“Vós,
porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade
exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das
trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pe.2.9)
Não há melhor interpretação da Escritura do que aquela
oferecida por ela mesma. Portanto, não há melhor forma de compreender as
profecias dirigidas para Israel nas páginas do Antigo Testamento do que ouvindo
a interpretação pela boca dos autores do Novo Testamento. Além disso, há
grandes implicações decorrentes de nossa forma de ler a Escritura Sagrada, pois
aqueles que contemplam a glória de Cristo no Antigo e Novo Testamento
encontram, já no presente, todo conforto e esperança que alcançarão sua
plenitude por ocasião da volta de Jesus. Mas, aqueles que leem a escritura pelo
olhar de um judeu nacionalista, transferem a glória para a nação de Israel,
deixando de apreciar a tipologia messiânica presente no Antigo Testamento,
enquanto aguardam cumprimentos que apenas tangem a igreja de Jesus. Por essa
razão, desejamos, também, demonstrar como o apóstolo Pedro, em sua primeira carta aos
judeus da dispersão (1Pe.1.1), interpreta as profecias acerca de Israel através
de Cristo. Consequentemente, mostraremos como a interpretação
dispensacionalista possui profundos equívocos ao substituir Cristo por Israel
como alvo de diversas profecias veterotestamentárias e, assim, apontar o
problema de uma leitura histórico-gramatical realizada pelo olhar de um cristão,
ainda, judaizado.
Gostaria de ir mais a fundo na problemática, afirmando que
“é pecado não interpretar o Antigo Testamento à luz do Novo Testamento”, pois
ao fazer isso o intérprete tanto despreza a revelação divina, concedida
graciosamente para nosso pleno conhecimento sobre Deus e sua história redentora,
quanto arroga para si a prerrogativa de ser autossuficiente, procurando respostas
interpretativas sem o auxílio do Senhor. Tendo em vista nossa incapacidade de
compreender a Escritura sozinhos, Jesus revelou o Novo Testamento à igreja (Hb.1.1-2),
a fim de “dar a conhecer qual seja a riqueza da glória deste mistério entre os gentios,
isto é, Cristo em vós, a esperança da glória” (Cl.1.27), sabendo que “não pode
haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque
todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, também sois
descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa” (Gl.3.28-29). Sem
Cristo, não compreenderíamos que Oséias 11.1 era mais que uma referência à
saída de Israel do Egito, pois tipologicamente apontava para a saída do Filho
de Deus do meio daquela nação escravizadora (Mt.2.15). Todavia, os textos não
eram simbólicos nem alegóricos, mas encontravam seu cumprimento por meio do
papel da nação escolhida para dar à luz ao Filho de Deus, constituída em tipo
messiânico do redentor.
Este esclarecimento primeiramente foi concedido aos
discípulos, após a morte e ressureição de Jesus, a fim de que compreendessem
que a esperança de Israel não havia falhado, como pensaram os discípulos de
Emaús, pois a esperança de Israel encontrava-se na redenção consumada por meio
da morte e ressurreição de Cristo: “Ora, nós esperávamos que fosse ele quem
havia de redimir a Israel; mas, depois de tudo isto, é já este o terceiro dia
desde que tais coisas sucederam” (Lc.24.21). Por quarenta dias, Jesus lhes
ensinou a interpretar o Antigo Testamento corretamente, lendo-o pelos olhos de
sua chegada e obra (At.1.3) e esta correta interpretação pode ser encontrada
nas pregações registradas em Atos dos apóstolos e em todas as cartas dirigidas
para as igrejas. Portanto, após terem compreendido a correta interpretação e
propósito do Antigo Testamento, os discípulos a transmitiram para a igreja,
mostrando que Israel não era o alvo da Escritura, e, sim, o Filho de Deus,
tipificado no povo escolhido, pois “as promessas foram feitas a Abraão e ao seu
descendente. Não diz: E aos descendentes, como se falando de muitos, porém como
de um só: E ao teu descendente, que é Cristo” (Gl.3.16).
Para demonstrarmos, então, que a leitura literalista
judaizante desvirtua o propósito do texto veterotestamentário, apontaremos alguns problemas do dispensacionalismo e analisaremos
alguns termos e textos utilizados por Pedro em sua primeira carta, tendo em vista que
o apóstolo escreve para cristãos-judeus que estavam dispersos pelo mundo e que,
nesse uso, ele não aponta para qualquer futuro cumprimento profética direcionado
à nação de Israel, pois, em Cristo, as profecias dirigidas a Israel já haviam
encontrado seu cumprimento e os cristãos-judeus já estavam desfrutando dos
benefícios da concretização das profecias escatológicas pronunciadas pelos
profetas.
ALGUNS PROBLEMAS DO DISPENSACIONALISMO
Precisamos esclarecer alguns pontos importantes sobre o assunto:
Primeiramente, o problema do dispensacionalismo não é o reconhecimento de que a
nação de Israel ainda tem papel na história redentora, pois esta verdade é
ensinada pelo Novo Testamento (Mt.23.39; Rm.11), afinal a grande tribulação
mencionada por Jesus (Mt.24.21) se cumpriu no período da queda de Jerusalém 70
d.C., quando os judeus foram espalhados pelo mundo, e teve seu fim na reorganização
da nação em 1948. Todavia, conforme Jesus e, também, Paulo, a restauração de
Israel não aponta para a reestruturação do judaísmo veterotestamentário, mas
para o reconhecimento de que o cristianismo é o verdadeiro cumprimento da
Palavra de Deus proferida pelos profetas, segundo aconteceu com os apóstolos (Mt.16.13-17;
Rm.11.1,26), pois qualquer retorno de Israel ao culto e sacrifício judaico se
constitui em completa negação da obra redentora de Cristo, como reconstrução
daquilo que fora derribado (Gl.2.18), de forma que não podemos chamar de
cumprimento profético restaurador a rebeldia dos judeus que negam o Messias
prometido. Esse assunto foi amplamente trabalhado por Paulo em Gálatas e pelo
autor de Hebreus que revelaram a forma como ler o Antigo Testamento por meio de
Cristo.
Além disso, Jesus fez referência à queda do Templo de
Jerusalém, mas não fez igual menção a sua restauração física (Mt.24.1-51).
Também o apóstolo João esclarece o assunto ao revelar que a reconstrução do
Templo ocorreria por meio da ressurreição de Cristo (Jo.2.18-22), em quem, diz Paulo,
“habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade” (Cl.2.9), chamado,
também, de “Pedra angular”, pelo apóstolo Pedro (1Pe.2.5-10). Interessante observarmos
as palavras de Jesus no texto de João, a fim de que apliquemos uma exegese
histórico-gramatical:
18 Perguntaram-lhe, pois, os judeus:
Que sinal nos mostras, para fazeres estas coisas?
19 Jesus lhes respondeu: Destruí
este santuário, e em três dias o reconstruirei.
20 Replicaram os judeus: Em quarenta e
seis anos foi edificado este santuário, e tu, em três dias, o levantarás?
21 Ele, porém, se referia ao
santuário do seu corpo.
22 Quando, pois, Jesus ressuscitou
dentre os mortos, lembraram-se os seus discípulos de que ele dissera isto; e
creram na Escritura e na palavra de Jesus. (Jo.2.18-22)
Os judeus estavam aborrecidos com Jesus por este ter
expulsado os vendedores do Templo. Então, eles o questionam, tentando-o, pois
queriam pegá-lo em alguma palavra para o acusarem. Diante da pergunta dos
judeus, Jesus responde:
“Derribai este Templo e em três dias
o levantarei” (Jo.2.19)
Não há qualquer dificuldade para se traduzir a resposta de
Jesus, pois ela é simples, apesar de ter criado mais confusão do que esclarecimento
para os judeus. Jesus diz: derribai este Templo (verbo na segunda pessoa do
imperativo aoristo), pedindo-lhes que colocassem o Templo abaixo. Com o pronome
“este”, Ele dá a entender que se referia ao Templo de Israel que estava diante
dos olhos de todos, pois eles estavam no Templo na ocasião do diálogo (Jo.2.14-16),
afinal a palavra Templo não era usada para se referir ao corpo humano. Os
judeus devem ter olhado para o imenso tamanho do Templo e considerado estranho
o que Jesus pediu.
Todavia, o mais estranho vem em seguida, com a segunda
metade da fala de Jesus: “em três dias o levantarei”. A estrutura da oração é
bastante simples composta de uma locução adverbial de tempo: “em três dias”; um
sujeito oculto identificado pelo verbo que está em primeira pessoa (eu); um
verbo transitivo direto no futuro do indicativo; e, por fim, seu objeto, o
pronome que aparece no final. O pronome ["auton"] concorda com
o substantivo para o qual se refere ["naon"], sendo ambos
masculinos e singulares. Portanto, não há dificuldade em se entender o que
Jesus disse: “Derrubem este Templo e em três dias eu o levantarei”. Foi
exatamente isso que os judeus entenderam e, por essa razão, ficaram atônitos
com a resposta de Jesus, a ponto de o questionarem outra vez: “Em quarenta e
seis anos foi edificado este santuário, e tu, em três dias, o levantarás?”
(Jo.2.20).
O mais interessante de toda a análise exegética feita das
palavras de Jesus é que ela não quer dizer o que estava dizendo, conforme o
autor do evangelho revelará para nós em seguida: “Ele, porém, se referia ao
santuário do seu corpo” (Jo.2.21). Ou seja, a análise literalista dos judeus
não os conduziu ao correto entendimento do que Jesus queria dizer, sendo,
portanto, inadequada para o sinal profético anunciado por Cristo. Nesse
momento, então, devemos perguntar: Somente Jesus fez uso de profecias que
aparentemente diziam uma coisa, mas que, na verdade, tinham um propósito profético
tipológico? Será que devemos limitar o uso da tipologia a este texto? Os
autores do Novo Testamento não fizeram uso da mesma leitura em diversas outras
citações do Antigo Testamento?
É interessante se observar que os textos mencionados por
John MacArthur para defender a reconstrução do templo (Ez.37.26-27; Jr.23.6; Am.9.14-15)
são usados pelos apóstolos para se referir à igreja composta de gentios e
judeus, chamada de santuário, templo do Espírito Santo, Israel de Deus
(At.15.16-18; 2Co.6.16-18; Hb.9.11-12; Ef.2.11-22; Gl.6.16). Torna-se mais
visível o problema na interpretação dispensacionalista ao colocarmos o texto em
paralelo com a interpretação dos apóstolos:
Amós 9.11-15: “Naquele dia, levantarei o tabernáculo caído de Davi, repararei as
suas brechas; e, levantando-o das suas ruínas, restaurá-lo-ei como fora nos
dias da antiguidade; 12
para que possuam o restante de Edom e todas as nações que são chamadas pelo
meu nome, diz o SENHOR, que faz estas coisas. 13 Eis que vêm dias, diz o
SENHOR, em que o que lavra segue logo ao que ceifa, e o que pisa as uvas, ao
que lança a semente; os montes destilarão mosto, e todos os outeiros se
derreterão”.
|
Atos 15.13-18: “Depois que eles
terminaram, falou Tiago, dizendo: Irmãos, atentai nas minhas palavras: 14 expôs Simão como Deus,
primeiramente, visitou os gentios, a fim de constituir dentre eles um povo
para o seu nome. 15
Conferem com isto as palavras dos profetas, como está escrito: 16 Cumpridas estas coisas, voltarei e reedificarei o tabernáculo caído
de Davi; e, levantando-o de suas ruínas, restaurá-lo-ei. 17 Para que os demais homens
busquem o Senhor, e também todos os gentios sobre os quais tem sido invocado
o meu nome, 18 diz o
Senhor, que faz estas coisas conhecidas desde séculos.
|
14 Mudarei a sorte do meu povo de
Israel; reedificarão as cidades assoladas e nelas habitarão, plantarão vinhas
e beberão o seu vinho, farão pomares e lhes comerão o fruto. 15 Plantá-los-ei na sua terra,
e, dessa terra que lhes dei, já não serão arrancados, diz o SENHOR, teu Deus.
|
Conforme a leitura histórico-gramatical, um texto deve ser
lido por inteiro dentro dos mesmos parâmetros hermenêuticos. Por que, então, o
dispensacionalismo divide o texto de Amos 9.11-15 em duas porções, a fim de
possibilitar duas regras hermenêuticas distintas? Os apóstolos aplicaram a
primeira porção na igreja do Novo Testamento, entendendo que o tabernáculo
caído de Davi não era um templo físico que seria erguido, mas uma referência à
obra redentora de Cristo pela qual os gentios seriam atraídos para Israel. A
leitura, portanto não é literalista, mas histórico-gramatical tipológica em que
tanto Davi quanto o Tabernáculo cumprem papel tipológico messiânico, apontando
para Cristo como herdeiro das promessas, pois Ele é o restaurador do Templo
erguido em seu próprio corpo (Jo.2.18-22).
Jeremias
23.6: “Nos seus dias, Judá será salvo,
e Israel habitará seguro; será
este o seu nome, com que será chamado: SENHOR, Justiça Nossa.”
|
Mateus 13.31-32: “O reino dos céus é semelhante a um grão de
mostarda, que um homem tomou e plantou no seu campo; o qual é, na verdade, a
menor de todas as sementes, e, crescida, é maior do que as hortaliças, e se
faz árvore, de modo que as aves do céu vêm habitar nos seus ramos”
|
Romanos 3.26: “tendo em vista a
manifestação da sua justiça no
tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que
tem fé em Jesus”
|
|
Romanos 10.13: “Porque: Todo aquele
que invocar o nome do Senhor será
salvo.”
|
|
2 Pedro 1.1: “Simão Pedro, servo e
apóstolo de Jesus Cristo, aos que conosco obtiveram fé igualmente preciosa na
justiça do nosso Deus e Salvador
Jesus Cristo”
|
|
Hebreus 8.8: “E, de fato,
repreendendo-os, diz: Eis aí vêm dias, diz o Senhor, e firmarei nova aliança
com a casa de Israel e com a casa
de Judá”
|
Conforme alguns exemplos dados acima, chamamos atenção para
o fato de que o Novo Testamento faz uso de mesmos termos, apontando para Cristo por meio do qual Israel e Judá
receberam nova aliança, morada, justiça e salvação. Todos os termos apontam
para o advento de Cristo e seu Reino, sem deixar qualquer indicação de profecia
em aberto.
Ezequiel 37.26-28: “Farei com eles
aliança de paz; será aliança perpétua. Estabelecê-los-ei, e os multiplicarei,
e porei o meu santuário no meio deles, para sempre. 27 A minha morada estará com
eles; eu serei o seu Deus, e eles
serão o meu povo. 28 As
nações saberão que eu sou o SENHOR que santifico a Israel, quando o meu
santuário estiver para sempre no meio deles.”
|
2 Coríntios 6.16-18 “Que ligação
há entre o santuário de Deus e os ídolos? Porque nós somos santuário do Deus
vivente, como ele próprio disse: Habitarei e andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. 17 Por isso, retirai-vos do meio
deles, separai-vos, diz o Senhor; não toqueis em coisas impuras; e eu vos
receberei, 18 serei vosso
Pai, e vós sereis para mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-Poderoso.” (cf.
Lv.26.12; Is.52.11; Ez.37.27; 2Sm.7.14; Jr..31.31-34//Hb.8.7-13)
|
Paulo aplica à vida da igreja diversos textos direcionados
para Israel, incluindo Ezequiel 37.27, como se o propósito de Deus desde o
início fosse que o povo de Israel se constituísse de judeus e gentios: “Se um
estrangeiro habitar entre vós e também celebrar a Páscoa ao SENHOR, segundo o
estatuto da Páscoa e segundo o seu rito, assim a celebrará; um só estatuto
haverá para vós outros, tanto para o estrangeiro como para o natural da terra”
(Nm.9.14). Em Ezequiel 37.26-28, a nova aliança feita em
Cristo (Hb.8.8) manifestou a plena presença do Senhor no meio de seu povo, em
poder e santificação (At.2.38-47), pois Jesus derramou a plenitude do Espírito
sobre Israel (Jl.2.28-32). Finalmente, as nações souberam que Deus estava no meio
de seu povo, pois os judeus foram os pioneiros na evangelização do mundo (2Co.6.16;
At.8.4-8). Devemos lembrar, ainda, que o cumprimento da promessa nos dias de
Pentecostes se deu somente sobre judeus que estavam em Jerusalém, atraindo
Israel para uma nova vida fundamentada numa nova aliança feita em Cristo para
desfrute da presença abundante do Senhor, pelo Espírito Santo (At.2.42-47). Então surge a necessidade de uma pergunta: Mas, se o novo testamento
é o cumprimento de profecias sobre Israel, por que a nação negou a Cristo? A
resposta é dupla e já fora dada por Paulo, pois a mesma dúvida surgiu naqueles
dias:
Pergunto, pois:
terá Deus, porventura, rejeitado o seu povo? De modo nenhum! Porque eu também
sou israelita da descendência de Abraão, da tribo de Benjamim. 2 Deus não rejeitou o seu povo, a
quem de antemão conheceu. Ou não sabeis o que a Escritura refere a respeito de
Elias, como insta perante Deus contra Israel, dizendo: 3 Senhor, mataram os teus
profetas, arrasaram os teus altares, e só eu fiquei, e procuram tirar-me a
vida. 4 Que lhe disse, porém,
a resposta divina? Reservei para mim sete mil homens, que não dobraram os
joelhos diante de Baal. 5
Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo
a eleição da graça. (Rm.11.1-5)
Pergunto, pois:
porventura, tropeçaram para que caíssem? De modo nenhum! Mas, pela sua
transgressão, veio a salvação aos gentios, para pô-los em ciúmes. 12 Ora, se a transgressão deles
redundou em riqueza para o mundo, e o seu abatimento, em riqueza para os
gentios, quanto mais a sua plenitude! (Rm.11.11-12)
Conforme Paulo, o endurecimento de Israel nem foi total nem
foi sem propósito. Primeiramente, Paulo demonstra que Deus continua tendo
judeus convertidos, cumprindo neles as promessas feitas acerca da nova aliança
que seria estabelecida com seu povo, aliança esta que fora feita por meio de
Cristo Jesus. Posteriormente, o apóstolo revela que o endurecimento parcial
cumpre o propósito de que a Palavra do Senhor seja direcionada para as nações,
até que chegue o tempo em que a dureza do coração da nação israelita seja
encerrada e, então, todo o Israel será salvo (Rm.11.26), por meio da conversão
a Cristo, único redentor. Portanto, Paulo esperava que algo se cumprisse com
respeito a nação de Israel, mas esse cumprimento não era contrário à nova
aliança feita por meio de Cristo. A esperança de Paulo com respeito a seu povo
era a conversão da nação, sabendo que sua conversão marcaria o tempo da volta
de Jesus: “Declaro-vos, pois, que, desde agora, já não me vereis, até que
venhais a dizer: Bendito o que vem em nome do Senhor!” (Mt.23.39).
Em segundo lugar, o problema do dispensacionalismo é não
perceber que desde o Antigo Testamento o verdadeiro Israel que haveria de ser
salvo era composto de judeus e gentios que creram verdadeiramente no Senhor,
razão para que a genealogia de Jesus tenha algumas mulheres gentias: Tamar,
Raabe e Rute (Mt.1.3,5). Além delas, muitas outras pessoas fizeram parte de
Israel por meio da fé, à semelhança dos gibeonitas (Js.9.1-27), confirmados
pela guerra cósmica em que Deus lutou por eles através de Israel (Js.10.1-15).
Desta forma, nem mesmo o Antigo Testamento limitava o povo de Israel àqueles
que eram descendentes legítimos de Abraão e Sara, pois a promessa era destinada
aos que cressem, “Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da
carne, mas devem ser considerados como descendência os filhos da promessa”
(Rm.9.8 // Gl.4.28). Portanto, o plano redentor de Deus sempre foi destinado a
pessoas de todas as nações, a fim de, por meio delas, formar um povo seu, propriedade
exclusiva (1Pe.2.9). E para alcançar o ápice do projeto redentor, o Senhor
escolheu uma nação para dar à luz ao Messias, o Filho de Deus, por meio de quem
tudo se cumpriria (Gl.4.1-7).
Esse propósito redentor cósmico, não apenas local, está
presente em Gênesis 3.15, quando Deus prometeu o salvador para Adão e Eva; está
persente na aliança feita com Noé e a criação, ao prometer que não exterminaria
mais os seres vivos por meio de águas (Gn.9), a fim de que a criação pudesse
ser redimida (Rm.8.21); e, também, está presente no chamado feito a Abrão, a fim
de que nele fossem “benditas todas as famílias da terra” (Gn.12.3). E, ao
contrário do que muitos pensam, a chegada da Lei mosaica não pôs fim ao
gracioso projeto redentor, antes o confirmou santificando um povo para ser
instrumento de salvação para os povos ao redor (livro de Jonas). Assim, o
período pós-patriarcal deu sequencia ao projeto redentor, razão pela qual Deus
acrescentou outra aliança por meio de Davi, renovando sua promessa de envio do
Messias prometido para redenção do mundo (2Sm.7.1-17). Por isso, disse, também,
o salmista:
1 Seja Deus
gracioso para conosco, e nos abençoe, e faça resplandecer sobre nós o
rosto;
2 para que se
conheça na terra o teu caminho e, em todas as nações, a tua salvação.
3 Louvem-te os
povos, ó Deus; louvem-te os povos todos.
4 Alegrem-se e
exultem as gentes, pois julgas os povos com equidade e guias na terra as
nações.
5 Louvem-te os
povos, ó Deus; louvem-te os povos todos.
6 A terra deu o
seu fruto, e Deus, o nosso Deus, nos abençoa.
7 Abençoe-nos
Deus, e todos os confins da terra o temerão (Sl.67.1-7)
Em terceiro lugar, os diversos períodos da história humana,
revelados pela Escritura, não representam formas diferentes de Deus salvar as
pessoas, mas identificam níveis diferentes sobre o conhecimento redentor, de forma
que Deus aceitava a fé adequada aos limites desse conhecimento. Todos esses
períodos foram regidos por alianças que alimentavam a esperança no coração
daqueles que criam no Senhor e todas as alianças eram graciosas, pois foram
estabelecidas por meio de promessas divinas:
1 – Aliança com Adão e Eva
|
No período entre
a queda do homem e o dilúvio (Gn.3-8), os descendentes de Sete viveram pela
esperança da chegada do filho prometido, o consolador (Gn.5.29)
|
2 – Aliança com Noé e a criação
|
O tempo entre Noé
e Abrão é bastante obscuro (Gn.9-11) e parece ter sido alvo de ampla
idolatria (Js.24.2). A esperança do envio do redentor parece ter
desaparecido, mantendo-se apenas a luta pela vida (Gn.11.1-9), razão para Deus
ir em direção a um homem e retirá-lo de entre os demais (Gn.12.1-7). Aqueles
que andaram com Deus, pela fé, à semelhança de Noé, foram salvos.
|
3 – Aliança com Abraão
|
Entre Abrão e
Moisés (Gn.12 a Ex.2) a esperança da redenção foi restaurada e Deus
justificou aqueles que crerem em suas promessas (Gn.15.6).
|
4 – Aliança com Israel (Davi)
|
O último período
do Antigo Testamento se desenrola com a nação de Israel, entre os profetas
Moisés e Malaquias (Ex.3 a Ml.4). Nesse período, o povo deveria crer na
Palavra de Deus, aguardando que as promessas do Senhor se cumprissem por meio
da nação escolhida para dar à luz ao Filho de Deus (Is.9; Is.11 etc). Aqueles
que creram, viveram em acordo com a Escritura, pois aguardavam a salvação do
Senhor (Mq.6.8).
|
5 – Aliança com Cristo
|
Chegado o Messias
prometido, todas as pessoas são conclamadas a crer nEle, como cumprimento das
promessas redentoras feitas pelos profetas (Jo.3.16). Uma nova aliança é
feita em seu Nome dando início a ultima etapa da história redentora, o Novo
Testamento (Mt.26.28). A revelação chega a sua etapa final e o Reino de Deus
é chegado. Todos, então, devem crer e viver para Cristo, aguardando o fim de
todos os tempos (Gl.2.20).
|
Em quarto lugar, a leitura histórico-gramatical não é
sinônimo de literalização de tudo, mas significa ler a Escritura respeitando
cada gênero literário e os limites que lhes são próprios, tudo à luz do Novo
Testamento. Por exemplo: em João 7.38-39 Jesus diz: “Quem crer em mim, como diz
a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. Isto ele disse com
respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito
até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado”.
Jesus faz referência a descida do Espírito Santo como cumprimento de profecias
do Antigo Testamento. Todavia, nenhuma leitura literalista possibilita tal
compreensão a partir dos textos que fazem uso da expressão “águas vivas”: ["hydatos zontos"] (Gn.21.19; 26.19; Ct.4.15). Antes desse texto, Jesus faz
semelhante alusão às águas vivas em sua conversa com a mulher samaritana: “Replicou-lhe
Jesus: Se conheceras o dom de Deus e quem é o que te pede: dá-me de beber, tu
lhe pedirias, e ele te daria água viva” (Jo.4.10). Não há como negar que a
referência de ambos os textos é à descida do Espírito Santo sobre a igreja; e,
neste último texto, ocorre uma correlação textual mais interessante com a
expressão “águas vivas”, pois o profeta Zacarias profetizou esse dia: ["ydor zon"] (Nm.19.17; Zc.14.8). Seria o texto de João 4.10 e 7.38-39 o anúncio do significado de Zacarias
14.8? No mínimo, não se deve rejeitar as correlações, já que Jesus está
cumprindo a Escritura como Ele mesmo disse em João 7.38.
Outro texto simples, mas útil como exemplo aqui é Isaías
40.1-6. Nele, Deus está consolando Israel por meio de uma promessa. Mas, esta
promessa envolve figuras geológicas: “Todo vale será aterrado, e nivelados,
todos os montes e outeiros; o que é tortuoso será retificado, e os lugares
escabrosos, aplanados” (Is.40.3). Será que o profeta está dizendo que a terra
de Israel se tornaria uma grande planície? Seria esse o papel do grande
profeta? Sabemos que não, pois o cumprimento do texto se deu com a chegada de
João Batista, a “voz do que clama no deserto”: ["fone boontos en te eremo"] (Is.40.3//Mt.3.3; Mc.1.3; Lc.3.4; Jo.1.23). Portanto, o
verdadeiro sentido da figura geológica deve ser dado a partir da leitura do que
ocorreu nos dias de João Batista (aplainamento dos corações para a passagem do
Messias) por meio de seu ministério anterior ao de Cristo. Semelhantes a estes
exemplos, encontraremos centenas de textos proféticos que devem ser lidos com
cuidado, não literalizando tudo, pois caso não tenhamos a devida atenção,
seremos inclinados a considerar que João Batista tinha a missão de tornar a
terra de Israel numa planície.
ALGUNS
TERMOS E TEXTOS UTILIZADOS NA PRIMEIRA CARTA DE PEDRO
Como já dissemos, a primeira carta de Pedro possui
características importantes para nosso estudo:
1) seu autor
foi um judeu que andou com Jesus;
2) há grande
probabilidade que os destinatários tenham sido judeus dispersos pelo mundo
(Tg.1.1), pois Pedro faz distinção entre seu público e os gentios (1Pe.2.12;
4.3//At.21.21), identifica as mulheres como filhas de Sara (1Pe.3.6), chama
seus leitores de ovelhas que estavam desgarradas (provável citação das palavras
de Jesus - Mt.9.36//1Pe.2.25), chama seus leitores de “irmandade” (termo que
aparece apenas na carta de Pedro e nos apócrifos de 1 e 4 Macabeus - ["adelfotes"]), e usa uma linguagem bastante peculiar aos judeus, fazendo
referência a ritos, objetos, mandamentos e lugares próprios de Israel;
3) o apóstolo
escreve sobre a esperança cristã para aqueles cristãos-judeus, aplicando textos
veterotestamentários à chegada do Reino de Deus;
4) e, há
diversas citações do Antigo Testamento que nos possibilitam ver qual o olhar
hermenêutico desse apóstolo sobre o texto Sagrado.
Alguns desses elementos característicos da carta são
apresentados, parcialmente, nos primeiros versículos. Não ignoramos o fato de
que Pedro não se identifica como judeu, mas encontramos essa informação nos
evangelho e em Gálatas 2.14. Também, seus leitores não são identificados pelo
termo “judeus”, mas alguns indicativos mencionados anteriormente nos levam a
crer que Pedro está se dirigindo para judeus da dispersão, assim como escreveu
Tiago (Tg.1.1). Considerando que sejam esses os leitores primários, observaremos
a hermenêutica desse importante apóstolo que aprendera a ler o Antigo
Testamento a partir da obra redentora de Cristo, relacionando as profecias com
o advento do Messias e seu Reino.
Já na introdução surge um termo próprio do Antigo
Testamento, relacionado a um rito judaico. Os cristãos-judeus haviam sido
destinados à “aspersão” ["rantismos"] “do sangue de Jesus Cristo”.
O termo foi usado pela Septuaginta para se referir ao rito de jogar água na cabeça
daquele que estava impuro, a fim de que fosse considerado puro
(Nm.19.9,13,20,21). Em 1 Pedro e Hebreus, no entanto, a palavra “aspersão” é
usada para se referir à justificação dispensada àqueles que creem em Cristo
como se o sangue de Jesus tivesse sido, literalmente, derramado sobre a cabeça
do cristão (1Pe.1.2; Hb.12.24). Portanto, todos os que criam em Jesus, e nEle
perseveravam, estavam completamente e permanentemente limpos de toda impureza
por meio do sangue que foi derramado na cruz. Não havia, então, a necessidade
de qualquer rito judaico para complementar a obra redentora de Cristo.
Um pouco mais adiante, em 1 Pedro 1.4, o apóstolo faz
referência à “herança” ["kleronomia"] guardada nos céus para
seus leitores. O termo é bastante comum ao Antigo Testamento tendo em vista a
promessa da conquista da terra de Canaã (Js.1.15). Conforme, o apóstolo, no
entanto, a esperança dos cristãos-judeus encontrava-se numa herança superior e
eterna (Hb.9.15) prometida por Cristo e alcançada por meio da fé no Salvador.
Desta forma, a terra prometida do Antigo Testamento serviu de tipo da herança
celestial conquistada por Cristo Jesus (Ef.1.3; 1Pe.1.3-4), afinal resta-nos,
ainda, um descanso (Hb.4.8-11). Alimentar uma esperança terrena inferior (a
restauração do judaísmo, por exemplo) à glória de Cristo, concedida à igreja
(judeus e gentios) por meio do Espírito Santo, é o mesmo que considerar a obra
redentora insuficiente para dar plena satisfação àquele que crê; e, ainda,
trocar algo sublime por expectativas passageiras, corruptíveis e terrenas.
Observe-se que toda a esperança anunciada por Pedro, para os
cristãos-judeus, aponta para a salvação eterna, não somente na introdução, mas,
também, em toda a carta, pois ainda que o apóstolo esteja falando para judeus convertidos,
nenhuma menção é feita sobre um reinado ou restauração física de Israel. O
olhar de Pedro está fito na eternidade e os cristãos-judeus deveriam, também, aguardar
a salvação a ser revelada no “último tempo”. Portanto, os cristãos-judeus não
precisavam voltar para Jerusalém, pois a esperança deles encontrava-se tão
somente em Cristo. Afinal, a fé deles em Cristo era “muito mais preciosa do que
o ouro perecível” (1Pe.1.7), ou seja, aquilo que Jesus alcançou para os
cristãos-judeus era superior a qualquer benefício que Israel poderia alcançar
fisicamente na presente era em que o pecado ainda encontra-se entre os homens. Por
isso, Pedro não alimenta qualquer esperança física e temporária citando textos
como Amós 9.14-15, já que a esperança que lhes foi legada era muito superior a
isto.
Mas, de onde procedia a promessa redentora dos judeus? Pedro
diz que os profetas haviam profetizado sobre a graça que os cristãos-judeus
estavam vivenciando. De acordo com o apóstolo, as profecias
veterotestamentárias alcançaram seu cumprimento naquela geração dos dias de
Pedro, pois aos profetas “foi revelado que, não para si mesmos, mas para vós
outros, ministravam as coisas que, agora, vos foram anunciadas” (1Pe.1.12). Portanto,
a esperança de Israel havia alcançado seu cumprimento por meio da redenção
operada por Cristo: não mais do Egito, mas do pecado; não mais de povos
inimigos, mas do procedimento pecaminoso herdado pelos pais que transgrediram a
lei do Senhor em todas as gerações de Israel (1Pe.1.18).
Israel nunca conseguiu cumprir a lei do Senhor, conforme
determinado desde o princípio (Ex.20.1-17), porque, apesar de ser o povo de
Deus, o coração estava endurecido, incapaz de viver a santidade do Senhor
(Dt.31.27). O profeta Ezequiel, então, profetizou o dia em que Israel seria,
finalmente, capaz de viver uma vida santa à semelhança da santidade de Deus
(1Pe.1.16) quando o Espírito do Senhor lhes fosse dado: “Dar-vos-ei coração
novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e
vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que
andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis” (Ez.36.26-27).
Esse dia chegou por meio de Cristo, razão para o apóstolo Pedro relembrar o
mandamento do Senhor: “sede santos, porque Eu Sou Santo” (1Pe.1.16). Adiante,
Pedro aplica o texto de Isaías 8.13 à relação dos cristãos com Jesus dizendo: “santificai
a Cristo, como Senhor, em vosso coração” (1Pe.3.15).
Essa nova vida guiada pelo Espírito do Senhor deveria ser
vivida “durante o tempo de vossa peregrinação” (1Pe.1.17). Aqueles
cristãos-judeus estavam dispersos pelo mundo e ansiavam pelo “dia da visitação”
(1Pe.2.12) do Senhor, quando finalmente eles receberiam “a imarcescível coroa
da glória” (1Pe.5.4). Esta visitação não pode ser uma referência à queda de
Jerusalém, pois os destinatários estavam espalhados por outras nações, não
residiam na Judeia (1Pe.1.1). Também, no pode ser uma referência a qualquer
restauração da nação de Israel, pois a esperança anunciada por Pedro é “mais
preciosa do que o ouro perecível” (1Pe.1.7). A questão é: Que dia é esse, já
que a Cristo “pertence a glória e o domínio pelos séculos dos séculos”
(1Pe.4.11)? Observe-se que Pedro não oferece duas esperanças nem duas
visitações, mas uma só apontada do início ao final da carta, a fim de que os
cristãos-judeus não desistissem de perseverar, mesmo diante das muitas lutas
que enfrentavam (1Pe.1.6).
Mesmo estando dispersos, o apóstolo não os conforta com
promessas de um Israel físico glorioso, mas, sim, de uma vida eterna gloriosa, “reservada
nos céus” (1Pe.1.4). Há apenas uma esperança lembrada por Pedro, assim como,
também, há apenas um inimigo, “o diabo, vosso adversário” (1Pe.5.8). O apóstolo
ordena que os cristãos-judeus procedam com piedade e santidade, sendo exemplo
em todo comportamento diante dos gentios (1Pe.2.12), “não pagando mal por mal
ou injúria por injúria; antes, pelo contrário, bendizendo” (1Pe.3.9), “dando
razão da esperança que há em vós” (1Pe.3.15), durante o “tempo que vos resta na
carne” (1Pe.4.2), sabendo que Cristo já reina “à destra de Deus, ficando-lhe
subordinados anjos, e potestades, e poderes” (1Pe.3.22).
Em 1 Pedro 2, o apóstolo traz à luz a imagem
veterotestamentária de Israel e seu Templo, nos dias de glória da nação, quando
Deus era adorado por meio dos contínuos sacrifícios. No entanto, Pedro
substitui o Templo físico pela nova morada erguida por Deus, através da obra de
Cristo operada naqueles que criam. Nesse momento, é importante que lembremos
texto de Ezequiel 37.26-27, a fim de mostrar que os autores do Novo Testamento
haviam compreendido seu cumprimento por meio da obra redentora de Jesus:
Farei com eles aliança de paz; será
aliança perpétua. Estabelecê-los-ei, e os multiplicarei, e porei o meu santuário
no meio deles, para sempre. A minha morada estará com eles; eu serei o seu
Deus, e eles serão o meu povo. As nações saberão que eu sou o SENHOR que
santifico a Israel, quando o meu santuário estiver para sempre no meio deles.”
Todos os elementos mencionados pelo profeta Ezequiel são
encontrados no Novo Testamento em clara alusão à obra redentora de Jesus (Cl.1.20;
Hb.12.24; Ef.2.21-22; Jo.14.23; 17.17; Rm.15.16; Hb.10.10; 1Pe.3.15). A nova
aliança feita por meio do “precioso sangue” (1Pe.1.19) de Cristo trouxe “graça
e paz” para seu povo (1Pe.1.2; 5.14), pois o santuário (Ef.5.27) do Senhor foi
erguido no meio dele, sendo Cristo a pedra angular:
Chegando-vos para ele, a pedra que
vive, rejeitada, sim, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, também
vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes
sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a
Deus por intermédio de Jesus Cristo. (1Pe.2.4-5)
Pedro cria a imagem de um Templo formado de Pedras vivas, os
cristãos. A expressão “casa de oração” nos remete à expressão “casa de oração”,
usada pelo profeta Isaías (Is.56.7) e por Jesus (Mt.21.13), referência ao
Templo de Israel. Portanto, segundo Pedro, os cristãos formam um Templo no qual
Deus manifesta sua presença e glória, recebendo “sacrifícios espirituais” por
meio de Jesus Cristo. Desta forma, Deus habita no meio de seu povo (não “em
templos feitos por mãos de homens” - At.17.24), conforme Jesus já havia prometido
aos discípulos que o faria: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu
Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada” (Jo.14.23).
Por meio de Jesus, então, Deus cumpriu sua promessa de
erguer no meio de seu povo seu santuário para habitar para sempre nele. Desde
então, o Espírito do Senhor habita na igreja formada tanto de judeus quanto de
gentios e estará para sempre com ela. Portanto, por qual razão Deus negaria sua
obra redentora, retrocedendo para que Israel tivesse um templo feito por mãos
de homens no meio da nação? Jesus havia dito que aquele templo seria destruído
(Mt.24.2) sem qualquer promessa de reconstrução, pois o verdadeiro Templo de
Deus é o corpo de Cristo (Jo.2.21), por meio do qual todo o que crê o adora em “ESPÍRITO
e em VERDADE” (Jo.4.23-24). Por qual razão o Senhor se agradaria em ver Israel
negá-lo, praticando ritos inúteis, já que “é impossível que o sangue de touros
e de bodes remova pecados” (Hb.10.4)? O novo Templo de Deus havia sido erguido
e era composto de pedras que vivem, não pedras sem vida (1Pe.2.5).
A explicação de Pedro sobre a igreja ser “casa espiritual”
foi bem entendida pelos cristãos-judeus, acostumados a adorar a Deus no Templo
de Jerusalém. Agora, porém, eles adorariam ao Senhor em qualquer lugar por meio
de Cristo, oferecendo “sacrifícios espirituais agradáveis a Deus” (1Pe.2.5),
portanto eles eram “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de
propriedade exclusiva de Deus” (1Pe.2.9). O apóstolo, então, aplica o texto de
Êxodo 19.5-6, Deuteronômio 7.6 e 14.2 aos cristãos-judeus. Ou seja, eles que
criam em Cristo eram o verdadeiro Israel de Deus, não aqueles que negavam Jesus
(1Pe.2.6-8). Mas, alguém poderia pensar que Pedro estava apenas repetindo a Palavra
do Senhor, destinada a Israel, afinal aqueles cristãos eram judeus. Por isso,
Pedro continua dizendo: “vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois
povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes
misericórdia” (1Pe.2.10). Ou seja, sem Cristo os judeus não poderiam ser
considerados legítimo povo de Deus (Mt.23.15; Jo.8.44), pois a eterna salvação
do Senhor, prometida pelos profetas, está destinada apenas aos que creem no
Filho de Deus.
Toda esperança e glória dos cristãos-judeus, para os quais
Pedro escreve, apontam para a salvação eterna. Ainda que eles estivessem passando
por provações promovidas pelos gentios que criavam problemas pessoais e
políticos, não deveriam lutar com armas humanas, mas guerrear contra as
próprias paixões (1Pe.2.11). Por essa razão, o apóstolo os exorta a se
comportarem com piedade em todo tempo, tanto diante de todos os homens comuns
quanto diante das autoridades (1Pe.2.13-14). Esse procedimento deveria ser
coerente com a esperança que tinham em Cristo, pois aguardavam a recompensa de
Deus à semelhança de Cristo que sofreu por nós, mas depois foi glorificado
(1Pe.3.13-22). Essa era a verdadeira esperança de Israel, a mesma que deveria
ser aguardada ainda hoje.
Jerusalém, então, não é o foco do Novo Testamento no qual o
nome da cidade só aparece 14 vezes, considerando as cartas paulinas, cartas
gerais e Apocalipse. O apóstolo Pedro não faz menção desta cidade nenhuma vez
(ainda que faça menção da Babilônia) nem do Templo físico de Jerusalém nem de
qualquer esperança de reinado terreno com Jesus, todavia anima os cristãos-judeus
lhes falando sobre o cumprimento da obra redentora que os havia alcançado, “porque
estáveis desgarrados como ovelhas, agora, porém, vos convertestes ao Pastor e
Bispo da vossa alma” (1Pe.2.25).
Portanto, falando de judeu para judeus, Pedro aplica os
textos do Antigo Testamento à vida com Cristo sem qualquer alusão a esperanças
físicas e terrenas, passageiras e políticas para o povo de Israel. Deveríamos,
em nossos dias, proceder de igual forma, anunciando a Cristo como única
esperança para Israel e todas as demais nações. Conforme Pedro a única glória a
ser aguardada pelos judeus é a vida eterna em Cristo; e, segundo Jesus e Paulo,
o povo de Israel ainda reconhecerá que o Messias já veio, para quem toda a
Escritura Sagrada do Antigo Testamento aponta, tendo cumprido os ritos
judaicos, confirmado os mandamentos da lei e concretizado as promessas
proferidas pelos profetas.
Excelente artigo Reverendo! Tirou todas as dúvidas que restavam, especialmente a que eu tinha sobre o livro de Ezequiel. Deus abençoe!
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