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sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Porque não sou dispensacionalista

Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pe.2.9)

Não há melhor interpretação da Escritura do que aquela oferecida por ela mesma. Portanto, não há melhor forma de compreender as profecias dirigidas para Israel nas páginas do Antigo Testamento do que ouvindo a interpretação pela boca dos autores do Novo Testamento. Além disso, há grandes implicações decorrentes de nossa forma de ler a Escritura Sagrada, pois aqueles que contemplam a glória de Cristo no Antigo e Novo Testamento encontram, já no presente, todo conforto e esperança que alcançarão sua plenitude por ocasião da volta de Jesus. Mas, aqueles que leem a escritura pelo olhar de um judeu nacionalista, transferem a glória para a nação de Israel, deixando de apreciar a tipologia messiânica presente no Antigo Testamento, enquanto aguardam cumprimentos que apenas tangem a igreja de Jesus. Por essa razão, desejamos, também, demonstrar como o apóstolo Pedro, em sua primeira carta aos judeus da dispersão (1Pe.1.1), interpreta as profecias acerca de Israel através de Cristo. Consequentemente, mostraremos como a interpretação dispensacionalista possui profundos equívocos ao substituir Cristo por Israel como alvo de diversas profecias veterotestamentárias e, assim, apontar o problema de uma leitura histórico-gramatical realizada pelo olhar de um cristão, ainda, judaizado.

Gostaria de ir mais a fundo na problemática, afirmando que “é pecado não interpretar o Antigo Testamento à luz do Novo Testamento”, pois ao fazer isso o intérprete tanto despreza a revelação divina, concedida graciosamente para nosso pleno conhecimento sobre Deus e sua história redentora, quanto arroga para si a prerrogativa de ser autossuficiente, procurando respostas interpretativas sem o auxílio do Senhor. Tendo em vista nossa incapacidade de compreender a Escritura sozinhos, Jesus revelou o Novo Testamento à igreja (Hb.1.1-2), a fim de “dar a conhecer qual seja a riqueza da glória deste mistério entre os gentios, isto é, Cristo em vós, a esperança da glória” (Cl.1.27), sabendo que “não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa” (Gl.3.28-29). Sem Cristo, não compreenderíamos que Oséias 11.1 era mais que uma referência à saída de Israel do Egito, pois tipologicamente apontava para a saída do Filho de Deus do meio daquela nação escravizadora (Mt.2.15). Todavia, os textos não eram simbólicos nem alegóricos, mas encontravam seu cumprimento por meio do papel da nação escolhida para dar à luz ao Filho de Deus, constituída em tipo messiânico do redentor.

Este esclarecimento primeiramente foi concedido aos discípulos, após a morte e ressureição de Jesus, a fim de que compreendessem que a esperança de Israel não havia falhado, como pensaram os discípulos de Emaús, pois a esperança de Israel encontrava-se na redenção consumada por meio da morte e ressurreição de Cristo: “Ora, nós esperávamos que fosse ele quem havia de redimir a Israel; mas, depois de tudo isto, é já este o terceiro dia desde que tais coisas sucederam” (Lc.24.21). Por quarenta dias, Jesus lhes ensinou a interpretar o Antigo Testamento corretamente, lendo-o pelos olhos de sua chegada e obra (At.1.3) e esta correta interpretação pode ser encontrada nas pregações registradas em Atos dos apóstolos e em todas as cartas dirigidas para as igrejas. Portanto, após terem compreendido a correta interpretação e propósito do Antigo Testamento, os discípulos a transmitiram para a igreja, mostrando que Israel não era o alvo da Escritura, e, sim, o Filho de Deus, tipificado no povo escolhido, pois “as promessas foram feitas a Abraão e ao seu descendente. Não diz: E aos descendentes, como se falando de muitos, porém como de um só: E ao teu descendente, que é Cristo” (Gl.3.16).

Para demonstrarmos, então, que a leitura literalista judaizante desvirtua o propósito do texto veterotestamentário, apontaremos alguns problemas do dispensacionalismo e analisaremos alguns termos e textos utilizados por Pedro em sua primeira carta, tendo em vista que o apóstolo escreve para cristãos-judeus que estavam dispersos pelo mundo e que, nesse uso, ele não aponta para qualquer futuro cumprimento profética direcionado à nação de Israel, pois, em Cristo, as profecias dirigidas a Israel já haviam encontrado seu cumprimento e os cristãos-judeus já estavam desfrutando dos benefícios da concretização das profecias escatológicas pronunciadas pelos profetas.


ALGUNS PROBLEMAS DO DISPENSACIONALISMO

Precisamos esclarecer alguns pontos importantes sobre o assunto: Primeiramente, o problema do dispensacionalismo não é o reconhecimento de que a nação de Israel ainda tem papel na história redentora, pois esta verdade é ensinada pelo Novo Testamento (Mt.23.39; Rm.11), afinal a grande tribulação mencionada por Jesus (Mt.24.21) se cumpriu no período da queda de Jerusalém 70 d.C., quando os judeus foram espalhados pelo mundo, e teve seu fim na reorganização da nação em 1948. Todavia, conforme Jesus e, também, Paulo, a restauração de Israel não aponta para a reestruturação do judaísmo veterotestamentário, mas para o reconhecimento de que o cristianismo é o verdadeiro cumprimento da Palavra de Deus proferida pelos profetas, segundo aconteceu com os apóstolos (Mt.16.13-17; Rm.11.1,26), pois qualquer retorno de Israel ao culto e sacrifício judaico se constitui em completa negação da obra redentora de Cristo, como reconstrução daquilo que fora derribado (Gl.2.18), de forma que não podemos chamar de cumprimento profético restaurador a rebeldia dos judeus que negam o Messias prometido. Esse assunto foi amplamente trabalhado por Paulo em Gálatas e pelo autor de Hebreus que revelaram a forma como ler o Antigo Testamento por meio de Cristo.

Além disso, Jesus fez referência à queda do Templo de Jerusalém, mas não fez igual menção a sua restauração física (Mt.24.1-51). Também o apóstolo João esclarece o assunto ao revelar que a reconstrução do Templo ocorreria por meio da ressurreição de Cristo (Jo.2.18-22), em quem, diz Paulo, “habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade” (Cl.2.9), chamado, também, de “Pedra angular”, pelo apóstolo Pedro (1Pe.2.5-10). Interessante observarmos as palavras de Jesus no texto de João, a fim de que apliquemos uma exegese histórico-gramatical:

18 Perguntaram-lhe, pois, os judeus: Que sinal nos mostras, para fazeres estas coisas?
19 Jesus lhes respondeu: Destruí este santuário, e em três dias o reconstruirei.
20 Replicaram os judeus: Em quarenta e seis anos foi edificado este santuário, e tu, em três dias, o levantarás?
21 Ele, porém, se referia ao santuário do seu corpo.
22 Quando, pois, Jesus ressuscitou dentre os mortos, lembraram-se os seus discípulos de que ele dissera isto; e creram na Escritura e na palavra de Jesus. (Jo.2.18-22)

Os judeus estavam aborrecidos com Jesus por este ter expulsado os vendedores do Templo. Então, eles o questionam, tentando-o, pois queriam pegá-lo em alguma palavra para o acusarem. Diante da pergunta dos judeus, Jesus responde:


“Derribai este Templo e em três dias o levantarei” (Jo.2.19)

Não há qualquer dificuldade para se traduzir a resposta de Jesus, pois ela é simples, apesar de ter criado mais confusão do que esclarecimento para os judeus. Jesus diz: derribai este Templo (verbo na segunda pessoa do imperativo aoristo), pedindo-lhes que colocassem o Templo abaixo. Com o pronome “este”, Ele dá a entender que se referia ao Templo de Israel que estava diante dos olhos de todos, pois eles estavam no Templo na ocasião do diálogo (Jo.2.14-16), afinal a palavra Templo não era usada para se referir ao corpo humano. Os judeus devem ter olhado para o imenso tamanho do Templo e considerado estranho o que Jesus pediu.

Todavia, o mais estranho vem em seguida, com a segunda metade da fala de Jesus: “em três dias o levantarei”. A estrutura da oração é bastante simples composta de uma locução adverbial de tempo: “em três dias”; um sujeito oculto identificado pelo verbo que está em primeira pessoa (eu); um verbo transitivo direto no futuro do indicativo; e, por fim, seu objeto, o pronome que aparece no final. O pronome ["auton"] concorda com o substantivo para o qual se refere ["naon"], sendo ambos masculinos e singulares. Portanto, não há dificuldade em se entender o que Jesus disse: “Derrubem este Templo e em três dias eu o levantarei”. Foi exatamente isso que os judeus entenderam e, por essa razão, ficaram atônitos com a resposta de Jesus, a ponto de o questionarem outra vez: “Em quarenta e seis anos foi edificado este santuário, e tu, em três dias, o levantarás?” (Jo.2.20).

O mais interessante de toda a análise exegética feita das palavras de Jesus é que ela não quer dizer o que estava dizendo, conforme o autor do evangelho revelará para nós em seguida: “Ele, porém, se referia ao santuário do seu corpo” (Jo.2.21). Ou seja, a análise literalista dos judeus não os conduziu ao correto entendimento do que Jesus queria dizer, sendo, portanto, inadequada para o sinal profético anunciado por Cristo. Nesse momento, então, devemos perguntar: Somente Jesus fez uso de profecias que aparentemente diziam uma coisa, mas que, na verdade, tinham um propósito profético tipológico? Será que devemos limitar o uso da tipologia a este texto? Os autores do Novo Testamento não fizeram uso da mesma leitura em diversas outras citações do Antigo Testamento?

É interessante se observar que os textos mencionados por John MacArthur para defender a reconstrução do templo (Ez.37.26-27; Jr.23.6; Am.9.14-15) são usados pelos apóstolos para se referir à igreja composta de gentios e judeus, chamada de santuário, templo do Espírito Santo, Israel de Deus (At.15.16-18; 2Co.6.16-18; Hb.9.11-12; Ef.2.11-22; Gl.6.16). Torna-se mais visível o problema na interpretação dispensacionalista ao colocarmos o texto em paralelo com a interpretação dos apóstolos:

Amós 9.11-15: “Naquele dia, levantarei o tabernáculo caído de Davi, repararei as suas brechas; e, levantando-o das suas ruínas, restaurá-lo-ei como fora nos dias da antiguidade;  12 para que possuam o restante de Edom e todas as nações que são chamadas pelo meu nome, diz o SENHOR, que faz estas coisas13 Eis que vêm dias, diz o SENHOR, em que o que lavra segue logo ao que ceifa, e o que pisa as uvas, ao que lança a semente; os montes destilarão mosto, e todos os outeiros se derreterão”. 
Atos 15.13-18: “Depois que eles terminaram, falou Tiago, dizendo: Irmãos, atentai nas minhas palavras:  14 expôs Simão como Deus, primeiramente, visitou os gentios, a fim de constituir dentre eles um povo para o seu nome.  15 Conferem com isto as palavras dos profetas, como está escrito:  16 Cumpridas estas coisas, voltarei e reedificarei o tabernáculo caído de Davi; e, levantando-o de suas ruínas, restaurá-lo-ei.  17 Para que os demais homens busquem o Senhor, e também todos os gentios sobre os quais tem sido invocado o meu nome,  18 diz o Senhor, que faz estas coisas conhecidas desde séculos.
14 Mudarei a sorte do meu povo de Israel; reedificarão as cidades assoladas e nelas habitarão, plantarão vinhas e beberão o seu vinho, farão pomares e lhes comerão o fruto.  15 Plantá-los-ei na sua terra, e, dessa terra que lhes dei, já não serão arrancados, diz o SENHOR, teu Deus.


Conforme a leitura histórico-gramatical, um texto deve ser lido por inteiro dentro dos mesmos parâmetros hermenêuticos. Por que, então, o dispensacionalismo divide o texto de Amos 9.11-15 em duas porções, a fim de possibilitar duas regras hermenêuticas distintas? Os apóstolos aplicaram a primeira porção na igreja do Novo Testamento, entendendo que o tabernáculo caído de Davi não era um templo físico que seria erguido, mas uma referência à obra redentora de Cristo pela qual os gentios seriam atraídos para Israel. A leitura, portanto não é literalista, mas histórico-gramatical tipológica em que tanto Davi quanto o Tabernáculo cumprem papel tipológico messiânico, apontando para Cristo como herdeiro das promessas, pois Ele é o restaurador do Templo erguido em seu próprio corpo (Jo.2.18-22).

Jeremias 23.6: “Nos seus dias, Judá será salvo, e Israel habitará seguro; será este o seu nome, com que será chamado: SENHOR, Justiça Nossa.”
Mateus 13.31-32:  “O reino dos céus é semelhante a um grão de mostarda, que um homem tomou e plantou no seu campo; o qual é, na verdade, a menor de todas as sementes, e, crescida, é maior do que as hortaliças, e se faz árvore, de modo que as aves do céu vêm habitar nos seus ramos”
Romanos 3.26: “tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus”
Romanos 10.13: “Porque: Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.”
2 Pedro 1.1: “Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo, aos que conosco obtiveram fé igualmente preciosa na justiça do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo”
Hebreus 8.8: “E, de fato, repreendendo-os, diz: Eis aí vêm dias, diz o Senhor, e firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá

Conforme alguns exemplos dados acima, chamamos atenção para o fato de que o Novo Testamento faz uso de mesmos termos, apontando para Cristo por meio do qual Israel e Judá receberam nova aliança, morada, justiça e salvação. Todos os termos apontam para o advento de Cristo e seu Reino, sem deixar qualquer indicação de profecia em aberto.

Ezequiel 37.26-28: “Farei com eles aliança de paz; será aliança perpétua. Estabelecê-los-ei, e os multiplicarei, e porei o meu santuário no meio deles, para sempre.  27 A minha morada estará com eles; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo28 As nações saberão que eu sou o SENHOR que santifico a Israel, quando o meu santuário estiver para sempre no meio deles.”
2 Coríntios 6.16-18 “Que ligação há entre o santuário de Deus e os ídolos? Porque nós somos santuário do Deus vivente, como ele próprio disse: Habitarei e andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o meu povo17 Por isso, retirai-vos do meio deles, separai-vos, diz o Senhor; não toqueis em coisas impuras; e eu vos receberei,  18 serei vosso Pai, e vós sereis para mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-Poderoso.” (cf. Lv.26.12; Is.52.11; Ez.37.27; 2Sm.7.14; Jr..31.31-34//Hb.8.7-13)

Paulo aplica à vida da igreja diversos textos direcionados para Israel, incluindo Ezequiel 37.27, como se o propósito de Deus desde o início fosse que o povo de Israel se constituísse de judeus e gentios: “Se um estrangeiro habitar entre vós e também celebrar a Páscoa ao SENHOR, segundo o estatuto da Páscoa e segundo o seu rito, assim a celebrará; um só estatuto haverá para vós outros, tanto para o estrangeiro como para o natural da terra” (Nm.9.14). Em Ezequiel 37.26-28, a nova aliança feita em Cristo (Hb.8.8) manifestou a plena presença do Senhor no meio de seu povo, em poder e santificação (At.2.38-47), pois Jesus derramou a plenitude do Espírito sobre Israel (Jl.2.28-32). Finalmente, as nações souberam que Deus estava no meio de seu povo, pois os judeus foram os pioneiros na evangelização do mundo (2Co.6.16; At.8.4-8). Devemos lembrar, ainda, que o cumprimento da promessa nos dias de Pentecostes se deu somente sobre judeus que estavam em Jerusalém, atraindo Israel para uma nova vida fundamentada numa nova aliança feita em Cristo para desfrute da presença abundante do Senhor, pelo Espírito Santo (At.2.42-47). Então surge a necessidade de uma pergunta: Mas, se o novo testamento é o cumprimento de profecias sobre Israel, por que a nação negou a Cristo? A resposta é dupla e já fora dada por Paulo, pois a mesma dúvida surgiu naqueles dias:

Pergunto, pois: terá Deus, porventura, rejeitado o seu povo? De modo nenhum! Porque eu também sou israelita da descendência de Abraão, da tribo de Benjamim.  2 Deus não rejeitou o seu povo, a quem de antemão conheceu. Ou não sabeis o que a Escritura refere a respeito de Elias, como insta perante Deus contra Israel, dizendo:  3 Senhor, mataram os teus profetas, arrasaram os teus altares, e só eu fiquei, e procuram tirar-me a vida.  4 Que lhe disse, porém, a resposta divina? Reservei para mim sete mil homens, que não dobraram os joelhos diante de Baal.  5 Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça. (Rm.11.1-5)
Pergunto, pois: porventura, tropeçaram para que caíssem? De modo nenhum! Mas, pela sua transgressão, veio a salvação aos gentios, para pô-los em ciúmes.  12 Ora, se a transgressão deles redundou em riqueza para o mundo, e o seu abatimento, em riqueza para os gentios, quanto mais a sua plenitude! (Rm.11.11-12)

Conforme Paulo, o endurecimento de Israel nem foi total nem foi sem propósito. Primeiramente, Paulo demonstra que Deus continua tendo judeus convertidos, cumprindo neles as promessas feitas acerca da nova aliança que seria estabelecida com seu povo, aliança esta que fora feita por meio de Cristo Jesus. Posteriormente, o apóstolo revela que o endurecimento parcial cumpre o propósito de que a Palavra do Senhor seja direcionada para as nações, até que chegue o tempo em que a dureza do coração da nação israelita seja encerrada e, então, todo o Israel será salvo (Rm.11.26), por meio da conversão a Cristo, único redentor. Portanto, Paulo esperava que algo se cumprisse com respeito a nação de Israel, mas esse cumprimento não era contrário à nova aliança feita por meio de Cristo. A esperança de Paulo com respeito a seu povo era a conversão da nação, sabendo que sua conversão marcaria o tempo da volta de Jesus: “Declaro-vos, pois, que, desde agora, já não me vereis, até que venhais a dizer: Bendito o que vem em nome do Senhor!” (Mt.23.39).

Em segundo lugar, o problema do dispensacionalismo é não perceber que desde o Antigo Testamento o verdadeiro Israel que haveria de ser salvo era composto de judeus e gentios que creram verdadeiramente no Senhor, razão para que a genealogia de Jesus tenha algumas mulheres gentias: Tamar, Raabe e Rute (Mt.1.3,5). Além delas, muitas outras pessoas fizeram parte de Israel por meio da fé, à semelhança dos gibeonitas (Js.9.1-27), confirmados pela guerra cósmica em que Deus lutou por eles através de Israel (Js.10.1-15). Desta forma, nem mesmo o Antigo Testamento limitava o povo de Israel àqueles que eram descendentes legítimos de Abraão e Sara, pois a promessa era destinada aos que cressem, “Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da carne, mas devem ser considerados como descendência os filhos da promessa” (Rm.9.8 // Gl.4.28). Portanto, o plano redentor de Deus sempre foi destinado a pessoas de todas as nações, a fim de, por meio delas, formar um povo seu, propriedade exclusiva (1Pe.2.9). E para alcançar o ápice do projeto redentor, o Senhor escolheu uma nação para dar à luz ao Messias, o Filho de Deus, por meio de quem tudo se cumpriria (Gl.4.1-7).

Esse propósito redentor cósmico, não apenas local, está presente em Gênesis 3.15, quando Deus prometeu o salvador para Adão e Eva; está persente na aliança feita com Noé e a criação, ao prometer que não exterminaria mais os seres vivos por meio de águas (Gn.9), a fim de que a criação pudesse ser redimida (Rm.8.21); e, também, está presente no chamado feito a Abrão, a fim de que nele fossem “benditas todas as famílias da terra” (Gn.12.3). E, ao contrário do que muitos pensam, a chegada da Lei mosaica não pôs fim ao gracioso projeto redentor, antes o confirmou santificando um povo para ser instrumento de salvação para os povos ao redor (livro de Jonas). Assim, o período pós-patriarcal deu sequencia ao projeto redentor, razão pela qual Deus acrescentou outra aliança por meio de Davi, renovando sua promessa de envio do Messias prometido para redenção do mundo (2Sm.7.1-17). Por isso, disse, também, o salmista:

1 Seja Deus gracioso para conosco, e nos abençoe, e faça resplandecer sobre nós o rosto; 
2 para que se conheça na terra o teu caminho e, em todas as nações, a tua salvação. 
3 Louvem-te os povos, ó Deus; louvem-te os povos todos. 
4 Alegrem-se e exultem as gentes, pois julgas os povos com equidade e guias na terra as nações. 
5 Louvem-te os povos, ó Deus; louvem-te os povos todos. 
6 A terra deu o seu fruto, e Deus, o nosso Deus, nos abençoa. 
7 Abençoe-nos Deus, e todos os confins da terra o temerão (Sl.67.1-7)

Em terceiro lugar, os diversos períodos da história humana, revelados pela Escritura, não representam formas diferentes de Deus salvar as pessoas, mas identificam níveis diferentes sobre o conhecimento redentor, de forma que Deus aceitava a fé adequada aos limites desse conhecimento. Todos esses períodos foram regidos por alianças que alimentavam a esperança no coração daqueles que criam no Senhor e todas as alianças eram graciosas, pois foram estabelecidas por meio de promessas divinas:

1 – Aliança com Adão e Eva
No período entre a queda do homem e o dilúvio (Gn.3-8), os descendentes de Sete viveram pela esperança da chegada do filho prometido, o consolador (Gn.5.29)
2 – Aliança com Noé e a criação
O tempo entre Noé e Abrão é bastante obscuro (Gn.9-11) e parece ter sido alvo de ampla idolatria (Js.24.2). A esperança do envio do redentor parece ter desaparecido, mantendo-se apenas a luta pela vida (Gn.11.1-9), razão para Deus ir em direção a um homem e retirá-lo de entre os demais (Gn.12.1-7). Aqueles que andaram com Deus, pela fé, à semelhança de Noé, foram salvos.
3 – Aliança com Abraão
Entre Abrão e Moisés (Gn.12 a Ex.2) a esperança da redenção foi restaurada e Deus justificou aqueles que crerem em suas promessas (Gn.15.6).
4 – Aliança com Israel (Davi)
O último período do Antigo Testamento se desenrola com a nação de Israel, entre os profetas Moisés e Malaquias (Ex.3 a Ml.4). Nesse período, o povo deveria crer na Palavra de Deus, aguardando que as promessas do Senhor se cumprissem por meio da nação escolhida para dar à luz ao Filho de Deus (Is.9; Is.11 etc). Aqueles que creram, viveram em acordo com a Escritura, pois aguardavam a salvação do Senhor (Mq.6.8).
5 – Aliança com Cristo
Chegado o Messias prometido, todas as pessoas são conclamadas a crer nEle, como cumprimento das promessas redentoras feitas pelos profetas (Jo.3.16). Uma nova aliança é feita em seu Nome dando início a ultima etapa da história redentora, o Novo Testamento (Mt.26.28). A revelação chega a sua etapa final e o Reino de Deus é chegado. Todos, então, devem crer e viver para Cristo, aguardando o fim de todos os tempos (Gl.2.20).

Em quarto lugar, a leitura histórico-gramatical não é sinônimo de literalização de tudo, mas significa ler a Escritura respeitando cada gênero literário e os limites que lhes são próprios, tudo à luz do Novo Testamento. Por exemplo: em João 7.38-39 Jesus diz: “Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado”. Jesus faz referência a descida do Espírito Santo como cumprimento de profecias do Antigo Testamento. Todavia, nenhuma leitura literalista possibilita tal compreensão a partir dos textos que fazem uso da expressão “águas vivas”: ["hydatos zontos"] (Gn.21.19; 26.19; Ct.4.15). Antes desse texto, Jesus faz semelhante alusão às águas vivas em sua conversa com a mulher samaritana: “Replicou-lhe Jesus: Se conheceras o dom de Deus e quem é o que te pede: dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva” (Jo.4.10). Não há como negar que a referência de ambos os textos é à descida do Espírito Santo sobre a igreja; e, neste último texto, ocorre uma correlação textual mais interessante com a expressão “águas vivas”, pois o profeta Zacarias profetizou esse dia: ["ydor zon"] (Nm.19.17; Zc.14.8). Seria o texto de João 4.10  e 7.38-39 o anúncio do significado de Zacarias 14.8? No mínimo, não se deve rejeitar as correlações, já que Jesus está cumprindo a Escritura como Ele mesmo disse em João 7.38.

Outro texto simples, mas útil como exemplo aqui é Isaías 40.1-6. Nele, Deus está consolando Israel por meio de uma promessa. Mas, esta promessa envolve figuras geológicas: “Todo vale será aterrado, e nivelados, todos os montes e outeiros; o que é tortuoso será retificado, e os lugares escabrosos, aplanados” (Is.40.3). Será que o profeta está dizendo que a terra de Israel se tornaria uma grande planície? Seria esse o papel do grande profeta? Sabemos que não, pois o cumprimento do texto se deu com a chegada de João Batista, a “voz do que clama no deserto”: ["fone boontos en te eremo"] (Is.40.3//Mt.3.3; Mc.1.3; Lc.3.4; Jo.1.23). Portanto, o verdadeiro sentido da figura geológica deve ser dado a partir da leitura do que ocorreu nos dias de João Batista (aplainamento dos corações para a passagem do Messias) por meio de seu ministério anterior ao de Cristo. Semelhantes a estes exemplos, encontraremos centenas de textos proféticos que devem ser lidos com cuidado, não literalizando tudo, pois caso não tenhamos a devida atenção, seremos inclinados a considerar que João Batista tinha a missão de tornar a terra de Israel numa planície.


ALGUNS TERMOS E TEXTOS UTILIZADOS NA PRIMEIRA CARTA DE PEDRO

Como já dissemos, a primeira carta de Pedro possui características importantes para nosso estudo:

1) seu autor foi um judeu que andou com Jesus;
2) há grande probabilidade que os destinatários tenham sido judeus dispersos pelo mundo (Tg.1.1), pois Pedro faz distinção entre seu público e os gentios (1Pe.2.12; 4.3//At.21.21), identifica as mulheres como filhas de Sara (1Pe.3.6), chama seus leitores de ovelhas que estavam desgarradas (provável citação das palavras de Jesus - Mt.9.36//1Pe.2.25), chama seus leitores de “irmandade” (termo que aparece apenas na carta de Pedro e nos apócrifos de 1 e 4 Macabeus - ["adelfotes"]), e usa uma linguagem bastante peculiar aos judeus, fazendo referência a ritos, objetos, mandamentos e lugares próprios de Israel;
3) o apóstolo escreve sobre a esperança cristã para aqueles cristãos-judeus, aplicando textos veterotestamentários à chegada do Reino de Deus;
4) e, há diversas citações do Antigo Testamento que nos possibilitam ver qual o olhar hermenêutico desse apóstolo sobre o texto Sagrado.

Alguns desses elementos característicos da carta são apresentados, parcialmente, nos primeiros versículos. Não ignoramos o fato de que Pedro não se identifica como judeu, mas encontramos essa informação nos evangelho e em Gálatas 2.14. Também, seus leitores não são identificados pelo termo “judeus”, mas alguns indicativos mencionados anteriormente nos levam a crer que Pedro está se dirigindo para judeus da dispersão, assim como escreveu Tiago (Tg.1.1). Considerando que sejam esses os leitores primários, observaremos a hermenêutica desse importante apóstolo que aprendera a ler o Antigo Testamento a partir da obra redentora de Cristo, relacionando as profecias com o advento do Messias e seu Reino.

Já na introdução surge um termo próprio do Antigo Testamento, relacionado a um rito judaico. Os cristãos-judeus haviam sido destinados à “aspersão” ["rantismos"] “do sangue de Jesus Cristo”. O termo foi usado pela Septuaginta para se referir ao rito de jogar água na cabeça daquele que estava impuro, a fim de que fosse considerado puro (Nm.19.9,13,20,21). Em 1 Pedro e Hebreus, no entanto, a palavra “aspersão” é usada para se referir à justificação dispensada àqueles que creem em Cristo como se o sangue de Jesus tivesse sido, literalmente, derramado sobre a cabeça do cristão (1Pe.1.2; Hb.12.24). Portanto, todos os que criam em Jesus, e nEle perseveravam, estavam completamente e permanentemente limpos de toda impureza por meio do sangue que foi derramado na cruz. Não havia, então, a necessidade de qualquer rito judaico para complementar a obra redentora de Cristo.

Um pouco mais adiante, em 1 Pedro 1.4, o apóstolo faz referência à “herança” ["kleronomia"] guardada nos céus para seus leitores. O termo é bastante comum ao Antigo Testamento tendo em vista a promessa da conquista da terra de Canaã (Js.1.15). Conforme, o apóstolo, no entanto, a esperança dos cristãos-judeus encontrava-se numa herança superior e eterna (Hb.9.15) prometida por Cristo e alcançada por meio da fé no Salvador. Desta forma, a terra prometida do Antigo Testamento serviu de tipo da herança celestial conquistada por Cristo Jesus (Ef.1.3; 1Pe.1.3-4), afinal resta-nos, ainda, um descanso (Hb.4.8-11). Alimentar uma esperança terrena inferior (a restauração do judaísmo, por exemplo) à glória de Cristo, concedida à igreja (judeus e gentios) por meio do Espírito Santo, é o mesmo que considerar a obra redentora insuficiente para dar plena satisfação àquele que crê; e, ainda, trocar algo sublime por expectativas passageiras, corruptíveis e terrenas.

Observe-se que toda a esperança anunciada por Pedro, para os cristãos-judeus, aponta para a salvação eterna, não somente na introdução, mas, também, em toda a carta, pois ainda que o apóstolo esteja falando para judeus convertidos, nenhuma menção é feita sobre um reinado ou restauração física de Israel. O olhar de Pedro está fito na eternidade e os cristãos-judeus deveriam, também, aguardar a salvação a ser revelada no “último tempo”. Portanto, os cristãos-judeus não precisavam voltar para Jerusalém, pois a esperança deles encontrava-se tão somente em Cristo. Afinal, a fé deles em Cristo era “muito mais preciosa do que o ouro perecível” (1Pe.1.7), ou seja, aquilo que Jesus alcançou para os cristãos-judeus era superior a qualquer benefício que Israel poderia alcançar fisicamente na presente era em que o pecado ainda encontra-se entre os homens. Por isso, Pedro não alimenta qualquer esperança física e temporária citando textos como Amós 9.14-15, já que a esperança que lhes foi legada era muito superior a isto.

Mas, de onde procedia a promessa redentora dos judeus? Pedro diz que os profetas haviam profetizado sobre a graça que os cristãos-judeus estavam vivenciando. De acordo com o apóstolo, as profecias veterotestamentárias alcançaram seu cumprimento naquela geração dos dias de Pedro, pois aos profetas “foi revelado que, não para si mesmos, mas para vós outros, ministravam as coisas que, agora, vos foram anunciadas” (1Pe.1.12). Portanto, a esperança de Israel havia alcançado seu cumprimento por meio da redenção operada por Cristo: não mais do Egito, mas do pecado; não mais de povos inimigos, mas do procedimento pecaminoso herdado pelos pais que transgrediram a lei do Senhor em todas as gerações de Israel (1Pe.1.18).

Israel nunca conseguiu cumprir a lei do Senhor, conforme determinado desde o princípio (Ex.20.1-17), porque, apesar de ser o povo de Deus, o coração estava endurecido, incapaz de viver a santidade do Senhor (Dt.31.27). O profeta Ezequiel, então, profetizou o dia em que Israel seria, finalmente, capaz de viver uma vida santa à semelhança da santidade de Deus (1Pe.1.16) quando o Espírito do Senhor lhes fosse dado: “Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis” (Ez.36.26-27). Esse dia chegou por meio de Cristo, razão para o apóstolo Pedro relembrar o mandamento do Senhor: “sede santos, porque Eu Sou Santo” (1Pe.1.16). Adiante, Pedro aplica o texto de Isaías 8.13 à relação dos cristãos com Jesus dizendo: “santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração” (1Pe.3.15).

Essa nova vida guiada pelo Espírito do Senhor deveria ser vivida “durante o tempo de vossa peregrinação” (1Pe.1.17). Aqueles cristãos-judeus estavam dispersos pelo mundo e ansiavam pelo “dia da visitação” (1Pe.2.12) do Senhor, quando finalmente eles receberiam “a imarcescível coroa da glória” (1Pe.5.4). Esta visitação não pode ser uma referência à queda de Jerusalém, pois os destinatários estavam espalhados por outras nações, não residiam na Judeia (1Pe.1.1). Também, no pode ser uma referência a qualquer restauração da nação de Israel, pois a esperança anunciada por Pedro é “mais preciosa do que o ouro perecível” (1Pe.1.7). A questão é: Que dia é esse, já que a Cristo “pertence a glória e o domínio pelos séculos dos séculos” (1Pe.4.11)? Observe-se que Pedro não oferece duas esperanças nem duas visitações, mas uma só apontada do início ao final da carta, a fim de que os cristãos-judeus não desistissem de perseverar, mesmo diante das muitas lutas que enfrentavam (1Pe.1.6).

Mesmo estando dispersos, o apóstolo não os conforta com promessas de um Israel físico glorioso, mas, sim, de uma vida eterna gloriosa, “reservada nos céus” (1Pe.1.4). Há apenas uma esperança lembrada por Pedro, assim como, também, há apenas um inimigo, “o diabo, vosso adversário” (1Pe.5.8). O apóstolo ordena que os cristãos-judeus procedam com piedade e santidade, sendo exemplo em todo comportamento diante dos gentios (1Pe.2.12), “não pagando mal por mal ou injúria por injúria; antes, pelo contrário, bendizendo” (1Pe.3.9), “dando razão da esperança que há em vós” (1Pe.3.15), durante o “tempo que vos resta na carne” (1Pe.4.2), sabendo que Cristo já reina “à destra de Deus, ficando-lhe subordinados anjos, e potestades, e poderes” (1Pe.3.22).

Em 1 Pedro 2, o apóstolo traz à luz a imagem veterotestamentária de Israel e seu Templo, nos dias de glória da nação, quando Deus era adorado por meio dos contínuos sacrifícios. No entanto, Pedro substitui o Templo físico pela nova morada erguida por Deus, através da obra de Cristo operada naqueles que criam. Nesse momento, é importante que lembremos texto de Ezequiel 37.26-27, a fim de mostrar que os autores do Novo Testamento haviam compreendido seu cumprimento por meio da obra redentora de Jesus:

Farei com eles aliança de paz; será aliança perpétua. Estabelecê-los-ei, e os multiplicarei, e porei o meu santuário no meio deles, para sempre. A minha morada estará com eles; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. As nações saberão que eu sou o SENHOR que santifico a Israel, quando o meu santuário estiver para sempre no meio deles.”

Todos os elementos mencionados pelo profeta Ezequiel são encontrados no Novo Testamento em clara alusão à obra redentora de Jesus (Cl.1.20; Hb.12.24; Ef.2.21-22; Jo.14.23; 17.17; Rm.15.16; Hb.10.10; 1Pe.3.15). A nova aliança feita por meio do “precioso sangue” (1Pe.1.19) de Cristo trouxe “graça e paz” para seu povo (1Pe.1.2; 5.14), pois o santuário (Ef.5.27) do Senhor foi erguido no meio dele, sendo Cristo a pedra angular:

Chegando-vos para ele, a pedra que vive, rejeitada, sim, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo. (1Pe.2.4-5)

Pedro cria a imagem de um Templo formado de Pedras vivas, os cristãos. A expressão “casa de oração” nos remete à expressão “casa de oração”, usada pelo profeta Isaías (Is.56.7) e por Jesus (Mt.21.13), referência ao Templo de Israel. Portanto, segundo Pedro, os cristãos formam um Templo no qual Deus manifesta sua presença e glória, recebendo “sacrifícios espirituais” por meio de Jesus Cristo. Desta forma, Deus habita no meio de seu povo (não “em templos feitos por mãos de homens” - At.17.24), conforme Jesus já havia prometido aos discípulos que o faria: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada” (Jo.14.23).

Por meio de Jesus, então, Deus cumpriu sua promessa de erguer no meio de seu povo seu santuário para habitar para sempre nele. Desde então, o Espírito do Senhor habita na igreja formada tanto de judeus quanto de gentios e estará para sempre com ela. Portanto, por qual razão Deus negaria sua obra redentora, retrocedendo para que Israel tivesse um templo feito por mãos de homens no meio da nação? Jesus havia dito que aquele templo seria destruído (Mt.24.2) sem qualquer promessa de reconstrução, pois o verdadeiro Templo de Deus é o corpo de Cristo (Jo.2.21), por meio do qual todo o que crê o adora em “ESPÍRITO e em VERDADE” (Jo.4.23-24). Por qual razão o Senhor se agradaria em ver Israel negá-lo, praticando ritos inúteis, já que “é impossível que o sangue de touros e de bodes remova pecados” (Hb.10.4)? O novo Templo de Deus havia sido erguido e era composto de pedras que vivem, não pedras sem vida (1Pe.2.5).

A explicação de Pedro sobre a igreja ser “casa espiritual” foi bem entendida pelos cristãos-judeus, acostumados a adorar a Deus no Templo de Jerusalém. Agora, porém, eles adorariam ao Senhor em qualquer lugar por meio de Cristo, oferecendo “sacrifícios espirituais agradáveis a Deus” (1Pe.2.5), portanto eles eram “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus” (1Pe.2.9). O apóstolo, então, aplica o texto de Êxodo 19.5-6, Deuteronômio 7.6 e 14.2 aos cristãos-judeus. Ou seja, eles que criam em Cristo eram o verdadeiro Israel de Deus, não aqueles que negavam Jesus (1Pe.2.6-8). Mas, alguém poderia pensar que Pedro estava apenas repetindo a Palavra do Senhor, destinada a Israel, afinal aqueles cristãos eram judeus. Por isso, Pedro continua dizendo: “vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia” (1Pe.2.10). Ou seja, sem Cristo os judeus não poderiam ser considerados legítimo povo de Deus (Mt.23.15; Jo.8.44), pois a eterna salvação do Senhor, prometida pelos profetas, está destinada apenas aos que creem no Filho de Deus.

Toda esperança e glória dos cristãos-judeus, para os quais Pedro escreve, apontam para a salvação eterna. Ainda que eles estivessem passando por provações promovidas pelos gentios que criavam problemas pessoais e políticos, não deveriam lutar com armas humanas, mas guerrear contra as próprias paixões (1Pe.2.11). Por essa razão, o apóstolo os exorta a se comportarem com piedade em todo tempo, tanto diante de todos os homens comuns quanto diante das autoridades (1Pe.2.13-14). Esse procedimento deveria ser coerente com a esperança que tinham em Cristo, pois aguardavam a recompensa de Deus à semelhança de Cristo que sofreu por nós, mas depois foi glorificado (1Pe.3.13-22). Essa era a verdadeira esperança de Israel, a mesma que deveria ser aguardada ainda hoje.

Jerusalém, então, não é o foco do Novo Testamento no qual o nome da cidade só aparece 14 vezes, considerando as cartas paulinas, cartas gerais e Apocalipse. O apóstolo Pedro não faz menção desta cidade nenhuma vez (ainda que faça menção da Babilônia) nem do Templo físico de Jerusalém nem de qualquer esperança de reinado terreno com Jesus, todavia anima os cristãos-judeus lhes falando sobre o cumprimento da obra redentora que os havia alcançado, “porque estáveis desgarrados como ovelhas, agora, porém, vos convertestes ao Pastor e Bispo da vossa alma” (1Pe.2.25).


Portanto, falando de judeu para judeus, Pedro aplica os textos do Antigo Testamento à vida com Cristo sem qualquer alusão a esperanças físicas e terrenas, passageiras e políticas para o povo de Israel. Deveríamos, em nossos dias, proceder de igual forma, anunciando a Cristo como única esperança para Israel e todas as demais nações. Conforme Pedro a única glória a ser aguardada pelos judeus é a vida eterna em Cristo; e, segundo Jesus e Paulo, o povo de Israel ainda reconhecerá que o Messias já veio, para quem toda a Escritura Sagrada do Antigo Testamento aponta, tendo cumprido os ritos judaicos, confirmado os mandamentos da lei e concretizado as promessas proferidas pelos profetas. 

Um comentário:

  1. Excelente artigo Reverendo! Tirou todas as dúvidas que restavam, especialmente a que eu tinha sobre o livro de Ezequiel. Deus abençoe!

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