma denominação.
Quer em seminários quer nas igrejas locais, ouvimos falar de
missões com certa frequência, em nossos dias. Isso é muito bom, afinal o Senhor
Jesus ordenou que fossem feitos discípulos de todas as nações (Mt.28.19). Mas,
fazer discípulos é o mesmo que tornar pessoas membros de uma igreja local?
Responder essa pergunta é fundamental, pois, a depender da resposta, pessoas e
igrejas inteiras “atrairão os pecadores” em acordo com a concepção que tiverem
sobre o caráter da missão da igreja. E, confundindo conversão com proselitismo,
denominações incharão de membros “egoístas,
avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais,
ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio
de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos
dos prazeres que amigos de Deus, tendo forma de piedade, negando-lhe,
entretanto, o poder” (2Tm.3.2-5).
O problema ganhou uma dimensão tão grande que alguns
cristãos evangelizam dizendo, apenas: “Jesus te ama!”, sem explicar a
necessidade de se crer em Cristo nem advertir que “o salário do pecado é a morte” (Rm.6.23), ou seja, o inferno, “onde não lhes morre o verme, nem o fogo se
apaga” (Mc.9.48). Outros reduzem o evangelismo a convidar amigos e
familiares para participarem de alguma atividade da igreja. Jovens tentam
atrair outros jovens para “cultos jovens”, “retiros espirituais” entre outras
atividades dinâmicas e atraentes, que, de preferência, não sejam “monótonas”
para quem é jovem. Essas iniciativas, tão bem-intencionadas, podem ser
consideradas como evangelização? A igreja estaria fazendo missões ao tentar
incluir as pessoas em sua vida religiosa? Conseguir adeptos às atividades de
uma igreja local é fazer missões? Qual, portanto, a diferença entre fazer
missões e tornar uma pessoa membro de uma denominação?
O que é missões? O termo não é exclusivo da teologia e pode
ser aplicado a diversas responsabilidades que as pessoas recebem para as
cumprir. Porém, a teologia consagrou essa palavra, à semelhança de muitas
outras que o cristianismo se apropriou cunhando-as para uso da igreja. A missão
da igreja é o serviço que ela deve prestar a Deus exatamente em acordo com sua
vontade, que implica na fiel pregação da Palavra do Senhor e na fiel
administração daquilo que lhe foi confiado: sacramentos, oração, disciplina e
governo. Sua missão é tão importante que por meio dela vidas são salvas, uma
vez que o Espírito do Senhor opera através da Palavra exposta com fidelidade.
Portanto, podemos falar em missão, porque Deus deu à igreja uma
responsabilidade que deve ser cumprida cabalmente.
Em Atos 12.25, por exemplo, “Barnabé e Saulo, cumprida a sua missão, voltaram de Jerusalém”
(ARA). O termo traduzido por missão
na Versão Revista e Atualizada é diaconia,
ou seja, serviço. Barnabé e Paulo haviam recebido a incumbência de realizar um
trabalho: levar “socorro aos irmãos que
moravam na Judéia” (At.11.29). Ao terminar de cumprir aquilo para o qual
foram designados, eles voltaram para a igreja que os enviou. De forma
semelhante, Deus envia pessoas para uma missão, escolhendo-as e separando-as pelo
Espírito Santo (At.13.2), assim como fez Jesus enviando mais de uma vez seus
discípulos, a fim de que pregassem nas cidades judaicas (Mt.10.5; Lc.10.1).
Mas, em que consiste essa missão dada por Deus à igreja? Jesus deixou os termos da missão da igreja:
Jesus,
aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na
terra. 19 Ide, portanto,
fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e
do Espírito Santo; 20
ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou
convosco todos os dias até à consumação do século. (Mt.28.18-20)
Cristo é o autor da missão da igreja, aquele que envia a
igreja ao mundo para cumpri-la, à semelhança do que fez o Pai ao enviá-lo para
cumprir a missão de morrer pelos pecados de seu povo: “Disse-lhes, pois, Jesus outra vez: Paz seja convosco! Assim como o Pai
me enviou, eu também vos envio. E, havendo dito isto, soprou sobre eles e
disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. Se de alguns perdoardes os pecados,
são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são retidos” (Jo.20.21-23). E assim
como a missão de Cristo fui crucial para a redenção, a missão da igreja também
tem importância singular, já que as pessoas só serão salvas por meio da fé no
Evangelho que deve ser pregado pelo povo de Deus. Por isso, disse Paulo à
igreja de Roma:
Porque: Todo
aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.
14 Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como
crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem
pregue? 15 E como pregarão,
se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos são os pés dos que
anunciam coisas boas! (Rm.10.13-15)
Missões é o dever que a igreja tem de fazer discípulos, pregando
a Palavra de Deus ao mundo, a fim de que o Senhor Jesus seja glorificado tanto
na salvação quando na condenação dos homens, “porque nós somos para com Deus o bom perfume de Cristo, tanto nos que são
salvos como nos que se perdem. Para com estes, cheiro de morte para morte; para
com aqueles, aroma de vida para vida” (2Co.2.15-16). Por ser um
plano divino, Deus chama, capacita e envia seu povo para que cumpra o dever de
pregar Cristo às nações, de modo que a missão da igreja é levar com fidelidade
a Palavra de Salvação para todos os pecadores de todos os povos, confiando que
o Senhor realizará sua boa, agradável e perfeita vontade (Rm.12.2), por meio do
poder do Espírito Santo que aplica a Escritura no coração dos pecadores
(Ez.36.26-27), a fim de que tenham um verdadeiro compromisso com o Reino de
Deus.
Jesus ordenou que se fizesse discípulos, “batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e
do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho
ordenado” (Mt.28.19-20). Por meio do batismo, pessoas são agregadas a uma
igreja local, tornando-se parte do corpo de Cristo e por intermédio do ensino
elas crescem no conhecimento de Cristo. Todavia, os verbos “batizando” e “ensinando” que se
encontram no particípio grego (gerúndio português) são complementos do verbo
principal: fazei discípulos (imperativo).
Ou seja, esses dois verbos acompanham a ação principal, não a substituem. O
papel da igreja não é dar uma carteirinha de membro para as pessoas ou
conseguir o maior número possível de pecadores para o rol de membros. Também,
podemos dizer que a missão da igreja não pode ser resumida a ensinar para as
pessoas a Palavra de Deus sem exigir delas um real e profundo compromisso com
Cristo, por meio do qual tanto alcançarão a salvação quanto se tornarão parte de
seu corpo, que é a igreja do Deus vivo (1Tm.3.15). A missão da igreja é atrair
pessoas para Cristo, conduzindo-as por Cristo e edificando-as em Cristo e isso
envolve tanto o ensino fiel da Palavra de Deus quanto um relacionamento fiel
com Cristo no seio de sua igreja. A missão da igreja é fazer discípulos nos
moldes das seguintes palavras do Senhor Jesus:
Se alguém vem a
mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e
ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo. 27 E qualquer que não tomar a sua
cruz e vier após mim não pode ser meu discípulo. 28 Pois qual de vós, pretendendo
construir uma torre, não se assenta primeiro para calcular a despesa e
verificar se tem os meios para a concluir?
29 Para não suceder que, tendo lançado os alicerces e não a
podendo acabar, todos os que a virem zombem dele, 30 dizendo: Este homem começou a
construir e não pôde acabar. 31
Ou qual é o rei que, indo para combater outro rei, não se assenta primeiro para
calcular se com dez mil homens poderá enfrentar o que vem contra ele com vinte
mil? 32 Caso contrário, estando
o outro ainda longe, envia-lhe uma embaixada, pedindo condições de paz. 33 Assim, pois, todo aquele que
dentre vós não renuncia a tudo quanto tem não pode ser meu discípulo.
(Lc.14.26-33)
Jesus diz ser necessário calcular a capacidade para começar
e terminar a caminhada cristã. Esse cálculo só pode ser feito por aqueles que
recebem fiel ensino sobre o que é ser cristão, sendo advertidos sobre a
necessidade de se tornarem discípulos de Cristo, negando a si mesmos, a fim de
que realmente herdem o Reino dos céus. Mas, como calcularão se não forem
corretamente admoestados sobre o que é ser discípulo de Jesus? Quando a Verdade
não é pregada fielmente, pessoas aceitam, enganadas, a proposta de ser tornarem
discípulas de Jesus. Não é sem razão que muitas pessoas desistem da caminhada
cristã quando aparecem os desafios. Tentar facilitar a entrada de pecadores na
igreja local não garante que esses mesmos pecadores permanecerão, pois, em
algum momento da caminhada, lhes será manifesto, pelas próprias experiências,
que as promessas de vida vitoriosa eram falsas.
Jesus não disse: Consigam mais membros para a denominação. A
prática de atrair pessoas para uma denominação tem vulgarizado tanto o
Evangelho, reduzindo-o e distorcendo-o, quanto a Igreja, enchendo-a de joio. A
substituição da missão dada por Deus à igreja por uma espécie de marketing
gospel, com a finalidade de encher denominações é um dos principais fatores
para a irrelevância do evangelicalismo brasileiro incapaz de mudar a política
nacional, porque muitos de seus líderes são corruptos, arrogantes, soberbos,
gananciosos, vaidosos e ambiciosos; impotente para melhorar a cultura popular,
pois se submete a qualquer crendice, a fim de atrair pessoas; inapto para
melhorar a moral da nação, porque alimenta em seu seio os mesmos pecados do
mundo: maledicência, mentira, desonestidade, inveja, divórcio, prostituição, orgulho,
vaidade, cobiça, desonestidade, ira, discórdia, glutonaria, bebedice, ciúmes e
diversos tipos de maldades.
Para que cresçam igrejas saudáveis em nosso país, o evangelicalismo
brasileiro precisa retornar à missão ordenada por Jesus. A pureza da igreja é
diretamente proporcional à pureza do exercício de sua missão, pois dificulta a
entrada de joio no meio do trigo enquanto amadurece os verdadeiros cristãos
inseridos no seio da igreja (por meio da fiel pregação do Evangelho),
capacitando-os a pregarem o genuíno evangelho no dia a dia, para que façam missões
conforme Jesus ordenou. Ovelhas saudáveis se reproduzem em novas ovelhas
saudáveis, mas pessoas doentes, cheias de si mesmo, continuarão contaminando o
rebanho de Cristo até que se deparem com o Senhor da glória que lhes dirá: “nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os
que praticais a iniquidade” (Mt.7.23).
Igrejas cheias de gente problemática decorre de sua
infidelidade no exercício da missão, pois aqueles que entram não são ensinados
a lutar contra o próprio ego; não são exortados a combater os pecados do
coração. No exercício de sua missão a igreja deve apresentar toda a Verdade por
meio da qual os interessados possam calcular se têm ou não condições para
percorrer a jornada cristã até o fim, sem desistir. Os desavisados ou iludidos
voltam para o mundo quando se deparam com Verdade no meio do caminho: a Verdade
que a vida cristã existe inteiramente para a glória de Cristo Jesus. Esta
Verdade fere profundamente o ego orgulhoso, arrogante, soberbo e vaidoso do
pecador, de modo que se não for vencido por meio da Palavra e do Espírito de
Deus, fará com que o prosélito se volte contra Cristo e sua igreja, dando-lhes
as costas em seu retorno para o mundo de onde nunca saiu, pois seu coração
sempre esteve nele.
Portanto, faça discípulos por meio da fiel pregação da
Palavra de Deus, não se preocupe em encher sua denominação com muitos membros.
Lembre-se que uma pessoa não convertida no seio da igreja não estará menos
sujeita ao inferno do que se estivesse fora dela. Quando Jesus voltar, só
receberá para si aqueles que realmente foram convertidos pelo poder da Palavra
e do Espírito de Deus, de modo que o importante não é o tamanho da igreja
visível, mas quantas das pessoas que ali estão realmente são cristãs. E a única
forma de aproximar o número de verdadeiros cristãos ao número de membros de uma
igreja local é fazendo missões de acordo com a ordenança que Jesus deu para sua
igreja.
Nenhum comentário:
Postar um comentário